36 | Dégagé
Oi, oi, oi, faccionáriessss do meu coração! Que saudades!!! Como vocês estão?
Eu aproveitei muito as férias, mas dá uma tristeza voltar ao dia a dia de trabalho, confesso! Mas amo voltar a postar. Ah, e esse é um dos meus capítulos favoritos! Espero que gostem 💜
Boa leitura e, se gostarem, comentem, porque amo saber o que vocês estão achando!!
#EstrelandoOCoadjuvante
»»🩰««
Jungkook voltou ao ponto que marcara como o seu início, entre duas fitas gastas transpassando o linóleo surrado. Ainda bem que a competição permitia a marcação de palco; não só o tamanho desse era muito maior do que Jungkook sequer imaginava, como o sensação emborrachada do linóleo contra sua sapatilha era muito diferente da madeira lisa do Centro Cultural e da grama do quintal de Hoseok.
Seu coração já o ensurdecia. Era tudo profissional demais. Talvez, real demais. Ergueu a cabeça e encontrou Jimin no meio dos assentos do teatro, erguendo o polegar positivamente, para indicar o acerto na posição inicial. Jungkook respirou fundo.
Para não se cansar ou se lesionar, apenas marcou os movimentos da coreografia, testando o quanto deveria se movimentar pelo palco com cada. Era mais desafiador do que esperado: A Morte do Cisne original tinha passos pequenos, curtos, agoniados de uma morte delicada. Mas sua Fênix... morria de forma espalhafatosa. Tomava todo lugar, exigia que assistissem às suas chamas prestes a minguar; tinha movimentos agoniados, mas nada frágeis. Jungkook precisava achar uma forma de tornar aquele palco seu.
A cada movimento, observava Jimin. Às vezes ele fazia gestos positivos; outras, pedia a ele para ir mais para um lado ou para o outro, e repetiam até acertar; com pressa, claro, pela finitude do tempo oferecido para a marcação de palco.
Depois de remapear toda a coreografia, Jungkook a marcou uma última vez. Ainda não com a energia da apresentação de verdade, mas com mais firmeza, em especial nos pés, para entender melhor como o linóleo reagia aos seus passos. No fundo, agradeceu o fato de não ter nenhuma sequência de piruetas na Morte da Fênix.
Uma moça da organização consultou a prancheta em mãos e avisou o fim do tempo. Jungkook agradeceu e saiu do palco. Ainda era um encanto ver, em primeira mão, os bastidores: as coxias, os canhões de luz, as máquinas de fumaça, as caixas de som empilhadas, as escadas, as portas para os camarins; tudo bem apertadinho e escuro por trás das cortinas.
Ao dar a volta pelos fundos, encontrou-se com Jimin em um canto da plateia, acompanhado de uma mochila imensa — com todo seu figurino e todas as maletas de maquiagem do namorado —, de Hoseok, de Momo e de Yerim. Embora os últimos fossem seus "rivais", Jungkook ficou feliz em vê-los. Traziam uma familiaridade que o acalmava, sentia-se menos deslocado. Todos queriam vencer, era óbvio, mas em vez daquela vontade parecer uma sensação dura e hostil; parecia mais uma compreensão doce, um pouco nervosa, e muito encorajadora.
— E aí, como tá o coração? — Hoseok perguntou, rindo.
Jungkook, confuso, pousou a mão no peito. Disparado. Contudo, estava há tanto tempo assim que sentia como se fosse seu novo normal. Lambeu os lábios e deu uma risadinha nervosa.
— Desesperado, mas eu nem tinha notado. Tá assim desde ontem de noite — respondeu, e assistiu a todos ao seu redor acenarem a cabeça em compreensão. — E a marcação de palco de vocês?
— A minha já foi — Yerim contou. — Deu tudo certo, mas detesto linóleo. O que custava deixar o tablado sem nada pra gente?
— Nossa, também achei muito estranho — Jungkook concordou. — Faz muito sentido porque nos vídeos de balé que assisti o palco sempre tinha o chão preto. Mas nunca soube que era linóleo, é minha primeira vez nele.
— Bem, do jeito que esse teatro é velho, é bem provável que o tablado esteja mais pra lá do que pra cá — Momo argumentou. — Já dancei em um teatro sem linóleo e minha sapatilha enganchou entre duas ripas de madeiras. Quase levei um tombo. Na verdade, levei, mas pelo menos caí ajoelhada, aí consegui fingir que era friamente calculado.
— Só erguer o braço com o dedinho todo afetado de bailarina e fazer uma expressão de quem cheirou peido que pronto: passo de balé! Nada que um carão não resolva — brincou Yerim, caindo na risada sozinha, mas logo sendo acompanhada pelos outros.
— Isso é real demais! — riu Hoseok. — Na última vez que eu participei da competição, escorreguei e caí. Não era dedinho e expressão de peido, mas me joguei no chão como se tivesse sido minha intenção o tempo todo. Não perdi nem um pontinho de técnica por causa disso!
— Você faz o quê? — Yerim arregalou os olhos de curiosidade. Falava com Hoseok porque ele estava perto do Chim, mas não se apresentaram direito.
— Eu? Danças urbanas! Pena que não colocaram a gente em categorias diferentes. E vocês duas fazem aula com o Jungkook, né?
Momo e Yerim se entreolharam. Jimin e Jungkook notaram tarde demais o vacilo.
— Não, a gente faz com o Jey... Jimin — Momo disse, confusa. Já notando algo de estranho pela expressão espantada de Hoseok, encarou Jimin, buscando explicações.
— Então... Talvez, o Jimin seja eu — Jimin confessou, erguendo os ombros como uma tentativa de parecer inocente. — E ele é o Jungkook.
— Gente, mas por quê?! — Yerim tinha coberto a boca com a mão, caricata. Jungkook teria rido se não sentisse aquela amizade se equilibrar em um precipício.
Jimin e Jungkook trocaram olhares, apreensivos. Apesar de todas as dúvidas, um consenso silencioso se fez e Jimin murmurou:
— É porque os pais do Jungkook são meio... chatos. — Era um eufemismo dos grandes, mas continuou: — Primeiro que eles não dariam autorização ao Jungkook para fazer as aulas, segundo que se o nome dele estivesse lá, poderiam infernizar a vida dele.
— Eita! E na competição, tá o nome dele mesmo? — perguntou a Yerim.
— Sim, como a organização é de outra cidade, não tinha tanto perigo dos pais dele descobrirem — Jimin explicou, lambendo os lábios e buscando a mão do namorado com a sua, temendo magoá-lo. Sentiu um aperto de Jungkook e ficou um pouco mais tranquilo. Não muito, mas um pouco. — Também mandei um e-mail pedindo para não anunciarem o nome dele.
— Mas agora minha mãe já sabe — Jungkook constatou. Como que desperto, olhou ao redor. — E já que ela sabe, quero ser anunciado. Vou procurar alguém da organização.
Foi um lampejo tão único, uma epifania tão clara, que Jungkook simplesmente soltou a mão de Jimin e caminhou até a moça da organização que cuidava dos horários das passagens de palco. Ela o apontou uma outra moça, perto da cabine de luz e de som. E foi. De novo. Em passadas decididas, com seu nome na ponta da língua, pronto para escapar.
Jeon Jungkook.
Era Jeon Jungkook.
Queria ser anunciado como Jeon Jungkook.
Enfim viveria como Jeon Jungkook. Sendo difícil ou não.
Talvez estivesse incisivo ou afobado demais, porque a moça responsável pela programação ficou boquiaberta por bons instantes antes de pegar o notebook debaixo do braço e arrumar a inscrição. Jungkook sentia-se alheio, até disperso, como quando uma necessidade fisiológica o consumia e só se podia prestar atenção em supri-la. Como uma fome desesperadora.
Ele precisava, mais do que tudo, ser Jungkook de verdade, e não uma sombra perdida. Então, quando ouviu a confirmação do ajuste da inscrição, o coração já disparado falhou uma batida. Sentiu um alívio tão pungente que até causou dor no começo. Queria sorver todo aquele novo gosto de se impor. De ter seu nome. Com todas as letrinhas. Sentia-se capaz de se afogar com tanto, mas mesmo um gole foi o suficiente para embebedá-lo da sensação tão deliciosa.
Jimin apareceu ao lado, com uma expressão preocupada; Jungkook ofereceu-lhe um sorriso. Um sorriso muito difícil de se decifrar, tanto para Jimin quanto para Jungkook, por carregar tantos e tantos sentimentos que se misturavam de uma forma indistinguível.
— Está tudo bem, gracinha? — Jimin perguntou, baixo e devagar, depois de puxá-lo pela mão até um canto mais vazio da plateia.
— Sim, muito bem... — concordou, com a voz cheia de ar, ansiosa, emocionada. — Obrigado por criar o Jey.
— Quê?
— Eu precisava dele. Obrigado, de verdade, eu só conseguia dançar como Jey.
— Não precisa...
— Mas hoje o Jeon Jungkook vai subir naquele palco. E obrigado por isso também.
— Gracinha...
— Eu sei o que você vai falar. Que é só apoio. Que eu cheguei até aqui por ter me esforçado. E eu sei. Mas obrigado, obrigado, muito obrigado, por criar o Jey. Acho que só consigo querer ser o Jungkook de verdade hoje por ter conhecido ele. Por ter conhecido você.
— Gracinha...
— Eu te amo.
— Eu também te amo — Jimin cedeu, com um suspiro. Aproximou-se de Jungkook, enlaçando os braços ao redor de sua cintura. O rosto alheio buscou o seu e o deu de petisco a respiração tão afoita, tão mexida.
— E eu amava ser o Jey, mas espero amar ser o Jungkook também.
— Tenho certeza que sim, o Jungkook é uma pessoa maravilhosa. Tenho certeza que você vai amá-lo como eu o amo. — Para finalizar, Jimin ergueu-se na ponta dos pés para depositar um beijo casto nos lábios alheios. Jungkook subiu a mão pela nuca de fios rosa.
— Precisamos largar esses livros de poesia. — Riu baixinho contra os lábios de Jimin.
— Eu, não! — Jimin riu de volta e enfim puxou Jungkook para um abraço e apoiou o queixo em seu ombro. — Leio poesias desde pequenininho, você não pode me proibir de recitá-las logo agora que eu não tenho mais um medo e um desconforto tão profundo em falar! Foi muito difícil!
Jungkook riu e afastou o abraço para pousar as mãos nas bochechas de Jimin. Quentes, para variar, ele ainda ficava tímido em ser tão sincero; era a coisa mais fofa do mundo. Beijou cada uma das bochechas, naquele seu vício de experimentar a quentura. Dessa vez, experimentava ter seu pilar; Jimin não mentira: estivera do seu lado, apoiando-o em cada segundo. E o faria depois também, quando o palco sob seus pés fosse o caminho para a bolsa de estudos.
Quando o tempo juntos soou demais para um casal acompanhado de um grupo de amigos, juntaram-se a Yerim, Momo e Hoseok. Eles já pareciam ter virado grandes amigos. Jimin e Jungkook se espantaram com a intimidade, mas depois lembraram que, daquele grupo, eram os mais tímidos.
Acomodaram-se nos bancos da plateia, assistindo à marcação de palco de outros competidores e conversando entre si. Momo, depois de alguns minutos, foi fazer sua marcação de palco, contando com a ajuda atrapalhada de Yerim. Hoseok foi o último, talvez por ser de um estilo de dança diferente. Jimin gravou com o celular para que o amigo de infância pudesse avaliar-se.
Mesmo após a marcação de palco de todos, ainda faltavam algumas horas para o início da competição. Então, o grupo resolveu sair para arrumar um lanche leve — sanduíche natural, de acordo com Yerim, era a comida da sorte.
Em uma lanchonete na esquina do teatro, Taehyung e Yoongi se juntaram ao grupo. Ao contrário de Hoseok, nenhum dos dois era muito de amizades, mas fizeram um esforço admirável e até se saíram bem. Ao final dos sanduíches, Jimin, em seu papel de rei dos lanchinhos, ofereceu algumas frutas, divididas entre todos com animação.
O dia transcorria tão tranquilamente; era surreal para Jungkook pensar que, em algumas horas, ele seria decisivo. Que teria três minutos para mostrar o resultado de meses de treino. Entretanto, a tranquilidade minguava a cada passada do ponteiro do relógio de pulso de Yoongi, sendo substituída por um nervosismo sem precedentes.
Olhou ao redor e notou Hoseok, Momo e Yerim na mesma situação. Compartilharam um sorriso fraco entre si, de nervosismo e de compreensão. Jimin, notando, sugeriu já voltarem.
Já haviam fechado a plateia, tanto para os competidores — que não entrariam por ali — quanto para público externo — cuja entrada só seria liberada meia hora antes do evento. O salão principal do teatro, em consequência, estava um caos.
Diversos competidores corriam de um lado para o outro, muitos já vestidos de seu figurino, mas com a maquiagem pela metade. Jungkook notou, curioso, que muitos usavam as próprias roupas de treino e refletiu que poderia ser ele mesmo, se não fosse o fato de ter um namorado cismado com editais.
— Hm... Vou ver se me troco no banheiro... — Yerim consultou as horas no seu celular. — Daqui a pouco eles devem chamar os primeiros competidores pra fazer fila.
— Vou com você, aproveito e me troco também — Momo disse.
— Vai ser ótimo! A Giselle tem uns coisinhos na cabeça que eu não consigo deixar simétrico de jeito nenhum, você me ajuda?
— Claro, preciso de ajuda pra fechar o corset da Odile também. Minha mãe vai chegar com o tutu depois porque não queria carregar no braço.
Enquanto elas se dirigiam aos banheiros, com uma fila enorme de meninas com mochilas imensas nas costas, todos os outros olharam para Jungkook, o conhecedor oficial de balé, em busca de explicações.
— Giselle é a protagonista de um balé de mesmo nome. Ela vira tipo um espírito vingativo de virgem que morre antes da noite de núpcias e faz homens dançarem até a morte. Tudo isso porque um cara enganou ela e ela se matou.
— Hm, gostei disso — Taehyung comentou, despretensiosamente.
— Mas ela perdoa — acrescentou Jungkook.
— Hm, não gostei disso. — Taehyung torceu o nariz. Em sua concepção, era um desperdício virar um espírito vingativo e não matar ninguém. Ele colocaria pelo menos uns dez caras para dançarem até a morte.
— E a Odile? — perguntou Hoseok. Yoongi fez cara de quem sabia, mas se manteve quieto.
— É o nome do cisne do mal de Lago dos Cisnes. O solo da Odile é um dos mais difíceis do balé, ela gira muuuito. Faz sentido a Momo ter pegado ele, ela é muito experiente e o solo mostra isso.
Enquanto esperavam as duas voltarem do banheiro, Jimin checou o estado do banheiro masculino — com fila, mas bem menos — e puxou para lá Jungkook, porque começavam a chamar os primeiros competidores em fila. Jungkook não era um dos primeiros, mas a cara daquela fila não era das melhores. Taehyung os acompanhou para ajudar com o collant. Hoseok e Yoongi, por sua vez, continuaram esperando do lado de fora porque Hoseok já estava com a calça do figurino e apenas trocou a blusa, sem se incomodar de ir ao banheiro para isso.
Apesar de chatinho, Jungkook já tinha se acostumado a vestir o dance belt. E como sempre, o clássico fusô preto entrou fácil, mas vestir o collant repleto de lantejoulas não poderia ser descrito da mesma forma, já que qualquer esticadinha indevida era um perigo. Porém, com uma ajuda de Taehyung e de Jimin, conseguiu. Olhou-se pelo espelho surrado e manchado do banheiro, em uma frestinha entre vários corpos seminus de outros bailarinos e competidores.
Ainda era difícil acreditar que tudo fora feito à mão por Taehyung, a peça era muito bem feita. As lantejoulas modelavam uma espécie de colete em vermelho, laranja e amarelo, formando um belo padrão diagonal que valorizava o corpo.
Jimin espalhou uma geleia corporal com glitter dourado nas partes expostas de pele — braços, ombros, pescoço, e um pouco do rosto. Ouviram piadinhas de Taehyung sobre estar atrapalhando algo? Claro. Contudo, foi um alívio cômico bem-vindo naquele momento. Por mais que negassem, estavam todos muito nervosos com a competição, não só Jungkook.
Uma capa etérea nos mesmos tons das lantejoulas foi presa nos ombros do bailarino com botões frágeis, de forma que fosse fácil de arrancar. Para completar, Jungkook calçou as sapatilhas vermelhas e brilhantes. Sentia-se uma mistura de Dorothy do Mágico de Oz com Barbie e as Doze Princesas Bailarinas.
De figurino completo, Jimin começou a maquiá-lo enquanto Taehyung verificava se todas as lantejoulas estavam alinhadas. O pensamento de se sentir uma celebridade com tanta arrumação lhe permitiu dar uma risadinha, e aproveitou para tentar derreter o nervosismo com ela. O peso da mão de Jimin apoiada em sua bochecha enquanto aplicava sombra também era tão rotineiro e gostoso que o tranquilizava.
Jimin, talvez mais nervoso do que o namorado com a competição, tinha treinado a maquiagem exaustivamente, para nada dar errado e para fazê-la rápido, então logo a terminou o seu trabalho: pálpebras de um profundo vermelho, com um delineado escapando em tons de laranja e amarelo, formando o desenho de chamas. Dramático, para ser bem visível mesmo da plateia. Penteou e prendeu os cabelos de Jungkook em um rabo de cavalo ordeiro, como um príncipe. Puxou da mochila a tinta spray vermelha específica para cabelos. Porém, em vez de fazer mechas, aplicou-a por toda a parte externa do cabelo de Jungkook; não deixou penetrar nos fios de dentro, protegidos pelo rabo de cavalo, era muito importante.
Por último, cobriu as mãos de Jungkook até a metade do antebraço com tinta corporal preta, daquelas pastosas, e vestiu-o com luvas de plástico para que não saísse manchando as coisas por aí. O visual ficou muito bonito: borrado, como se houvesse mesmo mergulhado os braços em cinzas.
Jimin e Taehyung deram alguns passos para trás para admirar o conjunto da obra em sua versão final (com dificuldade pelo aposento estar muito apertado e esbarrando em muitos corpos enquanto o faziam). Ambos gostaram do que viram: Jungkook parecia mesmo um príncipe das chamas, a personificação de uma fênix imponente.
— Você está perfeito... — Jimin murmurou, em um tom admirado. Sua boca formigou de vontade de beijá-lo.
— Me dói concordar com o viadinho nº 1, mas é verdade — Taehyung disse.
Jungkook deu um sorriso tímido. Então, prendeu a respiração antes de se olhar no espelho uma última vez.
Era verdade.
Estava perfeito.
Jungkook respirou fundo para não deixar lágrimas escaparem com medo de estragar a maquiagem, mas um sorriso enorme não foi impedido de tomar sua boca. Com cuidado devido às mãos cheias de tinta, jogou cada braço por cima do ombro de um dos seus assistentes honorários e puxou ambos para um abraço.
Sentiu o corpo de Taehyung retesar por alguns instantes antes de relaxar, o que fez seu sorriso crescer. Jimin, por outro lado, acariciou suas costas com delicadeza assim que se encaixou no abraço.
— Aliás, gracinha, está permitido chorar, viu? — Jimin comentou. — A maquiagem é à prova d'água.
— Você pensou nisso tudo? — murmurou Jungkook, e a voz embargada indicava ter sido uma escolha muito certeira. Sentia-se permanentemente prestes a chorar.
— Quando não penso, gracinha? — Jimin usou seu tom marrento e deu uma risada gostosa que reverberou por todo o corpo de Jungkook.
— Se vocês continuarem sendo tão viadinhos comigo de plateia, eu vou sair desse abraço, hein? — resmungou Taehyung, fazendo os outros dois caírem na risada.
Jungkook abraçou o gótico com ainda mais firmeza; não o deixaria escapar. Ele soltou um novo gemido de insatisfação, mas não fez nenhuma menção de se desvencilhar. Sorrindo com a abertura de caráter duvidoso, Jungkook apoiou seu queixo no ombro dele.
— Obrigado... De verdade, Taehyung — sussurrou. — Não seria tão incrível sem sua ajuda com o figurino. Também não seria o mesmo sem sua ajuda pra eu ser um pouco mais compreensivo com meus sentimentos. Você é um amigo incrível.
— Calma lá! Cê é, no máximo, meu colega. Não vai sentando na janela, não, abusado!
— Se você acredita nisso... — Jungkook provocou e deu outra risada. Foi bom até, porque a vontade de chorar melhorou um pouco.
— Vamos voltar para o salão principal? Pelo horário, daqui a pouco devem chamar o Jungkook para entrar na fila — Jimin comentou, em um tom manso, mas já cheio daquela sua preocupação ordeira tão característica. Talvez, só talvez, Jungkook tivesse se apaixonado um pouquinho mais ao ouvir de novo aquele tom de voz.
— Vou primeiro caso cês queiram enfiar a língua na boca um do outro, saliva da sorte, sei lá, esse tipo de coisa estranha de namorados. — Taehyung desvencilhou-se de pronto do abraço e desapareceu do banheiro em velocidade recorde.
Jimin e Jungkook riram. Depois, coraram. Apesar de não ser uma sugestão de todo ruim, o banheiro estava cheio de outros participantes, então não parecia uma boa ideia algo tão íntimo. Mesmo assim, lá ainda tinham mais privacidade do que no salão principal, então Jimin levantou o queixo de Jungkook com a unha.
— Estou torcendo por você, gracinha... — foi o que murmurou antes de puxá-lo em um selinho longo, muito longo. Sorriram durante o beijo e, com os olhos fechados, incapazes de observar qualquer comoção ao redor, mergulharam em sua bolha de satisfação. — Te amo demais da conta...
— Também te amo muito... Obrigado por tudo. Vou dançar com tudo que você me deu, prometo.
E, ao passo que aquele momento de confissões e de selinhos longos pareceu durar uma pequena eternidade, deslocada do espaço-tempo pela atenção calma no amor tão sólido colocar algumas barreiras para o ponteiro de segundos do relógio — tão contrastante com o afoito início do namoro —, os momentos seguintes foram tão ligeiros que era como um pedaço faltante da memória. Chegaram no salão lotado, com as portas da plateia já escancaradas e recebendo convidados. Com dificuldade, encontraram Yoongi, Hoseok e Taehyung; Yerim já tinha sido chamada e Momo foi junto. Mal trocaram palavras e o nome de Jungkook soou nos alto-falantes do teatro.
Em um susto, o bailarino pegou seus pertences, agradeceu a todos, desejou uma boa competição a Hoseok e, quando percebeu, já estava em uma fila nos fundos do teatro. Naquele momento, o coração parecia prestes a sair do peito.
O estômago revirou e ele perguntou para uma pessoa da organização se poderia ir ao banheiro. Com a permissão, correu para o mais próximo; não pretendia usá-lo, tinha o feito logo antes de vestir o figurino pois seria uma missão impossível tirá-lo e recolocá-lo. Mesmo assim, entrou em uma cabine vaga.
Apoiou as costas na porta. Inspirou e expirou, devagar, assim como Jimin tinha contado fazer para as competições de kung fu ao amarrar a tornozeleira da sorte nele na manhã daquele dia, depois de tomarem café. A lembrança deu um estalo em Jungkook que, mesmo nervoso como estava, não acreditava ter esquecido, mesmo por um só momento. Jimin tinha dado, sim, um pedaço de sua presença para quando não estivesse lá em corpo.
Jungkook colocou a mão dentro da pequena mochila. Usando as luvas de plástico, tudo ficava um pouco difícil e desajeitado, mas assim que firmou o papel contra seus dedos, foi tomado por calma e emoção. Tão ambíguo. Mas vinha de Jimin, e Jimin tinha o mapa de sua alma e vice-versa; então, não havia por que temer. A ansiedade curiosa de saber o que estava lá o consumia. E, enfim, era a hora da verdade.
Sentou-se na tampa da privada da cabine e respirou fundo enquanto tirava as duas folhas de papel do envelope cor-de-rosa e delicado. Tinha cheiro de morango; claro que teria. A primeira página expunha uma poesia, escrita na letra de Jimin com uma tinta azul e brilhante. Na borda da folha de papel, havia alguns "V"s desenhados, formando um grupo de pássaros.
"há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.
(...)
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?"
Esse é um poema do Bukowski. Ele é conhecido por ser polêmico, coloquial, negativo e obsceno demais em sua escrita. Acredita-se que seu pássaro azul seja o completo oposto, pois ele comenta do pássaro azul atrapalhar a venda de seus livros (essa é a parte do poema que omiti para deixá-lo mais bonitinho para essa carta).
Eu me sentia assim, sabe? Na razão de calar meu pássaro azul, por ele ser uma ameaça à minha sobrevivência. Contudo, notei minha hipocrisia recentemente. Eu exibo as penas de meu pássaro azul; visto-as, sem deixá-lo voar. Sempre achei que mostrá-las fosse transgressão o suficiente e que nunca poderia libertá-lo por completo.
Acho que a primeira vez que tentei libertar meu pássaro azul foi no aniversário do Hobi. Tive certeza disso por ter chorado depois. Deixar um pássaro sair da gaiola também significa deixá-lo à mercê de várias ameaças e intempéries. Não gostei muito da sensação porque, assim como Bukowski, eu não chorava.
Eu estava prestes a guardá-lo mais uma vez, mas você arrancou a porta da gaiola dele. Acho que eu nunca te contei, mas aquele dia seguinte, ao seu lado, mudou tudo para mim. Quando eu te agradeci por estar lá e você chorou comigo, eu achei lindo. Seu pássaro azul era tão lindo, tão verdadeiro comparado às penas supérfluas que eu exibia, que quis deixar o meu voar.
Sendo sincero, talvez meu pássaro azul ainda seja um pássaro doméstico. Não tenho confiança em deixá-lo virar um pássaro migratório, deixá-lo voar para muito longe do ninho. Mas ele voa um pouquinho e tem orgulho de estar no céu. Tudo por sua causa.
Eu sei que seu pássaro azul também não voa em qualquer rota. Mas sei que hoje vou vê-lo voar, vestido de fênix. Gosto disso. Assim como gosto de como criamos as comparações e as metáforas mais cafonas do mundo. Meu pássaro azul é muito cafona e é mais um motivo pelo qual nunca achei que iria libertá-lo, mas o fiz.
Não tenho nenhuma dica para escrever aqui, porque sei que você guarda, dentro de si, todas as respostas necessárias e toda a preparação realizada para essa competição. Só sei que estou ansioso em te ver dançar em um palco de verdade, porque mesmo naquela primeira vez que te gravei, na sala abandonada, já via um artista. Boa apresentação! Sei que para mim já vai ser, porque estou doido para ver sua bela fênix morrer, para ver seu pássaro azul voar. Sei que será lindo, assim como o brilho de seus olhos, que me encantam tanto.
Eu te amo muito, Jeon Jungkook. E estou torcendo por você. Sempre por você.
Com amor,
o pássaro azul cafona que você libertou e que ama ser seu docinho,
Park Jimin
O fim da carta foi lido através de uma lente de lágrimas. Talvez Jimin já soubesse o risco e por isso usara maquiagem à prova d'água. Jungkook respirou fundo, sorrindo. Uma lágrima escorreu, mas sua quentura era um acalanto, quase uma carícia em sua bochecha, um incentivo. Apertou a carta contra o peito enquanto deixava sua mão descer até a tornozeleira da sorte, por dentro do tecido preto que cobria até mesmo seus pés, formando apenas um relevo.
A carta caíra como uma luva, porque amava o fato de Jeon Jungkook ser o amado por Park Jimin. E amava o fato de que seu pássaro azul seria libertado de vez. Amava sua despedida do Jey. Não porque Jey não fosse importante; era, e muito. Mas porque Jey finalmente faria parte de um todo chamado Jeon Jungkook.
O coração, antes acelerado pelo nervosismo, continuava na mesma situação. A parte estranha era que a sensação era outra. Antes, era uma gelada, espaçada, perdida, como estar preso em uma enorme e indiferente solitária. No momento, era como um aperto quente, gostoso, cuidadoso, de dormir embrulhado nos lençóis e nos braços de Jimin.
Sentia-se pronto. Já se sentia, mas ficou mais. Era estranho colocar em palavras; de novo, seu corpo era tomado de tantas emoções e sentimentos que se perdia em cada um deles. Porém, daquela vez, reunia-os. Usaria cada um no palco.
Cheirou mais uma vez a cartinha, para experimentar de novo aquela sensação gostosa e protetora de Jimin ali. Releu-a, admirado com cada uma das palavras ali escritas. Seu namorado era tão lindamente cafona. De fato, um talento ser tão cafona e tão poético. De fato, um alívio vê-lo mostrar tanta intensidade no relacionamento quanto ele mesmo. Volta e meia sentia medo de ser sufocante de tão apaixonado.
Guardou o envelope com cuidado e voltou para a fila às pressas, com medo de ter demorado demais. Teve certeza do fato ao ver uma das pessoas da organização caminhar em direção ao banheiro quando saiu. Deu um sorriso amarelo e viu-se sendo conduzido pela fila até a sexta posição, atrás de uma menina com o vestido azul-celeste e pertinho da coxia. O estômago gelou. De fato, fora tudo muito rápido. Deixou sua mochila em um cantinho e tirou as luvas.
O coração aumentava a velocidade de seu martelar a cada competidor que entrava no palco em sua frente. Assistia às apresentações pelas cortinas da coxia, admirado. Tudo era tão rápido. Em um instante, a garota de vestido azul tomou o palco.
Tão rápido. O peito de Jungkook se encontrava amortecido de tão golpeado pelo coração. O suor frio arrepiou a pele. O alto-falante soou:
Próximo competidor: Jeon Jungkook. Categoria: balé de repertório. Título: A Morte da Fênix.
Jungkook não se sentia dono daqueles passos que o levaram pelo linóleo até o círculo branco do holofote no centro do palco. A luz era quente, por mais que sua barriga gelasse. A luz era ofuscante, e por mais que buscasse alguns rostos, não enxergava nem a plateia nem os jurados. Ouvia apenas os breves aplausos, oferecidos a cada mudança de competidor.
Houve um momento de silêncio entre o final dos aplausos e o início de sua música. Nele, o ar ficou estático. Nele, o tempo parou. Nele, Jungkook lembrava de todos os meses que o levaram até ali: com a coluna ereta, com os pés e os braços na quarta posição.
A música começou. E, com a música, Jungkook era dono, sim, de todos os passos.
Eram todos dele.
Unicamente dele.
A Fênix era muito diferente do Cisne. O Cisne era elegante e frágil; a Fênix, forte e altiva. Mesmo em seu leito de morte, cansada, ela se regozijava, porque teria mais uma vida a viver, porque se livraria das amarras criadas naquela vida. E Jungkook colecionara uma infinidade de sentimentos nos quais mergulhava, como se houvesse vivido todas as vidas de uma fênix naqueles últimos meses. Seus fios vermelhos, presos no rabo de cavalo, reluziam contra a luz branca de seu único holofote, assim como as lantejoulas vermelhas, laranjas e amarelas do collant.
O palco que parecera tão grande durante a marcação, tornara-se pequeno. Jungkook o atravessava tão rápido, com tanta posse. Era seu ninho. Seu. Cada espaço e momento daquela apresentação, cada ponta do pé, cada arabesque, cada inspiração buscando mais força, cada expiração que servia de fuga para o nervosismo. Era tudo seu. Aquele recorte único, aquela representação de tantas semanas de treino, todo aquele momento tão singular de uma vida atestou a Jungkook o que já sentia: pertencia ao palco.
Pertencia ao balé.
A cada novo acorde do piano e do violino, arranjados especialmente para si, seus movimentos perdiam a força. O meneio de seus braços movia as lantejoulas e o deixava, de pouco em pouco, preto. Os passos, tão fortes a princípio, vacilavam enquanto se aproximavam da morte. Lânguidos, mas nunca melancólicos. Porque Jungkook amava dançar. Porque Jungkook amava morrer. Porque Jungkook mataria Jey junto do Jungkook coadjuvante.
Curvou as costas, dramático e delicado, no auge de sua expressividade; porque Jungkook ensaiara até não precisar pensar, porque Jungkook sentia até não ser capaz de racionalizar. Enterrou o rosto nas mãos. Ao levantá-lo, o belo delineado de chamas fora substituído por borrões feito piche. Com o collant já opaco, repleto de lantejoulas foscas e negras, Jungkook abandonou as sapatilhas vermelhas e exibiu os pés cobertos pela meia preta.
Apenas o cabelo vermelho reluzia a força anterior das chamas. O último traço de toda aquela potência inicial. Mesmo lentos e vagarosos, todos seus últimos passos eram certeiros, como quem sabia o próximo; como quem buscava a morte com o queixo erguido.
Desmanchou-se em um espacate, em seu último suspiro.
Soltou os cabelos enquanto seu corpo desfalecia por cima da perna dianteira e os fios, negros, cobriram seu rosto. Enfim, morto. Enfim, puras cinzas.
A música fez uma pausa, bela e dramática. E, em um último acorde que Jungkook usou para fazer um cambré e jogar os cabelos para trás, mostrando-os vermelhos de novo, em uma combinação perfeita com seu sorriso confiante, a música finalizou.
Matara, enfim, sua fênix.
E ia nascer de novo.
Nascer como Jeon Jungkook.
»»🩰««
CHEGOU A COMPETIÇAO E NOSSO MENINO DANÇOU 😭😭😭😭😭😭😭 Ele cresceu tanto!!! E pensar que no começo da fic ele não pensava em dançar pra ninguém 😭😭😭 E ele superou o Jey 😭😭😭 e ele matou a fênix 😭😭😭
Ah, não se esquece de deixar seu votinho! 💜
Qual foi sua cena favorita? Apesar de eu amar com todo meu coração a apresentação do Jungkook, vou escolher a carta do Jimin, porque ela foi tão sincera! A parte mais fácil de escrever desse capítulo, não tive que pensar nada, o Minnie só contou pra mim 🥺
Muito, muito, muito obrigada mesmo a todo mundo que lê, comenta, vota e dá tanto carinho pra minha bebê!! Vocês são meu tudinho!
Beijinhos de luz e até 25/02/2023 às 19:00! Amo vocês!
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