Capítulo 02
Quase duas horas da tarde, Luciano pega a estrada, pelo seus cálculos ele consegue chegar antes da Mile e preparar a surpresa pra ela. Mas assim que chegou na Av. Paulista seus planos foram por água abaixo. Infelizmente houve um grande acidente, envolvendo cinco carros engavetados e um caminhão tombado bloqueando a passagem. O trânsito está parado nos dois sentidos e por ser véspera de Natal tudo funciona bem mais devagar.
Luciano checava o relógio de 30 em 30 segundos, mas nada mudava. A fila de carros só aumentava e já passava das 4 horas da tarde. O calor intenso mais a tensão de conseguir fazer o que planejou, o deixavam mais desesperado. O trânsito continuava a andar lentamente e nem sua seleção de músicas conseguia animá-lo.
– Mas que droga! — ele esbravejou batendo com as mãos no volante e tocando a buzina mais uma vez. — As pessoas falam tanto desse espírito de natal, da magia do natal, mas está claro que isso não existe. Olha o caos desse trânsito.
Luciano continuava a falar sozinho e a questionar tudo. Seu telefone começou a tocar e um sorriso logo apareceu em seu rosto, ao ver que eram seus filhos. Atendeu de pressa pois a saudade já era grande.
"— Oi papai, você já está chegando? — Lia, sua princesinha, perguntou assim que ele atendeu.
— É papai, já está escurecendo, onde você tá? — Leo, seu filho mais elétrico, perguntou
em seguida.
— Calma meus amores. Papai está preso no trânsito mas logo logo vou chegar aí. Agora me digam, a mamãe já chegou do trabalho?
— Ainda não papai! — os dois pequenos responderam juntos.
— Tomem o banho de vocês e fiquem arrumados esperando a mamãe. Logo estarei aí. Amo vocês!
— Tá bem papai. Também te amamos."
Eles desligaram e foram fazer exatamente o que o pai havia ordenado. Luciano ainda lutava com a buzina e o trânsito lento, quando ouviu um estrondo de uma batida no carro atrás do seu. O trânsito parou mais uma vez.
Luciano desceu do carro para ver o que tinha acontecido e se deparou com sua ex mulher, brigando com um homem que aparentemente teria batido no carro dela.
— Nena? Nena, você tá bem? O que houve?
— Luciano?— ela o encarou surpresa e desceu do carro. — Sim, estou bem. Meu carro que não quis pegar e esse idiota bateu na traseira. — Milena se surpreendeu ao ver Luciano mas estava concentrada demais em brigar com o homem que acabará de estragar o seu carro
— Vamos ligar pro seguro. Deixa que eu encosto seu carro.
Com a ajuda de mais algumas pessoas, eles conseguiram colocar o carro no acostamento. O cara que bateu deixou o cartão dele para que Milena entrasse em contato para dizer o valor do conserto e então voltou para a estrada. O trânsito já tinha voltado a andar, porém ainda lentamente. Luciano se encostou na traseira de seu carro e Milena fez o mesmo. Um olhava para o outro mas não tinham coragem de falar nada. Luciano buscava o melhor jeito de puxar assunto com ela, o nervosismo de ser rejeitado antes de fazer a surpresa o consumia. Mas ele sabia que aquela era uma oportunidade de ouro, por isso respirou fundo e começou a falar.
— Então, o que o pessoal do seguro falou? — Luciano puxa assunto, tentando quebrar o iceberg entre eles.
— Disseram que vai levar alguns minutos até o guincho chegar, aparentemente tive sorte dele estar por perto, se não levaria horas.
— Eu estava indo ver as crianças na casa da sua mãe. Posso te dar uma carona.
— Melhor não, Luciano. Prefiro ir de Uber ou ônibus. Vai ser melhor.
— Melhor pra quem, Nena? — Ele se aproxima dela, segurando sua mão.
— Pra mim, Luciano! Ainda não consigo ver um futuro para nós e não quero que as crianças pensem errado quando chegarmos lá.
— Desde quando Nena? Desde quando você parou de ver nossa família unida? De ver o quanto meu coração é completamente apaixonado por você?
Luciano buscava os olhos dela, que parecia lutar contra a própria vontade de olhar para ele. Milena sabia que se encarasse aqueles olhos claros tão apaixonados cederia facilmente, e ela não é uma mulher movida por sentimentos passageiros. Ela respirou fundo, soltou as mãos e começou a falar tudo que estava engasgado.
— Desde quando? Hum! Eu vou te contar. — Milena respirou fundo, passou as mãos no rosto e cabelos, pois a brisa gelada que começava a soprar na terra da garoa, bagunçavam seus fios de cabelo — Sabe aquela noite que as crianças estavam resfriadas, quando eles tinham apenas 5 meses de nascidos? Então, foi ali que parei de enxergar tudo. Eu passei a noite em claro, sozinha, revezando mamadeira e peito com duas crianças. Quando eu te pedi ajuda, às três da madrugada, você simplesmente ignorou que eu estava completamente exausta com aquela rotina e continuou dormindo, como se o fato de você trabalhar no outro dia te desse o direito de não cuidar dos filhos que você tanto falou que queria.
Sabe aquele dia, que você chegou depois de meia noite em casa e não teve a capacidade de perguntar se eu ao menos já tinha tomado banho, mesmo que fosse óbvio que eu não tinha? Sabe a outra vez que eu fiquei doente e mesmo assim você não pode faltar no trabalho para me ajudar em casa?
— Nena, eu não…
— Deixa eu continuar Luciano. Você quer saber o porquê da minha decisão, então deixa eu falar! Tem cinco anos que venho cuidando e ajudando e fazendo tudo sozinha! Você não se preocupou comigo, e caso não tenham te dito, cuidar dos filhos vai muito além de apenas dar o que comer. Você não participou de muita coisa na vida das crianças. Deixou a gente em último plano, então não venha me culpar por não querer viver mais ao lado de alguém que não sabe nem o dia do nosso aniversário de casamento! Não existe futuro para nós, Luciano, porque nunca há um presente!
— Entendo seu lado Nena, mas não acho justo você dizer que deixei vocês em último plano, quando tudo que fiz foi me preocupar com o bem estar de vocês. Eu realmente achava que o que estava fazendo era o melhor pra todos. Nena…
— Não Luciano, chega! Se você vai mesmo ver as crianças, é melhor ir de uma vez. Vou esperar o guincho e o taxi aqui.
Luciano relutou com ela o máximo que conseguiu. Milena estava irredutível e toda vez que ele começava a falar ela o interrompia. Milena é uma mulher de gênio forte e muito decidida, foram poucas vezes na vida que ela voltou atrás com sua palavra, isso é bem admirável, mas também pode ser muito ruim nunca ceder. É cansativo ter sempre a razão de tudo.
Depois que Luciano saiu, desiludido daquela conversa no meio do trânsito, que a essa altura já estava se normalizando, Milena esperou pouco mais de vinte minutos até que o guincho chegasse, mas para seu azar, a seguradora não conseguiu um taxi para ela, alegaram que o movimento de fim de ano mais o acidente que causou toda aquela paralisação, deixaram muitos serviços indisponíveis. Milena teve que correr para pegar o ônibus que a levaria para o centro da cidade onde ela iria pegar outro ônibus para casa de seus pais.
O cansaço daquele dia já começava a bater quando ela desceu no ponto final e sentou para esperar o proximo que sairia para casa de sua mãe. Milena estava visivelmente abatida depois da conversa com Luciano. Pra ela era muito difícil assumir que sentia falta dele, do amigo que ele sempre foi, do parceiro de karaokê, do cara que fazia ela rir quando tudo estava dando errado, do colo que a aconchegava nos dias frios. Sua mente, então, trouxe a memória do primeiro natal dos dois juntos.
Eles estavam namorando há alguns meses e Luciano foi ficar com a família dela no natal. A mãe de Luciano questionou muito, mas entendeu o filho que falava da namorada com os olhos ardendo de paixão. Ele chegou todo arrumado, perfumado, um pouco tímido, porém com um sorriso de orelha a orelha. Senhor Otávio, pai de Milena, não ligou para a roupa que ele usava ou o perfume que tinha passado, puxou o menino para perto e o fez ficar na churrasqueira com o tio Jaime, o cara do pavê ou pacumê.
Ela se lembrou da promessa que os dois fizeram naquele natal e sentiu as lágrimas invadirem seus olhos e seu rosto. O coração apertado denunciava que ainda existia amor. Ela só não sabia se esse amor seria suficiente.
— Não! Não vou mais chorar por sua causa, Luciano! Chega!
Milena fala consigo mesma, levanta do banco onde estava sentada e sacode a poeira do corpo. E então como num passe de mágica, um carro parou em frente ao ponto de ônibus que ela estava e ela sorriu, enxergando ali um milagre e sua única chance de chegar a tempo para a comemoração natalina.
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