I
Encaro a janela vendo a movimentação das ruas. Meu coração estava apertado, mas ao mesmo tempo ansioso. Voltar à vida antiga parecia uma novidade depois de um ano e meio distante. Saber o que aconteceu em todo esse tempo, as coisas que foram construídas, conquistadas, ou até mesmo perdidas fazem parte de um novo conjunto.
A minha aflição maior não era encontrar minha família e nem meus amigos, mas uma única pessoa específica. Durante um bom tempo fiquei pensando como seria a minha chegada, o meu retorno, e em todos os momentos me vinha a vontade de reencontrá-lo. Mesmo que de longe, mesmo que distante, mesmo que sem poder tocá-lo. Perguntava-me se estaria bem, se era um bom pai, um bom marido, o que tinha feito todo aquele tempo, e por mais que soasse egoísmo de minha parte, gostaria de saber, se por pequeno que fosse, eu ainda tinha espaço em suas lembranças.
Apesar de tudo, seria uma nova vida a qual esperava por uma nova Liza. Será que eu conseguiria lidar com todas essas mudanças em meu comportamento?
- Engel¹, vamos? – Franz me abraça por trás me chamando para irmos. Balanço a cabeça concordando.
Após eu e Franz tentarmos começar de novo o momento em que nos conhecemos, ficamos muito próximos e nos tornamos amigos. Porém, ele acabou se apaixonando, pediu-me em namoro e eu acabei aceitando. Eu gostava muito dele. Sua companhia era essencial e em muitos momentos ele acalmou o vazio existente em meu peito. Fazia eu me esquecer por alguns minutos o encaracolado e agitava boa parte da minha rotina. Mostrou-me cada canto da Alemanha e em muitos momentos eu o ensinava algumas palavras em português e as manias dos brasileiros. Quando disse que iria voltar, ele mais que depressa tentou fazer algumas aulas, sendo capaz de aprender muita coisa, a qualquer custo ele queria vir comigo. Tanto é que deu um jeito para continuar o seu trabalho em casa, sem precisar de sua presença no escritório.
Deixei bem claro a ele, sempre que necessário, o meu amor pelo Alex. Disse que levaria algum tempo para esquecê-lo definitivamente, e o mesmo ainda ocupava um espaço imenso dentro do coração. Franz quis insistir, apesar de tudo, mas o fato era que eu jamais o esqueceria. Franz era dedicado, esforçado, mas em todos os momentos eu o olhava procurando Alex. Muitas vezes eu acabava ficando irritada por Franz não ser Alex e agia feito louca, brigando sem motivos com meu atual namorado. Depois me acalmava e pedia pelo seu colo. A sua dedicação, todo o seu esforço, criaram um imenso carinho em mim por ele, mesmo eu não o amando como ele merecia.
Afinal de contas, Alex estava fazendo a sua vida, Kate e Mat estavam morando juntos e mais cedo ou mais tarde, quem sabe, se casariam. Sam e Jhony, também não ficariam atrás, enfim, todos os meus amigos seguiriam seus caminhos e apenas eu ficaria sozinha. Mesmo que por muito tempo acostumei com essa ideia, acabei por crer que o ser humano em sua essência é sociável, desespera-se em meio a solidão e a loucura é o resultado mais confiante. Ainda faltava muito tempo para a minha velhice e comecei a pensar que todo esse processo, sem ninguém ao seu lado, seria como ter cabelos brancos mais cedo e morrer aos poucos.
- Parece-me nervosa – Franz conclui assim que entramos no avião – o que se passa Engel?
- Está tudo bem. Estou um pouco nervosa em rever minha família, meus amigos.
- Saudades?
- Muitas, mas tenho medo de como vão me receber.
- Sem tolices, eles te amam, irão te receber normalmente. Isso é coisa da sua cabeça. Vai ficar tudo bem, ficarei ao seu lado o tempo todo – ele me abraça e beija o topo da minha testa, enquanto eu me aconchego em seus braços.
Acabo adormecendo e me pego sonhando. Vejo Alex e Franz numa briga infinita. Os dois tem sangue nos olhos e uma fúria imensa em seus corpos. Desespero-me temendo que ambos se machuquem e tento sem sucesso afastá-los. Remexi meu corpo sentindo-me presa e abro os olhos desesperada sendo envolta pelos braços de Franz.
- Engel, relaxe. Já estamos chegando.
O abraço com mais força e com os olhos trêmulos em sua direção, tento absorver suas palavras.
Sinto um solavanco avisando que havíamos chegado. Esfrego os olhos e sinto meu coração arder, bem como um frio que invade o meu estômago. Franz me ajuda a descer, entramos no aeroporto e esperamos pela esteira com nossas malas.
- Quer comer alguma coisa antes de irmos? – Franz me pergunta.
- Não Engel, estou sem fome.
- Liza! – escuto alguém me chamando. Olho para os lados e encontro Walter.
- Pai! – vou ao seu encontro e o abraço – quantas saudades – o aperto fortemente.
- Oh minha filha, que bom te ver. Como estás diferente, está mais magra – ele se aproxima – A comida de lá é muito ruim? – ele sussurra.
- Não pai, é uma delícia. Mas a correria, sabe como é.
- Pois se prepare para compensar esses quilinhos perdidos porque sua avó a espera para o almoço – papai sorri e volta a me abraçar.
- Ah... Pai, esse aqui é o Franz – pego em suas mãos e o aproximo de Walter – ele é meu... meu namorado – apresento-o um pouco receosa.
Papai me encara e olha para Franz um pouco perdido. Provavelmente era uma surpresa a ele me ver com alguém, e mais surpresa ainda, que esse alguém não fosse o Alex.
- Eu o conheci na Alemanha. Ele não fala o português tão fluente, mas consegue entender algumas coisas e pronunciar algumas palavras. Franz esse é meu Vater².
Os dois se cumprimentam brevemente e eu informo a Franz do almoço na casa de vovó e o mesmo concorda com um sorriso no rosto.
- Pai, como está a mamãe? – pergunto quando estamos dentro do carro.
- Está do mesmo jeito. Não nos vemos com frequência para evitar uma discussão. Mas ela está bem descuidada. Sem ânimo para sair ou se divertir.
- Acho que vou fazer uma visita qualquer dia – sugiro.
- Sabe o que irá acontecer, não sabe?
- Eu sei pai, mas ela é minha mãe. E agora que eu entendo os motivos dela me odiar tanto eu gostaria de, sei lá, tentar dar um pouco de alegria a ela.
- O que aconteceu com você, Elizabeth? Parece diferente – ele sorri com o cenho franzido.
- Muita coisa mudou pai. Talvez não tenha mudado muito, pois ainda estou me acostumando com essa nova Liza. Mas em todo caso estou bem.
- Fico muito feliz com essa mudança, e feliz também por ele – papai segura minhas mãos e balança o rosto em direção a Franz que está no banco de trás. Rio da sua expressão e papai me acompanha.
- Agora eu preciso decidir onde eu vou morar e o que vou fazer da minha vida – suspiro me encolhendo no banco do carona.
- Filha, seu apartamento está disponível para você – papai me informa.
- Como? – endireito-me assustada – Mas eu tinha colocado a venda.
- Eu tirei o anúncio. Sabia que quando voltasse estaria perdida.
- Não pensou na hipótese de eu voltar a morar com o senhor, papai?
- Até pensei, mas você já está com 24 anos, pensei que gostaria de cuidar da sua própria vida sem se preocupar com um velho babão – papai ri do seu próprio comentário.
- Sabe que eu jamais seria capaz de abandoná-lo. Além do mais o senhor está muito bem a meu ver – eu rio e ele me acompanha.
De longe era possível sentir o cheiro da comida de vovó. Assim que chegamos, vi Dona Branca com a cara levemente enrugada, o sorriso de uma verdadeira criança, secando as mãos em seu avental.
- Liza minha querida, quantas saudades – vovó disse de braços abertos assim que saí do carro.
- Oh vovó, senti tanta a sua falta – acolho-me em seus braços e beijo seu rosto.
- Meu Deus como está magrinha. Porém, continua ainda mais bonita – sorrio a ela sem graça – Fiz sua comida preferida.
- Macarrão a bolonhesa, acertei? – Vovó confirma com uma piscadela.
- Mas, quem é este rapaz? – ela olha pra mim e depois para Franz, mesma expressão de papai.
- Esse é Franz vó. O conheci na Alemanha. Estamos... Namorando – falo um pouco forçada.
- Como vai, meu jovem? – vovó estende a mão com os olhos semicerrados e Franz me olha como se não tivesse entendido o que vovó dizia, então acabei traduzindo as palavras.
- O prazer é todo meu – disse com um pouco de dificuldade, mas corretamente e sorriu para mim em busca de aprovação e eu apenas consenti com a cabeça.
Assim que entramos, vovó começava a arrumar a mesa enquanto papai e Franz tentavam se entender. Meu namorado tinha certa dificuldade em pronunciar algumas palavras e papai com muito custo tentava compreendê-las, e vice-versa. Seria cômico se os dois não estivessem tão constrangidos.
Vovó me chamou na cozinha e achei que a mesma queria minha ajuda, mas ela queria mesmo conversar.
- Liza, me conte direitinho a história com esse rapaz.
- Contar o que, vó? – faço a desentendida.
- Você sabe.
Respiro fundo.
- Está bem. Franz morava no mesmo prédio que eu e estudava comigo na mesma sala. Acabamos nos aproximando e nos apaixonando. Simples assim – dou de ombros.
- Simples assim? E aquela história toda de eu não acreditar no amor?
- Aprendi muita coisa na Alemanha vó. Aprendi mais do que eu esperava – confessei.
- E o Alex? Achei que gostasse dele.
A encaro com os olhos marejados e não respondo de imediato.
- Vó o Alex casou. Tem um filho que já deve ter nascido. Ele seguiu a vida dele, e eu tenho que seguir a minha.
- Dá pra ver em seus olhos que você ainda o ama – vovó observa.
- E o que eu posso fazer? Destruir uma família não está nos meus planos. E Franz é um cara legal – dou de ombros.
- Sabia que eu tenho vontade de te bater às vezes? – vovó finge estar brava – Só quero que seja feliz, ok.
Sorrio a ela, enquanto a mesma retorna aos seus afazeres.
- A propósito – vovó continua – eu ainda prefiro o Alex – Ela sai da cozinha e me deixa sozinha com meus pensamentos.
"Eu também"
O almoço foi tranquilo, repeti meu prato algumas vezes e Franz ria do meu apetite já que fazia um bom tempo que eu não comia tanto como daquele jeito. Eu estava sem fome, mas é impossível omeu estômago não se manifestar com uma macarronada daquela. Passei na casa de papai para buscar meu carro e fomos em direção ao meu antigo apartamento. Ele estava intacto. Papai fez questão de deixa-lo impecável.
- É muito aconchegante seu apartamento, Engel.
- Vem, aqui é meu quarto. Eu te ajudo com essas malas – vou até ele para ajuda-lo e o levo até meu quarto.
- Sua família é muito simpática. Adorei conhece-los. Você se parece muito com seu pai.
- Eu sei – sorrio sem ânimo.
- E sua mãe?
Sento-me na cama e o encaro.
- Minha mãe é um conversa complicada. Digamos que ela tenha se fechado para o mundo. Ela nunca foi uma mãe muito presente. Meus pais se separaram e ela foi morar sozinha e preferiu permanecer assim. Minha mãe e eu somos mais parecidas do que eu imaginei – concluo em desabafo.
Franz senta-se ao meu lado e me envolve em seus braços.
- Desculpa. Não queria que se sentisse mal.
- Está tudo bem. Você não sabia e eu cansei de fugir dos meus problemas. Se uma coisa eu aprendi é que eu devo lidar com eles antes que tudo vire uma bola de neve e o fardo fique ainda mais pesado.
Ele deposita um beijo em minha testa e eu lhe dou um selinho
Franz estava cansado da viagem e decidiu dormir, e eu como tinha dormido praticamente a viagem toda, perambulei pelo meu apartamento. Odiava não ter o que fazer e o tédio era meu inimigo mortal. Com meu celular em mãos andei um lado para o outro tentando tomar coragem de dar o primeiro passo para mudar as coisas. Encarei a tela e digitei e apaguei várias vezes a mensagem que estava prestes a enviar. Fechei o olhos e assim foi.
"Olá, meninas, como vocês estão? Só passei pra avisar que eu já estou no Brasil, saudades"
Senti meu coração pesar. Olhei a cortina que cobria a porta da sacada e decidi encarar a noite. Estava sem lua ou pelo menos de onde eu estava, não era possível enxergá-la. Mordi o lábio inferior e olhei a rua, a qual não estava muito movimentada.
Meu celular vibra e sinto meu peito gelar.
"Oi Liza. Decidiu aparecer? O que houve"?- Sam. Não era de se esperar que as palavras não fossem tão calorosas.
"Passei por um momento turbulento, mas agora estou de volta" – respondo.
"Achei realmente que estivesse mudado depois daquilo que conversamos. Praticamente ignorou, aliás, praticamente não, você ignorou nossas felicitações, bem como se esqueceu em todas as datas comemorativas. Conseguiu ser pior que antes" – Kate foi mais direta. Senti meus olhos pesarem e tentei me desculpar a todo custo.
" Sei que não fui uma boa amiga durante esse tempo. Pra falar a verdade, acho que nunca fui uma boa amiga, mas aquilo que eu falei no ano novo, foi a mais pura verdade. Só que... Certa notícia me deu uma abalada e eu me isolei".
"E decidiu ignorar suas amigas no momento em que mais estava precisando"? – Back
" Eu sei, me desculpem. Poderíamos, sei lá, recompensar todo esse tempo"
A mensagem não veio de imediato, pra falar a verdade demorou mais do que eu gostaria. Eu estava sozinha, estava perdida. Totalmente.
"Não sei se seria a mesma coisa, mas... " – Sam
"Bem Liza, você foi nossa amiga quando era para ser e se não fosse por você, Mat e eu não teríamos nos conhecidos. Mesmo que você não tenha percebido, em muitos momentos você nos ajudou e nos divertimos quando você estava com a gente. Mas você nos abandonou de uma hora para outra. Poxa, amigas são nas horas boas e ruins" – Kate.
"Pra mim você se apegou ao povo da Alemanha, e está querendo falar com a gente por medo de ficar sozinha" – Back.
"Juro que não foi assim. Não houve um momento sequer que eu não pensei em vocês. Se me derem uma chance eu explicarei tudo".
" Vamos ver como vai ser, Liza. Espero que pelo menos o compromisso de semana que vem você não tenha esquecido. Pode mostrar sua mudança a partir de lá. Só quero que saiba que Jhony não suporta ouvir falar de você" – Sam
"Eu sei. Não o culpo"
Não sabia mais que dizer. Eu só queria chorar e queria que Franz estivesse acordado a fim de me ninar, como ele fazia diante dos meus ataques de nervos. Não era como Alex, mas servia.
Soltei forçadamente o ar dos meus pulmões e fui até o quarto. Deite-me na cama e me abracei Franz deitando-me sobre seu peito. Eu não dormiria tão cedo. Antes, eu tinha minha vida inteira planejada, e agora, ela está inteira bagunçada.
...
Primeiro capítulo está mais curtinho para colocar uma pitada de ansiedade em vocês. O próximo será segunda que vem, infelizmente. A correria não me deixa postar mais na semana. Porém, julho está chegando e eu terei bastante tempo e provavelmente teremos mais capítulo durante a semana.
Então é isso, meu amores. Bora matar a saudade de Liza e Alex e até semana que vem.
Beijão grande.....
¹Engel - Anjo
² Vater - Pai
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