34 - O fim de Fernanda. (Fernanda)
Quando eu ainda era Coraline a muito tempo atrás, eu sonhei que estava em um palco de teatro, eu era uma atriz, uma das melhores. Nesse palco, em algum momento eu me lembro de ver um garoto, tudo o que eu sabia era o seu nome, Daniel, eu fiquei encantada por aquele garoto, por aquele nome. A diretora de Teatro que nos dirigia, parou a cena e perguntou:
"Quem se propõe a fazer par romântico com o Daniel? Quem vai beijá-lo?". E eu me propus, beijei Daniel naquela cena com toda a minha alma e então acordei pensando o quanto aquilo fora real, eu sentia nos meus lábios o gosto daquela minha paixão inexistente, o meu eterno Daniel.
Apesar de ter achado estar apaixonada pelo Samuel, a quem eu sempre amei de verdade foi aquele fantasma, aquele homem que só aparecia nos meus sonhos. Em apenas um sonho, em apenas uma noite, apenas um beijo foi o suficiente para eu saber que eu lhe pertencia. Daniel, apenas meu Daniel...Eu não sabia se ele existia porém sabia que nós dois deveríamos estar juntos, e foi essa sensação que eu tive quando vi Daniel pela primeira vez no meu apartamento, naquele lugar de ódio e rancor que era a Crioana, eu vi o tão sonhado Daniel pela primeira vez, no entanto eu não admiti amor, era algo tão forte, um sentimento tão inexplicável que eu o escondi dentro de mim por não saber como usá-lo. Mas mesmo escondendo, desde a primeira vez que eu o vi, eu soube que era ele.
Eu escondi o meu sentimento até os últimos dias, não que eu tenha admitido, ele cresceu tanto dentro de mim que explodiu como uma bomba e destruiu todas as minhas barreiras e muros de proteção, eu contei tudo. EU AMO O DANIEL! Eu falei, admiti, chorei e até mesmo ri. Contanto, a vida me disse uma verdade indissolúvel: Eu pertencia a Daniel, mas Daniel não me pertencia.
Na última tarde da minha medíocre vida, eu conversei com ele, disse que o amava pela última vez e o ouvi dizer que amava Sabrina também pela última vez, ele foi o mais amoroso possível: "Nanda, eu não te vejo assim, me desculpa, te amar seria mais fácil finalmente daria tudo certo, ficaríamos juntos e seríamos felizes mas não é assim, eu não posso controlar meu coração". Eu disse que estava tudo bem, o abracei e fui forte como eu sempre era, mas minha alma estava despedaçada e assim que ele saiu do quarto eu chorei até não ter mais lágrima e em um momento me lembrei de Deus. O Deus que nunca teria me abandonado, o Deus que eu abandonei. Pedi perdão a Deus, comecei a chorar e gritei em voz alta para que os demônios presentes pudessem me ouvir "Eu me arrependo! Não quero mais, Jesus por favor me perdoa", senti Deus me abraçando, me consolando e eu sabia que estava salva. A cruz e aquele sacrifício era maior que o meu erro, mas eu ainda tinha que lidar com minhas consequências, foi exatamente ao me lembrar disso que a dor na cabeça começou, eu vi uma sombra negra correr pelo quarto e minha cabeça começou a explodir.
Aquela dor era gritante, parecia que meu cérebro explodiria a qualquer momento, mas lembrar de Daniel era mais doloroso, eu queria ser novamente aquela menina feliz. Queria voltar a ser boa e carinhosa, mas a vida e todos os acontecimentos dela me impediam, eu me apeguei a Deus. "Pai, tu estás comigo! Oh, Deus..." Eu pensava a toda hora. Nesse tempo de dor, eu via vultos correndo a minha volta, era tudo entrecortado, mas eu sabia que era Alice com seu instinto maternal tentando fazer algo, eu também conseguia perceber Daniel, ele estava preocupada. Ele me amava, não da forma como eu precisava, mas ele me amava... Eu me prendia nesse amor para ser feliz, ele se preocupava. Um vulto loiro, tentou falar comigo, era ela... Minha amiga Charlotte, minha irmã que não era de sangue. Ela já devia ter entendido, devia saber que eu estava de volta a casa do meu Pai, meu Deus.
Enfim, tudo escureceu e a dor passou.
Tudo passou.
Sem dor, sem recordações apenas o vazio
calmo dentro de mim.
Alguém estava ao meu lado direito e do outro lado também tinha outra pessoa, meus olhos estavam embaçados mas em minha frente, juntos da janela estava um casal abraçado e conversando, não conseguia enxergar direito. Tentei mover a minha mão, até minha cabeça mas o máximo que consegui foi levantar por dois segundos, até cair novamente.
—Nanda?
Ouvi uma voz que eu não reconhecia chamar alguém.
Abri os olhos e vi várias pessoas me observando com ansiedade, a que estava mais próxima da minha cama era uma jovem loira, muito bonita. Do meu lado tinha um garoto, forte e bonito, já mais distante do outro lado do quarto, um casal jovem pareciam me olhar felizes por eu ter acordado. Eu estava em um lugar de paredes brancas, parecia ser um quarto muito claro. Que lugar era aquele e o que eu estava fazendo ali? Quem eram aquelas pessoas?
—Finalmente você acordou, Nanda.
O garoto parecia falar comigo, mas chamava por "Nanda". Quem era essa tal Nanda? Quem era ele?
—Quem é Nanda?
Eu questionei com a voz fraca assim fazendo a menina loira e o garoto se entreolharem preocupados.
—Você Fernanda, você é a Nanda, minha irmã e de Daniel, por escolha da Crioana.
Eu não entendia o que eles falavam, eles não eram meus irmãos e o meu nome definitivamente não era Fernanda, meu nome é... Uma sensação estranha me cobriu... Eu não fazia ideia de qual era o meu nome.
E uma sessão de tortuosas perguntas começaram, a menina loira saiu do quarto desesperada enquanto o rapaz bonito e forte tentava conversar comigo, mas eu não estava afim de falar com qualquer estranho. O casal que me acompanhava no quarto e disseram ser meus pais se olhavam preocupados, eles não pareciam pais adultos, apenas pareciam ser um casal jovem. O médico chegou e me examinou fazendo várias perguntas que me pareciam ser simples e conhecidas, mas eu não conseguia responder, "Qual é o seu nome?" "Quem são seus pais" "Quantos anos você tem?" e sempre que eu tentava buscar as informações parecia algum bloqueio dentro de mim, comecei a me desesperar e orar a Deus que me devolvesse as memórias, eu não queria esquecer tudo. Por fim, o médico olhou para a moça de cabelos ondulados e pretos.
—Dona Alice, eu preciso saber se sua filha passou por alguma atividade traumática nos últimos dias, algum sofrimento muito forte, a senhora saberia me dizer?
A tal da Alice pareceu ficar desconcertada por não saber responder a pergunta, olhou para o próprio marido como se lhe perguntasse se ele saberia responder.
—Eu sei, e ela passou sim, Doutor.
A jovem loira tomou a frente e respondeu.
O Doutor assentiu e se virou para me encarar, olhando bem para ele, parecia ser jovem tinha olhos castanhos claros e cabelos castanhos claros também, era muito bonito. Infelizmente eu havia o visto lá, como sua paciente e não em outra parte da sua vida. No entanto, procurei afastar esses pensamentos, não era momento de pensar em nada e sim em quem eu sou ou era, sei lá.
—Com uma análise rápida, eu posso colocar o seu diagnóstico como uma Amnésia Psicológica, isso ocorre quando uma pessoa passa por uma atividade traumática, então para se proteger, o Cérebro cria um bloqueio das memórias. É importante fazê-la se lembrar e passar o mais rápido possível por um psicólogo. E Fernanda...
Ele me olhou e sorriu.
—Pela minha experiência, eu creio que suas memórias vão voltar o mais rápido possível, mas temos que cuidar de você, e se conseguir se lembrar de qualquer coisa aperte a campainha e alguma enfermeira ou eu mesmo irá te atender, se não recuperar até amanhã, chamaremos um especialista e também um psicólogo para te ajudar. Agora, vamos ter que fazer alguns exames em você para saber se tem algo de errado com o sistema nervoso.
Eu concordei sem dizer nada.
—Eu acho melhor a família se retirar por um tempo, a menina precisa descansar.
Eles se retiraram, e eu fiz alguns exames, fiquei sozinha sem conseguir pensar em nada além daquele dia, não havia nada dentro de mim.
Nenhum sentimento, apenas uma tranquilidade silenciosa.
Fechei os olhos e de repente as lágrimas vieram com uma enxurrada de lembranças, doeu todo meu corpo e o meu coração ficou apertado como em uma caixa minúscula. Daniel, Tatiane e as minhas atitudes me deram um soco na cara rápido demais e eu já sentia falta daquela tranquilidade que tive durante as horas da amnésia. Eu tentei enxugar as lágrimas e quase sem forças, apertei a campainha.
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A psicóloga entrou no meu quarto pela manhã, estava com seu uniforme branco e seu cabelo estava em um rabo de cavalo perfeito.
Em sua mão trazia um pequeno gravador, se sentou ao meu lado.
—Bom dia, Fernanda, eu sou a Marina e estou aqui pra gente bater um papo. Como você está hoje?
Ela falou em seu monótomo tom simpático e profissional.
—Péssima.
Respondi sem nem ao menos olhar para ela.
—Por quê?
Ela se mostrou interessada.
—Eu queria me lembrar até lembrar, agora eu gostaria de esquecer tudo de novo.
—E o que você gostaria de esquecer?
—Toda a minha vida, minha paixão por Daniel, a traição da minha melhor amiga e tantos outras coisas.
—Me conte sobre essas duas pessoas.
—Daniel é o meu irmão. Minha melhor amiga não mais.
Eu a olhei e ela continuava com a sua expressão intacta, não parecia se impressionar ao saber que eu estava interessada no meu irmão, mas imaginei se eu contasse tudo, que eu era de outra época. O que ela pensaria?
Continuei falando sem parar e contando apenas o que podia sobre a minha vida para aquela mulher que eu nunca havia visto.
No fim, ela disse que entendia tudo mas que eu precisava ser forte e enfrentar tudo porque eu era capaz de conseguir passar por aquilo.
—E também Fernanda, se você continuar com esse pensamento é capaz de perder sua memória novamente e isso não é bom, apesar de ser uma escapatória, não é bom. Meu maior medo é que seu cérebro bloqueie suas memórias de novo.
Eu assenti, aliviada pelo que ela disse e esperançosa que minhas memórias sumissem de uma vez por todas.
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O diagnóstico foi oficial.
Todos estavam preocupados que eu esquecesse tudo de novo e que dessa vez fosse permanente, e eu esperando que isso acontecesse. Todos achavam que era uma maldição da Crioana o fato de eu perder todas as memórias já eu sabia que era um milagre de Deus, um recomeço para mim.
Recebi alta dois dias depois, e cheguei em casa de Táxi com meus "pais" e Daniel enquanto o sol já se punha, Charlotte já estava em casa e me abraçou quando cheguei, todos se sentaram ou permaneceram em algum lugar da sala, observando uns aos outros. Daniel estava com a cabeça baixa e braços cruzados em pé na porta, Fausto sentado na poltrona e Alice e Charlotte em pé uma ao lado da outra, eu me sentei do lado de Fausto. Era provável que aquilo fosse uma reunião em família, achando tudo aquilo muito ridículo perguntei:
—O que deu em vocês, gente?
Charlotte e Alice se entreolharam em cumplicidade, e por fim minha irmã falou temerosa:
—Estamos com medo que você perca sua memória de novo, não sabemos o que fazer se acontecer.
—È —Alice continuou. —Como vai ser?
Aquilo era ridículo, eles estavam parecendo bebês chorões e não pessoas fortes com treinamento. Eu gargalhei.
—Se eu perder a minha memória, vocês vão ter que ajudar uma adolescente ingênua sem experiências com seções de terapia minha gente!
A tensão continuou, ninguém sequer sorriu.
—Como vamos te contar tudo, Nanda? Vai ser difícil explicar toda essa história, se isso for de verdade a vingança da Crioana, sua memória não vai voltar! O que vamos fazer para te contar?
Charlotte parecia muito preocupada, tensa demais e estava a beira de lágrimas, percebi que ela tinha medo de me perder.
—Simples.
Eu disse demonstrando que já sabia a solução e logo continuei:
—Não vão me contar nada e vão agir como uma família normal que acabaram de enfrentar alguns problemas na saúde da filha do meio.
—O que?
Charlotte parecia ridicularizar a minha ideia com a sua expressão de surpresa.
—Eu não quero que me contem nada, quero ficar sem lembrar.
—Isso é ridículo, Charlotte zombou.
—Como assim?
A voz calma de Alice, me deu atenção.
—Se eu não recuperar minha memória, significa que Deus quer que eu recomece a minha vida e vai ser melhor assim. Se eu recuperar sozinha também aceito, que seja feita a vontade de Deus, mas não quero que interfiram.
Alice sorriu, tudo o que ela mais queria era ser uma mãe e não se importaria em que eu fosse a sua filha doente para que ela pudesse cuidar, então não odiava a ideia, Fausto apenas demonstrava a sua falta de opinião pelo assunto, em silêncio. Daniel também estava quieto e sem reação, ainda com a cabeça baixa. mas Charlotte estava feroz de tanta reprovação, aquilo era algo inaceitável para ela.
—Isso é fugir das responsabilidades, Fernanda.
E irritada, pegou sua bolsa e saiu porta a fora. Eu entendia Charlotte, eu era sua confidente, sua melhor amiga e ela já havia perdidos muitas pessoas, não queria me perder também, se eu esquecesse tudo não seria mais a Fernanda, seria uma pessoa nova que começaria uma nova vida. Eu não saberia de nada e ela com certeza não conseguia entender porque eu a pessoa mais forte que ela conhecia estava querendo ser covarde e fugir de tudo.
No meu quarto, deitada na cama, muitas coisas entravam em confronto, eu nunca era covarde e a ideia de ser, eu abominava, mas, ao mesmo tempo, me parecia ser covardia querer esquecer tudo e não enfrentar tudo de frente.
Eu, Fernanda, não combinava com esses tipos de fraquezas, era inaceitável. Mas ao mesmo tempo me vinha o desejo por paz e tranquilidade, eu ansiava por aquilo, mas orando a Deus, eu podia ver que em Sua Sabedoria ele não me deixaria esquecer tudo e viver em um castelo de mentiras.
Fechei os olhos e respirei fundo: "Está tudo em Tuas Mãos, Deus, aja da melhor forma"
Tentei ficar calma, pensar que em Deus daria tudo certo, mas a ansiedade não deixava, virava de um lado e para o outro, não conseguia dormir. Até que ouvi uma batida na porta, achei que estava sonhando, esperei e ouvi de novo, seguida de um sussurro:
—Deixa eu entrar.
Meu coração acelerou. Daniel.
Levantei-me e fui até a porta, destranquei e um Daniel com os olhos vermelhos e inchados entrou no meu quarto. Fiquei confusa de imediato, os seus olhos me encaravam com dor.
—Dani, o que foi? É a Sabrina de novo?
Ele suspirou em forma de lamento.
—Não, é você Nanda.
—Eu?
Meu coração palpitava de dor, e eu tentava olhá-lo mas não conseguia, pois ao vê-lo sofrer meu coração se quebrava ainda mais, e ele chorava.
—Sim, eu sinto que em mim, eu deveria te amar! Você foi feita pra mim, eu sei, mas eu não consigo... Tem uma força escura e negra que me impede de sentir qualquer coisa, eu quero te pedir desculpas.
Minhas lágrimas caíram, ouvir aquilo de novo voltou a abrir aquele buraco enorme que eu tentava não pensar e ignorar dentro do meu peito.
—Dani... não precisa pedir desculpas, isso não se escolhe.
—Mas e agora? Por que você está fazendo isso, Nanda? Por que quer se esconder na manta do esquecimento? Você é forte, não precisa disso!
Eu escondi meu rosto com as mãos e desabei, aquilo não era verdade. A minha força estava esgotada.
—Não! —Eu gritei desesperada. —Eu não sou forte, Daniel! Não quando se trata de você! Quando eu lembro da dor que é não te ter ao meu lado, não existe força nenhuma, eu sumo em todos os sentidos e apenas choro. De alguma forma, você me completa e essa dor não passa, eu preciso esquecer logo de tudo.
—Nanda, não faz isso.
Daniel implorava.
—Eu preciso esquecer você, Daniel, preciso de um novo sentido na minha vida e Deus vai mostrar o lado certo, uma hora ou outra as minhas memórias vão voltar.
—E se não voltarem?
Ele lamentou, sem consolo.
—Eu não sei, eu não sei...
Daniel me abraçou, e eu o abracei com todas as minhas forças de volta, eu chorei e ele fazia o mesmo, não existiam palavras e no final ele sussurrou com a voz sofrida:
—Eu te amo, minha marrentinha, só que não da forma que você precisa.
Segurei o soluço, e disse pela última vez:
—Eu também te amo, Daniel.
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