33 - Curar-se (Charlotte)
Eu me preparei durante muitos dias para enfim fazer aquilo, e agora apenas uma batida na porta me separava do tão sonhado momento, foi em uma das coisas que mais pensei enquanto estava no Hospital. E agora, eu estava ali.
Bati na porta, com o coração na mão e esperei.
Qual seria a reação dele?
E a porta se abriu, fazia tempo que eu não via aquela casa, que não colocava os pés naquele quintal.
—Charlotte?
Ele perguntou, e estreitou os olhos, suas rugas da velhice se destacaram mais nesse gesto.
—Sim, Lucas.
Ele sorriu, apesar de tudo o que eu tinha feito atuando como Charlotte, ele sorriu. Lucas sempre esqueceu as coisas rápidos e a velhice não tirou isso dele. Meu querido amigo, como a raiva pôde distorcer tanto as coisas? Como eu consegui odiá-lo por um motivo infantil?
—Eu gostaria de conversar com você.
—Claro, pode entrar.
E com a mesma humildade de sempre, Lucas me ofereceu um lugar para sentar, me ofereceu algo para comer. E se sentou em minha frente, para ouvir o que eu tinha pra dizer.
—Eu gostaria de pedir desculpas por tudo o que eu causei a você e a sua família, todo sofrimento desnecessário. Eu queria muito que você me perdoasse, as coisas que fiz foram repulsivas.
E nesse instante, Lucas riu, feliz, eu fiquei confusa porque não conseguia entender o que aquilo significava.
—Ei, Kathy, você me prometeu que voltaria.
Eu paralisei.
Ele sabia que eu era Katherine... mas como? Eliel teria contado?
Ele riu mais uma vez com a minha reação, e continuou:
—Mas você demorou muito e fez um estrago, devo dizer, talvez eu não te perdoe por isso.
—Como você sabe?
Eu perguntei, confusa.
—Ei, eu também sou um servo de Deus! Eu oro bastante nos últimos dias e Deus já havia me mostrado que você estava de volta, hoje de manhã, ele disse que a Katherine bateria no meu portão, quando eu vi você, tomei um susto. Mas é você, Kathy! Como eu não percebi antes?
—E como você tem tanta certeza? Poderia ser outra pessoa que ainda vai bater no seu portão.
Lucas sorriu com aquela sabedoria que só ele tinha estampada nos olhos.
—Deus não é Deus de confusão.
E Deus realmente não é.
Deus é um Deus que mostra as coisas da forma mais extraordinária possível, eu não percebi de imediato mas as lágrimas escorriam pelo meu rosto, e por de trás delas eu sorria de felicidade por estar tão perto dele, mas também, me entristecia de tantas saudades de um simples abraço, no entanto Lucas ainda me conhecia, veio até a mim, me abraçou não tão forte quanto antes pela fraqueza que a velhice lhe impôs mas foi um abraço tão esperado, o abraço mais querido por nós dois a tanto tempo.
Lucas meu melhor amigo estava comigo de novo.
—Kathy! Você é louca! Como conseguiu fazer tudo isso? Está tão nova... você está loira!
Eu ri com a naturalidade dele, mas não consegui esconder o remorso por todas as minhas idiotices, e um longo e pesado suspiro demonstraram isso pra ele.
—Ai, é uma história tão longa... Apenas esqueça e aceite.
Ele sorriu, era claro que ele me perdoava, seus olhos me diziam que nenhum rancor podia cobrir a falta que eu e minha amizade fizeram a ele.
—Não tenho tempo pra sentir rancor de você minha amiga, essa minha vida é muito curta e eu só quero ouvir a sua voz. Sinto falta das suas conversas, dos tempos em que caminhávamos juntos, da sua risada. Kathy você é muito importante pra mim.
Mais lágrimas, eu havia sido tão idiota. Tão burra em desperdiçar tudo o que eu tinha por nada.
E eu contei tudo a Lucas, do meu ódio por ele, do encontro com a velhinha na rua, de minha família adotiva, de Eliel e minha paixão por ele, da Crioana, do pacto, do arrependimento, a volta para Jesus, meu casamento. Foram horas conversando com meu amigo, ele comentava de vez em quando mas ainda era o melhor ouvinte que eu conhecia em todo o mundo. No final, uma dúvida o impediu de continuar a conversa comigo.
—Kathy, me diga uma coisa, com esse pacto você entregava a sua alma ao Diabo, certo?
—Certo.
—E o que acontece agora? Deus te libertou mas eles não desistem assim não é?
Era o que eu mais tinha medo de responder ou até mesmo pensar.
—Na oração que o pastor me fez, seu filho aliás... Isso é estranho pra mim.
Eu parei, ainda era estranho saber que Lucas teve uma vida, tinha filhos e netos. Ele riu, e eu continuei.
—Eu senti dentro de mim que Deus me deu uma segunda chance para recomeçar, no entanto, eu vou ter que pagar de alguma forma pelo meu pecado. O erro foi meu e eu tenho que pagar, só que no meu pacto dizia assim: "... E se em sua alma de suas escolhas se arrepender, e ao Diabo parar de servires, sua vida nós tiraremos..." Eu concordei e assinei o pacto, eu vou ter que pagar com o que eu aceitei.
—E seria a sua vida?
—Sim, a minha vida...
—E todos pagam dessa forma?
Lucas parecia curioso naquele assunto.
—Não, são coisas diferentes para cada um, o da Nanda diz algo sobre, caso ela se arrependa, a melhor parte da sua vida lhe seria tirada.
—Isso tudo é muito horrível, Kathy, vocês perderam seu direito a escolhas a partir do momento em que entregaram suas almas.
Eu assenti, com uma feição triste, sabendo que era verdade o que ele falava.
—Fico feliz pelo que Deus me deu, eu sei que estou aqui agora com um propósito. Essa minha chance será usada... Eu vou pregar nessa geração e restaurar algumas feridas nesse lugar, mas eu pequei e meu pecado gerou consequências, vou ter que lidar com elas.
Lucas tinha uma feição pacífica e parecia concordar com o que eu falava, no final apertou minha mão bem forte e falou:
—Eu estarei com você no que for preciso.
—É tudo o que eu mais preciso. —Disse, aliviada. —Tem algo que preciso muito nesse momento, na verdade são duas coisas.
—Preciso muito pedir perdão a Eliel, ele nem quer me ver, eu o amo tanto e essa dor não vai passar até estar com ele novamente.
—Kathy, o Eliel nem veio falar comigo, deve estar querendo ficar sozinho. Sei que ele está chateado e magoado, percebi isso quando me ligou, mas não me contou nada sobre você ser quem é, então não é o fim, ele ainda te ama.
Aquilo me aliviou por dentro, saber que ele ainda me amava, era o meu maior medo naqueles dias que todo o sentimento tivesse ido embora.
—Espero que assim seja, vou tentar conversar com ele.
Falei, angustiada. Lucas concordou com a cabeça e começou a falar, com sua voz que transmitia tranquilidade:
—Sim, conversa é o melhor caminho... E eu também vou conversar com ele antes para ver se ele já te ouve melhor.
Eu suspirei, exausta de tantos acontecimentos, encostei minha cabeça no sofá e olhei para cima procurando uma paz.
—Mas qual é a segunda coisa que você precisa?
Eu ri.
—Preciso que você pare de me chamar de Kathy, urgente! Posso recuperar qualquer coisa menos o meu nome, agora eu sou a Charlotte e isso não vai mudar porque seria difícil explicar a toda comunidade que meu nome é Katherine, na verdade.
Lucas se surpreendeu com aquilo e caiu na risada.
—Tudo bem, vou tentar. Charlotte! Ah, não... Isso é esquisito, Kathy, agora que sei que é você, eu não consigo te chamar por esse nome!
Nós rimos.
As coisas boas sempre permaneciam, no fim ainda éramos os mesmos amigos de sempre só que com mais histórias para contar. Ou talvez tudo tivesse mudado e eu não conseguia perceber mais.
O celular tocou, enquanto eu ainda estava na casa de Lucas. Era Daniel, com a voz totalmente alterada.
—Charlotte é você? Onde você está?
—Sim, estou na casa do Lucas. O que foi, Daniel? Por que você está assim?
A respiração do Daniel estava acelerada e pesada, ele mal conseguia falar e entre esses tempos que ele não falava por falta de concentração e muito choro. Eu conseguia ouvir um grito abafado.
—Fala, Daniel!
Quase gritei, já estava preocupada.
—É a Nanda, a gente conversou mais cedo...
Ele voltou a soluçar e a chorar no telefone.
Também consegui ouvir Alice dizendo algo com a voz angustiada pelo medo a alguém, devia ser alguma instrução a Fausto.
—DANIEL! Pelo amor de Deus, fala o que é!
—Eu não sei, a gente conversou... Eu disse a ela que não conseguia vê-la com outros olhos, nem sei se tem algo a ver mas ela está gritando de dor agora! Diz que a cabeça está doendo, grita e não consegue falar direito! Por favor, vem pra cá!
—Ela está com dor?
Perguntei, pasma.
—Sim! Ninguém entende nada! Ninguém sente dor enquanto faz parte do Pacto, e quando isso acontece sabemos o que é...
Outro grito interrompeu Daniel, e ele voltou a chorar.
—Arrume algum remédio pelo amor de Deus!
Faça parar de doer.
Daniel gritou para alguém que estava com ele, parecia o ser mais angustiado e desesperado que eu já havia visto.
—Vem pra cá, por favor! Já chamamos o médico... Precisamos de você, Charlotte!
Eu não esperei mais nenhum segundo, precisava ir até Nanda.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro