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Capítulo 21

“Não são os grandes homens que transformam o mundo, mas sim os fracos e pequenos nas mãos de um grande Deus”.

-Hudson Taylor.

***

O que não podemos esquecer?

Não podemos esquecer de fazer amigos, sorrir, rir de coisas bobas, abraçar os pais, abraçar os parentes, dizer que o sorriso de alguém é bonito, elogiar alguém.

Não podemos nos esquecer de cumprimentar todos os dias aquela pessoa que parece triste, dizer bom dia mesmo sem saber se a pessoa vai responder, cantar mesmo sem saber se é afinado o suficiente.

Não podemos nos esquecer de caminhar sem nos importar com o que os outros estão pensando, não podemos ignorar os sentimentos das pessoas, dizer oi para aqueles se ficam sozinhos na escola, faculdade ou igreja.

Não podemos esquecer de dizer: Por favor e obrigado.

Não podemos nos esquecer que somos amados por Deus, nem devemos deixar de levar esse amor a todo lugar. Nunca se esqueça de aproveitar o hoje, sem medo, sem insegurança... Aprenda a ter fé e a amar as pessoas como se não houvesse amanhã.

Não se esqueça.

***

-O que você disse?- pergunto trêmulo, ainda segurando a mão dela.

-Eu perguntei quem é você?- ela diz, parece mais confusa do que eu.

A enfermeira vem, acompanhada de um médico e ele diz:

-O que temíamos aconteceu...- o médico diz e eu me levanto rapidamente.

Os pais de Jasmim aparecem, mas por incrível que pareça, parece que já sabem o que está acontecendo e não me contaram.

-A paciente bateu a cabeça quando ainda estava no carro, ela foi arremessada para a fora, já desacordada- ele explica- O problema foi a batida que ela levou na cabeça. Atingiu a região temporal do crânio, e caso você não saiba, o lobo temporal do cérebro é responsável pela audição e pela memória. A audição não foi afetada, mas a memória sim. Não sabemos exatamente até que ponto ela perdeu e não sabemos se é temporário. Fizemos todo o possível na cirurgia para controlar os danos, porém, só o tempo vai dizer. Eu sinto muito...

Parece que fui atingido por uma pedra gigante e eu não sei o que pensar, é como se alguém tivesse batido um martelo contra a minha cabeça. Meu coração acelera e eu não consigo parar de chorar.

-Vocês são cristãos?- A enfermeira pergunta assim que o médico sai.

Respondemos que sim.

-Eu também sou- ela sorri compreensiva- Acredito que tudo vai ficar bem, pois os planos de Deus são muito maiores que os nossos- e ela sai.

-Vocês sabiam disso?- Eu pergunto para os pais da Jasmim, os mesmo abaixam a cabeça em sinal de confirmação- Quem mais sabe?

-Todo mundo...- a mãe dela diz- Não te contamos porque você já estava passando por muita coisa querido, sabíamos que o pior podia acontecer, mas preferíamos acreditar que tudo ia ficar bem.

Eu sinto um peso tão grande que acabo me sentando no chão, eles me abraçam e a Jasmim fica me olhando.

-Pai? Mãe?- Ela pergunta confusa. Nós olhamos espantados- Quem é ele? Por que ele está chorando?

Ele correm para abraçá-la.

-Filha...- o pai dela diz- você se lembra da gente?

-Claro- ela arqueia uma das sobrancelhas-Por que não me lembraria?

[...]

Enquanto eles explicam tudo para ela, a mesma fica atordoada, confusa, como se tivesse dormido e esquecido de tudo. Contam sobre o acidente, mas a mesma não se lembra de nada, nem mesmo do motivo.

Jasmim começa a chorar como se tivesse culpa, meu coração fica em pedacinhos ao vê-la chorando, então eu ligo para a Clara, Charlie, Lucas e Carlos para virem para cá.

[...]

Após eles quatro chegarem, ficamos lá fora esperando o médico conversar com a Jasmim e com os pais dela. De acordo com o que ele falou, ela esqueceu apenas as pessoas e experiências, nenhum conhecimento foi afetado, ou seja, ela pode voltar para a faculdade e vai se lembrar de tudo  que estudou.

Porém, ela não vai se lembrar dos cultos, dos amigos, das coisas que viveu no período de mais ou menos um ano e não vai se lembrar de mim... Ela vai se lembrar do Lucas, da Clara, e do Carlos. Porém, na memória dela, ela nunca me conheceu e nunca conheceu a Charlie. Na mente dela, ela continua sendo a Jasmim que ficava sozinha na escada durante os intervalos e que nunca fazia coisas divertidas com os outros... É como se voltasse para o início de tudo.

Vou ao banheiro e fico de frente para o espelho. Molho o rosto e tudo que vejo é um garoto cansado que não dorme direito á dias e que não sabe o que fazer.

-Pai... – choro baixinho- Eu não sei o que fazer e não sei qual é o seu propósito nisso, mas por favor... Por favor, faça ela se lembrar...

Eu não ouço a voz d’Ele, mas eu sei que Ele está comigo e eu sei que tudo vai ficar bem.

[...]

-Não sei como vamos fazer sem a Jasmim- Lucas fala muito triste- Depois que tudo o que passamos, ela contagiava todo mundo e unia todos nós.

-A Jasmim ainda está aqui gente... – Clara diz, abraçando Lucas- Vocês ouviram o médico, talvez seja temporário, mas se não for, mostraremos a ela que estamos aqui e que ela não precisa estar sozinha.

-Alguém com o caráter dela não perde a essência facilmente- Carlos diz cabisbaixo.

Os pais da Jasmim dizem que nós podemos entrar e eles vão telefonar para os outros, avisando a situação dela.

Eu abro a porta e arrasto a poltrona para perto dele, o mais perto possível. Os outros se sentam perto e ela fica nos olhando como se estivesse perdida, mas se esforçando para parecer normal.

-Oi gente...- ela diz- Será que podem me contar um pouco do que aconteceu?

-Nos tornamos melhores amigos- Clara diz sorrindo, mas deixando uma lágrima escapar- Fizemos grandes coisas juntos...

-Isso não é possível- ela ri sem graça- Eu nem falo com vocês a um bom tempo, não acho que eu seja tão sociável para fazer amigos assim...

-Mas você se tornou essa pessoa Jas- Lucas diz- Mudou nossas vidas, você influenciou aquela faculdade, fazemos cultos maravilhosos, muitas pessoas aceitaram a Jesus!

-Os jovens da igreja estão passando por um avivamento maravilhoso porque você nos ajudou a enxergar Jesus novamente- Carlos diz.

Percebi que todas as vezes que citávamos o nome de Jesus, ou Deus, Jasmim ficava confusa, mas ignorava e continuava escutando.

-Gente... – ela sorri, mas com os olhos cheios de lágrimas- Eu acho que eu nunca faria essas coisas... Eu queria entender e me lembrar do que estão me contando.

-A Jasmim que ficava sozinha na escada não entende- Eu digo- Mas você se tornou uma nova Jasmim, uma Jasmim que me ajudou a buscar Deus de novo... Você foi luz na minha vida.

Ela olha para o quarto cheio de flores, cartões, cartazes, presentes e coloca as mãos na boca.

-Isso tudo é para mim?- ela chora- As pessoas sabem quem eu sou?

Todos a abraçamos e ficamos ali um bom tempo. Quando nos afastamos ela pergunta:

-Mas e vocês dois?- ela aponta para mim e para Charlie- Eu queria me lembrar de vocês, mas não consigo... Me contem...

-Eu estava em depressão quando nos esbarramos na faculdade- Charlie diz- Meu irmão me tratava muito mal, e isso eu posso detalhar depois... Mas o importante é que em um dos cultos da faculdade, eu decidi aceitar Jesus e meu irmão me expulsou de casa por isso, seus pais me acolheram e você se tornou minha irmã- ela começa a chorar e a segurar a mão da Jasmim- Você é minha família sabia?

Jasmim chora, abraça e pede desculpas por não conseguir se lembrar, mas Charlie diz que tudo bem.

-Eu sempre quis ter uma irmã- ela diz sorrindo e retribuímos o sorriso.

Ela olha em volta e pergunta para o Lucas:

-Você é meu amigo também?- ela diz e ele sorri confirmando- Que bom, eu senti falta de vocês... Mas, até o Carlos?

Todos rimos.

-Vocês me ajudaram a encontrar um objetivo em Jesus... – Carlos sorri.

Jasmim fica confusa mais uma vez com o nome de Jesus, mas eu deixo passar, ela está cansada.

-Tá, mas...- Jasmim olha para Lucas de novo- Até o Carlos?

Rimos bastante, pois o coitado do Carlos ainda sofre bastante com as piadas de Lucas e agora até a Jasmim fez graça.

-E você?... – ela me olha e meu coração congela.

-Eu me apresento depois- digo sorrindo, a mesma retribui o sorriso.

[...]

Contamos muitas coisas para a Jasmim, desde antes de eu vir morar aqui, até aquele momento. Lucas contou sobre como eles voltaram a ser amigos, contou sobre a Charlie, os cultos, as borboletas. Ela está ansiosa para conhecer Amaya de novo, disse que parece ser uma fofa.

Contamos sobre tudo o que aconteceu na faculdade, sobre a coordenadora, sobre o incêndio na igreja, até chegarmos no acidente. Nessa parte, ficamos em silêncio para que ela pudesse raciocinar.

A Jasmim estava diferente de quando eu a conheci, parecia mais tímida e tinha medo de dizer algo, como se fôssemos achar ela estranha. Espero que ela recupere a memória, mas eu sei que se isso não acontecer, estaremos todos juntos e a ensinaremos de novo a ser amada.

Eles percebem que estou olhando o tempo todo para ela e dão uma desculpa nada convincente para nos deixar sozinhos.

-Lucas- Clara diz alto- Estou com fome, vamos comer?

-Vamos! Você vem Carlos?- ele joga para Carlos.

-Claro!- Ele diz e chama Charlie- Vem Charlie, estou morrendo de fome...

A mesma parece estar voando no assunto, a ponto de não entender a indireta.

-Mas você comeu dois hambúrguers antes de vir para cá...- ela diz, ele faz uma cara engraçada e ela logo percebe.

-Eu disse dois hambúrguers?- Ela levanta disfarçando- Eu quis dizer duas maçãs, maçãs dão uma fome...

Eles saem correndo, fazendo eu a Jasmim darmos gargalhadas. Ficamos nos encarando por longos minutos, sem dizer nada. Não é nada constrangedor, parece até que nada mudou.

-Sabia que os seus olhos tem o mesmo tom da minha cor favorita?- Ela diz sorrindo.

-Eu sei...- digo- Eu queria que se lembrasse de mim e de tudo o que eu falei para você...

Ela arqueia uma das sobrancelhas.

-O que você me falou?- Ela diz.

-Nada... – mudo de assunto- No futuro eu vou dizer tudo de novo, quem sabe?

-Você não é meu namorado né?- ela levanta a cabeça de uma vez, assustada.

Eu caio na gargalhada e fico com medo de responder algo que venha me comprometer.

-Fica tranquila- eu digo- Eu não sou seu namorado...

Ela fica me olhando de um jeito engraçado, que me faz ficar constrangido.

-Como você se chama mesmo?- ela pergunta.

-Enam- digo e ela sorri.

-Gostei do seu nome... – ela diz e fica me olhando.

-Enfim... – digo tentando não ficar parecendo um bobo- Você vai gostar de conhecer a Amaya novamente, ela ficou muito triste com tudo o que aconteceu... Ela te considera como melhor amiga, e por mais que isso me deixe com um pouquinho de ciúmes, eu sei que ela vai te contagiar com a alegria dela.

Jasmim sorri e o seu sorriso me faz lembrar de tudo o que vivemos nos últimos meses. Me lembro do dia em que estávamos sentados no chão da casa dela e ela agradeceu por ter amigos como nós. Mal sabe ela que ela é um presente para mim.

Fico olhando para ela e deixo uma lágrima escapar. Ela se preocupa, se aproxima e diz:

-O que houve?- pergunta confusa.

Eu apenas choro e ela me deixa apoiar a cabeça na cama do hospital enquanto ela passa as mãos pelos meus cabelos. Sei que ela queria poder fazer algo, mas o que poderia fazer?

-Olha...- ela diz e eu continuo abafando o choro na cama- Você deve ser muito especial para mim, a ponto de todos deixarem a gente aqui conversando e eu sinto muito por não me lembrar... Mas...- ela levanta o meu rosto com as mãos e diz- Eu sei que você está guardado aqui dentro e não vou parar até encontrar...

Ela enxuga minhas lágrimas enquanto sorri, isso me lembra de quando ela me fez ler a bíblia no meu jardim e eu percebi o quanto Deus me amava. Naquele dia, ela enxugou minhas lágrimas, pois que não podia me mover...

Nos afastamos devagar e enquanto deixo as mãos apoiadas na cama, ela segura a minha mão. Jasmim tinha algo para dizer antes, mas quando ela segurou a minha mão, parece ter ficado confusa.

-O que foi?- pergunto preocupado.

-Segredo... – ela diz me olhando confusa.

-Não quer me contar? Tudo bem... Mas... – digo e ela me interrompe.

-Não é isso- ela diz- Segredo... Essa palavra veio na minha cabeça quando eu segurei sua mão.

Meu coração acelera. Ela se lembrou disso! Isso é incrível.

-Não acredito... - digo levantando e quase pulando de alegria– Você se lembrou!

Ela parece mais confusa ainda, mas parece feliz com a minha animação.

-Quando eu comecei a recuperar os movimentos aos poucos- digo, explicando- Você foi a única a saber que eu podia mover meus dedos, e eu me esforcei para que a primeira coisa que eu fizesse fosse segurar a sua mão pela primeira vez... Eu disse que seria nosso segredo...

-Eu só me lembro da palavra- ela diz um pouco triste- Me desculpa... Não me lembro de mais nada.

Seguro o rosto dela e digo:

-Tudo bem- sorrio- Tudo bem...

E eu a envolvo com um abraço, ficamos assim até ouvir alguém pigarrear. Quando olhamos para trás, Lucas e os outros estão rindo. Lucas diz:

-Se quiserem mais tempo, a gente deixa os pombinhos e volta para comer outro lanche.

-Eu apoio!- Clara diz com a boca cheia de batata frita.

Rimos e nos sentamos. Enquanto os outros conversam, Jasmim faz “Psiu”, para que eu olhe para ela e chegue mais perto. Então ela diz:

-Acho que agora temos mais um segredo- ela sorri, me fazendo lembrar que ninguém sabia do nosso antigo segredo sobre eu recuperar os movimentos dos dedos antes do acidente e sobre ela se lembrar disso agora.

-É um prazer dividir esse segredo com você Jasmim.

[...]

Por um instante, tudo parecia mais leve e meu coração estava cheio de esperança. Os nossos pais vieram, fizeram muitas palhaçadas para tentar animar o ambiente... A Jasmim riu até chorar. Todos já sabiam sobre ela e disseram que continuariam orando.

Mas houve uma coisa que nos preocupou.

Jasmim olhou em volta e viu um desenho que a Amaya fez, tinha o nome de Jesus bem grande. Então ela disse:

-Vocês falaram esse nome várias vezes hoje- ela diz- Jesus... Quem é ele? Eu deveria conhecê-lo? Quando ele vai chegar para eu possa vê-lo?

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