C A P Í TU L O XXXI
O epílogo será postado em breve!
3 MESES DEPOIS. — Ainda em Londres e quase no Natal.
Odelia estreitou os olhos. Ela ficou na ponta dos pés, tentando em vão conseguir enxergar através da multidão. Embrulhou-se ainda mais em seu casaco e ajeitou as luvas, que com seus movimentos deslizavam de seus dedos. A ponta de seu nariz estava vermelha, assim como suas bochechas e orelhas. Apesar do frio, Lady Odelia permanecia firme na decisão de continuar ao ir livre.
O inverno havia acabado de começar. Ainda não estavam no ápice do frio, mas todos estavam certos em afirmar que os dias de glória haviam acabado. Londres estava cinzenta, mais escura do que o habitual, e seu clima era em geral gélido. Muitas pessoas nem estavam mais na cidade. Com o fim da temporada social várias famílias haviam retornados aos seus condados e deixado a capital consideravelmente vazia. Ainda assim, todos os Abbey estavam ali, esperando ansiosamente pelo Natal e pela celebração que viria a seguir.
Katherine encolheu-se também, tentando barrar o frio. Além de um casaco ela também usava uma grossa capa que cobria todos seus cabelos e escorregava por sua silhueta até seus pés. A menor não tinha nada a cabeça além de um protetor de orelhas felpudo e um laço azul segurando o cabelo — que havia sido amarrado com dois nós para não soltar-se com o vento. Elas deveriam entrar, certamente deveriam estar acomodadas dentro da Igreja, mas permaneciam irredutivelmente ali, assim como outros convidados.
Lady Crentown estava atenta. Ela observou o duque entrando na construção. Vossa Graça não demonstrou emoção alguma. Com um olhar frio e indecifrável ele atravessou as grandes portas no mais completo silêncio. Atrás dele seguiu-se o resto de sua família imediata: a esposa, as filhas, os filhos e um dos netos. Nenhum deles especialmente interessado em demonstrar simpatia. Eles responderam a todas as mesuras apenas com leves acenos de cabeça, e por algum motivo, Katherine estremeceu.
— Observando-os e pensando que poderia ser você ali? — Odelia perguntou sem olhar para a irmã. Ar quente saia de sua boca.
— Inevitavelmente. — Lady Crentown assentiu. — Estou feliz que não seja.
— Tenho certeza. — A menor suspirou. — Parece loucura, não? Faltam quatro dias para o Natal, onze para o Ano Novo, estamos em Londres e nossa governanta irá se casar... — Ela cruzou os braços. — Quem em sã consciência poderia dizer isso no inicio da temporada?
— Bem... — Katherine olhou para as próprias botas. — Posso tomar a liberdade para lhe dar um conselho?
— Sem dúvida, — assentiu — e eu o seguirei apenas se achar necessário.
— Durante esse ano eu aprendi muitas lições e minha vida mudou radicalmente, nós duas sabemos disso. O que eu acho importante ressaltar é: as coisas nem sempre são ou acontecem como planejamos. Eu nunca imaginei que Arthur sofreria um acidente, nunca imaginei que teríamos uma cunhada como Millicent e nunca imaginei que o que houve com Jane poderia acontecer. — Declarou. — Para mim eu iria me casar com o Sr. Rodger, vocês continuariam em casa com a Srta. Foster, eu não conversaria com Lord Crentown além do necessário, e principalmente, não me sentiria tão feliz quanto me sinto agora.
Odelia arqueou uma sobrancelha.
— A vida é imprevisível.
— Sim. — Katherine concordou. — Então nunca se contente com o que tem, Odelia. Nunca ache que algo é eterno. Nunca pense que algo não possa dar errado, mas acima de tudo, nunca duvide das maravilhas que podem acontecer em sua vida. Apenas permita-se. Esteja de mente, alma e coração aberto para o que der e vier, pois uma coisa eu posso te garantir, irmã: a vida não segue seus planos e você não pode adivinhar quais são os dela. Assim, apenas deixe-se se levar por seus ventos, porque eu tenho certeza que o destino reservou o melhor para você.
Lady Odelia sorriu.
— Obrigada Kate. Tenho certeza que vou me lembrar dessa conversa quando for necessário. — Ela arqueou uma sobrancelha. — Mas sinto que isso foi quase premonitório. Vocês estão arranjando um casamento contratual para mim ou algo do gênero?
Katherine riu.
— Claro que não. A decisão para seu casamento estará apenas em suas mãos a partir do momento que você debutar daqui uns três anos. — Lady Crentown apoiou a mão na cintura. — Porém reforço o que eu disse antes, esteja aberta a tudo. Eu cometi o erro de idealizar um homem perfeito, mas no fim percebi que o homem perfeito para mim era bem diferente do que eu tinha em mente. Já pensou? O seu homem perfeito pode estar bem na sua frente, mas por recusar-se a enxerga-lo você pode perder a chance de encontrar um amor verdadeiro. Eu não consigo imaginar minha vida se não tivesse me casado com Thomas.
Odelia inclinou-se levemente para o lado, a fim de observar literalmente á sua frente. Katherine revirou os olhos, a irmã estava levando suas palavras literalmente. A menor ficou paralisada por alguns segundos e sem expressão alguma voltou à posição anterior.
— Você sabe que Lord Danley e Andreas Bailey estão tentando tirar o gorro de Cassandra Scales da boca de um cão logo atrás de você, não sabe? — A menor estreitou os olhos. — E o cão está a dois segundos de morder Lady Maria Flemmi... Mordeu.
Katherine não tinha certeza se queria continuar aquela conversa.
— Oh... — Odelia continuou com uma careta. — Aquilo definitivamente vai doer amanhã.
— Lia...
— Na verdade eu tenho certeza que já está doendo agora.
— Você poderia entrar? Eu irei com vocês e meu marido em questão de instantes, eu apenas tenho que fazer uma coisa antes...
Lady Odelia assentiu. De qualquer forma ela já estava cansada de permanecer no frio. A mais nova despediu-se com um simples aceno e adentrou sozinha á igreja, encaminhando-se até a primeira fileira onde estavam suas irmãs. Elas ocupavam lugares de honra, escolhidos especialmente pela noiva, demonstrando todo o carinho que ela tinha pelas pequenas Abbey. Florence e Beverly estavam sentadas, apenas conversando sobre trivialidades e fazendo planos para o Natal. Odelia juntou-se a conversa.
Lady Crentown, por outro lado, permaneceu ao lado de fora. Caminhou sozinha até uma carruagem que Kevin havia conduzido até ali. Ela não precisou bater, a porta abriu-se instantaneamente. Dentro do veículo havia duas mulheres e um garotinho de aproximadamente oito anos. As mulheres eram muito parecidas, ambas tinham os mesmos olhos azuis, o mesmo nariz arrebitado e a mesma estrutura óssea, eram indubitavelmente irmãs, mas alguns pontos as diferenciavam. Uma delas segurava a maçaneta da porta, tinha uma expressão marota, seus cabelos eram escuros e suas roupas exalavam um ar clérigo que não combinava nada com ela. A outra tinha cabelos loiros, os mesmos olhos azuis e apesar de parecer cansada, ainda era muito bonita, assim como a irmã. Suas roupas e do garotinho eram simples, provavelmente as melhores, mas ainda assim incomparáveis em relação às roupas que os outros convidados usavam.
O menininho sorriu com o mesmo sorriso travesso da mulher que segurava a porta. Ele era loiro, seus olhos cinza — que Katherine jurava já ter visto em algum lugar — e suas calças estavam sujas com farelo de pão.
— Titia, nós chegamos?
— Sim. — A de cabelos escuros respondeu sem tirar os olhos de Katherine. — A senhora é...
— Lady Crentown. — Kate sorriu fazendo uma mesura.
— Ah, eu imaginei. — Ela sorriu. — A senhora se descreveu realisticamente na carta. Geralmente as pessoas costumam mudar alguns traços indesejados.
— Lettice. — A loira chamou atenção da irmã. — Por favor...
Katherine riu.
— Bem, eu não seria justa se me descrevesse erroneamente. Afinal, como vocês iriam me identificar? — Ela sorriu. — É um prazer conhecê-las.
— O prazer é nosso, Lady Crentown. Meu nome é Charlotte, essa é minha irmã Lettice e esse é meu filho, Oscar. — A mulher fez uma mesura. — Por favor, Oscar, cumprimente adequadamente Lady Crentown.
O garotinho estreitou os olhos.
— Oi.
Lettice riu. Katherine tentou manter uma postura de seriedade.
— Não, Oscar... — Charlotte suspirou — Desculpe Lady Crentown. Ele não tem como saber, nós... Nós não recebemos muitas visitas.
Lady Crentown acenou no ar.
— Não há problema algum. O importante é que vocês estão aqui. Sua irmã ficará transtornada de felicidade, tenho certeza.
— E nós já estamos felizes por ela, milady.
— De certo que sim. — Assentiu. — Vamos descer agora?
Elas concordaram. Charlotte demorou um pouco, teve que agasalhar Oscar com um casaco e uma capa e ajudou o garotinho a descer os altos degraus. Enquanto isso os olhos de Lettice corriam o ambiente. Ela estava bem acostumada com igrejas, mas não com os arredores dela. Elas estavam em Londres, e por Deus, Lettice nunca havia estado na capital, muito menos no âmago da alta sociedade. Tudo ainda era muito surreal.
Charlotte desceu. Segurou firme nas mãos do filho e respirou fundo. O pavor em seu olhar era perceptível. Lady Crentown queria acalma-la, mas não sabia exatamente como. Londres para ela era tão banal quanto dormir, acordar ou comprar laços.
— Reservei um lugar para vocês. — Katherine sorriu.
Elas entraram na igreja discretamente e pelas laterais. Os convidados ainda estavam chegando, alguns estavam distraídos demais para percebê-las e outros mais atentos cumprimentavam cordialmente milady e suas acompanhantes. Os assentos reservados eram bem à frente, ao lado de Lord e Lady Crentown, com uma visão perfeita da noiva. As mulheres acomodaram-se, Oscar ficou agitado.
Lady Berverly olhou para trás, curiosa.
— Bom dia. — Ela sorriu. — Prazer em conhecê-las.
Katherine assentiu.
— Essa é minha irmã caçula, Lady Beverly Abbey. — Gesticulou — Beverly essas são as senhoritas Charlotte e Lettice, irmãs de Jane.
— E eu sou o Oscar.
Beverly arregalou os olhos, mas não disse nada invasivo. Se teve duvidas — e certamente teve — guardou para si. Ela apenas assentiu e as analisou de cima abaixo.
— Compreendo. — A menor disse. — Fico feliz por encontrá-las. Sua irmã é muito querida por mim.
Charlotte sorriu.
— De certo que sim. Ela é uma pessoa maravilhosa.
Lady Beverly assentiu. Despediu-se com delicadeza das mulheres e voltou-se comportadamente para frente, conversando com as irmãs. Houve um considerável silêncio após isso. Os ombros de Charlotte voltaram a encolher, em receio, e os olhos dispersos de Lettice vasculhavam todo o salão, de maneira igualmente deslumbrada e assustada. Os murmúrios aumentavam, as pessoas sentavam-se, levantavam-se, percorriam a capela com os brações entrelaçados e desfilavam com as inúmeras joias espalhadas pelo corpo.
— O colar daquela mulher vale mais do que nós precisaríamos para viver nossa vida toda. —Lettice murmurou.
Charlotte olhou em desespero para Lady Crentown.
— Nós não somos um escândalo, somos?
Katherine não sabia o que responder.
— Digo... — A loira continuou. — Olhe para nós, Lady Crentown. Creio em sua bondade em trazer-nos aqui, mas não nos encaixamos ao redor dessas pessoas. Não quero nem imaginar o que passa na cabeça deles.
— Que o filho do duque de Ramberry está a um passo de se casar com uma mulher sem títulos. — Katherine disse. — O casamento em si é um escândalo para a sociedade, Charlotte. Não há o que temer... — Ela olhou para as mulheres com ternura. — Além de que vocês estão muito bonitas. Se olharem para vocês com certeza é admirando a beleza que todas as Foster compartilham.
Charlotte riu e Katherine soube que não estava mentindo. Ela era realmente muito bonita. Lettice também, mas ela estava concentrada demais no ambiente para prestar atenção na conversa. Charlotte havia passado tanto tempo em sua casa, cuidando sozinha do filho e esforçando-se para conseguir uma renda, que há anos não escutava alguém a dizendo que era bonita. Uma ofensa, sem duvidas, pois ao ver seu rosto se iluminar Katherine desejou que alguém pudesse dizer isso para ela todos os dias.
— Bom dia, senhoras. — Lord Crentown fez uma mesura que foi imediatamente retribuída.
— Bom dia. — Disseram em uníssono.
Katherine arqueou uma sobrancelha.
— Onde estava?
— Conversando com o Sr. Laurens e Lord Albernathy, oras. — Thomas sorriu. — Tentando passar o tempo enquanto estava longe de você. Uma tortura.
Kate sorriu. Tocou no rosto do marido brevemente e voltou-se para as irmãs.
— Senhoritas esse é meu marido, Lord Crentown.
— É uma honra conhecê-las. — Thomas assentiu.
Charlotte estava paralisada. Lettice aproximou-se ainda mais deles, inclinou-se e tentou olhar por cima dos ombros de Lord Crentown.
— O Lord Albernathy está aqui?!
Charlotte agarrou Oscar. Ele bufou.
Thomas estreitou os olhos.
— Quase na última fileira com Lord Laurens. — Respondeu receosamente.
— Não importa. — Charlotte olhou para os próprios pés. — Creio que Londres inteira esteja aqui.
— Grande parte. — Katherine concordou. — É um evento importante.
Lettice suspirou.
Katherine iria perguntar. Iria mesmo, porém não o fez. Hesitou por várias vezes e quando se deu conta a cerimonia já estava começando. Ela e todos os outros se calaram, pelo menos até a entrada do noivo. Casamentos arranjados eram rotina, de vez em quando aconteciam alguns por coerção e mais raramente outros por amor genuíno. E mesmo nos casos de casamento por sincero amor era difícil ver um noivo tão tranquilo, leve e exalando felicidade como o Sr. Rodger. Até mesmo no casamento de Lord e Lady Crentown Thomas estava tenso. Neval, por outro lado, parecia estar no paraíso.
E quando Jane entrou... Sim, sem dúvida ele estava.
A noiva caminhou lentamente em sua passarela. Todos os olhos estavam vidrados nela e até mesmo os críticos do matrimônio não podiam negar a graça da noiva. Dinheiro não trazia elegância, pois mesmo de origens humildes Jane deslumbrava a todos com sua majestade. Ela andou sem hesitar, bem, ao menos até ver as irmãs. Ao fitar Lettice, Charlotte — e Oscar, é claro — o coração da noiva parou, assim como seus pés. Ela quis chorar, correr para abraça-las, mas as irmãs fizeram ternos gestos para que ela continuasse seu percurso.
Elas teriam todo o tempo do mundo para colocar toda a conversa em dia. Todo.
E então Jane se casou. A governanta casou-se com o filho de um duque em uma capela aristocrática no meio de Londres. Casaram-se, beijaram-se no altar, e por fim, foram levados até a carruagem com uma chuva de rosas e uma salva de palmas. Algumas pessoas aplaudiram apenas para seguir o fluxo de aplausos, outros pela ousadia daquele casamento, outros para desejar felicidades ao casal. E acima de tudo, quando eles já estavam na carruagem afastando-se da capela e os aplausos continuavam, constatou-se que na verdade também se aplaudia 1821.
🕎🕎🕎
24 de Dezembro.
All I want for Christmas is you.
A neve caia sobre as ruas de Londres. Não havia raios de sol para aquecer aquele dia frio, apenas o fulgor das lareiras. Lord e Lady Crentown desciam da carruagem e caminhavam até a soleira da Casa Abbey levando em mãos uma torta de amoras. Kevin, que fora contratado por Lord Crentown para auxilia-lo no dia-a-dia, levava em suas mãos os presentes da família. Não demorou a que o Sr. Branson os recepcionasse com afeto.
O casal foi até ao cômodo onde os convidados estavam reunidos. As meninas estavam ao pé da árvore de Natal, decorando-a com fitas e enfeites feitos a mão. Lady Abbey e Lady Cecile estavam ao pé da lareira, sentadas no sofá e conversando serenamente. A barriga de Millicent já estava grande, grande ao ponto de que todos desconfiassem de que não era de fato um bebê, mas sim dois. Lady Crentown aproximou-se lentamente, abaixou-se para cumprimentar a mãe e em seguida sentou-se entre ela e a cunhada.
— Como está você e os bebês? — Kate tocou-a com ternura na barriga.
— Estamos bem. — Millicent sorriu, endireitando-se no sofá. — E você?
— Maravilhosamente bem. — Assentiu com um sorriso. — Thomas e eu trouxemos uma torta. E os presentes de vocês. — E então se voltou para a mãe. — Ouviu mamãe? Eu ajudei a cozinheira a fazer a torta, inclusive.
— Tenho certeza que estará formidável. — Cecile garantiu gentilmente.
Lady Abbey arqueou uma sobrancelha.
— Se não estiver boa o bastante vocês não serão convidados para o Natal do ano que vem. — Provocou.
Katherine riu.
— Estará tão boa que receberei convites para o resto de minha vida. — E então, virou-se em direção a porta. — Ah, um instante. A convidada de honra de minhas irmãs chegou.
Era a Sra. Rodger e sua família. Eles adentraram discretamente na sala. A primeira a perceber a presença deles foi Katherine que os cumprimentou com um leve movimento de cabeça. Não demoraria até que Beverly — ou qualquer outra irmã — corresse até a antiga governanta.
— Quem são as mulheres que estão com ela? — Cecile estreitou os olhos.
Lady Crentown coçou a garganta.
— As irmãs de Jane. Pedi para Lady Abbey se poderia convida-las e ela permitiu. — Katherine explicou-se. — Não sei, mamãe. Queria que eles passassem um bom Natal.
Cecile olhou para a nora. Millicent estava serena.
— Não acredito que você permitiu com tanta facilidade.
— Fui tomada pela bondade natalina. — Respondeu. — Além de que também convidei os viscondes Backford. Eles virão com Lady Heather.
Cecile apoiou-se no sofá.
— Tenho certeza que isso deixou de ser uma comemoração de Natal intima e familiar. — A matriarca suspirou. — Pensei que ao menos com suas primas no campo nós teríamos mais calma nesse inverno.
— Ainda é intima e familiar. — Kate sorriu. — Estamos com nossa família e pessoas que amamos. Existe Natal melhor do que esse?
Elas assentiram. Cecile aproximou-se um pouco mais da lareira, sentando-se em outra poltrona, para se aquecer. Millicent continuou no sofá, brincando com os babados do vestido e vendo o desenho de sua barriga no grosso tecido. Katherine apenas a admirou por alguns segundos, tão bonita, tão feliz, tão satisfeita. O sorriso e o olhar de Millicent eram tão leves, tão diferentes de alguns meses, que Kate apenas conseguia agradecer pela felicidade dela, e consequentemente, a sua.
Lady Crentown aproximou-se. Tocou na barriga dela por cima das mãos da cunhada e a fitou próxima de seu rosto.
— Você realmente acha que são dois? — Cochichou entre sorrisos.
Millicent suspirou.
— Bem... Eu acredito em sonhos. E na intuição de avó. Então se Arthur sonhou com dois garotinhos e Cecile me disse que eram dois meninos, porque não? Eu também acredito.
— Vocês já pensaram em algum nome?
— Sim, vários. — Ela mordeu os lábios em um lampejo de alegria. — Mas Edgar e Edmund conquistaram nossos corações.
Kate sorriu e inclinou-se um pouco sobre Lady Abbey.
— Ei, Edgar. Ei, Edmund. — Ela sussurrou. Millicent não conseguiu evitar rir. — Sou eu, a Titia Kate. Eu gostaria de primeiro desejar um feliz Natal para vocês e depois dizer que eu estou muito ansiosa para que a primavera chegue logo e eu conheça meus sobrinhos. Estou muito animada e muito grata por tê-los em minha vida. Preparem-se, pois uma família grande, amorosa e feliz os aguarda. Estamos prontos para dar a vocês muito amor e carinho.
Millicent sorriu. Pegou nas mãos da cunhada e as acariciou.
— É maravilhoso saber disso, Kate. É maravilhoso saber que você os ama.
— Amo vocês. Seu ou seus bebês, mas primeiramente você. Millie, você é a irmã mais velha que eu nunca tive. Hoje na Igreja agradeci á Deus por muitas coisas. Por minha vida, por meu casamento, mas também pelos céus terem colocado você na minha vida. E na de Arthur, pois eu sei como ninguém o quanto ele precisava de você.
— Você sabe... Passei grande parte da minha vida sem ninguém. Sem irmãos, sem primos, sem pais presentes, e logo, sem amor. Pela primeira vez tenho uma família e posso dizer isso sem medo. Eu sou mais grata ainda por finalmente saber o que é ser amada.
Elas permaneceram em silêncio de mãos dadas. Lady Abbey olhou para baixo, surpresa consigo mesma por ter conseguido dizer aquilo. Mostrar seus sentimentos... Bem, ela estava trabalhando cada dia mais nisso.
— Boa noite, maninha. — Arthur sentou-se entre elas e beijou a testa da irmã. Em seguida, abraçou a esposa de lado. — Está bem?
— Sim. — Katherine assentiu. — E você... Maninho?
Arthur riu.
— Ótimo. Estava conversando com seu marido sobre Bath. Ele disse que vocês pretendem passar o inverno lá.
— Sim. — Kate concordou. — Fugir um pouco da sociedade.
— Você sabe que a sociedade inteira vai para Bath no inverno, não sabe? — Millicent comentou. — Não vejo muito sentido.
— Bem, nós também vamos para o campo. E com sorte voltaremos apenas para a próxima temporada.
— Você se casou, Kate — Lord Abbey disse — Eu fugiria.
— Ah, não importa. Acompanharei Lady Heather nos bailes até ela se casar.
— Ela se casará com Liam Henderson. — Millicent deu ombros. — Regina disse que ele a presenteou com um colar.
— Um colar não é uma aliança. — Katherine arqueou uma sobrancelha.
— Mas não está muito longe.
— Certamente está, Millie. — Lady Crentown deu ombros. — Além de que Liam Henderson é Liam Henderson. Ele deve estar de olho em Venus ou alguém assim.
— Anote minhas palavras, Katherine. Eles vão se casar. — Lady Abbey completou.
Não havia discussão. Lady Abbey iria se provar certa ou errada uma hora ou outra.
E eles continuaram ali. O restante dos convidados chegou e eles se aconchegaram pelo cômodo. As meninas ficaram entusiasmadas com os presentes, as cridas trouxeram bebidas quentes e dessa vez Lady Beverly havia ajudado no preparo de biscoitos verdadeiramente deliciosos. Katherine decidiu afastar-se um pouco, não por qualquer incomodo, mas porque precisava refletir. Precisava pensar no ano que estava deixando para trás e como tudo em sua vida havia mudado.
Ela foi até uma das janelas laterais logo ao lado da grande árvore que as irmãs há pouco haviam terminado de decorar. A neve havia começado a cair e as ruas já se cobriam em branco novamente. As luzes da cidade destacavam-se mais ainda no clima austero do inverno. O verão havia acabado, os inúmeros bailes e casamentos também. O que restava era descanso. Era contemplar a nova vida.
— Muito pensativa? — Thomas aproximou-se, abraçando-a com cuidado por trás, e observando o lado de fora junto à esposa.
— Acho que sim. — Ela sorriu fraco — Agradecendo pelo ano também.
— Provavelmente foi o melhor ano de minha vida.
Kate sorriu, virando-se para ele e entrelaçando os braços ao redor do pescoço do marido.
— Por que nós nos casamos?
Lord Crentown arqueou uma sobrancelha.
— Porque eu ganhei cinquenta libras apostando no cavalo certo na última corrida.
O sorriso dela murchou. Seus olhos reviraram com tanta intensidade que ela quase ficou cega.
— Estou brincando, — Thomas beijou uma de suas bochechas — porque eu a conheci — beijou a outra — porque eu a beijei — e suavemente tocou seus lábios — e porque eu a fiz minha esposa. E nada poderia me fazer tão feliz.
Ela sorriu. Ficou na ponta dos pés e tocou seus narizes ainda gelados. Percorreu a barba curta do marido com a ponta dos dedos, acariciando-o, e por fim o beijou novamente. Seus lábios eram uma cura para o frio, pois instantaneamente tudo em Thomas se aqueceu. Ele tocou a curva de sua cintura e a trouxe para mais perto de si. Separaram o beijo, mas não afastaram os rostos. Os olhos fixos, os lábios molhados e os corações juntos. Eram um só.
— Não acredito que nos beijamos atrás da árvore de Natal de sua família — Lord Crentown segurou um riso.
— Bem... — Katherine tirou um visco que enfeitava a árvore — podemos dizer que a culpa é toda do visco de Natal. Ele pede beijos.
Lady Crentown ergueu a planta acima da cabeça.
— É tradição — ela sorriu.
Thomas riu, trazendo-a para perto novamente. Katherine permaneceu com o visco sobre eles enquanto o marido depositava rápidos beijinhos em sua boca. Ela queria eternizar aquele momento, mas não podia esquecer de que a família e os amigos estavam á apenas alguns metros.
Lady Cecile levantou-se, dirigindo-se a segunda filha mais velha cordialmente.
— Florence, querida. — A mãe sorriu — Toque um pouco para nós? Nós adoraríamos ouvir um pouco de piano.
Florence assentiu. Sentou-se a frente do instrumento, esticou os dedos e iniciou uma leve e contagiante melodia. Katherine não sabia o certo qual sinfonia era, mas tinha certeza que era uma composição de Mozart. Ela sorriu, balançando a cabeça no ritmo da música e olhando para o marido, que tinha um sorriso travesso entre nos lábios.
Odelia e Beverly levantaram-se. Postaram-se há alguns metros deles, seguindo a música e arriscando alguns passos de uma valsa desengonçada. Lady Cecile assentiu sem pestanejar. As filhas eram graciosas demais e era Natal. Não havia espaço para regra alguma. As meninas pareciam se divertir mesmo com os frequentes erros. Beverly nunca acertava a direção e Odelia não tinha equilíbrio. Florence esforçava-se muito para não rir.
— Elas parecem estar se divertindo — Thomas comentou, ainda fitando as garotas.
Katherine arqueou uma sobrancelha. Ela estendeu a mão ao marido.
— Quer dançar?
Lord Crentown piscou algumas vezes, confuso.
— Dançar?!
Katherine assentiu.
— Desde quando você dança, Kate?
— Bem... Desde quando é Natal — ela pegou nas mãos do marido — e quando é com você.
Thomas sorriu. Ele fez uma mesura e segurou em seus delicados dedos sobre a luva. Katherine sentiu um arrepio, mas manteve-se firme. Era agora, pois se não fosse com ele, não seria com ninguém.
— Lady Crentown me concederia essa dança?
Ela concordou com a cabeça.
— Essa e todas as outras.
Os dois caminharam até o centro do cômodo. Todos os fitaram, mas Katherine apenas respirou fundo, aproximou-se do marido, e pela primeira vez em anos, deixou-se levar pela melodia de uma música. Thomas foi cuidadoso, tocou suas costas, segurou em sua mão e a guiou com carinho e destreza. E Katherine...Bem, ela não foi melhor dançarina do mundo.
Errou o giro, tentou guiar o marido para o lado errado e quase se enroscou nos próprios pés, mas não se aterrorizou com os erros. Ela olhou para Thomas e ele sorria. Sorria com ternura, com carinho, com amor, apaixonado por todas as perfeitas imperfeições da esposa. E por mais que ainda fosse estranho estar ali, seguindo o ritmo do piano, ela sentiu-se segura. Sentiu-se segura ao lado dele, ignorando todos os erros com um sorriso no rosto e uma risada abafada.
— Eu sou péssima, — Kate riu girando pela terceira ou quarta vez.
— Você é perfeita.
— Errando assim?
Thomas beijou sua testa.
— Você é perfeita de todas as formas, Kate. Pisando no meu pé ou rindo ao meu lado ainda é perfeita. — Ele tocou em seu queixo — E eu a amo assim.
Katherine sorriu. Girou mais uma vez, mas dessa vez da maneira exata. Em seguida a melodia tornou-se mais rápida e pela primeira vez em séculos, Katherine não pisou no pé do acompanhante. Thomas e ela estavam perfeitamente sincronizados.
— Eu também amo você, Thomas. — Suas mãos foram até suas madeixas ruivas — Do jeitinho que você é. Sem tirar, nem pôr. Amo.
— Eu te amo.
— Eu te amo. — Ela disse mais uma vez.
— Eu te amo. — Lord Crentown disse mais uma vez.
— Eu te amo.
— Eu te amo.
E ela pisou em seu pé. Thomas fez uma careta de dor.
— Ainda ama? — Katherine arqueou uma sobrancelha, rindo. Sua resposta poderia ser a maior prova de amor de sua vida.
Thomas sorriu. Não seria um pisão que o faria parar de amar a esposa. Ele a girou pela última vez e a trouxe para perto de si pela cintura. Palmas ecoaram pelo cômodo, mas para eles era apenas um barulho de fundo. Tudo o que havia naquele instante era os dois.
— Sim... — Thomas sussurrou — Muito.
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