Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

C A P Í T U L O XXIX

Amores, já vou avisando que o capítulo a seguir é grande (o maior da história), e espero que vocês gostem! <3 Boa leitura.

— Bem... É aqui. — Neval declarou por fim.

A essa altura o dia já se transformava em noite. Os últimos raios de sol escondiam-se atrás de algumas nuvens e a rua onde eles haviam parado era pouco iluminada. A propriedade estava há alguns metros. Á frente estendia-se um gramado sem muitos detalhes, alguns postes para iluminação e um simples caminho que levava a entrada da imponente propriedade do século XVIII.

Era uma casa consideravelmente bonita, mas Katherine não gostou dali. Assim que botou os olhos naquelas janelas — todas fechadas — sentiu seus pelos eriçarem-se com o arrepio. Tudo estava vazio. Não havia nenhum pássaro nas árvores, ninguém na estrada e muito menos no gramado. Poderia ser o cenário perfeito para o resgate — ou não.

— Tudo certo? — Lady Crentown apertou as mãos do marido. — Sr. Rodger, lembra-se do que irá dizer caso alguém apareça?

— Direi que cavalos estão cansados e tal, mas sinceramente duvido muito que alguém apareça.

— É bom estar precavido. — Florence disse, levantando-se — Vamos. Não há tempo a perder.

Thomas e Katherine se entreolharam. Ambos tinham a leve impressão de que Lady Florence não entendia a gravidade da situação em que eles estavam, mas tampouco fizeram questão de questiona-la, afinal, era Florence. As coisas sempre seriam romantizadas na cabeça dela.

Lord Crentown aproximou o corpo de Katherine do seu. Beijou sua testa, sua bochecha e não se contentou, teve de depositar um sincero e rápido beijo em seus lábios.

— Tome cuidado, Kate. Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse com a mulher que amo.

— Você que vai encarar o perigo de frente, Thomas. Florence e eu ficaremos bem.

— Se algo de mau acontecer... — Ele respirou fundo — Por Deus, o que eu rezo que não aconteça, por favor me chame. Grite por mim que eu a encontrarei.

— Nada de mal acontecerá, querido. Mas sim. Se for preciso eu o chamarei.

Eles sorriram. Poderiam ficar horas ali, apenas apreciando o sorriso afetuoso um do outro, mas tinham algo muito mais importante para fazer. O Sr. Rodger permaneceu perto da carruagem, cuidando dos arredores e garantindo que tudo estaria pronto para a eventual partida. Lord Crentown foi em direção a casa. Diria ao Sr. Kieling que havia feito uma parada em razão do cansaço dos animais e em seguida tentaria manter a atenção do homem fingindo interesse em comprar alguma parte da propriedade. Enquanto isso as irmãs dirigiram-se sorrateiramente até a porta lateral da casa.

Era a entrada dos criados. Primeiro Katherine espiou pelo vão da porta — que felizmente estava aberta — a procura de alguém. Não havia ninguém no corredor, é verdade, mas vozes muito próximas podiam ser ouvidas. Se a porta estava aberta era porque provavelmente havia um fluxo constante de pessoas ali, e então elas deveriam ser rápidas. A mais velha agarrou o pulso da irmã e arrastou alguns metros, entrando na propriedade de Kieling.

Elas pararam no primeiro corredor vertical após a porta. O ambiente era pouquíssimo iluminado, o chão rangia com cada passo e odor não era dos melhores. Florence engoliu seco. Ela estava fria, quase pálida de medo, e naquele instante Katherine soube que deveria ser mais forte ainda. Ela era a mais velha, havia assumido a responsabilidade pela irmã e cuidaria muito bem dela.

— Provavelmente ali é a cozinha. — Katherine sussurrou — Jane pode estar ali, mas eu duvido muito. Se ela cuida das crianças dificilmente estará na área de serviço.

— Devemos subir a escadaria então? — Florence tremeu.

— Não tenho certeza. Espere aqui. Tenho certeza que se eu espiar pel...

— Quem são vocês?!

Elas voltaram-se para a origem da voz no mesmo instante. Tratava-se de uma mulher, provavelmente em torno dos quarenta ou cinquenta anos, baixa e rechonchuda. Havia farinha em suas bochechas e carvão por todo seu vestido. Sua aparência não era a mais cativante, mas por algum motivo, Katherine não sentiu medo. Ela viu bondade nos olhos daquela mulher.

— Estamos procurando a Srta. Foster. — Katherine afirmou. — Viemos busca-la.

— E não há nada que a senhora possa fazer para nos impedir! — Florence completou, estufando o peito.

— Último andar, primeiro quarto á direita. Subam o primeiro lance de escadas, depois caminhem até o final do corredor e haverá outro. — A mulher apontou para a escadaria. — Ela está arrumando a sala de estudos das crianças. E tomem cuidado. O Sr. Kieling tem uma ótima audição.

Lady Crentown agradeceu a bondade da senhora. Com entusiasmo voltou-se em direção as escadas, mas a menor permaneceu parada, com os braços cruzados e encarando a senhora furtivamente. Katherine tentou puxa-la, mas Florence pestanejou, desvencilhou-se dos braços da irmã e continuou no mesmo lugar.

— Não entendi... — Ela murmurou. Em seguida, arqueou uma sobrancelha e dirigiu-se a mulher. — Foi muito fácil. Por que a senhora nos deu essa informação sem ao menos saber quem somos? Pode ser uma armadilha, Kate, você é muito ingênua.

Katherine pensou em chamar a atenção da irmã, mas desistiu. Ela estava certa. Por mais que a ansiedade em subir aquelas escadas e acabar logo com isso estivesse consumindo Lady Crentown alguma das duas deveria ter um pouco de senso ali. Elas estavam em uma área desconhecida, com uma mulher desconhecida em uma casa desconhecida. Por que deveriam acreditar na bondade condicional da primeira pessoa que aparecesse para elas?

— Oras, pois a Srta. Foster é maravilhosa! — A mulher pousou as mãos na cintura. Seu tom de voz era alto. — Se ela tem a chance de ir embora, que vá! Ela merece um lugar muito melhor do que esse inferno que o Sr. Kieling chama de casa.

Oh. — Florence olhou para a irmã.

— Além de que eu claramente sei quem vocês são. Você... — Ela apontou para Kate — é Lady Katherine Abbey. E você... — Dessa vez ela apontou para Florence — é Lady Florence Abbey. Jane fala de vocês o dia inteiro. Estou vendo-as pela primeira vez, mas sinto como se já as conhecesse há anos. Sei tudinho sobre vocês.

Lady Crentown mordeu os lábios, consideravelmente apavorada. Florence, por outro lado, levou com otimismo a situação. Ela considerou uma maravilha ter sido alvo dos comentários de Jane.

— Ela me elogiou? — A mais nova indagou, empolgada.

— A todas vocês! Descreveu com muito amor cada uma das irmãs Abbey. — Afirmou. — Pobrezinha, demonstrou-se tão arrependida do que havia feito... Bem, mais ou menos. Ela gosta do rapaz, mas a devoção que tem por vocês realmente pesou seu coração.

— Vejo que ela realmente contou tudinho... — Katherine resmungou.

A senhora assentiu. O que poderia fazer? Elas passaram muito tempo juntas. Apesar de Jane ser designada a cuidar das crianças por várias vezes ela já ajudou com a mesa, com as áreas internas da casa e até mesmo havia descido até a cozinha para conversar com os outros empregados. A princípio todos eles tinham ao menos um ponto em comum: odiavam Gordon Kieling.

— Mas vão! — A mulher balançou um pano cheio de farinha no ar. Katherine tossiu. — Não percam tempo. Tentem passar aqui para que eu possa dar um beijo em Jane, mas se não conseguirem apenas diga a ela que a guardarei para sempre em meu coração. Essa moça é um anjo. Tudo o que ela faz para a irm... Ah, estou tomando o tempo de vocês. Vão, vão!

Katherine e Florence entreolharam-se e em concordância partiram no mesmo instante. Último andar, primeiro quarto á direita. Os degraus eram altos, a iluminação quase inexistente, e quando elas chegaram até o primeiro corredor ficaram boquiabertas. O ambiente era requintado, mas enigmático. Um carpete vermelho cobria o assoalho. Havia vários quartos. Vários. Pelas paredes espalhavam-se pinturas. Algumas eram bonitas, mostrando lagos e barcos, e outras assustadoras, como um retrato do século XVII com um homem taciturno, usando uniforme militar e com olhos que pareciam seguir quem observasse a pintura.

Florence, porém, encontrou algo que a agradasse.

— Ela é linda.

Katherine se aproximou, esforçando-se para enxergar no escuro.

— Quem é?

— A esposa do Sr. Kieling. — Ela apontou para a transcrição com uma cruz. — Mas está morta. Uma pena. Olhe para ela. Tão bonita e sorridente.

A mulher em questão era realmente muito bonita. Seus olhos eram verdes, os cabelos claros e com livres cachos e ela vestia um vestido rosa e alegre. Com certeza havia arrebatado vários corações em sua juventude, não apenas pela beleza, mas seu sorriso era tão sincero que Katherine duvidava que ela fosse uma pessoa de má índole.

— Queria conseguir pintar assim... — Florence suspirou.

— Flory, você é uma ótima artista. Tenho certeza que praticando você pintará quadros até melhores que esse. — Lady Crentown sorriu. — Afinal, o que eu recebi de presente já ganhou um lugar especial em meu quarto.

— Você não pode estar falando sério.

— Estou.

— Ah, que maravilha! — Florence sorriu — Então fico feliz de ter fugido da proposta inicial. Deveria fazê-la triste, mas seu sorriso impediu e eu a pintei como a vi. Agora você tem seu próprio sorriso eternizado em seu quarto.

Katherine pensou em comentar que combinava com o cômodo, já que ela realmente sorria com frequência quando estava deitada com Lord Crentown, mas achou inadequado para a situação.

— Bem... Mas agora vamos! Temos um regate para fazer.

— Certo.

Elas voltaram para o corredor. Aparentemente não havia ninguém por ali. Menos mal. Elas finalmente puderam relaxar, apreciar a decoração e concentrar melhor as energias em encontrar o caminho certo.

— Oh Deus. Eu estou tão entusiasmada. — Florence saltitou.

— É perceptível.

— Você não vê? É como se estivéssemos em um romance, Katherine. — Ela levou as mãos ao peito, dramatizando. — Jane é uma donzela em perigo!

— E você é o príncipe dela? — Katherine provocou rindo.

Florence deu ombros.

— Por que não? — Ela sorriu maliciosamente. — Isso seria bom.

Lady Crentown calou-se no mesmo instante. Fez uma careta e entrelaçou ainda mais o braço á irmã.

— Enfim... — Katherine murmurou tensa — Apenas andemos mais rápido.

Finalmente elas chegaram ao inicio da escadaria. Subiram com cuidado, tentando fazer o mínimo barulho possível, e respiraram aliviadas ao ver o ultimo corredor também vazio. Caminharam até o primeiro quarto à direita e entreolharam-se ao constatar o esperado: ele estava fechado. O que Katherine deveria fazer agora? Abri-lo, sabendo que havia risco de haver alguém diferente de Jane ali? Tentar espiar pela fechadura qualquer deslumbre do interior? Bater na porta, esconder-se em outro cômodo, e atacar apenas quando alguém saísse?

Não há como saber. Lady Florence apenas levou a mão à maçaneta e a girou no mesmo instante, escancarando a porta bem a frente delas.

Lady Crentown fechou os olhos. Não queria ver o que o destino havia reservado para ela. E se houvesse várias pessoas ali? E se elas tivessem sido enganadas? Pior, poderia o próprio Sr. Kieling estar á sala de estudos dos filhos? Improvável, mas possível. Havia uma imensidão de possibilidades, e claro, uma pior do que a outra. Katherine apenas teve coragem de abrir os olhos quando, por fim, escutou a voz mais inconfundível do mundo.

— Oh meu bom Deus! — Jane exclamou — Kate! Flory!

A Srta. Foster estava ao chão, colocando várias peças dentro de um baú. Sua aparência não havia mudado muito. Os cabelos loiros ainda estavam radiantes, o sorriso ainda era carismático e os olhos azuis ainda brilhavam ao ponto de cegar qualquer um que ousasse encara-los. A diferença é que ela parecia cansada. Não, não cansada, exausta. Seu uniforme estava sujo, com alguns rasgos evidentes, o chapéu tinha fuligem e os sapatos estavam com as laterais gastas. Katherine recusava-se a acreditar que o homem era cruel o bastante para não proporcionar nem roupas adequadas para a governanta da casa.

Florence atirou-se na direção dela. Não havia como esperar outra coisa daquela Abbey em especial. Durante os segundos seguintes ela ficou pendurada ao pescoço de Jane, balbuciando mil frases sem sentido, enquanto a Srta. Foster tentava pacientemente — como sempre — entender o que tentava ser dito.

E então os olhos de Jane pousaram sobre os de Katherine e Kate quis chorar.

Não sabia se era de emoção, ressentimento ou felicidade. Talvez os três. Felizmente os olhos de Jane também estavam marejados. Ela arrastou-se em direção a antiga pupila, ajoelhou a sua frente e juntou as mãos em prece.

— Lady Katherine Abbey, eu imploro o seu perdão, não como sua empregada, mas como sua amiga. Fui uma tola, não mereço nada...

— Ei, ei... — Katherine segurou em seus cotovelos, ajudando-a a se levantar — Não faça isso. Você está louca?

— Eu...

— Está tudo bem. Eu não te odeio, Jane. Se eu a odiasse não estaria aqui.

— Mas... — A Srta. Foster olhou para baixo. — Desculpe. Certo, você está certa. Eu apenas estou imensamente feliz por vê-la aqui.

— Você pode me abraçar se quiser. — Katherine deu ombros, mostrando não se importar, mas era claro que ela se importava.

Jane trouxe a mais nova para um abraço. Sentiu-se novamente como há muitos anos, talvez na casa de campo dos Abbey, talvez no silêncio da noite, consolando Katherine por qualquer eventual tristeza que pudesse acometê-la. Ás vezes eram motivos tolos, como na vez em que Katherine havia chorado rios, pois Edward Farnsworth havia dito que as flores em seu cabelo pareciam um ninho de passarinho. Ás vezes era uma dor profunda, quase insuportável, como quando Lewis Abbey havia morrido.

Por noites Katherine havia chorado em sua cama, na calada da noite, com Jane ao seu redor, sussurrando palavras de consolo em seu ouvido e deixando claro como ela — e toda sua família — a amavam. Era por isso que Kate estava ali. Pois nada no mundo era maior do que sua gratidão por todos aqueles anos.

Ela chorou. Fungou no ombro de Jane que não resistiu às lagrimas quentes da amiga em seu ombro. Chorou até mais que Katherine deixando que o peso de uma vida caísse de seus olhos. Pensou no amor que não havia recebido dos pais na infância. Pensou em Charlotte, Lettice e como a vida delas havia mudado depois daquele verão. Pensou também no sobrinho, nas irmãs e em todos que amava, mas não tinha contato. Pensou em todos os pupilos que havia tido até hoje e havia se despedido com muito pesar. Pensou em Neval, que por Deus, nunca poderia amar. Pensou nas meninas Abbey, e claro, pensou nela mesma, afinal, só Jane sabia o que havia passado em sua vida.

Ela apertou mais ainda Katherine. Como estava grata por tê-la ali.

— Ei Jane. — Kate sussurrou em seu ouvido. — Agora está tudo bem. Vamos.

— Você me perdoa, não perdoa?

— Sim. — Katherine assentiu. Não havia mais o que dizer.

Jane segurou as mãos dela, insegura.

— Mesmo?

— Na verdade você me fez um favor. — Confessou.

A Srta. Foster estreitou os olhos. Longa história.

— Passado. O que importa é como você está agora. Senhor, você não imagina como fiquei aflita ao pensar em tudo que você deve ter passado na mão desse homem.

— Como vocês me encontraram? — Indagou. — E como vocês sabem da crueldade do Sr. Kieling?

— Pelo irreverente, galante e incomparável Neval Rodger. — Florence respondeu com visível ironia — Que inclusive é o culpado de você estar aqui.

Katherine repreendeu a irmã com o olhar. Lady Florence deu ombros.

— Flory, vá olhar se nós podemos ir. — Lady Crentown apontou para as escadas.

Florence obedeceu.

— O Sr. Rodger. — Jane repetiu para si mesma. — Ele?

Katherine sorriu fraco.

— É. Ele não parou de procurar por você desde que você partiu. — Ela suspirou. — O homem realmente está apaixonado, não há como negar. Ele encontrou com a antiga governanta dos filhos do Sr. Kieling no Hyde Park e ela contou tudo para ele, inclusive que você era a nova contratada. Minutos depois ele estava em minha casa nos convencendo a vir até aqui.

— Oh, Deus. E sua mãe permitiu que vocês viessem sozinhos até aqui?

— Florence está comigo.

— Florence é uma companhia adequada? — Jane arqueou uma sobrancelha.

— Na verdade... — Katherine mordeu os lábios — Minha mãe não sabe que estamos aqui. Thomas e eu encontramos as meninas no parque a caminho do seu resgate e como eu havia prometido á Florence que não te buscaria sem ela tive que trazê-la comigo. Agora já não tenho tanta certeza se fiz a escolha certa.

A Srta. Foster estreitou os olhos.

— Thomas?

— Ah, claro. — Katherine ergueu as mãos, mostrando a aliança. — Meu marido.

Jane engasgou com o ar.

— O quê?!

— É, aconteceram algumas coisas nesses últimos meses... — Ela sorriu amarelo — Eu me casei!

— Isso é maravilhoso, Kate! — A Srta. Foster quase pulou — Não acredito que perdi a oportunidade de ver seu sonho se tornando realidade... Espere. Foi um sonho se tornando realidade, não foi?

Katherine riu.

— Claro que sim. Por isso eu disse que você me fez um favor. Se eu não tivesse visto o quanto Neval é um patife eu não iria permitir que meu coração encontrasse Lord Crentown.

Jane dessa vez realmente pulou.

— Lord Crentown? Oh, Deus. Esse Thomas! Heather deve estar tão entusiasmada...

— Você não faz ideia. — Katherine murmurou. — Mas isso não vem ao caso agora. Nós devemos tira-la daqui, depois teremos uma eternidade para colocar o assunto em dia. Vamos.

Lady Crentown puxou a Srta. Foster pelo pulso. Jane pestanejou.

— Eu preciso do emprego.

— Jane... — Katherine ficou vermelha de irritação. — Vamos!

— Eu realmente preciso do emprego.

— Jane! — Bradou — Não seja tola!

— Katherine! — Ela soltou-se — Eu preciso desse emprego. Quem me contratará em Londres? Por mais que vocês tenham se esforçado em manter o motivo de minha demissão em segredo, os rumores voam, inclusive entre a criadagem. E eu preciso desse dinheiro mais do que nunca.

— Jane Foster...

— Katherine, minha irmã tem um filho. — Disse. — Charlotte engravidou. Você deve saber de parte da história, Neval deve ter contado... Minhas irmãs e eu fomos expulsas de casa depois de um escândalo. Eu não estava envolvida, tinha uma boa educação, mas não poderia ficar mais com meus pais, afinal, minha reputação também foi indiretamente manchada. Ao menos eu tive condições de conseguir um bom emprego, mas com minhas irmãs não foi tão simples. Um padre enviou Lettice a um convento em New York, disse que o caso dela precisava de correção. Quanto a Charlotte... — Jane olhou para baixo — Ela saiu Wight grávida. O pai obviamente não se casou com ela, pelo contrário, casou-se com uma mulher rica de Londres e foi embora sem qualquer assistência. Minha irmã conseguiu uma casa minúscula em Liverpool e viveu sozinha com o bebê. Sozinha, Katherine, sozinha, aos dezesseis anos com um bebê. Ela tem quase a idade de Florence. Você consegue imagina-la em uma situação como essa? Foi com isso que eu tive de lidar. Minha irmã não tinha como sustentar a ela e ao bebê. Uma senhora piedosa deixou que ela trabalhasse costurando quando houvesse serviço extra, mas nunca havia. Eu sustento minha irmã e meu sobrinho. Eles dependem de mim, Kate. Dependem do meu dinheiro. Não posso deixa-los na mão.

— Você não vai, Jane. Você não vai. Tudo vai ficar bem.

— Ninguém vai me contratar em Londres. Eu posso ir para Manchester, talvez, mas não conheço nada da cidade.

— Jane, me escute, você terá todo o dinheiro necessário.

— Diga-me como, Katherine!

— Oras, você se casará com o filho de um duque.

— O quê?!

Houve disparos.

Tiros. Vários deles no andar debaixo. Elas atiraram-se ao chão como um impulso, mas tampouco sabiam o que estava acontecendo. A primeira reação de Katherine foi arrastar-se ao corredor, buscando pela irmã.

— Florence, Florence!

— Meu Deus! — A Srta. Foster levou a mão ao peito.

— FLORENCE! — Katherine bradou.

— Estou aqui. — Ela disse vindo do fim do corredor, direção contrária em que Katherine a buscava. — O que é isso?

— Tiros.

— Temos que ir. — Jane levantou-se, segurando nas mãos das duas. — Agora.

Não houve protestos.

As três desceram as escadarias de mãos dadas, pulando a cada dois degraus, e esperando que nenhuma delas tropeçasse. Chegaram rapidamente ao corredor com o belo retrato e sentiram-se verdadeiramente aliviadas ao constatar que ele estava vazio. Os disparos haviam cessado, assim, provavelmente estavam momentaneamente seguras. O que preocupava Katherine e a impedia de parar por um único segundo era Thomas. Ela acreditava que o marido era um homem forte, sensato e que sabia gerir bem situações de risco, mas era impossível não pensar nos riscos. Não pensar nele, sozinho com um homem moralmente reprovável com uma possível arma.

— Vamos rápido! — Lady Crentown tentou apressar os passos delas — Não temos tempo.

— Meu sapato está saindo, Kate. — Lady Florence respondeu, parando.

A Srta. Foster fez o mesmo. Parou para esperar Florence ao mesmo tempo em que respirava fundo, não costumada a descer todos aqueles lances de escada correndo. Katherine, por outro lado, continuou correndo. Correu, correu e correu, parando apenas ao dar-se conta de que já estava sozinha e as duas companheiras haviam ficado para trás. Ela voltou-se para as moças, cruzou os braços e ofegou de cansaço.

— Teremos muito tempo para arrumar seus sapatos depois, Florence! — Exclamou — Vamos agora, não podemos perder tem...

Lady Crentown calou-se ao sentir o uma ponta de metal em sua cabeça. 

Gordon Kieling estava parado bem a suas costas, com a pistola encostada na cabeça de Katherine e olhando impiedosamente para as três em sequência. Ele estava suado, com os olhos sanguinários e um sorriso maléfico entre os lábios. Kieling agarrou o pulso de Lady Crentown. Ninguém ousou dizer uma só palavra. Katherine ficou paralisada. Estática. Não moveu um musculo, não emitiu som algum, tentou até prender a respiração.

Pela primeira vez estava vendo a morta em sua frente.

Isso nunca havia acontecido. Não assim. Ela já havia visto a morte buscando outras pessoas, mas nunca ela. Havia perdido os avós, um tio, o próprio pai, e por alguns instantes pensou ter perdido o irmão também, mas nunca a si mesma. Eram sentimentos completamente diferentes. Ver alguém que ama partindo trás uma tristeza profunda, um ponto de melancolia extremo e um sentimento de revolta por não poder tê-lo mais consigo, porém ver a própria vida a um ponto de esvair-se gerava um sentimento indescritível. Não era tristeza, não era um ponto de melancolia e nem revolta. Era angustiante, desesperador e decepcionante. Angustiante pelos segundos que se passavam sem uma solução, desesperador por temer o que viria a seguir e decepcionante por deixar para trás uma promessa de vida feliz.

Ah, ela poderia ter uma vida feliz. Tinha a mãe, tinha amigos, tinha irmãos, e ainda mais, tinha Thomas. Finalmente havia encontrado o amor, e por Deus, recusava-se a perdê-lo agora.

— Sr. Kieling... — Ela disse com a voz trémula e demasiadamente baixa.

— Vejo que está tentando pegar algo que é meu. — Gordon pronunciou suas palavras perigosamente devagar, sem mover um musculo e sem afastar a arma da cabeça de Lady Crentown.

— Está errado. — Respondeu. — Nem a Srta. Foster nem qualquer um de seus criados são vossa propriedade. Ela quer ir embora e tem o direito de fazer isso.

Kieling fitou Jane. O sangue dela congelou.

— Você quer ir embora, doce?

— Sim. — Respondeu com firmeza, não compreendendo de onde havia tirado força para isso. — Agora abaixe esta arma, Sr. Kieling, eu imploro.

— Não posso, — ele sorriu — ela é uma invasora.

— Vim buscar a Srta. Foster. — Katherine respondeu mais uma vez — Vou leva-la daqui.

Lady Florence, que nunca havia sido um modelo de cristandade, começou a rezar todas as preces que conhecia.

— Hum, temo que não. — Kieling respondeu olhando nos olhos de Katherine — Você não vai. Agora você aprenderá uma lição.

— Solte-a! — Jane gritou.

— Não.

— Solte-a!

— Não!

Lady Crentown não sabia o que fazer. Deveria pensar rápido. Deveria fazer algo. Não poderia simplesmente morrer pelas mãos de um homem desiquilibrado tão facilmente. Ela precisava fazer isso pela família que ela tinha e pela família que teria. Em um movimento ágil soltou-se de Kieling, torcendo seu braço, e tentou fugir. Ele não esperava por isso. Não se sabia ao certo se ele tinha intenção real de fazer algo contra Katherine, mas naquele momento de desespero ele fez.

Apertou o gatilho.

Katherine olhou para trás no exato momento em que viu a bala saindo de sua pistola. E sim, ela viu. Parecia que o mundo havia parado ao seu redor. A velocidade havia sido reduzida. Segundos se passavam na cabeça de Katherine enquanto no relógio nenhum ponteiro se mexia. Ela viu o feixe aproximando-se de sua cabeça, viu sua vida inteira em segundos.

Primeiro era um bebê recém-nascido nos braços de Lady Cecile. Lewis e Arthur ao lado de Lady Abbey na cama, olhando para os travessos olhos da menina e jurando amor eterno por que aquela que receberia o nome de Katherine. Depois já estava mais velha. Estava na faixa dos quatro anos, nas costas do pai, divertindo-se na casa de campo com ele. Arthur corria a frente, chutando as folhas, rindo e esperando que o pai o alcançasse. A menininha não fazia nada, apenas ria sem parar e pedia para que o pai fosse mais rápido.

Viu o nascimento das irmãs. Primeiro Florence, depois Odelia e por último Beverly. Sentiu a mesma emoção às três vezes. As brincadeiras com o pai mudaram, foram adaptadas para cinco, mas ainda eram maravilhosas. Katherine sabia que se partisse, ao menos estaria junto ao pai, e ele com certeza cuidaria dela. A vida era assim, imprevisível. Por que a própria Katherine não podia ser a vitima de uma dessas desventuras?

Bem, porque o destino tampouco estava satisfeito. Porque Lord Crentown não perderia sua amada tão cedo.

Katherine não viu sua aproximação, mas Thomas atirou-se sobre ela, derrubando-a no chão e tirando-a da trajetória da bala. O tiro acertou a pintura do militar na parede e caiu. Jane e Florence abaixaram-se. Kate agarrou os ombros do marido, protegendo a si mesma, e de alguma forma, ele também. Queria mantê-lo perto de si, não apenas agora, mas para sempre. Juntos.

Kieling bradou. Começou a xingar e a pronunciar palavras irreconhecíveis. Estava bêbado. Muito bêbado. Ele correu até o quadro centenário de sua família, tentando ver o estrago que havia cometido a sua herança. Lady Crentown suspirou, grata pelo ato heroico do marido, mas sua felicidade durou muito pouco. Ela sentiu um liquido quente em suas mãos, olhou para o ombro de Thomas e ele havia sido atingido.

— Thomas! — Ela gritou — Você...

— Foi só de raspão. Eu estou bem, não se preocupe.

— Katherine! — Lady Florence chamou — Katherine!

Não houve tempo para nenhum resquício de felicidade. Gordon já estava sem a arma, mas agarrava o braço de Jane, tentando afasta-la de Katherine. Em um ato de imprudência Florence decidiu entrar na briga corporal. Conseguia soltar Jane, mas as mãos que antes seguravam a governanta, agora agarravam agressivamente os braços da pequena lady. Ela foi corajosa, chutou o homem, tentou soca-lo, mas seu esforço era em vão.

Thomas levantou-se. Ensanguentado, atirou-se novamente ao homem, afastando tanto Jane quanto Florence dele, e socando-o até que ele caísse ao lado do quadro. Ele ficou ali, com o nariz quebrado, agonizando ao lado do ancestral enquanto os quatro decidiram correr. Voltaram-se novamente para o último lance de escadas. Jane estava mancando, provavelmente machucada durante as investidas do ex-patrão, e nenhuma das Abbey parecia em bom estado também.

Lord Crentown esforçou-se. Colocou um braço de Jane sobre seu ombro e segurou sua cintura, quase a levantando, para que ela pudesse ter um auxilio na caminhada. A euforia fez com que eles tropeçassem algumas vezes, mas finalmente conseguiram ter um vislumbre da porta para saída. Dessa vez não estavam mais na área de serviço, mas sim no hall principal da casa. Aos lados havia os corredores do mezanino e a frente os últimos degraus em uma bela escadaria clássica.

A porta estava logo ali. Eles estavam próximos. Muito próximos...

A porta foi fechada. O lacaio de Kieling havia fechado a porta e também tinha uma pistola em mãos, apesar de não aponta-la para nenhum dos invasores. Ele era um rapaz jovem, talvez até mais novo que Katherine, e tremia descontroladamente. Se ele apertasse o gatilho sem querer... Ninguém queria pensar no que poderia acontecer.

— Abra essa porta! — Lord Crentown bradou.

— N-não posso.

— Abra!

— E-eu... Tenho ordens expressas para não deixar vocês saírem.

— Kevin... — Jane implorou — Por favor, deixe-me ir. E se quiser vamos conosco. Ninguém aqui merece viver sob o mesmo teto que um homem como ele. — Ela olhou para Katherine. — Nem por todo dinheiro do mundo.

— E-eu...

— Você é um bom rapaz. Eu sei disso. — Jane sorriu — Desde o dia que cheguei pude perceber como seu coração é bom e puro. O que o corrompe é o Sr. Kieling. Ele tenta envenenar a todos e até consegue quando você está com ele. Mas quando você está sozinho... Ah, é um rapaz tão bom.

Ele ruborizou. Lord Crentown conseguiu revirar os olhos. Definitivamente não era hora para o rapazinho apaixonar-se por Jane Foster.

— Posso ir com vocês?

— Sem dúvida. — Jane assentiu.

Ele abriu a porta. Destrancou exasperadamente e escancarou a madeira. Finalmente eles estariam livres. Quase.

Sempre havia algo. Sempre algo os impediria. Os tiros começaram novamente. Dessa vez desordenados e bem próximos. Gordon Kieling estava há alguns metros, entre as sombras e a frente de um palanque de sustentação. Havia sangue em seu rosto pela briga com Lord Crentown, mas o sangue que realmente assustava era o de seus olhos. Ele estava irado.

— Não serei humilhado na minha casa! — Gritou.

E mirou. Não para Katherine, nem para Jane ou Florence, mas sim em seu verdadeiro inimigo, Lord Crentown. E sua mão foi novamente para o gatilho. Estava prestes a pressiona-lo quando o golpe veio inesperadamente de cima: um vaso de flores caiu certeiramente em sua cabeça, derrubando-o inconsciente no mesmo instante.

— Consegui! — Odelia comemorou do mezanino. — Acabou para você, patife.

Todos estavam ocupados demais ficando boquiabertos para dizer qualquer coisa.

Lady Odelia sorriu e comemorou a vitória batendo na mão do companheiro. Ao seu lado um jovem estava apoiado ao mezanino, usando roupas de alta costura e observando com alegria a vitima inconsciente no chão. Com aqueles cabelos escuros e ondulados, cativantes olhos violeta e sorriso altivo, era impossível não reconhecê-lo. Odelia havia trazido consigo um amigo perspicaz a altura: O barão de Baltz.

— O que você está fazendo aqui?! — Katherine gritou.

Lady Odelia deu ombros, dirigindo-se a escada e descendo-a calmamente.

— Não gosto que escondam coisas de mim.

— Você só pode estar louca.

Lady Crentown sentiu sua visão ficar turva. O marido teve que acudi-la.

— Jane! — Odelia abraçou a governanta — Como eu senti sua falta!

— Eu também senti a sua, meu amor! — Ela beijou a testa da menor. — Mas como você chegou aqui?

— Vou mata-la! — Katherine rangeu os dentes.

— Lord Danley foi gentil e me deu uma carona. — Odelia sorriu.

— Sempre que precisar. — O barão fez uma mesura.

— Vocês estão loucos? — Lady Crentown continuou.

— Oras, Katherine! — Odelia cruzou os braços — Eu salvei a sua vida. Salvei a vida de todos vocês.

Lady Florence revirou os olhos.

— Agora ela fará questão de lembrar-nos disso pelo resto de nossas vidas. Maravilha.

— Salvou nossa vida colocando a sua em risco! — Katherine estava indignada — E o senhor, Lord Danley. Não tem senso para discernir sobre isso?

O barão arqueou uma sobrancelha.

— Surpreende-me Lady Crentown considerar que haja o mínimo senso em mim.

— Deveria.

Daniel estava divertindo-se com aquilo. Odelia cruzou os braços, irritada, recusando-se a acreditar em como a irmã estava sendo mal agradecida.

— Veja bem Lady Crentown. Eu saí de minha propriedade em Londres sozinho para um passeio no Hyde Park, visando esfriar minha cabeça e com sorte encontrar uma boa distração. No meio de minha trilha eu vejo uma pobre garotinha andando sozinha e logo reconheço essas feições: trata-se de Lady Odelia Abbey, desgovernada atrás de uma carruagem que já avançava entre as ruas de Londres. — Lord Danley explicou-se — Ela contou brevemente a situação, eu fiquei comovido e não pude negar a carona, oras.

Odelia fitou Daniel.

— Não gostei quando você se referiu a mim como pobre garotinha.

— Trata-se do efeito dramático.

— Ainda assim acho uma colocação injusta.

Lady Crentown abanou no ar. Tanto fazia.

— Vamos embora. — Ela suspirou — Prolongar-nos não vai adiantar nada.

— O deixaremos assim? — Florence apontou para o homem desmaiado.

Todos concordaram.

— Bem... Certo então.

Ela saltitou para fora da propriedade.

— Ei, esperem um segundo! — Kevin suplicou.

Eles voltaram-se para o rapaz. Ele ainda estava tremulo e sua voz era vacilante. Naquele instante Katherine entendeu o que Jane quis dizer. Ele provavelmente não era uma má pessoa, mas sua visível fragilidade tornava-o facilmente manipulado as vontades do patrão. E nada que o Sr. Kieling fazia parecia ser justo.

— Poderei ir com vocês ou não?

Lord Crentown estreitou os olhos. Ele havia cedido, porém ainda assim antes era fiel a Kieling. Era seguro colocar qualquer um junto a sua esposa, amigos e família? Ainda mais depois de tudo que aconteceu? 

— Não tenho certeza se há espaço na carruagem. — Thomas disse.

Daniel sorriu furtivamente.

— Eu trouxe minha carruagem. Temos espaço de sobra!

Lord Crentown encarou Lord Danley que permaneceu sorrindo. Durante seus anos em Cambridge Thomas não tinha tido muito contato com Danley. Além de Daniel ser mais novo do que ele seus grupos eram bem distintos, mas mesmo assim conhecia-o o suficiente para saber que por trás de suas palavras simpáticas e aparência atraente havia algo mais nele. Não necessariamente bom, mas tampouco ruim. Lord Danley apenas era um homem complexo demais para ser desvendado em um único dia — ou em único paragrafo.

— Venha. — Thomas murmurou.

— Posso ajudar milorde com o vosso ferimento. — O rapazinho correu até Lord Crentown. — Sei algumas coisas sobre isso. Eu morava com meu tio, médico, quando mais novo e acabava prestando atenção nos procedimentos.

— Onde ele está agora? — A curiosidade de Florence como sempre se sobressaiu.

Kevin sorriu fraco.

— Morto.

— Ah.

— Sou sozinho. Tudo que eu tenho, ou melhor, tinha, é Kieling. Mas é melhor desprender-se dessas coisas, não? Como Jane disse: eu sou um rapaz bom, não mereço viver com ele.  — Ele amarrou uma tira de sua própria camiseta no braço de Thomas. — Isso é para estancar o sangramento... Não há muito, mas certamente demorará até chegarmos a Londres então é melhor ficarmos preparados.

— Dói? — Katherine tocou levemente o ombro do marido.

— Não. — Ele falou a verdade. — Não, não dói. Mas estou agitado, certamente daqui alguns minutos isso pode tornar-se insuportável.

— Nós temos sorte de ter sido apenas de raspão. Eu não sei o que seria de mim se você tivesse sido atingido. Acho que morreria junto com você.

Lord Crentown sorriu. Trouxe a esposa para mais perto de si enquanto caminhavam e beijou suavemente sua testa.

— Eu não iria morrer. Suportaria mil tiros apenas para poder viver mais tempo com você.

A Srta. Foster não conseguiu evitar fitar o casal enquanto eles andavam pelo gramado de Kieling. Ela estava feliz e aliviada pela pupila ter encontrado um homem que a amasse verdadeiramente. Durante os dias em que elas haviam ficado separadas Jane sentiu a culpa consumindo-a por várias vezes. Achava que por culpa dela Katherine nunca se casaria, e mesmo sabendo que Neval não era o homem mais adequado para corresponder ao amor de Kate, esperava que ela ficasse ao menos satisfeita. Vê-la tanto tempo depois assim, casada e aparentemente feliz com o marido era impagável.

— Ei... — Florence chamou a atenção. Todos olharam para ela. — Onde está a carruagem do Sr. Rodger?

Lord Crentown apenas desviou a atenção da esposa — e de seu ferimento — nesse instante. Era verdade. Apesar da escuridão a estrada ainda estava visível, mas a carruagem de Neval havia desaparecido, apenas a de Lord Danley estava ali. Thomas enfureceu-se no mesmo instante. O maldito havia feito ele e a esposa saírem do conforto de uma lua-de-mel em Londres para viajar até uma propriedade perigosa onde ele havia tomado um tiro de raspão para sumir no último segundo? Qual era intenção dele com isso? Se amasse tanto a governanta quanto demonstrava ele ao menos deveria permanecer ali, mas não, foi um maldito covarde.

Lord Crentown rangeu os dentes.

— Quando eu encontrar aquele bastardo do infer...

— Vocês não acreditam no que aconteceu! — O Sr. Rodger exclamou.

Neval estava um trapo. O cabelo estava deselegantemente desgrenhado, a paletó amassado e a calça completamente suja. Ele parecia ter caído de uma poça de lama, entrado em uma briga, ou com sorte, ter sido atropelado por uma família de doninhas. Ele parou a frente deles, apoiando as mãos no joelho e olhando para baixo, claramente tentando se recompor. Jane mordeu os lábios, visivelmente decepcionada. Ela não esperava vê-lo em um cavalo branco, porém não imagina que o encontro com o amado fosse assim.

Thomas deu um passo à frente.

— Onde está a carruagem?

— Seu braço está sangrando.

— Creio que o Sr. Rodger não tenha escutado minha pergunta. — Lord Crentown rangeu.

— Ah, a carruagem. — Neval, com muito esforço, endireitou a postura — Ela foi roubada.

O quê?

— Eu não sei como aconteceu... — Ele continuou — Eu estava aqui, esperando vocês e não pensando em nada de especial quando três homens apareceram. Um deles rendeu o cocheiro, um deles me imobilizou e tentou me socar e o outro não fez basicamente nada. Em questão de segundos eles estavam fugindo com a minha carruagem e com o meu cocheiro.

— É uma lástima. — Florence disse. Neval ficou feliz com a demonstração de compaixão.— Que eles tenham apenas tentado te socar.

— Florence Abbey! — Katherine ralhou. — Peça perdão.

— Perdão. — Ela disse com a emoção de quem compra vegetais na feira.

— Acho que ele conseguiu soca-lo. — Lady Odelia fez questão de ressaltar. — Olhe o queixo do Sr. Rodger.

Neval estava constrangido. Thomas feliz.

— Cuidaremos disso depois. Temos que voltar para Londres agora. Nossa sorte é que temos outra carruagem. — Lord Crentown declarou por fim.

O Sr. Rodger assentiu. Apesar dos homens terem levado sua carruagem e socado seu rosto eles não haviam sido agressivos com o cocheiro. Provavelmente só haviam socado Neval porque ele havia tentado chuta-los, obviamente sem sucesso. Ele respirou fundo, tentando conectar-se novamente com a realidade e controlar a respiração, quando Katherine aproximou-se com cuidado.

— Hum... Sr. Rodger. Sinto muito pela sua carruagem, mas tenho certeza de que tudo irá se resolver.

— Certamente. — Suspirou.

— Mas veja, nem tudo foi em vão. Olhe quem está aqui.

Ele estreitou os olhos. Não era muito fácil enxergar no escuro e ainda mais depois de receber uma pancada. Ele esforçou-se para concentrar até que por fim viu.

E sorriu.

— Lord Danley! — Rodger acenou — Quanto tempo. Nós jogávamos cricket juntos na universidade.

Lady Crentown quis que os ladrões tivesse levado Neval ao invés do cocheiro.

— Não, Sr. Rodger. — Ela apontou para trás perfeitamente em direção a Jane. — Nós conseguimos trazer a Srta. Foster.

— Jane!

— Neval!

Os segundos que se passaram foram agradáveis para parte dos presentes envolvidos. Jane e Neval abraçaram-se. Não importava mais quem estivesse com eles ou o que os bons modos diriam. Ele apenas queria tê-la em seus braços e ela apenas queria entregar-se a ele. O Sr. Rodger beijou a testa da moça, sussurrou em seu ouvido mil juras do amor, e fez questão de dizer o quanto havia sentido sua falta. Apesar de tudo ele a amava de verdade. E não havia duvidas de que o sentimento era reciproco.

Lord Crentown olhou para Katherine. Ela não parecia afetada pela cena. Sorria fraco, claramente observando a felicidade da governanta e feliz por ela. Kate desviou os olhos para Thomas que pedia permissão para interromper. Ela concedeu com temperança.

— Hum... — Ele murmurou — Sr. Rodger... Srta. Foster...

— Ei! — Odelia gritou — Vamos, eu tenho que dormir cedo hoje.

Os olhos de Lady Florence arregalaram-se.

— Como explicaremos isso para mamãe?

Odelia arqueou uma sobrancelha.

— Como explicaremos isso para Beverly? Ela vai fazer questão de lembrar que não foi conosco por pelo menos uma vez por semanas durante os próximos trinta anos.

— Ninguém vai saber. — Lady Crentown garantiu. — Direi que nós estávamos juntas e que Beverly terá um dia especial comigo, Lord Crentown e sorvete.

— Tenho certeza que Lord Danley também fará questão de não comentar sobre o incidente. — Thomas disse.

O barão concordou.

— Sim, sim. — Murmurou — Não tenho interesse nenhum em deixar que essa noite venha à tona. Viver em minha memória basta.

Katherine sorriu.

— Agradecemos sua discrição... E a carruagem.

Lord Danley deu ombros.

— Vale a pena. — Ele sorriu amigavelmente. — Podemos ir agora? Eu tinha alguns planos para a noite.

— E eu ainda preciso ir para a delegacia. — Rodger comentou. — Mas antes preciso fazer uma coisa. — Ele ajoelhou-se. — Jane, você gostaria de ser minha esposa?

— É, com certeza eu não vou dormir cedo... — Odelia murmurou.

— Oh, Jane! — Katherine pulou de entusiasmo. — É uma maravilha!

A Srta. Foster ficou boquiaberta. Não que ela não esperasse ser pedida em casamento, apenas não imaginava que seria tão rápido. Ainda havia tanto o que fazer, tanto o que discutir, tanto o que decidir. Ela não queria se precipitar. Não queria se magoar.

— Eu... Eu... — Jane mordeu os lábios. — Neval, nós não podemos no casar. Você é filho de um duque.

— O quinto. — Ele afirmou. — E certamente empobrecido.

— Mas ainda um duque.

— Eu a amo. Eu a amo e por você eu renunciaria a meu nome e a tudo que eu tenho. Faria sem pensar duas vezes se esse é o preço de ter o seu amor.

Jane olhou para o chão. Senhor, como poderia dizer não? Mas ao mesmo tempo faltava voz para dizer sim. Ela o fitou.

— Você aceita ser minha esposa? — Rodger perguntou pela última vez quase em um suplicio.

— Aceito.

Houve palmas. Na verdade apenas Danley e Odelia bateram palmas, mas foi o suficiente. O casal não se beijou em respeito às jovens, mas gostaria. Eles apenas seguraram as mãos um do outro e caminharam até a carruagem do barão.

Todos se espremeram nos bancos. Lord Crentown e Lady Crentown sentaram-se lado a lado. Florence e Odelia tentaram se espremer ao lado da irmã e conseguiram, mesmo que de vez em quando uma se remexesse desconfortável. O Sr. Rodger e a Srta. Foster ficaram ao banco junto com Kevin, o rapazinho resgatado, e Lord Danley pareceu disposto a ir com o condutor por cerca de vinte segundos.

Logo em seguida ele estava novamente dentro da carruagem.

— Está garoando. — Ele espremeu-se ao lado do ex-lacaio. — Não vou ficar na garoa... E a carruagem é minha.

— Irei me sentar no chão. — Kevin sorriu— Não tenho problema algum com isso.

— Odelia você está me apertando... — Florence resmungou.

— Você é um bom rapaz. — Lady Crentown sorriu para o garoto. — E está tudo bem Lord Danley. Agradecemos mais uma vez sua atenção.

Eles assentiram e finalmente iniciaram viagem. Por alguns minutos tudo foi o mais completo silêncio. Não um silêncio desconfortável, mas contemplador. Eles se acostumaram com o aperto, refletiram sobre os últimos acontecimentos e aos poucos a adrenalina foi abaixando. Deram-se conta do que havia acontecido, do risco que haviam corrido e principalmente, do escândalo que aquilo seria se viesse a tona.

Por sorte não viria. Ninguém ali contaria, eles gostavam de acreditar. Esse dia seria para sempre apenas uma memória silenciosa.

— Por que você está triste, Florence? — A Srta. Foster perguntou.

Jane brincava com os dedos de Neval disfarçadamente. Tecnicamente eles já estavam noivos, mas ainda eram cuidadosos. Ela contentava-se apenas em tocar delicadamente os dedos do rapaz.

— Não estou triste. — Ela respondeu. — Estou refletindo.

— É uma reflexão melancólica. — Jane sorriu fraco.

— Tem razão. — Katherine concordou e deitou a cabeça no ombro do marido.

— Não, não é nada de importante. Eu só... — Florence suspirou. — Projetei expectativas de heroísmo irreais nessa missão. Eu realmente acreditei que fosse salvar alguém, mas eu que fui salva. Os verdadeiros heróis são Lord Crentown... e Lady Odelia.

E diferente do esperado em outras situações, Odelia não soltou nenhum comentário afiado, ela apenas abraçou a irmã de lado e sorriu.

— Não importa Florence. Tenho certeza que algum dia você será a heroína de alguém.

E apesar dessa narrativa não ser habituada a spoilers é importante ressaltar que sim, de fato ela foi.

Florence sorriu também. Olhou nos olhos azuis de Odelia e mesmo na escuridão viu seu reflexo. Não importava o quanto elas brigassem e implicasse uma com a outra, Florence sabia que sempre poderia contar com Odelia e Odelia sabia que sempre poderia contar com Florence independente de tudo, porque o amor delas era incondicional. Elas deram as mãos.

Passaram alguns segundos em silêncio, porém o rapazinho no chão sorria furtivamente. Florence o olhou, não exatamente interessada, mas querendo entender o porque de sua expressão.

— Eu adoraria ser seu herói, Lady Florence. — Kevin sorriu.

Katherine a cutucou, rindo. Florence fez uma careta milenar.

— Não, obrigada.

Lady Odelia cantarolou.

— Você foi desagradável.

— E você intrometida.

— Estou sangrando. — Lord Crentown disse. — Por favor, não discutam.

— Lord Crentown teve suas regras? — O Sr. Rodger riu.

— Katherine, agora é tarde demais para matá-lo? — Thomas olhou para a esposa.

— Temo que sim. — Respondeu.

— Não acredito que eu me envolvi em um drama familiar com tiros, resgates e escândalos. — Lord Danley sorriu. — É o auge de minha semana.

— Você viu o que há de pior entre nós — Florence deu ombros.

— Sim, sim. Sou quase um Abbey agora.

— Estou certa que não. — Katherine murmurou — E dificilmente será algum dia. Minha irmã mais velha tem quatorze anos e a mais nova onze.

— Eu sou a que tem quatorze. — Florence disse orgulhosa.

— Eu não procuro uma esposa esse ano, Lady Crentown, mas de qualquer forma eu não arriscaria. — Ele garantiu. — Com todo respeito, Lady Florence, mas acho que não sou digno de seus dons artísticos. Eu ouvi um de seus sonetos no sarau ano passado e posso dizer que eles estão além de minha falha compreensão humana.

Florence levou a mão ao coração, emocionada. Ela compreendia-o muito bem. Sua arte era além de qualquer mortal.

— Você também pode esperar uns oito anos por Beverly, — Odelia sugeriu — mas eu duvido muito que valha a pena.

— Odelia, por favor. — Jane a repreendeu.

Lady Crentown mordeu os lábios, sorrindo.

— Ainda tem alma de governanta das Abbey, não?

— Desculpe. — A Srta. Foster murmurou. Sentiu-se verdadeiramente envergonhada. Ela havia sido expulsa da casa das garotas e ainda queria manter alguma autoridade sobre elas.

— Não do que se desculpar. — Katherine sorriu. Era difícil dizer aquilo, pois parecia estupidamente óbvio, mas ela disse. — Eu gosto. Apesar de você não ser mais nossa governanta oficialmente ainda é em nosso coração.

— Agora que você vai se casar poderá ficar conosco sem ser nossa governanta. Seremos amigas. — Florence sorriu.

— É uma pena, eu odeio a Sra. Markham. — Lady Odelia suspirou. — Ela não me deixa escolher as minhas leituras, não me deixar usar tons diferentes de azul em um mesmo vestido e não me deixa cuidar de meus insetos.

— Sensato da parte dela. — Lord Danley murmurou.

Odelia estreitou os olhos.

— O que há de errado em usar mais de um tom de azul em um mesmo vestido, Senhor Barão? — Ela arqueou uma sobrancelha.

Iria começar. De novo. Lady Odelia vs Barão de Baltz: round 32.

Não hoje, eles estavam cansados. Sendo assim ele apenas deu de ombros e disse:

— Nada contra aos enigmas da moda feminina, Lady Odelia. Apenas não compreendo sua paixão por insetos.

Ela estendeu a mão.

— Oh, Deus! — Katherine fechou os olhos de pavor — De onde surgiu essa coisa?

— Não é uma coisa, Katherine. É um besouro. — Odelia sorriu. — A Srta. Foster e o rapazinho não são os únicos que mereciam um resgate.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro