C A P Í T U L O XXI
Enquanto Katherine Abbey estava desmaiada a casa estava tranquila.
Quer dizer, há várias horas ela não estava mais desmaiada, apenas dormindo, mas de alguma forma todos agiam como se ela estivesse completamente desacordada. Não houve atividades durante a manhã, as garotas acordaram bem cedo e Lord Abbey decidiu que seria interessante lidar com o noivado da irmã permanecendo bem longe do noivo. Não que ele não gostasse de Thomas, mas tudo ainda era muito recente. Era melhor permanecer em seu quarto lendo um livro do que socando seu rosto.
Eram cerca de dez horas da manhã e o sol já brilhava intensamente. Arthur havia acordado entusiasmado naquela manhã, pois era de conhecimento geral que Lord Abbey considerava dias ensolarados os mais produtivos. Além disso, estava calor. Sua janela estava aberta ao máximo, a brisa de verão invadia seu quarto em conjunto com os raios da manhã, e ele podia constatar facilmente que o dia estava simplesmente magnifico.
Era sempre assim no campo? Provavelmente. Na verdade ele não se lembrava com clareza de seus anos no campo, mas tinha a impressão que até nos dias de tempestade tudo estava magnifico. Viver cercado de natureza, de seus familiares e animais tornava a estadia na casa de campo agradável.
— Lord Abbey. — Millicent o chamou.
Arthu ergueu o olhar, surpreso. Sua esposa pairava em frente a sua porta. Ela usava um vestido bem diferente dos outros dias. Provavelmente o calor ou o clima íntimo pastoril tivesse a inspirado a usar um tom mais alegre. O tecido era leve, em um tom de creme tão claro que poderia ser facilmente confundido com branco. Os cabelos estavam presos no topo de sua cabeça, mas nem de longe em um penteado elaborado. Millicent havia apenas prendido as madeixas com algumas presilhas e deixado algumas de suas mechas negras caíssem ao lado de suas bochechas.
Ela estava magnifica. Assim como o dia.
Lord Abbey sorriu.
— Sim. — Ele assentiu — Posso ajuda-la com algo?
A esposa suspirou. Eles não haviam se visto no café da manhã, pois ela havia acordado mais tarde. Por algum motivo não dormiram no mesmo quarto durante a estadia em Haverstone. Não que fosse mudar alguma coisa já que eles continuavam sem manter qualquer relação íntima. Como Arthur ousaria tentar se deitar com ela se Lady Abbey nem fazia questão de dormir no mesmo quarto que ele? Ela havia se trancado em seus aposentos e permanecido ali durante quatro longos dias.
Por várias vezes Arthur lembrou-se da conversa que teve com a irmã na carruagem, mas tampouco soube como agir em seguida. Ele sabia que precisava se aproximar da esposa, e queria fazer isso, porém era impossível manter qualquer contato com ela quando tudo que Lady Abbey fazia era esquivar-se do marido, em toda ocasião existente.
Millicent deu ombros. Ela não parecia nada entusiasmada.
— Lord Abbey sabe que o acontecimento do último dia foi no mínimo intenso. — Millie declarou. Arthur claramente concordou. — Sua mãe pediu para que eu conversasse com você e para que fizéssemos uma caminhada matinal. Lady Cecile deve estar preocupada com o seu humor depois do anuncio do noivado.
— Minha mãe está te obrigando a fazer uma caminhada comigo?
Ela assentiu, virando-se em direção ao corredor. Lord Abbey foi a sua direção, já colocando suas botas e um casaco leve, assim como o ambiente pastoril.
— Sim, ela está, mas é um prazer passar alguns momentos com Lord Abbey — disse, mesmo que no fundo Arthur soubesse que era apenas uma convenção social. Ele era seu marido. Deveria ser assim. Ela deveria sentir ao menos um prazer com ele.
Eles desceram até os jardins em silêncio. Arthur percebeu naquele instante que a esposa não era exatamente o tipo de mulher que gostava de seguir ordens. Ela o guiava pelo gramado, mudando a rota e puxando-o pelo braço na direção que ela gostaria de andar. Se algum dia ela teve alguma lição de obediência certamente não prestou muita atenção, pois estava fazendo tudo ao contrário do esperado.
Arthur estreitou os olhos. Ele não entendia muito bem qual era o objetivo da esposa. Andar em círculos, talvez? Era a terceira vez que eles passavam em frente à plantação de tulipas holandesas da mãe, que apesar de serem muito bonitas, não precisavam ser admiradas com tanta frequência assim.
— Hum... Millicent?
— Sim, Lord Abbey?
— Onde exatamente nós estamos indo?
— Estamos caminhando pelos jardins, oras. — Respondeu normalmente, porém sem olhar para ele. De relance Arthur conseguia ver seus olhos indefinidos mais brilhantes à luz do sol. — Algum problema?
Arthur assentiu. Abruptamente ele mudou a rota, pegando-a de surpresa, e caminhou na direção oposta: para dentro do bosque. Millicent estreitou os olhos no mesmo instante, estranhando a situação. Definitivamente não estava em seus planos realmente realizar um passeio com Lord Abbey. Ela acataria ao pedido da sogra, andaria um pouco com ele nos jardins e cerca de dez minutos depois voltaria dizendo que o sol estava muito quente. Não havia passado por sua cabeça a possibilidade deles realmente fazerem a caminhada.
Ela tropeçou em um galho no chão. Eles seguiam pela trilha onde o esconde-esconde de Lady Florence havia ocorrido no dia anterior. Lady Abbey perguntou de maneira condescente:
— Hum... O senhor deseja que eu mostre onde sua irmã desmaiou?
Lord Abbey negou com a cabeça.
— Nop.
— Então onde estamos indo? — Ela perguntou com evidente receio.
Arthur riu. Ele não entendia do que exatamente a esposa poderia estar com medo. Era Lord Abbey, seu marido, e eles estavam na propriedade do casal. Não havia nada para temer, mas mesmo assim os olhos de Millicent pareciam apavorados.
— Estamos seguindo a trilha, oras. Nós não deveríamos fazer um passeio? — Indagou — Eu não consideraria os jardins um lugar muito interessante.
Millicent conseguiu dar ombros.
— Ele é muito bonito.
— Mas não é um lugar de realizar um passeio. — Insistiu. — Aqui nós estamos protegidos do sol pelas árvores, logo não nos cansaremos tão fácil, além de que podemos apreciar a natureza e conversar sem que sejamos vistos. Não é maravilhoso?
Mas Millicent queria justamente que eles fossem vistos por Lady Cecile.
— Não gostos de lagos. — Respondeu. Em seguida ela apressou-se em esclarecer: — Desde pequena, Lord Abbey. Minha governanta se afogou em um lago. Não me traz boas recordações.
Ele estreitou as sobrancelhas. Sim, eles estavam indo em direção ao lago, mas ele não havia mencionado esse fato. Havia ficado surpreso. Essa era uma das coisas que ele não tinha nem ideia sobre a própria esposa. Pouco ele sabia sobre o passado de Millicent — e por vezes, até sobre seu presente.
— Desde então você nunca mais foi até um lago?
Ela negou com a cabeça.
— Em casas de campo não. Apenas na cidade, como por exemplo, com suas irmãs no Hyde Park. Em um lugar fechado e afastado de Londres nunca.
— Pois já estava na hora! — Ele acelerou os passos — Você precisa molhar os pés e ver o que está perdendo. Eu particularmente não aguentaria ficar em uma casa de campo e não passar ao menos uma vez por lá.
— Meus sapatos são novos.
Arthur riu. Ela estava falando sério?
— Você vai tira-los do pé, Millicent.
Lady Abbey não pareceu convencida. Arthur insistiu.
— Ela... — Millicent respirou fundo — Ela era a única pessoa que me amava de verdade. Estava em nossa casa desde quando eu nasci. Amou-me de uma forma que minha mãe nunca pôde. Minha governanta era muito especial para mim. Eu posso esquecer-me de tudo nessa vida, menos de seus longos cabelos castanhos e aquele sorriso que acalentava o meu coração. Ela era linda. Por dentro e por fora, Lord Abbey.
De repente seu olhar tornou-se sombrio. Transbordava sentimentos, mas era difícil decifrar quais. Arthur soube nesse instante que algo não estava certo. Que ela estava machucada. Ele quis a abraçar, acariciar seus cabelos negros e falar que tudo ficaria bem, já que agora estava segura com ele, mas nada fez. A esposa continuou:
— Um dia nós estávamos brincando com a bola perto do lago de nossa casa de veraneio. Ela estava localizada há alguns quilômetros de Manchester, indo em direção à costa. Nós brincávamos muito lá. Jogávamos a bola uma para a outra, corríamos, dávamos risada. Era incrível. Até que... — Ela engoliu seco — Um dia a bola foi parar dentro do lago. Eu disse para que ela não precisava se preocupar e que nós poderíamos apenas comprar uma nova, afinal eu sempre tive dinheiro para essas coisas, mas ela...
Millicent calou-se por um instante. Limpou uma lágrima solitária que descia sob sua bochecha com todo o cuidado para que Arthur não a visse, mas era seu abalo emocional era perceptível. No segundo seguinte sua expressão tornou-se novamente severa e qualquer vestígio de humanidade desapareceu de seu rosto.
— Bem, ela não me deu ouvidos. Entrou no lago, arrastou-se na direção da bola e quando estava quase lá, desapareceu. Eu gritei, corri pedindo ajuda, mas quando a encontraram nada podia ser feito. Estava imóvel e gélida. Morta. — Completou. Arthur a fitou. — É triste, eu sei. Não precisava me olhar assim. Não é algo digno de pena.
— É sim. — Lord Abbey afirmou — Você a amava.
— E ela morreu, não importa. Já não a amo mais.
— Não, não Millie. — Arthur disse. Sua esposa contraiu-se. Era a primeira vez que ele a chamava dessa forma. — As coisas não funcionam assim.
Millicent voltou-se para o marido de maneira abrupta. Quem era ele e o que ele sabia de sua vida para afirmar que seu ponto de vista estava errado?
— Pois se não é assim, milorde, como é?
Ele correspondeu o olhar. Lady Abbey cessou os passos imediatamente. Não poderia continuar caminhando com um olhar como aquele pairando sobre ela.
Quando seus olhos e os de Arthur se encontravam... Por Deus, ela poderia morrer. Suas pernas ficavam bambas, suas mãos ficavam trémulas e seu coração disparava. Ela não entendia como o marido poderia causar um efeito tão devastador nela, mas tampouco podia fazer qualquer coisa para contesta-lo, restava apenas controlar seus impulsos. Eles não eram próximos o bastante para que ela pudesse dizer como ele era encantador, como seus olhos azuis a destruíam e como ele era, acima de tudo, extremamente teimoso.
— Eu quero dizer, Millicent, que o amor não funciona assim. Ele não deixa de existir por nada nesse mundo. Até mesmo a morte. — Declarou — E se, por ventura, deixa, posso dizer que não era de fato amor.
— Você parece um especialista em amor — murmurou.
Arthur deu ombros, concordando.
— Tenho uma família bem grande.
Lady Abbey pigarreou. Ele parecia um especialista em amor por seus intermináveis flertes com Danisha Collins, não por ter quatro irmãos.
— Não entendo o que isso possa influenciar na sua concepção de especialista em amor.
— Oras, eu amo minha família. Não existe nada no mundo que eu ame mais do que minha família. Vocês são tudo para mim.
Lord Abbey continuou caminhando normalmente enquanto Millicent permaneceu estática, fitando-o, completamente intrigada com sua declaração. Seus olhos castanho-esverdeados — ou verde-acastanhados — se iluminaram involuntariamente ao ouvir aquela palavra sorrateiramente colocada no meio da frase com tanta naturalidade. Vocês.
Vocês são tudo para mim.
Ela estava inclusa. E não conseguia entendê-lo. Ele era um homem bom, dedicado à família e mostrou-se compreensivo, mas Millicent preferiria que não fosse. Queria que Arthur fosse explosivo, gritasse com ela e chegasse em casa bêbado todas as noites. Ao menos assim ela teria motivos conscientes para odiá-lo. Por que ela o odiava. Odiava-o com toda sua alma, com todas suas forças, de corpo e alma. Odiava o fato de que seu corpo e seu coração ardessem por ele. Odiava seu sorriso, sua risada, seu olhar. Odiava-o, principalmente, por deseja-lo.
— Arthur. — Ela chamou um tempo depois.
Lord Abbey estava em silêncio, mas não de forma constrangedora. Ele apenas aproveitava o momento colhendo algumas frutas silvestres, chutando alguns gravetos pelo caminho e cantarolando melodias de Mozart.
— Sim? — Inquiriu normalmente, ainda sem olhar para ela.
Melhor assim, Lady Abbey pensou, menos contato visual.
— Porque você não visitou mais minha cama?
Ele teve que olha-la. Millicent retraiu-se e encarou o nada em resposta. O nada, que na verdade, era tudo. Árvores, pássaros, borboletas. Tudo em harmonia com a vida, menos ela.
— Hum... Milady sente minha falta?
Arthur apenas conseguiu perguntar isso. Era sua melhor resposta. Ele não poderia dizer que não a visitava porque não tinha coragem de deitar-se com ela por medo. Ainda machucado, com cortes e manchas pelo corpo, tão fraco e desajeitado e ela... Millicent era o tipo de mulher que apesar de ninguém confessar, assustava os homens apenas com um olhar.
Ela assentiu. Precisou de muita força para dizer, mas ao fim confessou:
— Certamente sinto, Lord Abbey.
— Eu...
Arthur interrompeu-se. Ele queria explicar suas inseguranças, porém temia parecer um completo idiota. Homens não deviam sentir esse tipo de coisa. Ele sempre aprendeu que essa parte era reservada para as mulheres. Elas eram tímidas, inseguras e especialistas em transformar pequenas situações em problemas existenciais e complexos, mas os homens não. Eles não se importavam com isso — ou não deveriam.
Millicent suspirou, aparentemente abatida. Aquilo valia a pena? Provavelmente não.
— Peço perdão por ser indelicada. Apenas vamos esquecer isso.
— Não foi. — Arthur disse. — Eu só... Olhe! O lago!
O estômago de Lady Abbey embrulhou. Ela olhou para trás, pensando se conseguiria voltar para a casa se corresse para lá. Aquilo era pior do que discutir suas intimidades conjugais. Sua respiração ficou pesada, as mãos suaram e as pernas quedaram-se trémulas.
Parou ali, no limite da trilha, recusando-se a dar mais um passo sequer.
Arthur sorriu. Não em felicidade por vê-la apavorada, mas sim porque pensou que simpatia poderia ser um bom incentivo. Não foi.
— Vamos?
— Não.
— Ora, vamos sim.
Dessa vez Lord Abbey não conseguiu ser tão cuidadoso. Ele agarrou o pulso da esposa e a puxou, tentando não machuca-la. Era uma causa nobre, pensou. Ela precisaria deixar o passado no passo, por mais que fosse doloroso era necessário viver o hoje.
Com ele.
Por isso eles estavam ali.
Depois de tanta autopreservação na presença do marido, Lady Abbey finalmente mostrou quem realmente era. Quando ela começou a se mover em direção ao lago, sendo puxada por Arthur, deu um basta na situação. Gritou, contorceu-se tentou a todo custo desvencilhar-se dele.
— Se você não me soltar agora eu vou ter que mordê-lo.
Arthur riu. Era tão patético que chegava a ser engraçado. A esposa era o que? Um cão raivoso? Um poodle?
— Boa sorte.
É claro que ela mordeu.
— Ai! — Arthur gritou. — Sério?!
Millicent sorriu vitoriosa.
— Eu avisei.
— E eu duvidei de que você seria capaz.
— Regra número um de convivência com Millicent Abbey: nunca duvide de mim.
— Irei me lembrar disso. — Resmungou. Em seguida voltou a segurar em seu pulso, dessa vez pronto para solta-la na primeira ameaça. — Agora vamos?
— Não.
— Millicent, vamos!
— N. Ã. O.
— Então terei que levá-la no meu colo?
Lady Abbey deu ombros, com um sorriso formando-se nos lábios. Ele estava apelando tanto que ela não conseguia leva-lo a sério.
— Não moverei um único músculo em direção ao lago.
— Tenho certeza que não é fundo e muito seguro. Quando estava de repouso aqui em Haverstone entrei várias vezes. Isso certamente ajudou na minha recuperação ,pois...
— Ah, bobagem. — Lady Abbey o interrompeu abanando no ar.
— Consegui convencê-la?
— Nem perto disso.
— Você não me deixa outra escolha.
Ela o fitou. Quando ela olhou para seus olhos ela soube. Não poderia duvidar do marido. Encolheu-se abraçando o próprio corpo.
— Arthur, tenha noção. Não!
Ele negou. Aproximou-se de Millicent e a pegou em seus braços. Ela tentou se debater, mas logo percebeu que qualquer tentativa poderia ser em vão ou derruba-la ao chão. Além de se machucar provavelmente causaria dano ao seu vestido e ela com certeza não queria destruir uma peça única como aquela. Não valia a pena.
Arthur correu com ela nos braços. Millicent agarrou em seu pescoço, tentando não cair, mesmo que o marido tivesse braços firmes. Ela estava brava, irada, mas sua única reação era rir descontroladamente. Esse era o tipo de coisa que eles nunca poderiam fazer em Londres ou em qualquer lugar que não fosse Haverstone. Estavam na casa de campo de sua família em pleno verão. Ali havia algumas liberdades que nunca poderiam disfrutar em Londres.
Uma delas era a proximidade. Ninguém se importava quando Beverly pulava nas costas de Florence e elas corriam pelo gramado, gritando e rindo, mas isso seria inaceitável no Hyde Park. Eles poderiam usar roupas mais leves, deixar os cabelos soltos e aproveitar a vida de maneira simples e campestre. Não havia regras, nem convenções sociais e muito menos uma moral para ser seguida. Era difícil para Millicent que sempre viveu de maneira tão rígida entender como a vida familiar no campo poderia ser tão agradável. Tão livre.
Principalmente com ele.
— Coloque-me no chão. Agora!
Para a surpresa de Lady Abbey, ele a obedeceu. Na verdade faria aquilo de qualquer forma. Eles já estavam quase na margem do lago e por mais que quisesse ver a esposa desprendendo-se de tudo que não a fazia bem ele não poderia forçar uma mulher a nada, inclusive, a superar seus medos.
— Parabéns, você conseguiu chegar até aqui. Como se sente? Vitoriosa?
— Um pouco nervosa.
— Sente-se. — Ele apontou para um banco um pouco velho há alguns metros. — Vou molhar meus pés.
Ele se abaixou para tirar as botas e ergueu a barra da calça. Sentou-se na beira do lago. Inicialmente Millicent apenas o observou de braços cruzados. Ela não foi até o banco por birra. Não queria seguir as ordens do marido.
Espere. Millicent não queria seguir as ordens do marido? O que estava acontecendo? Ah, sim. Ela estava sendo teimosa. Precisava ser teimosa com ele.
Lady Abbey foi até lá. Sentou-se ao seu lado, mas não tirou seus sapatos delicados. Deixou os pés longe da água. Arthur sorriu de canto ao perceber a pequena — e importante — inciativa que ela havia tomado.
— É bom. — Ele declarou com os pés na água — Até revigorante, eu diria.
Lady Abbey assentiu.
— Não duvido. Deve ser refrescante como uma brisa primaveril.
O marido assentiu. Ela não olhava para ele. Seu olhar cruzava o lago, provavelmente apreciando a natureza, as borboletas ao redor das flores e tudo o que uma paisagem natural pudesse oferecer para eles.
— Prefere a primavera ou o outono, Lady Abbey?
— Primavera.
Ele arqueou uma sobrancelha. Ela sorriu de maneira sincera, como se aquilo já tivesse acontecido outra vez.
— Pensou que eu responderia outono, não? As pessoas geralmente cometem esse erro.
— Por quê?
— Todos me acham fria. O que combina mais com uma garota insensível? Uma estação onde as folhas caem com o iniciar da melancolia do inverno ou quando as flores renascem, os pássaros cantam e o sol volta a brilhar?
— Primavera, oras.
Ela riu cinicamente. Arthur prosseguiu.
— Você não é fria. E tem muitos sentimentos. Posso ver isso em seu olhar. O que acontece é que você não demonstra e algumas pessoas não conseguem olhar para o interior do outro, assim, acabam afirmando mentiras. Você tem sentimentos. Muitos. E sabe como ninguém. Eu também sei, mas confesso que gostaria de descobrir melhor.
Millicent tossiu. As borboletas sumiram. Ela encarou a água do lago, refletindo as árvores. Ela tinha sentimentos. Sentia como ninguém. Sentiu medo quando Arthur se acidentou, angústia quando parou de visita-la, tristeza quando o viu com outra, mas também alegria brincando com as cunhadas, ouvindo as anedotas de Katherine e passando bons momentos com a nova, irritante e amorosa nova família. Ela era um turbilhão. Poderia ser tudo, menos insensível.
Ela era tempestade, mas temia os estragos dos próprios trovões.
— Quando eu me acidentei pensei que tudo estava acabado, Millicent. Eu me machuquei, fiquei com marcas e por pouco não me aleijei. Claramente fiquei desolado, mas meu alento foi quando a vi pela primeira vez. Naquele momento tudo em mim renasceu e eu soube que haveria alguém ao meu lado pelo resto de minha vida. Uma esposa fiel, dedicada e devotada á mim.
— Eu sou.
— Eu sei. Você é minha primavera. Fez nascer flores onde eu pensei que tudo estava destruído.
Lady Abbey o fitou, sem palavras. Um sorriso tímido nasceu em seus lábios e seus olhos brilharam. Ela até tentou abrir a boca para falar algo, mas não conseguiu. Voz alguma saiu de seu corpo. Millicent apenas tirou os sapatos e colocou os pés na água.
Foi a melhor resposta que Arthur poderia ter.
Era um sim.
Ele se levantou.
— Cuidado. — Millicent advertiu.
— Vem comigo? — Ele a olhou. — Por favor.
Lady Abbey suspirou.
— Talvez só um pouco não seja tão perigoso.
Ela colocou totalmente os pés no lago. A água cobriu até sua panturrilha. Seus pelos eriçaram-se. Por um instante ela sentiu como se fosse afundar.
— É mais fria do que imaginei — murmurou.
— E você mais quente.
— Como?
— Nada. — Arthur caminhou até ela é pegou em suas mãos. — Até os joelhos?
Millicent mordeu os lábios. Deixou que Arthur pegasse em uma de suas mãos, mas a outra foi até seu ombro. O pobre vestido começava a ficar encharcado. Quando eles estabilizaram, Arthur a soltou.
Tirou o casaco e atirou até a margem. Em seguida mergulhou. O coração de Millicent apenas se acalmou quando ele reapareceu poucos segundos depois.
Arthur jogou água na esposa.
Isso não pode ser real, Millicent pensou. Não poderia estar acontecendo.
— Oh, Arthur! — Bradou. — Meu cabelo!
— Ele é lindo. — Lord Abbey sorriu.
— Você o molhou!
— Solte-os — pediu — eu nunca os vi soltos.
Ela o encarou. Ele assentiu, mostrando que estava falando sério. Millicent levou as mãos ao cabelo e tirou as presilhas, atirando-as a grama. As mechas negras foram caindo lentamente. Quando finalmente soltou-se por completo... Arthur perdeu o fôlego. Era linda. Inteiramente. Os cabelos negros eram brilhantes, macios, ondulavam-se nas pontas e caiam por cima do ombro até o comprimento da cintura.
— Você é linda.— Declarou, decidindo que era injusto guardar seus pensamentos apenas para si.
Ela pensou não ter escutado direito.
— Hum?
— Você é linda. Muito.
Lady Abbey riu. Ela linda? Linda era Danisha, o amor de Arthur, não a pálida e magricela Millicent.
— A mais linda da Inglaterra — continuou — Ou do mundo. Sim, provavelmente do mundo.
— Faça-me o favor. Não exagere com as bajulações.
— Não estou bajulando. — Arthur franziu o cenho, confuso — Estou dizendo a verdade. Você é a mulher mais linda que já vi.
— Ah.
— Tire o vestido?
O rosto de Millicent enrubesceu-se. Sua expressão suave tornou-se dura novamente.
— O que?!
— O vestido. — Lord Abbey deu ombros, como se seu comentário fosse corriqueiro — Use apenas a anágua... É melhor e fica mais leve em contato com a água, pois não pesa muito. — Explicou — Eu não uso nem anágua nem vestido, mas imagino que seja de conhecimento geral que os tecidos do vestido são mais pesados.
O rosto dela continuava rubro.
— Sou seu marido e estamos sozinhos, Millicent. — Continuou — Não há nada de errado em eu vê-la com uma anágua.
— É quase uma camisola.
— Mas não é. E mesmo se fosse, já a vi com uma camisola de qualquer forma.
Agora seu rosto estava definitivamente vermelho.
Mas tirou. Virou-se de costas para ele e desamarrou o simples vestido pastoril. Ela se encolheu. Logo começaria a ficar com frio.
Arthur atirou um pouco de água em Millicent, que se esquivou mais ainda. Apesar de já ter seu penteado destruído ela ainda tentava evitar o contato com a água gélida do lago. Arthur não. Ele aproximou-se dela. Ela recuou. Estava tímida pela roupa e com medo de se molhar mais ainda. Nisso, caiu.
Ainda era raso e talvez por isso ela não tenha se apavorado. Millicent levantou-se de imediato. Seu cabelo estava totalmente encharcado, assim como sua anágua e todo resto de seu corpo. O tecido colou-se a sua pele, deixando seus seios visíveis através do fino pano branco.
Arthur era humano. O que poderia fazer? Enrijeceu-se no mesmo instante. E então... Millicent virou-se de costas para ele e ele quis morrer.
Ele a desejava. Muito. Tanto que não conseguia esconder.
Como se não fosse suficiente o tecido marcava toda a parte de trás de seu corpo. Seu contorno, todas suas curvas, sua pele alva... Estavam totalmente amostra. Já havia se deitado com ela, mas nunca havia visto-a assim, exposta dessa forma. Os traços de seu corpo ainda eram um mistério inexplorado para ele. O que ele mais queria naquele momento era toca-la. Ele não conseguia suportar toda aquele tes... Tensão.
Lady Abbey voltou-se para ele, ainda um pouco irritada por estar encharcada. Arthur tentou disfarçar sua excitação, mas não era possível. Da mesma forma que as roupas de Millicent deixavam suas nuances a mostra as dele também ficavam. Ela estreitou os olhos olhando para... Bem, ela ficou intrigada. E constrangida. Seu rosto queimou de vergonha. Imediatamente desviou o olhar, cravando-o nos olhos de Arthur.
Ele tossiu.
— Você faz isso comigo, Millicent. Vê como não estou a bajulando? Que quando digo como você é linda estou apenas sendo verdadeiro. Você me faz pulsar da maneira mais torturante possível.
Ela entreabriu os lábios, mas não pôde dizer nada. Arthur se aproximou, sem qualquer controle de si, e trouxe-a para mais perto de si, tomando-a em seus braços. Ele a sentiu como nunca havia feito. Quando a possuiu na primeira e última vez, mal teve tempo para apreciar o momento, ele apenas teve que fazer o serviço, mas agora, ali, ele podia apreciar cada nuance do corpo da esposa.
Ele deslizou as mãos por suas costas até parar sobre a curva do traseiro. Millicent estava em silêncio, quase estática, apenas sentindo o corpo sendo percorrido pelas mãos ágeis. Ela tentava abafar seus impulsos para que o marido não percebesse que ela estava tão necessitava quanto ele. Era difícil dar-se conta que Arthur poderia ser tão sedutor. Com seus cabelos louros, olhos azuis e sorriso simpático, por Deus, ela nunca imaginaria que o desejasse tanto assim. Suas mãos a apertaram. Millicent arfou.
Ele fez isso outras vezes antes de deslizar as mãos até suas coxas e encontrar o âmago entre elas. Sorrateiramente deixou que um dedo entrasse ali. Ela contorceu-se em êxtase.
— Arthur... — Millicent gemeu.
Aquilo foi a gota d'água. Ele não aguentava mais. Não poderia. Ouvir sua voz doce gemendo seu nome tão próximo de seu ouvido era mais do que qualquer homem poderia suportar. Millicent sentiu a pressão do membro de Lord Abbey contra seu ventre. Ele gritava por ela.
— Preciso de você. Agora.
Arthur a pegou no colo. Ela não protestou, pelo contrário, agarrou-se nele. Ele a deitou na grama.
Lord Abbey não hesitou em tirar suas roupas. Primeiro a camisa, depois o cinto e a calça. Millicent não queria ficar para trás. Ela nunca ficava. Ela mesma tratou de tirar a anágua, ficando totalmente nua. Arthur suspirou ao vê-la. Levou as mãos até os joelhos da esposa e os afastou.
— Sou o homem mais sortudo desse mundo por tê-la como esposa.
Ela não disse nada, apenas arqueou uma sobrancelha, pensando o quão fácil era deixa-lo em suas mãos. O que poderia dizer? Estava despida, deitada no gramado dos Abbey e em uma posição consideravelmente indecente até mesmo para uma mulher casada. A situação em si a deixava sem palavras, mas repleta de pensamentos.
E por fim ele aproximou-se dela. Arthur a beijava ao passo em que entrava nela. Ele tentou ser cuidadoso, mas ardia de desejo e levava em consideração o fato de que a esposa não era mais virgem. Ele já havia tido o prazer de deitar-se com ela, mas não assim. Não como agora. Nunca, em toda sua vida, havia possuído uma mulher como fazia com a esposa agora. E não levava em consideração apenas o ambiente, mas sim tudo. A conexão deles era muito maior do que tudo que ele já havia presenciado.
Arthur iniciou seus movimentos. Millicent arqueou os quadris. Ela queria mais. Desejava Arthur tanto quanto Arthur a desejava e não estava com medo de demonstrar isso. Só Deus sabia a angustia que havia passado durante todos esses dias sem poder senti-lo dentro dela. Nenhum dos dois podia se conter. Arthur tentava ser gentil, mas ao ver a esposa contorcendo-se de prazer, arfando suavemente e pressionando as pernas ao seu redor... Ele simplesmente não conseguia.
— Arthur... — Ela gemeu em seu ouvido.
Ele não aguentava. Poderia? Com certeza não. Millicent moveu-se. Arthur também. Sentou-se na grama, trazendo-a consigo, e deixou que ela se acomodasse sobre suas coxas, com as pernas entrelaçadas ao redor de seu tronco e com a face colada na dele. Conseguia sentir sua respiração e se ela não se movesse para cima e para baixo acompanhando seu ritmo, com certeza ele a beijaria.
E ela o amava.
Amava-o? Por Deus, Millicent amava alguém?
Provavelmente.
Mas ele também a amava. Muito.
Eles não conseguiam resistir mais. Os movimentos ficaram mais leves e Millicent deixou que seu pescoço tombasse ao lado. Arthur despejou-se dentro dela e poucos segundos depois os dois atiraram-se ao gramado, ofegantes, suados e com as pernas tremulas.
Millicent arfou, não podendo acreditar no que ela foi capaz. Não acreditava que teria coragem de fazer aquilo, ali, mas acima de tudo não acreditava que poderia sentir todas aquelas sensações inexplicáveis. Sentia-se viva. Sentia um orgulho libertino e o desejo de mergulhar nesse mundo de prazeres mais afundo. Porém ela apenas esticou-se, agarrou o vestido, e cobriu porcamente o corpo.
Arthur sorriu, vendo-a se esconder. Ele já havia visto tudo. E não podia esperar para ver novamente.
Ele suspirou pensando nela. Assustou-se em certa altura com um esquilo andando por ali. Olhou para o lado e se deu conta de que Millicent o fitava com uma expressão... Maliciosa? Ele havia corrompido a esposa? Senhor, aquele sorriso estava o destruindo.
Millicent deu ombros, altiva.
— Se eu fosse você eu colocaria as calças. — Provocou — Não acho que seja legal ser observado pelos esquilos.
Arthur riu. Riu pelo simples fato de escutar a voz da esposa. Virou-se na direção dela e pegou em suas mãos.
— Tudo bem entre nós então?
— Sim. — Ela sorriu — Acho que não poderia estar melhor.
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