C A P Í T U L O XVIII
Se o plano de Katherine era fingir que Neval não existia ele não estava dando muito certo.
Tudo que Katherine fazia era em virtude de Neval Rodger. Quando ela se escondeu atrás das plantas foi por causa de Neval, quando ela se trancou dentro da sala de utensílios foi por causa de Neval e quando ela permaneceu durante todo o baile com os olhos nele foi para se certificar que ele não manteria os dele nela.
Ela estava pegando uma limonada, sozinha, em um dos cantos do salão quando finalmente pôde respirar. Ela não conhecia todos os amigos do Sr. Rodger, mas sabia que alguns deles estavam ali, porém em outro cômodo. Felizmente Neval se dirigiu até lá e com sorte, ficaria por uns bons minutos colocando as conversas em dia com os outros homens de sua laia. Terrance Hemsworthy, o rapaz de cabelo loiro e Liam Henderson, que apesar de estar cada dia menos preocupado com sua reputação, continuava sendo o melhor partido da temporada.
O que esses rapazes tinham de tão especial? A autoestima, o excesso de confiança, a simpátia ou a simples sorte de nascer rico, bonito e carismático? Nenhum deles era especialmente inteligente ou gentil, mas eram sedutores, faziam as garotas caírem aos seus pés, implorarem por uma dança e as arruinavam com um único olhar. Rodger era assim. E Katherine sabia que havia se apaixonado por ele justamente por ele ser dessa forma.
É, provavelmente ela nunca conseguiria se livrar dele. Neval e Arthur tinham muitos amigos em comum, ele era seu vizinho e frequentavam o mesmo circulo social. Alguma hora ou outra eles teriam que conversar. Ele explicaria tudo, falaria sobre o bilhete, faria o maldito pedido e então Katherine atacaria uma frigideira na cabeça dele. Não parecia um roteiro muito interessante, assim, distancia ao menos por enquanto era essencial.
Lady Katherine sorriu. Talvez quando Lord Abbey o visse ele fosse expulso. Ou não. Arthur não deveria se preocupar com isso, afinal, era a sua festa de casamento. Arrgh! Por que Katherine se sentia culpada? Não era culpa dela.
— Não é minha culpa. Não. Não é. — Repetiu para si mesma.
— O que não é sua culpa? — Thomas perguntou.
Katherine ergueu os olhos, assustada. Ela não havia o visto ali. Olhou para frente, irritada. Odiava ser pega de surpresa e ainda por cima por bisbilhoteiros. Ainda por cima, por ele.
— O que você está fazendo aqui?!
Lord Crentown ignorou o tom de voz mal-humorado da jovem.
— Pegando limonada, oras.
— Ah. — Ela cruzou os braços. — Bem, eu dizia que não era culpa minha eu... Ter derramado um pouco de suco em meu vestido. Poxa! Acho que agora eu deva trocá-lo. Com licença Lord Crentown.
— Seu vestido parece completamente normal.
— Você não a vê. Talvez a luz não favoreça.
— Hum... Lady Katherine?
— Sim?
— O que o Sr. Rodger faz aqui?
Ela bufou. Não importava onde estava, Neval sempre era o assunto principal. Ela não aguentava mais ouvir aquele nome. É um nome feio, a proposito! Tudo que fosse a respeito dele seria feio. Suas roupas, seu nome, seu cab...
— Katherine. — Thomas a chamou.
Bem, ao menos se estamos falando dele, não falaremos de nós, pensou Katherine.
A sombra da última vez que se viram ainda rondava na cabeça de Lady Katherine. Os dois sozinhos, no terraço, a música ecoando no andar debaixo e eles próximos, valsando a luz do luar. O silêncio, seu cheiro, aquele toque firme, mas ao mesmo tempo carinhoso que a fez perder totalmente a lucidez. E então se beijaram de verdade. Em um beijo que era bem mais que um roçar de lábios. Era tudo que uma garota poderia querer.
Menos Kate. Ela não queria isso. Não, não. Não dele.
— Não sei — respondeu — Ele apenas veio.
Lord Crentown estreitou os olhos.
— Pensei que você não quisesse mais vê-lo. Estar aqui é quase uma afronta.
— Não me importo. — Mentiu. — Desde que não tenhamos que manter contato não vou me opor a presença dele aqui. Estou no campo, o que mais eu poderia querer?
— Certo. — Thomas assentiu, mesmo não concordando. — Bem, então...
Houve uma pausa. Thomas olhou para ela. Katherine não olhou para ele.
— Então o que?
Não fale do beijo, não fale do beijo, não fale do beij...
— Nada. Eu só estava pensando alto.
Por que você não falou do beijo?
— Humpf. — Ela bufou.
— Sim?
— Não é nada, eu apenas... — Katherine tossiu — Vou com minhas amigas. Havíamos combinados de passar um tempo juntas hoje à noite. Até mais, Lord Crentown!
Apressadamente ela fez uma mesura e saiu. Praticamente correu até onde Regina Backford e Hadassa Hughes estavam. Regina estava totalmente sendo Regina. Usava um vestido branco e discreto, um chapéu nem tão discreto assim, o cabelo liso preso e um belo colar destacando-se no pescoço. Hadassa era mais alta e mais corpulenta. Os cabelos eram cor caramelo e o vestido em um tom entre azul e verde. As duas que há apenas uma temporada corriam desesperadas pelos salões de baile agora conversavam serenamente, como verdadeiras ladies.
Lady Katherine não era muito boa disfarçando. Ela chegou um tanto desnorteada e nervosa. Sorriu.
Regina sorriu mais ainda.
— Katherine! Onde você estava? Hadassa te procurou a tarde inteira.
— Oh! Perdão...
— Tudo bem... — A Sra. Hughes sorriu — Na verdade foram por quinze minutos.
A viscondessa sorriu.
— Hadassa me contava sobre Gales!
— Escócia. — Hadassa corrigiu.
— Mesma coisa. Enfim. Conte para Kate! Não desde o inicio, é muito longo. Quer dizer, você decide por onde começa.
Era muita informação para Hadassa processar de uma vez. Ela picou algumas vezes antes de começar a falar sobre a viagem.
— Meu marido e eu fomos para a Escócia para ver a nossa propriedade lá... — Ela fez questão de frisar o nossa — Eu simplesmente amei. É uma casa campestre com um clima completamente pastoril. É... Maravilhosa. Sem dúvida alguma eu concordei em morar lá.
— Você vai morar na Escócia!? — Katherine perguntou.
— Essa parte eu não sabia... — Regina pareceu indignada.
— Sim, mas não se preocupem. Vou visitar vocês sempre que conseguir. Regina, por favor, convença seu marido á ir com você passar alguns dias lá. — Sorriu. — E nós sempre iremos nos corresponder! Partirei de qualquer forma dentro de duas semanas e ficaremos lá até o final do verão, apenas para fazer um teste e para ver se conseguiremos nos adaptar bem.
— Mas tão rápido? — Kate disse.
— Sim, sim. Também é mais calmo do que Londres para passar o inicio de minha gravidez.
Katherine quase caiu.
— Você está grávida?!
Hadassa sorriu.
— Sim!
Regina revirou os olhos.
— Não!
Katherine piscou, confusa.
— Ham?
A Sra. Hughes arrumou a postura.
— Não tenho certeza, é claro, mas provavelmente estou, segundo minhas contas. A questão é que caso eu esteja o melhor lugar para passar o inicio de minha gravidez é lá.
— Não vejo muita diferença entre ir ou ficar em Londres... — A viscondessa pensou.
— Quando você engravidar verá. — Hadassa a fitou.
Era verdade que Hadassa e Regina eram próximas. E também era verdade que Katherine, Heather e Regina amavam muito Hadassa. Ela era fiel, engraçada e uma ótima companhia. Só que ás vezes suas condutas não eram muito louváveis. Um triste defeito que ela tinha era o de tentar sempre alimentar o próprio ego, vangloriando-se. Ela foi a primeira do quarteto a ser pedida em casamento e todas ficaram felizes com a noticia. Hadassa também, claro, mas isso gerou nela um sentimento de superioridade em relação as amigas e até algumas piadinhas ácidas sobre solteirice. E de repente... Puft! Regina estava noiva também e com o casamento marcado para antes do dela. Era claro que por estar grávida antes de Regina era mesmo que involuntariamente, deixaria sua posição clara.
Regina não era uma mulher de muitos amigos. Ela era bonita e divertida, mas cansava. Sim, cansava. Regina sempre falou demais, gritou demais, riu demais e fez tudo demais. Inicialmente as pessoas gostavam dela, mas com o tempo a convivência começava a se deteriorar. Não eram todos que tinham paciência e estavam dispostos a lidar com ela. Sua própria mãe lamentava esse traço da personalidade da filha. Ela era adorável, muito esperta e com boas referencias, não era justo não conseguir encontrar nenhum marido por causa de seu comportamento hiperativo.
E então ela conheceu Mario.
Mario tinha trinta e quatro anos, de estatura média e um pouco calvo. Não tinha muitos atributos além de sua posição social e econômica, tanto que para Regina, ele era mais um em Londres. Um pouco tímido, mas engraçado e atencioso. Era mais um homem mais velho e a procura de uma esposa que certamente não seria ela. Porém foi Regina quem chamou a atenção dele. Ele gostou de como ela havia confundido o par de luvas e colocado uma verde-azulada em uma mão e uma azul-esverdeada na outra. Conversou com ela e achou completamente adorável — mesmo que Regina se empolgasse em cada frase que dizia. Não demorou mais de três bailes para que ele soubesse que seria ela a mulher de sua vida. Cortejou-a formalmente e depois de seu consentimento — é claro que ela consentiu! — eles estavam casados. Regina não caiu de amores por Mario Backford nem teve uma paixão arrebatadora, mas estava certa de que o amava e que viveria bons anos ao seu lado.
Só que às vezes ela se sentia sozinha. Heather e Katherine estavam sempre juntas e Hadassa cada dia mais se distanciava. Sempre estava viajando ou ocupada demais com seus deveres sociais. Aos poucos Regina percebia que sua única saída era deixar levar-se por aquelas amizades nada genuínas que de vez em quando batiam em sua casa. Era triste, mas não tinha muitas opções. E agora com a melhor amiga indo definitivamente embora... Ah, pobrezinha!
Mas por enquanto, Regina apenas deu de ombros e apontou discretamente para o outro canto do salão.
— Você não estava dizendo que queria conversar com a Srta. Collins? Pois ora, ela está lá. Eu não perderia a oportunidade porque sabe como é... — A viscondessa respirou fundo. — Os homens estão sempre aos pés dela querendo uma dança.
Katherine olhou em direção a Danisha e esperou que Millicent não tivesse o azar de trombar com ela — ou talvez o azar fosse de Danisha.
— Ah, sim, sim! — Hadassa sorriu. Em seguida, fitou Katherine. — Ela havia me pedido antes que eu explicasse onde havia comprado meus sapatos. Vejo vocês em breve. Dance muito, Kate. Ou melhor. Converse muito.
Katherine assentiu. Era claro que ela não iria dançar. Invés disso entrelaçou seus braços com os da viscondessa e suspirou.
— Vamos andar um pouco. Preciso respirar ar fresco.
Regina sorriu.
— Aos jardins! — Ela mudou a direção das duas bruscamente. Em seguida olhou para Katherine de uma maneira completamente compreensiva. — Eu também preciso respirar um pouco.
Lady Katherine esboçou um sorriso fraco. Na verdade ela queria abraçar Regina. Os olhos da amiga chegavam a brilhar.
— Você está triste porque Hadassa vai embora ou pelo o que ela disse? — Katherine perguntou quando elas já estavam na área externa.
Regina a fitou.
— Como?
— A gravidez. Por ela ter dado ênfase em que ela está esperando um bebê e você não.
— Assim como você deu agora?
— Desculpe.
Katherine olhou para baixo. Ela tinha um novo item para adicionar a lista de coisas que ela era um desastre: conversar com pessoas. Não era sua culpa. Usualmente não ela não conversava sobre assuntos muito sérios com suas amigas, principalmente os que diziam a respeito de sua vida privada como uma mulher casada. Principalmente com Regina, já que ela nunca fora uma pessoa muito séria, seus pontos principais sempre foram bailes, roupas, livros e gatinhos fofinhos. Mas ela estava visivelmente abalada e de vez em quando não fazia mal algum conversar sobre algo além de gatinhos.
— Eu não estou preocupada com um bebê agora. Eu tenho vinte e um anos e todo o tempo do mundo, mesmo que Hadassa pareça não perceber isso, mas sua opinião não é importante. As únicas opiniões que importam são as minhas e de Mario. — Declarou com firmeza, mesmo que seus olhos não demonstrassem tanta segurança quanto sua voz. — Porém... Não sei, não gosto de sentir como se eu estivesse sozinha. É diferente longe de minhas irmãs e vocês estão sempre nesses bailes procurando um marido. Eu já tenho meu.
— Você sabe que não está. — Katherine soltou seus braços para pegar em suas mãos. — Estou aqui sempre que precisar, mesmo tendo que cumprir com meu dever na temporada, mas isso não significa que ainda não possamos passar um bom tempo juntas. Você deveria nos visitar algum dia. Quando não temos nada para fazer durante a tarde Lady Abbey nos obriga a bordar.
— Uma famosa tortura medieval: bordado.
Katherine riu.
— Vocês deveriam conversar algum dia. Seria... Divertido.
— Eu seria obrigada a bordar durante nossa conversa?
— Você não aguentaria dez minutos com Lady Abbey — Katherine tentou imaginar a situação em meio a gargalhadas — E o melhor: Lady Abbey não aguentaria dez minutos com você.
— Quem aguenta dez minutos comigo além de vocês e meu marido?
— Suas irmãs.
— Elas estão em Bath então... Imagino que essa não seja a resposta correta.
Lady Katherine suspirou suavemente. Ela estava pronta para contar para Regina o quanto gostaria de passar alguns dias revigorantes em Bath, mas a única coisa que saiu de sua boca foi:
— Neval.
Regina fez uma careta.
— Quem? O Rodger? Pensei que vocês dois não tivessem mais nada.
Katherine a agarrou pelos ombros, virando-a contra a direção de onde o Sr. Rodger estava. Ele começou a gesticular, pedindo para que os dois conversassem a sós, e me mesmo sendo a coisa mais insensata que Katherine poderia fazer, ela concordou. Estava farta de evita-lo.
— Ele está em Bath! — Kate conseguiu dizer. — Sim, sim, ele está. Regina lembrei-me agora. Lady Flemming estava próxima aos músicos dizendo o quanto estava ansiosa em vê-la, pois queria te dizer algo muito importante. Vá conversando com ela, eu já vou contigo.
— Você vai ficar aqui nos jardins?
— Sim, por no máximo cinco minutos. Eu realmente precisava de um momento sozinha. Você deve me compreender. A casa de campo de minha família. Muita pressão, muitos homens querendo dançar comigo. E você sabe que eu não danço...
Regina assentiu.
— Até mais. Tentarei ser breve com Lady Flemming.
Estava claro que Regina não seria nada breve. Elas ficariam conversando por no mínimo quinze minutos mesmo que Lady Flemming na verdade não tivesse nada a dizer para a viscondessa. Quase saltitando, Regina voltou para dentro da casa e seguiu em direção ao salão.
Katherine ficou frente a frente com Neval. Só que há quinze metros de distancia.
— Fale. — Ela ordenou.
O Sr. Rodger se aproximou. Nisso ela recuou. A cada passo que ele dava, ela recuava outro.
— Kate... — Neval implorou.
— Lady Katherine Abbey! Você não tem o direito de me chamar dessa forma.
— Desculpe. Lady Katherine Abbey, nós poderíamos conversar?
— Já estamos conversando, Rodger.
— Por favor.
Com muita má vontade Katherine assentiu. Cruzou os braços e desconfiada deixou que ele se aproximasse. O Sr. Rodger foi cauteloso. Seus passos eram lentos, bem ensaiados e seu nervosismo era perceptível. Suas mãos estavam dentro dos bolsos de seu casaco e Lady Katherine desejou que antes ele estivesse segurando uma faca — ou até mesmo uma pistola — do que um anel de casamento.
Preciso fazer um pedido.
Aquelas palavras não saíam da cabeça de Katherine desde quando partira da casa de campo dos Crentown. Não que ela estivesse na expectativa de ser pedida em casamento. Por mais que seu maior desejo fosse encontrar um homem que amasse para se casar nessa temporada ela não amava mais Neval e não conseguiria passar o resto de sua vida com ele. Ela se lembrava das palavras de Florence.
Um traidor é sempre um traidor.
E ela nunca o perdoaria.
— Não acredito que você teve coragem de aparecer por aqui, Sr. Rodger. — Katherine o olhou. — Depois de todo o mal que você fez a mim.
— Não foi minha intenção, Lady Katherine. Eu não sabia que estava a fazendo mal.
— V-Você... Você me cortejou, trouxe flores, visitou o parque comigo e minhas irmãs. Beijou-me! — Ela bradou — Como pode dizer que não sabia que estava me fazendo mal?!
O Sr. Rodger estreitou as sobrancelhas.
— Não, Katherine. Foi você quem me beijou!
— Você correspondeu. Fez-me acreditar que me amava para no final quebrar meu coração em mil pedaços!
— Não foi minha culpa.
O olhar de Katherine transformou-se. Não foi culpa minha? Como não seria culpa dele? Seus olhos começaram a lacrimejar e seu rosto ficou vermelho. Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. Não podia acreditar no quanto ele estava sendo obtuso de dizer isso para ela em sua própria casa. Neval Rodger havia partido seu coração de todas as maneiras possíveis e não merecia nada melhor do que o limbo.
— Ah, pois bem! — Lady Katherine sorriu ironicamente — Imagino então que a culpa tenha sido minha, sim?
— E-Eu...
— Basta! Por favor, apenas vá embora.
Ela secou as lágrimas com os próprios dedos. Sem querer acabou fitando o monstro à sua frente que surpreendentemente demonstrou um pequeno resquício de humanidade. Seu olhar exalava culpa, mas não necessariamente remorso. Ele se sentia culpado por ter trazido tanto sofrimento para Katherine, mas mesmo assim não se arrependia do que havia feito.
Não se arrependia de amar Jane Foster.
Lady Katherine desistiu. Suspirou e com uma dor imensa virou-se de costas para ele. Pouco se importava se ele permaneceria ou não na casa de campo. Desde que não aparecesse em sua frente novamente ela estava feliz. Ela só queria mantê-lo longe de si. Não conseguia olhar para ele sem querer vomitar.
— Quando você se apaixonou por mim... — Neval gritou há alguns metros atrás. — Você escolheu isso? Você olhou para mim no meio do salão e simplesmente decidiu que iria gostar logo de mim?
Katherine voltou-se para ele.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que eu NÃO escolhi me apaixonar pela Srta. Foster. Nós não escolhemos por quem nos apaixonamos, principalmente quando sabemos que isso vai nos trazer dor. Mas quando eu a vi pela primeira vez, brincando com sua irmã na sala de estar, por Deus, foi impossível. Eu senti meu coração palpitando, borboletas em meu estomago e naquele momento eu soube que era ela.
Ele se aproximou de Katherine. Ele se esforçava para não deixar que os olhos lacrimejassem assim como os de Katherine.
— Eu sabia que aquilo não poderia acontecer. Eu sabia quem ela era. Ou pelo menos achava que sabia. — Ele prosseguiu — Eu sou nobre e ela uma governanta. Nunca poderia acontecer e eu sabia disso, por isso me aproveitei das oportunidades que tive de ir a sua casa para ficar perto dela.
Doeu. Doeu muito em Katherine.
— Não ache que eu te usei o tempo todo, por favor, não pense isso. O sentimento que nós tínhamos era totalmente reciproco no inicio. Se não fosse por ela, Katherine, juro que estaríamos noivos ou até mesmo casados. Mas meu coração a escolheu. — Ele fechou os olhos por alguns segundos deixando as lembranças mais claras em sua mente — Ela não concordou. Fugiu de mim, disse que não queria nada comigo e que além de ser errado não poderia fazer isso com você. Sim, Katherine. Jane em todo momento pensava em você!
Kate o fitou. Ela não emitia nenhum som, mas as lágrimas corriam pelas suas bochechas.
— Quando é para ser, é. E foi. Apesar de lutar contra, a Srta. Foster sabia que nossos corações estavam destinados. Foi naquela manhã mesmo em que você nos flagrou que ela finalmente cedeu. Deixou que eu a beijasse uma vez com a promessa de deixa-la em paz e casar com você.
Lady Katherine entreabriu os lábios. Não conseguia dizer nada, mas tampouco conseguia acreditar nas palavras de Neval. Era doloroso. Sufocante saber que tudo aquilo estava acontecendo embaixo de seus olhos e ela não havia percebido nada.
— Eu aceitei e a beijei, só que... — Neval sorriu. Era impossível não sorrir sempre que se lembrava de Jane. — Só que ela também não resistiu. Nenhum de nós foi corajoso o suficiente para separar aquele beijo. Angustias de uma vida estavam sendo liberadas em um único roçar de lábios. Katherine, eu amo Jane Foster com todas as minhas forças e não posso me culpar por isso.
Katherine conseguiu sorrir. Sorriu com muita dor, pesar e com lágrimas escorrendo freneticamente de seus olhos, mas sorriu. Um sorriso fraco, quase invisível, mas estava ali.
— Não se culpe. Não escolhemos quem amamos, Neval.
Por fim ele ficou frente a frente com ela. Ela conseguiu ver seus olhos inundados, mesmo estando em meia luz. A lua brilhava com intensidade, porém eles estavam próximos de várias arvores que já começavam a encaminhar para o bosque e as luzes nos jardins eram bem espalhadas.
— Você consegue me perdoar, Katherine? Eu queria te pedir perdão.
Katherine suspirou, aliviada. Não era afinal um pedido de casamento. Ele só queria se desculpar por sua conduta com ela. Lady Katherine assentiu, enxugando as últimas lágrimas.
— Sim, Sr. Rodger. Eu o perdoo. Eu não poderia condenar um homem apaixonado. — Respondeu — Certamente eu nunca esquecerei tamanha dor que me causaste, mas... Eu devo seguir em frente. Nunca vou atingir a minha felicidade se passar minha vida lamentando desventuras do passado.
— Quero me casar com ela.
Katherine deu ombros. Certo. Ele a amava e tal, mas... Lady Katherine não era a pessoa mais indicada para discutir detalhes sobre o casamento dos dois. Pelo menos não agora. O que ele iria fazer? Pedir para que ela fosse a florista?
— Boa sorte. Eu devo voltar para o salão agor...
Ela estava dando o primeiro passo em direção a casa quando Neval a segurou pelo braço, impedindo-a que saísse do lugar. Katherine achou ter visto alguém na porta da construção, mas não se importou com vultos. Havia algo mais eminente para ser resolvido agora.
— Sim, Sr. Rodger?
— Eu não sei onde ela está, Katherine. Desde o dia em que fomos pegos juntos eu não a vi. Queria sua ajuda para que me encaminhasse até onde ela está, não sei, qualquer coisa que me ajude a vê-la novamente.
Lady Katherine estreitou os olhos. Ele não...
— Neval. — Mas se ele... — Você não sabe onde ela está?
O Sr. Rodger negou, receoso.
— Não a vejo desde quando fomos pegos juntos — repetiu.
Oh, Deus!
— Eu não sei onde ela está. Ninguém sabe. Por vocês estarem tão... Unidos aquele dia eu presumi que você soubesse onde a Srta. Foster estava. Minhas irmãs entraram em contato com três pensões, mas não conseguimos nada.
— Praga! — Rodger resmungou. — Como você não disse isso antes, Katherine?!
Katherine encolheu-se. Onde a Srta. Foster estava?
— Não se preocupe, Neval. Se ela não está em nenhuma pensão nem com você...
— Como você pôde achar que ela estava comigo?!
— Vocês se beijaram! — Katherine bradou.
Rodger olhou para ela indignado. Ele estava tão nervoso quanto Kate.
— Katherine...
— Se ela não está em uma pensão e nem com você ela deve estar com a família na Ilha de Wight. Eu pensei em escrever uma carta, mas as coisas ultimamente aconteceram de forma tão frenética que eu não tive tempo de conseguir localiza-la. Precisamos encontrar os Fosters de Wight e...
Sua voz foi diminuindo conforme a expressão de Neval mudava. Naquele instante ela percebeu que havia algo errado, muito mais errado do que ela havia imaginado antes.
— Ela não te contou, certo?
Neval perguntou baixinho. Katherine o fitou.
— O que?
— Sobre a família dela.
— Ela não gostava de falar sobre a família dela. — Afirmou. Katherine sentiu uma pontada no coração quando se deu conta de que ela poderia... — Ela se abriu com você? Contou sobre a família dela tão facilmente, mas nada para mim mesmo estando convivendo comigo há vários anos?
— Não, não... Katherine, espere! — O Sr. Rodger respirou fundo. — Um dia antes do nosso beijo eu a encontrei voltando de algumas lojas no Soho. Ela estava visivelmente abalada, chorando e eu ofereci para ela uma carona em minha carruagem que foi devidamente aceita. Não aconteceu nada entre nós dois, mas eu disse que não a deixaria em casa até que ela me contasse o que havia acontecido. Eu não queria ser invasivo, mas ela estava tão alterada que eu fiquei muito preocupado.
— E o que havia acontecido?
— Ela havia recebido uma carta de sua irmã, Lettice. Nela dizia que ninguém sabia do paradeiro de Charlotte há várias semanas. Eu acalmei Jane e disse que ela provavelmente não teria saído da Ilha de Wight, mas então Jane me disse que ela estava em Liverpool. — Neval não gostava de falar sobre isso, era Jane que deveria estar contando. O incomodo em sua voz era visível. — Elas nasceram em uma família consideravelmente abastada da Ilha, porém quando as irmãs se envolveram em um escândalo todas elas tiveram que deixar a Wight. Charlotte foi para Liverpool, Lettice para um convento em New York e Jane, a mais velha, teve que ganhar a vida sendo governanta.
Katherine ficou boquiaberta. Ela não... Nunca havia pensado nisso.
— Então ela não pode voltar para a Ilha de Wight, pois não há mais ninguém lá além de sua família que não a quer.
— Em qual escândalo elas se envolveram?
— Eu... — Neval olhou para os pés — Jane disse que ela não estava inclusa, mas as duas irmãs se envolveram com uns gêmeos de uma família ainda mais abastada que eles que passava o verão por lá. Aparentemente o envolvimento deles veio à tona e todos da região ficaram sabendo. Os pais não quiseram saber de mais de nenhuma das filhas e nem tinham escolha. Nada mais havia para elas em Wight. Até mesmo para Jane que não tinha culpa alguma na história.
— Ah... — Katherine levou as mãos ao coração — Isso deve ter sido horrível. Nós precisamos encontra-la. O mais rápido possível! Se ela não está com a família então está sozinha no mundo.
— Sim, nós devem...
Neval foi interrompido por um golpe. Um golpe rápido, porém certeiro, que o acertou na barriga. O Sr. Rodger cambaleou por alguns passos, completamente confuso, procurando a origem de quem havia o acertado. Há alguns metros dele pairava um homem alto, bem vestido e com os cabelos avermelhados.
— Lord Crentown. — Neval murmurou.
— Você tem dez segundos para desaparecer daqui, Sr. Rodger. — Lord Crentown afirmou aproximando-se dele novamente.
Lady Katherine decidiu intervir. Caminhou até os dois e postou-se entre eles, impedindo que qualquer outra agressão ocorresse, porém Thomas não concordou com sua conduta. Empurrou-a dali, sem ser violento, mas com força suficiente para que entre ele e Rodger não houvesse nada.
— Desaparecer daqui? — Neval indagou. — Lord Crentown não tem poder nenhum sobre mim ou sobre essa propriedade para exigir que eu saia.
— Não pense que Lady Katherine não me contou sobre o que aconteceu entre você e a governanta dela. — Thomas afirmou. Neval fitou Katherine que deu de ombros. — E agora tem coragem de aparecer aqui e ameaça-la. Ou acha que não o vi segurando seus pulsos há alguns instantes? Se você tentasse algo com ela eu juro que o mataria!
Os olhos de Crentown chegavam a brilhar de ódio. A pupila havia se dilatado encobrindo boa parte de sua íris verde e seu rosto estava corado, mas não por vergonha, mas sim por raiva. O Sr. Rodger que não era tão tolo quanto aparentava às vezes sabia que não seria prudente arrumar problemas com Lord Crentown, pelo menos não agora e depois de uma conversa tão sincera quanto havia tido com Lady Katherine e em uma festa no qual ele não havia sido convidado. Assim ele apenas afastou-se com cautela e olhou nos olhos da anfitriã.
— Conversaremos depois sobre a Srta. Foster, Katherine. Ainda não acabei. Saiba também que estou disposto a fazer tudo que puder para encontra-la.
— Eu sei. — Katherine sussurrou, observando-o se afastar.
Apenas quando o Sr. Rodger já estava longe o suficiente para não ouvir mais nada, Katherine voltou-se para Lord Crentown. Suas lágrimas já haviam secado e já não aparentava mais ser a garota frágil de poucos minutos. Ela postou-se a frente de Thomas — na ponta dos pés para parecer mais alta — e o olhou com o pior olhar de desaprovação que havia reservado.
— Você não deveria ter falado assim com ele.
Lord Crentown paralisou-se.
— Como?
— Estávamos conversando sobre minha governanta. Eu pensei que ele sabia onde ela estava, pois... — Ela suspirou — Não importa. O que eu quero dizer é que estávamos discutindo algo importante, nada mais.
— Ele traiu sua confiança.
— Eu sei. E eu nunca me esquecerei disso. Mas acredite Lord Crentown, há algo muito mais importante para mim do que meu orgulho. A segurança de minha amiga. E farei tudo que for possível para encontra-la e para que ela fique bem.
Nesse momento Lady Katherine pouco se importava se a Srta. Foster havia traído sua confiança. Jane esteve com ela durante toda sua adolescência, desde antes de debutar em Londres e a deu apoio nos momentos mais importantes de sua vida. Em seu primeiro baile, com sua primeira paixão, com a morte de seu pai e em todos os dias de sua vida. O que ela estava fazendo era um ato de gratidão.
— Ele estava a agarrando pelos braços, Katherine! — Thomas afirmou.
— Eu tinha tudo sobre o controle, Lord Crentown. Você não deveria se preocupar com isso.
— Eu não deveria me preocupar com isso? Katherine, por que eu não deveria me preocupar com a sua segurança?
Ela se encolheu. Seus olhos vagaram pela escuridão até encontrar com os dele.
— Por que nós dois não temos nada.
Lord Crentown suspirou. Inevitavelmente lembrou-se do beijo.
— Aquilo não significou nada para você?
— O que?
Ele não queria repetir. Não queria lembra-la de algo que provavelmente nunca deveria ter acontecido, mas o fez.
— O beijo do último baile. Você me beijou. Por que fez isso se nós dois não temos nada?
Katherine encolheu-se. Repentinamente sua vontade de chorar voltou. Ela não queria falar sobre isso, não queria mais uma vez questionar seus sentimentos, não queria acima de tudo, acreditar que gostava de outro homem depois de ter seu coração tão machucado. Ela o beijou apenas porque quis. Porque precisou. Porque não resistiu àqueles lábios rosados e bem desenhados, ao seu toque, sua delicadeza a sensação de quando estava com ele: de ser amada. Mesmo que ele não a amasse, quando estava em seus braços, dançando, ela sentiu-se querida por aquele homem.
Deveria tê-lo dito o como ele era carinhoso e bom para ela, talvez no máximo o abraçado. Mas sua impulsividade, seu excesso de sentimentalismo... Ah, isso a destruíra mais de uma vez.
— Tenho quase certeza de que sua mãe está a procurando no salão. Se eu fosse você retornaria para lá antes que mobilizem todos convidados na missão de te encontrar.
Katherine pensou em fazer algum comentário, mas sabia que aquilo que ele havia dito era verdade. Cecile era o tipo de mulher que faria aquilo se sua filha solteira desaparecesse do baile antes de conversar com pelo menos três homens afortunados. Sendo assim ela apenas murmurou:
— Tem razão.
Não que ela tivesse medo ou receio de Lord Crentown, mas sua presença não a deixava inteiramente confortável, pelo menos não desde o dia em que se beijaram na sacada. Sempre que seus olhares se cruzaram flashs daquele dia invadiam sua mente e ela não podia evitar relembrar seu beijo ardente e toque de suas mãos percorrendo suas costas. Era perdia o fôlego, a razão e a noção. A melhor maneira de manter-se segura e longe dele era evitando-o. Até quando deveria passar por ele.
Em vez de passar de seu lado e caminhar em direção a porta, Katherine decidiu que seria melhor dar a volta e seguir o caminho para a outra porta. Thomas estreitou os olhos.
— Katherine?
— Não seria legal que nós voltássemos juntos e sozinhos dos jardins, Lord Crentown. Entre por esta porta que irei pela outra. — Disse olhando para trás.
E desapareceu dali.
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