Capítulo 27 - Acusações
Para Audrey aquilo parecia o fim do mundo. Ela não conseguiu encarar o rei durante o almoço e Benjamin a evitou pelo resto do dia, e ela achou melhor assim. Ainda precisava de tempo para digerir todas as mentiras de sua mãe.
Vê-la nos braços do rei não era uma cena que sairia fácil da sua cabeça.
Durante o Jornal Oficial ela se sentou entre Hellen e Gabriela — que tinha voltado a falar com ela. A programação se seguiu um pouco diferente e meio confusa enquanto os estagiários tentavam conduzir o programa.
Um apresentador jovem, James, estava substituindo Gavril que, junto com parte de sua equipe, tinha sido atacado e ainda estava em observação na Ala Hospitalar.
Quando os rebeldes entraram, os guardas se preocuparam mais com as famílias, real e das Selecionadas, e as garotas da Elite. O resultado disso foi vários membros da equipe de gravação feridos e Gavril, que se recusou a deixá-los.
E agora James, um bom apresentador, mas inexperiente, atualizava a população sobre as últimas notícias.
— Agora, Illéa, vamos falar de coisa boa — James anunciou. — Vamos para as filmagens da festa de ontem, onde o príncipe Benjamin e o rei Maxon tiveram a oportunidade de conhecer as famílias das Selecionadas remanescentes.
James mostrou fotos e vídeos da festa. Tudo estava perfeito antes da invasão, e Josie ainda estava arrasada.
O Rei e o Príncipe falavam de vez em quando, soando animados ao comentar sobre as famílias, e Audrey se encolheu na cadeira esperando a parte em que a sua apareceria.
Quando o apresentador repassou fotos do rei conversando com Maya. Audrey começou a suar frio, com medo do que viria.
— E agora, vamos para as filmagens com a família Leger — James, disse, com um sorriso largo, mostrando algumas fotos de Audrey com a irmã. — O que achou da família da senhorita Audrey, Majestade? — indagou, com um tom de voz provocador.
— São todas muito simpáticas — ele disse, simplesmente.
Benjamin, notando o desconforto do pai, tomou a palavra e teceu elogios, trocando olhares rápidos com Audrey.
E então, o que ela tanto temia, aconteceu.
— A propósito, querido povo de Illéa — James disse, para as câmeras. — Temos uma situação interessante aqui — comentou, quando uma foto de America, Audrey e Amberly apareceu na tela. — Descobrimos que a senhorita Audrey é filha de America Singer, uma das finalistas da Seleção do rei, de alguns anos atrás — continuou. — Aposto que isso renderá um pouco de crédito a favorita do príncipe, agora.
E sem saber, James tinha acabado de assinar a sentença de morte de Audrey perante as outras Selecionadas. Talvez ela estivesse sendo exagerada, mas a sensação que tinha era que o mundo estava desabando na sua cabeça. Ela podia sentir o olhar de todos sobre si. Ouviu o rei e o príncipe falarem, mas sua cabeça estava em outro lugar.
Sua mãe não tinha sido apenas uma Selecionada. Ela foi a Selecionada. Quase rainha! Isso acendia a chama do ódio em todas as suas concorrentes, e se as coisas já estavam ruins antes, Audrey tinha certeza que tinham acabado de piorar.
Quando as luzes do estúdio se apagaram, ela conseguiu fazer seus pés se moverem e a levarem para longe dali. Benjamin gritou seu nome, mas ela não parou, ignorou os bons modos e as despedidas e correu até ter certeza que ninguém viria atrás dela.
As lágrimas transbordavam de seus olhos. Passou por alguns guardas, mas nenhum deles a impediu. Ela estava tão furiosa e decepcionada que sua vontade era de socar alguma coisa. Quando encontrou uma sala vazia, não hesitou e entrou para se esconder. Precisava ficar sozinha. Enquanto ela se agachava encostada em algum móvel e abraçava os joelhos, ainda chorando, quase podia ouvir as engrenagens da sua cabeça se movimentando, arquitetando algo para tentar me livrar das alfinetas que levaria dali em diante.
Audrey sabia que era uma das favoritas, mas depois que toda Illéa descobriu sua descendência, os que torciam pelas outras Selecionadas passariam a odiá-la, achando que ela estava levando vantagem em alguma coisa. O mesmo seria o pensamento das garotas. A única que ela sabia que sempre estaria ao seu lado era Hellen, e talvez Luna, que sempre foram gentis com ela. Gabriela, sempre competitiva, ficaria furiosa, e Maya também não a veria com bons olhos. Thiffany com certeza não pouparia esforços para vê-la longe do palácio.
Tudo por culpa de sua mãe.
Culpa das mentiras dela. Se Audrey soubesse que ela tinha algum envolvimento com essas pessoas nunca teria concordado em se inscrever. Nem que Amberly tivesse implorado.
Mas assim, não teria conhecido Benjamin, que pareceu triste depois de saber de tudo. Será que isso afetaria seu relacionamento? Ela tinha decidido permanecer ali enquanto ele a quisesse e lutar por ele, mas será que ele ainda iria querer isso? As perguntas se perderam quando a porta foi aberta e Audrey não precisou levantar os olhos para saber quem era. Os saltos altos denunciavam a visitante.
— O que você quer? — Audrey perguntou, se levantando e secando os olhos.
— Vim assistir a sua máscara cair — disse Thiffany, com um sorriso maldoso.
Audrey respirou fundo e caminhou em direção à porta, determinada a ignorar a discussão que estaria prestes a começar, mas Thiffany bloqueou sua passagem e a segurou pelo braço.
— Tire as mãos de mim — ordenou Audrey, puxando o braço, mas Thiffany não obedeceu.
— Só queria dizer que as coisas vão piorar para você agora — ameaçou ela. — Eu sabia que havia alguma coisa errada com você — caçoou. — Sempre tão delicada e boazinha. Estava só se preparando para dar o bote. Junto com a sua mãe oportunista — completou, cravando as unhas no braço de Audrey, e foi o fim da sua calma.
— Não fale assim da minha mãe! — bradou ela, desvencilhando-se do seu aperto e dando um tapa na cara de Thiffany.
A palma de sua mão ardeu, mas a sensação era boa.
— Sua... — Thiffany arfou, avançando para cima de Audrey que agarrou seus cabelos e puxou para trás, arrancando um grito da garota.
America podia ter contado muitas mentiras, mas ainda era sua mãe.
— Agora ouça bem — Audrey disse, ainda com os dedos cravados em seus cabelos enquanto ela se debatia de raiva —, nunca mais toque no nome da minha mãe. Entendeu? — E a soltou.
Audrey pensou que ela fosse partir para cima dela e lhe acertar, a raiva ainda fervilhava em suas veias e ela estava pronta. Mas quando ouviram vozes próximas no corredor, Thiffany começou a gritar, esfregar o rosto e o cabelo e rasgar o vestido. Audrey apenas observou a cena, com a certeza de que ela estava louca.
Quando Madame Marlee e dois guardas apareceram na porta, a cena se tornou bem clara. Quem olhasse acharia que Audrey tinha espancado Thiffany. Enquanto ela fazia sua melhor imitação de choro se jogando nos braços do guarda, Audrey era arrastada por Madame Marlee ainda perplexa.
♛
America sempre pensou ser uma boa mentirosa. Achou que tinha conseguido esconder a verdade de todos, sobretudo das suas filhas, mas fracassou completamente. E ali, sentada na primeira classe do avião rumo à Clermont, e para longe de Maxon, ela ainda sentia o peso da culpa. Não que o sentimento que compartilhavam fosse errado, mas o peso pelas mentiras e do sofrimento que causaram às pessoas ao seu redor ainda era grande. Simplesmente porque foram orgulhosos demais para tentar resolver naquele mesmo instante o mal-entendido que mudou suas vidas duas décadas atrás.
Observava a neve que cobria Clermont e Amberly que descansava tranquilamente no assento ao seu lado, com os olhos fechados e fones no ouvido ligados à um aparelho minúsculo que, provavelmente, tocava alguma das músicas irritantes da filha da Tessa Tremble.
Amberly não tinha dito uma palavra sobre o acontecido. Talvez ela apenas estivesse um pouco atordoada com tudo que aconteceu e achou melhor não tocar no assunto. Seja lá qual fosse o motivo, America não iria reclamar. Depois da reação de Audrey ela não estava mais em condições de discutir com ninguém.
Ir embora do palácio foi mais doloroso do que ela imaginava, quando passou pela porta de entrada a expressão de Maxon era de profunda tristeza, embora ele não quisesse admitir. America tinha prometido que voltaria, mas ele ainda estava com um pé atrás e ela não o culpava por isso.
Depois de tantos anos separados a última coisa que ela queria era voltar para casa e deixar Maxon, mas precisava ir, não suportaria o egoísmo de Audrey por muito tempo. Tinha esperança que ela esfriasse a cabeça, lhe perdoasse pelas mentiras e parasse de pensar em seu amor por Maxon como um crime. America pediu a Marlee que não interferisse nisso, apesar de saber que ela estaria ocupada demais consolando Josie pela festa de aniversário desastrosa.
Contar a verdade tão de repente para suas filhas fora terrível, mas não se compararia em espalhar isso para o país inteiro. Ela não conseguia nem imaginar o tanto de mídia negativa que essa notícia geraria, apesar de saber que as pessoas que torciam por ela na Seleção ainda se lembrariam. Por sorte ela tinha Gavril, seu filtro no Jornal Oficial, que prometeu desaparecer com as fotos e filmagens a seu respeito. Quando saiu, America não teve tempo de saber a que pé estavam as coisas no palácio, o que tinha sido destruído ou quem estava bem, mas tinha certeza que Gavril estava, e ele iria lhe ajudar.
Quando chegou em casa tudo que ela queria era o conforto de seu quarto, mas quando passou pela porta era como se tudo estivesse diferente. Solitário. America tinha aprendido a viver sem Maxon, mas agora que o reencontrou, não se imaginava em um lugar em que ele não estivesse. Amberly notou sua expressão e lançou um sorriso solidário para a mãe.
Passaram o dia desfazendo as malas e organizando a casa. Quando a noite chegou, e America se sentou no sofá ao lado da filha para assistir ao Jornal Oficial, só para ver Maxon.
Depois que o programa acabou, America permaneceu sentada, com a cabeça enterrada entre as mãos e tentando controlar a respiração. De todas as pessoas que podiam ter sido atingidas fora justo Gavril, o único que iria ajudá-la. Já havia sido difícil lidar com a verdade na frente das suas filhas, e agora tudo foi revelado ao país inteiro. America não sabia o que fazer.
— Não se preocupe, mãe — disse Amberly, tocando seu ombro. — Audrey vai saber lidar com isso, e as pessoas deviam adorar você, não tem nada de errado.
America levantou os olhos confusos, ela não conseguia entender a reação de Amberly.
— Como você pode não ficar chateada comigo? Depois de todas as mentiras que eu contei?
A filha soltou um suspiro e engoliu em seco, entrelaçando os dedos.
— Eu descobri tudo antes, mãe — disse ela. — Foi por isso que Audrey e eu fizemos a inscrição. Eu já sabia de tudo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro