02 - 70x7
Após o término das primeiras aulas, fomos para o intervalo.
Eu também sou do tipo popular na escola, assim como o Isaque. A diferença é que todos os caras querem ser como ele e todas as garotas querem ficar com ele, já comigo não, eu sou a que todos querem zoar. Contudo, eu até ando com um grupo seleto de pessoas. Claro que meus únicos amigos de verdade são a Letícia e o Isaque, mas eu até gosto um pouco da Nathalia também e o Evandro não é tão idiota, ele é primo da Letícia e a gente se conhece desde que ele chegou na cidade há uns 3 anos. Eu sou muito fechada para qualquer coisa que seja no mínimo íntima, mas eles já estão acostumados comigo. Assim como me acostumei com os apelidos idiotas que me deram, porque tudo sempre parte do Diogo, ele diz que não faz por mal e que eu faço por merecer, é um imbecil, mas o Isaque insiste em dizer que é um cara legal. É claro, um cara legal que testa o meu 70x7 diariamente...
— Vai fazer alguma coisa no intervalo? — Letícia pergunta.
— Não fiz planos. Algo em mente?
— Os garotos vão jogar uma partida de futebol na quadra, vamos assistir? — Ela pede quase implorando. Todo o planeta sabe que ela tem uma grande queda pelo Diogo, o que eu lamento imensamente pelo fato dele ser um imbecil.
— Assistir? Eu quero é jogar! — Digo já indo em direção à quadra.
Letícia corre para me acompanhar e não demoramos em chegar. A maioria dos meninos é do 2º ano, mas tem alguns do 1º também. O 3º ano quase nunca se junta para fazer nada. Avisto Isaque e vou até ele, Marcela o está rondando como se ele fosse um pedaço de carne e ela uma cadela faminta, pronta para atacar. Não a estou chamando de cadela, é claro, foi apenas uma metáfora...
— E aí, Zac. Posso jogar? — Pergunto assim que chego perto dele.
— Oi, May. Não sei, quem está organizando essa partida é o Diogo, tem que ver se ainda tem espaço para mais jogadores.
— Qual é! É só uma partida amadora de colégio, não é a copa do mundo. Tenho certeza que ninguém vai reclamar se ao invés de 11 tiverem 12 jogadores em cada lado. — Cruzo os braços.
— Ai, Mayão. Por que não se oferece para torcer como as garotas normais? — Marcela diz com sua voz arrastada. — Eu estarei torcendo muito pelo Isaquinho, não é gatinho? — Ela sorri com os lábios vermelhos e meu amigo nem dá bola para ela.
Coitada.
— Zac, sério, eu quero jogar. - Digo ignorando completamente as palavras da Marcela.
— Também quero que você jogue, May, mas dessa vez tem que ver com o Diogo. — Reviro os olhos e me viro para caçar o Diogo entre as pessoas. Eu o encontro rapidamente e vou até ele.
— Eu quero jogar. — Digo ainda de braços cruzados.
— É uma partida entre garotos. Você é meio termo, então não conta. — Ele debocha e ri como uma foca asmática. Fecho os meus olhos e respiro fundo.
70x7, 70x7, repito mentalmente.
— Diogo, eu quero jogar. Ainda tem lugar para mais um jogador?
— Tem, mas não estou vendo ele, só um leão com rosto de menina. — Ele gargalha novamente da própria piada.
Já estava me virando para sair dali, mas dou de cara com o Isaque.
— Se não tem espaço para ela, também não tem para mim. Me tira da partida aí. — Ele diz e pega minha mão para sairmos.
Isaque sempre me defende, mesmo eu repetindo que não preciso de proteção. Ele diz que ninguém se mete com sua pirralhinha. Fico meio dividida entre achar fofo e reforçar que não sou nenhuma donzela em apuros. E sempre que ele se impõe com Diogo, acontece a mesma coisa.
— Qual é, mano! — Diogo vem atrás de nós, como o fiel cachorrinho atrás do mestre. — Não, você não pode sair. Sabe que as gatinhas te seguem para onde você for. Precisamos de você aqui. — Esse papo de macho que pinta de galo me enoja.
— Se tem espaço para mim na equipe, então também tem espaço para a May. — Ele para de frente para o Diogo que solta uma bufada que deixaria qualquer búfalo com inveja.
— Tudo bem, mas ninguém vai ficar pisando em ovos só porque ela está jogando, fechado?
— Fechado. — Eu mesmo respondo. — Nunca pedi proteção nenhuma.
Com um sorriso vitorioso, prendo o meu cabelo com uma xuxinha que sempre carrego no braço. Tenho até uma marquinha fina no pulso por causa do sol. Eu sou branca demais.
Não demorou muito para começarmos a partida. A gente só tinha uns 25 minutos, mas valeu muito a pena. É claro que eu fiz uns três gols e meu time ganhou. Zac era o capitão, obviamente. Diogo, o capitão do time adversário, ficou completamente indignado por ter levado uns olés de uma garota, mesmo sendo a garota-leão-macho como ele mesmo diz.
— É muito mais fácil admitir a sua derrota do que ficar com essa cara de poucos amigos, Diogo. — Provoco.
—?Não canta vitória, Mayão. Tenho certeza de que eles estavam é com medo de chegar perto de você.
— Eu já falei pra você parar de chamar ela assim cara... — Isaque se altera.
— Deixa ele, Zac. Com idiotas não se discute, assim como com os loucos.
Diogo dá uma de suas bufadas e corre para a sala de aula. Isaque e eu estamos logo atrás. O resto do pessoal já foi.
— Você mandou muito bem hoje, May. — Zac me elogia e passa o braço por sobre meus ombros. — Já sabe que tem a alternativa de ser jogadora de futebol.
— Não tem alternativa profissional para mim senão a artística, você sabe.
— É, eu sei bem.
— Deveria impor isso para você também. Desde já. — Alfineto. Sempre que posso tento encorajá-lo a seguir seus sonhos.
— Você sabe como funciona para o meu pai, May. — Ele se lamenta, como sempre faz.
— Eu sei, mas você não é o seu pai. — Tiro o seu braço do meu ombro. — Deveria lembrar isso para você mesmo e parar de tentar impregnar o pensamento dele em você.
— Às vezes eu me esqueço de que você é uma pirralha de 15 anos, sabia?
—?Sabedoria não tem idade, meu caro amigo.
Faço uma reverência exagerada e sigo para o caminho que leva até a minha sala. Zac fica rindo atrás de mim e sei que está indo para a sua sala também. Eu só espero que um dia ele caia em si e entenda que seu futuro só depende dele mesmo e que ele tem um leque de opções pela frente para se aventurar na trilha que o levará para sua realização profissional e pessoal.
•••
Assim que as aulas terminaram, Isaque e eu fugimos de todo mundo e seguimos para o nosso cantinho especial. Meu lugar favorito em todo o mundo. O lugar que meu pai deixou todinho para mim. Ninguém além da minha mãe, Isaque e da tia Suelen sabe desse lugar. Era o esconderijo no meu pai, onde ele criava as suas melhores obras. Ele me trazia aqui desde que completei 2 anos de idade e aprendi a segurar um pincel de verdade. Depois que ele morreu, minha mãe me deu a chave e disse que ele sempre falava sobre deixar o lugar para mim, só não esperávamos que fosse tão cedo...
— O quê você acha dessa combinação de cores? — Zac me pergunta. Ele fez uma ilustração de um pôr do sol e combinou um tipo de marsala com lilás. Torço o nariz.
— Acho que você deveria ter misturado o lilás com um tipo de rosa, não marsala. — Opino.
— Ou então posso deixar ele preto e branco e deixar para você colorir. — Ele suspira e solta o papel.
Isaque é muito bom com desenhos, mas ele nem sempre tem sucesso com a mistura de cores. Eu, por outro lado, adoro colorir e amo misturar todas as cores que achar necessário. E não sei fazer 1/3 dos desenhos que ele faz.
— Você sabe que cada um é melhor em alguma coisa e isso não é ruim. Adoro quando você desenha pra mim. E sei que gosta dos meus quadros, mesmo que sejam assimétricos e às vezes amorfos. — Ele ri e eu sei que concorda. — Como vai a sua ideia de fazer um livro ilustrado?
— Não vai. Eu sempre desenho um monte de coisas aleatórias, mas nunca fazem sentido quando as junto. E não sou o melhor do mundo quando se trata da escrita também.
— Você não precisa ser o melhor, só preciso ser o que quer ser. — Reforço o que sempre digo. — Tá a fim de ir à igreja comigo hoje? Vai ter um daqueles cultos jovens que você já foi. — Convido. Isaque não é muito de ir à igreja, mas nunca tivemos problemas quanto isso porque ele sempre respeitou a minha fé e até me acompanha às vezes.
— Ah, hoje não vai dá. Eu já combinei com a Nathalia para sairmos.
— Hum. — Digo simplesmente.
— "Hum" o quê? — Ele solta os pincéis e olha para mim.
— Nada, só acho que você devia tomar cuidado com essas saídas com a Nathi.
— Por quê?
— Porque todo mundo sabe que ela e caidinha por você desde que chegou na escola. Inclusive você. — Nathalia chegou no ano passado. Ela tem 16 anos, assim como o Isaque. Quando ela chegou logo ficou encantada com o garoto popular de olhos e cabelo castanho escuro. Começou a andar com o nosso "grupinho" e até fez amizade comigo para tentar se aproximar dele, mas nunca conseguiu nada além de umas saídas aleatórias e uns beijos sem significado para ele.
— Nada a ver, May. A Nathi sabe que eu não quero namorar ninguém e ela disse que está tranquila sobre ser só minha amiga. A gente já ficou algumas vezes, mas você sabe que não passou disso.
— Eu sei. Justamente esse é o problema. Talvez você esteja alimentando algum tipo de esperança para ela, já parou para pensar nisso? — Olho bem sério para ele. — Sério, Zac, se não quer arrumar uma namorada, pelo menos não machuque as garotas legais que querem esse posto.
— Não estou machucando ninguém, Maybelle. Que foi? Está com ciúme agora? — Ele ri da sua própria suposição.
— Você sabe que não. Eu só gosto da Nathalia e odiaria vê-la sofrer por você.
— Bom, foi ela que me convidou para assistir um filme de suspense que saiu. Você sabe que eu adoro um suspense. — Ele se empolga.
— Eu sei bem, assim como ela. Ai, Zac, você é tão burro às vezes. — Reviro os olhos e me levanto. — Só me prometa de que será totalmente sincero com ela, tudo bem?
— Eu sempre sou. — Ele se levanta também e começamos a recolher as coisas para irmos embora.
•••
— Filha, o Isaque vem conosco hoje? — Minha mãe pergunta quando já estamos quase prontas para a igreja.
— Não, ele já tinha planos quando eu chamei. Tia Sue vai?
— Vai sim, mas vai direto para lá.
Mamãe e tia Suelen sempre estão juntas, assim como Isaque e eu. A gente sempre achou muito engraçado o fato das duas terem o mesmo apelido, mesmo que poucas pessoas chamem a minha mãe de Sue, mas sim de Suzy. Seu nome é Susan e na Inglaterra era chamada de Sue desde criança, aqui que recebeu um apelido diferente. Mas o Isaque sempre a chama de tia Sue, assim como chamo sua mãe, Suelen, de tia Sue.
Logo a campainha toca e eu corro para atender. Letícia vai conosco e hoje vai levar o Evandro pela primeira vez. Ela também é cristã e tem falado muito de Jesus para o seu primo. Ele é um cara superlegal, nunca ficou me zoando, mesmo que todos os caras populares — exceto o Isaque — façam isso. Ele começou a estudar na mesma escola que nós só há 3 anos, no 8º ano, mas se enturmou bem depressa.
— Letty. Evan. Entrem. Vocês chegaram bem na hora. — Sorrio para eles e abraço os dois. — Minha mãe e eu estamos quase saindo.
— Amiga, seu cabelo está lindo. — Letty diz alisando a trança que minha mãe fez. — Devia ir assim para a escola.
— Gosto do meu cabelo como ele é, Letícia. Você sabe. - Digo sem emoção alguma na voz. Achei que ela já tivesse desistido de tentar me "repaginar".
— Eu gosto do seu cabelo natural. É selvagem, mas tem estilo. — Evandro é um garoto negro e muito bonito, e com o sorriso mais largo que já vi nessa vida. Eu adoro.
— Muito obrigada, Evan. Por isso eu sempre digo que você é um cara de visão. — Ele gargalha com o seu jeito alegre e Letícia revira os olhos.
— Estão prontas, meninas? — Minha mãe aparece no corredor. — Ah, oi — ela cumprimenta o Evandro. Esqueci-me de avisar que ele vai também.
— Mamãe, este é o Evandro, primo da Letícia. Ele vai conosco também.
— Muito prazer, Evandro. Fico feliz em conhecê-lo, mas vamos logo ou vamos nos atrasar.
Minha mãe praticamente nos empurra para fora e seguimos com o seu Honda Civic, esse carro era o xodó do meu pai e também é o xodó da minha mãe. Na verdade eu sempre achei que meu pai só o comprou porque minha mãe gostou do carro, até porque, pelo que eu saiba, meu pai sempre prefiro carros pretos, não vermelhos.
— Você também estuda na escola das meninas, Evandro? Acho que eu me lembro do seu rosto. — Minha mãe pergunta quando já estamos a caminho da igreja.
— Estudo sim. E também já fui algumas vezes na sua galeria. Eu gosto muito de admirar pinturas. — Isso eu não sabia.
— É mesmo? Você nunca me contou isso. — Viro-me para trás e pergunto olhando para ele. Pela cara da Letícia ela também não sabia.
— Ah, eu gosto. — Ele dá de ombros. — Não é como se eu fosse querer fazer da arte a minha profissão como seu pai fez, mas eu realmente admirava muito o trabalho dele. E gosto de arte, de admirar.
Quando Evandro chegou na cidade, fazia uns três meses que meu pai tinha morrido. Eu até me lembro de que ele falou que conhecia o trabalho do meu pai, mas nunca entramos no assunto. Ainda era doloso demais.
— Olha, isso é interessante. São poucos os jovens hoje em dia que se interessam pela arte apenas por admiração.
— Isso é uma grande verdade. — Concordo com a minha mãe.
— Bom, se estiver interessado em receber um dinheirinho extra, estou mesmo precisando de ajuda no horário da tarde lá na galeria... — Minha mãe oferece. Ela já vinha falando há um tempo de contratar alguém.
— Sério, dona Susan? — Evandro se anima no banco de trás?
— Caramba, Susy. — Letícia, que já tinha intimidade com a minha mãe e sabe que ela odeia ser chama de "dona", diz exasperada. — Acredita que o Evandro veio justamente falando que precisava arranjar um trabalho para depois da aula?
— Letty! — Evandro a censura, envergonhado.
— Bom, então se considere empregado, Evandro. — Minha mãe sorri para ele ao perceber seu constrangimento. — É claro, eu preciso falar com os seus pais e também não posso pagar um grande salário agora, mas podemos chegar a um valor justo. O que você acha?
— Eu acho que Deus se mostrou real para mim antes mesmo de eu chegar à igreja. — Ele responde bastante emocionado.
No restante do caminho apenas brincamos um pouco, conversamos entre nós. Falamos mais um pouco sobre Deus e Seus mistérios e Evandro ficou cada vez mais interessado. Tenho certeza que Deus tinha marcado esse encontro e tudo saiu exatamente como Ele planejou. Assim como todas as coisas.
"Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: "Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete."
Mateus 18.21-22
Oi meus amores!
É, eu disse que seria um capítulo por semana e na segunda, mas, por ter alcançado 200 visualizações e como bônus da primeira semana, aqui está mais um capítulo pra vocês, excepcionalmente essa semana.
E aí, o que estão achando? Comentem e se divirtam.
Até a próxima
Deus os abençoe ♥️
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