♥Capítulo 3♥
— Savanahhh — minha mãe grita do topo da escada, assim que acabo de sair do banho.
Estou prestes a me livrar da toalha ao redor do meu corpo, portanto preciso ajeitá-la outra vez antes de correr para fora do quarto.
— O que, mãe? — eu grito também, me ancorando ao corrimão da escada para que ela me ouça melhor.
— Desça até aqui, por favor.
— Até a cozinha? — pergunto, exasperada.
— E onde mais seria, menina? — ela devolve, no mesmo tom.
Dou risada, mas corro descalça pelos degraus acarpetados, parando sob o batente da cozinha. Diante da pia em mármore escuro há duas grandes travessas de vidro, repletas de comida. Se o meu olfato estiver correto, uma travessa é da sua espetacular lasanha e a outra é de carne assada.
— Para que tanta comida? — inquiro, andando ao redor e xeretando as panelas. — Nunca seremos capazes de comer tudo isso, mãe.
— Não cozinhei para nós. — Ela me diz, levantando brevemente os olhos de sua torta de pêssego sobre o mármore. Ela é tão minuciosa em montar a massa sobre a generosa camada de creme e pêssegos suculentos. Mamãe cozinha como os anjos.
— Então para quem? — questiono, intrigada. Já pensando em meu pedaço de torta com sorvete que comerei mais tarde.
— Para Owen Marshall — ela diz naturalmente, mal se dando conta do que a informação me causa.
A informação faz minhas pernas fraquejarem e levo um segundo ou mais, para me recompor superficialmente. Coloco uma máscara em meu rosto que nem mesmo sei se será suficiente para esconder as minhas emoções.
— Owen? —cuspo o nome, agarrando a barra da minha toalha ao me amparar ao balcão da cozinha.
— Sim, Owen.
— Por quê? — sibilo. —Por que está cozinhando para ele, mãe?
— Todas as mulheres da igreja estão, filha. — Ela me conta, andando ao redor de forma apressada. — Faz um mês da morte de Josi e eu tenho certeza que ele não está se alimentando bem.
— Isso é esperado e eu aposto que ele nem sente fome, mãe.
— Mas não podemos abandoná-lo a esmo, não seria cristão da nossa parte. — Ela contrapõe. — Ele nem tem família.
— Tem os sogros. — Pontuo, usando a primeira coisa que me vem à mente.
— Que com certeza estão devastados com a morte da filha. Margaret não dá as caras na igreja desde o sepultamento de Josi.
— Eles estão em luto, mãe. — Resmungo. — Mas não significa que abandonaram o genro, os três estão passando pela mesma dor.
— Eu não confiaria nisto, Savanah.
— Ok... — suspiro, não querendo que a conversa se prolongue neste assunto.
— Vá se vestir — ela me pede, ainda que soe mais como um comando. — Você levará a comida para ele.
— Eu? — grito, apontando para o meu peito em completa descrença.
— E por que não? — sua voz também se eleva em espanto enquanto seus olhos grandes me examinam.
— Eu não conheço Owen Marshall. — Explico, de forma vacilante.
— Todos conhecem Owen Marshall, filha. — Minha mãe refuta com uma risada. — Além do mais, não estou pedindo que vá tomar o chá da tarde com ele, é apenas para levar um pouco de comida.
— Mesmo assim... — balanço a cabeça ao me afastar um pouco. — Por que a senhora não faz isso? Sente-se com ele e converse um pouco, você gosta de ouvir as pessoas.
Essa é uma forma carinhosa de dizer que ela é uma bisbilhoteira, assim como todas as mulheres da igreja são. Tenho certeza que esse é um dos pré-requisitos para se fazer parte do clube do livro que elas têm.
Mas é provável que Liam Sulivann pense o mesmo de mim, portanto é necessário que eu comece a podar o meu lado curioso, se não quiser acabar como a minha mãe.
— Eu realmente adoraria fazer isso — ela confessa e tem a minha atenção outra vez. — Mas temos círculo de oração hoje e não posso me atrasar... faça esse favor à sua velha mãe, sim?
Dou risada, mas por dentro o meu coração perde uma batida. Embora eu imagine que Owen só irá abrir a porta e recolher a comida da minha mãe, não me dando um segundo a mais de sua companhia, sinto-me receosa com um encontro como esse.
Ao longo dos anos eu fugi de Owen e Josi como se eles fossem uma doença contagiosa que eu precisava evitar a todos custo. Escolhendo, estrategicamente, nunca estar nos mesmos lugares que eles. É evidente que nos cruzávamos às vezes, principalmente aos domingos, na igreja.
Mas me encontrar frente a frente com Owen, sem sua esposa para me lembrar que devo manter distância, parece perigoso demais.
— Savanah. — Minha mãe grita, estalando os dedos à frente do meu rosto. — O que há com você hoje, menina? Está no mundo da lua?
— Só estou distraída. — Disfarço, correndo para fora da cozinha. — Vou me trocar e desço em seguida.
— Não demore! — ela demanda.
— Você é tão mandona, mãe. — Brinco e lhe arranco uma risada baixa. — Posso usar o carro do papai hoje?
Desde que meu pai se foi, mamãe mantém a sua antiga Mercedes na garagem. Se recusando a usá-la no dia-a-dia, somente em ocasiões muito especiais e imprescindíveis. Talvez por esse motivo o veículo ainda esteja tão impecável como era quando meu pai estava vivo, cuidado dele como se fosse o seu bebê precioso. Ele amava aquele carro, de uma forma que eu jamais poderei entender.
— Tudo bem — ela concorda, mas sem muita empolgação. Na realidade, é bem provável que seja uma tortura conceder algo assim.
Se dependesse da minha mãe, nós iríamos a pé a todos os lugares necessários. Ou dependeríamos da bondade alheia para nos locomover ao redor. Ainda que esteja nos meus planos, estou longe de poder pagar por um carro só meu e preciso contar com Della para chegar ao trabalho todos os dias.
— Eu tomarei cuidado, não se preocupe. — Reforço, diante do seu olhar preocupado. — Sabe que não posso andar até a casa de Owen com toda essa comida, é longe demais.
— Sim, está certo. — Ela constata, menos preocupada agora. — As chaves estão no meu quarto, na primeira gaveta da cômoda. Pode pegá-las quando estiver pronta.
— Farei isso. — Meneio em concordância, saindo da cozinha.
Minhas mãos transpiram quando subo a escada, correndo até o quarto, trancando-me na primeira porta à direita, que é onde durmo. Minha respiração sai em baforadas lentas, enquanto ando ao redor da cama por um tempo e sento-me nela depois disso.
Minha mente fervilha tanto que minha cabeça começa a doer.
Como vou bater à porta de Owen Marshall, encará-lo e falar com ele como se fosse apenas uma pessoa qualquer e não o amor da minha vida?
Não, eu não posso fazer isso. Desespero-me com a missão que minha mãe jogou em minhas costas, cogitando a possibilidade de pedir para que Della faça isso por mim. Ou apenas me acompanhe, o que provavelmente será pior que encarar o problema sozinha.
Ela me perturba tanto.
Ainda assim, agarro o meu celular sobre a cama e lhe envio uma mensagem curta.
Onde você está?
Sua resposta chega logo depois, quando resolvo me levantar e estou prestes a me livrar da toalha e me vestir.
Na casa de Daniel, cuidando de Martin; sou a babá da noite... por quê?
Ignoro o telefone por um instante, cavando em minha gaveta de lingeries até encontrar uma calcinha confortável e vesti-la. Corro de volta para o celular e digito uma resposta para Della.
Nada demais, só estava curiosa.
Envio a mensagem e volto para a minha gaveta, procurando um sutiã dessa vez, em seguida, uma roupa. O que eu devo vestir para me encontrar com o cara por quem fui apaixonada pelos últimos anos.
O quê? O que, meu Deus?
Merda, eu não faço ideia do que vestir e sequer posso perguntar para minha melhor amiga. Isso geraria perguntas infinitas. Como se fosse capaz de me enxergar neste momento, Della começa a me ligar. Respiro até me sentir infimamente calma, então atendo.
— Oi — balbucio, me jogando na cama.
— O que está acontecendo, Savanah? — ela me pergunta, enquanto aperto fortemente os meus olhos.
— Por que acha que está acontecendo alguma coisa? Instalou uma câmera em meu quarto? — brinco, deixando uma respiração lenta escapar dos meus lábios secos.
— Não — ela ri. — Deus me livre acordar todos os dias e ver a sua bunda.
— Ei... — rio também. — É uma bela bunda, Della.
— Uma bunda enorme — ela me provoca.
— Pare de me traumatizar dessa forma, sabe que não consigo diminuir o tamanho dela, eu já tentei inúmeras vezes.
— Estou só te provocando, Kim Kardashian — ela ironiza, ainda rindo. — Não coloque minhocas na cabeça, a sua bunda está ótima.
—Tarde demais para isso. — Suspiro dramaticamente. — Para que você me ligou mesmo? Além de querer ofender a minha forma física?
— Liguei porque você me enviou uma mensagem primeiro. — Ela refuta, cheia de razão como lhe é de costume. — O que está acontecendo, Savy?
— Sabe o quanto eu detesto essa sua intuição, não sabe? — pergunto, não lhe dando a resposta desejada. — Uma simples mensagem e você já sabe que tem algo errado comigo.
— Eu não preciso de intuição para isso, você é um livro aberto para mim, Savanah.
— Claro que sou!
Reviro os olhos ao dizer isso, indo até o meu guarda-roupa e retirando dele o primeiro vestido que encontro lá. Um amarelo de mangas curtas, que nem chega até os joelhos.
Não, é velho demais... volto a colocá-lo em seu lugar de antes e tiro outro vestido de dentro. Dessa vez é um branco em algodão, com alças finas e um bordado nos seios. Ele chega até o meio das minhas panturrilhas e está relativamente novo.
Com o celular em uma mão e o cabide com o vestido em outra, ando até o grande espelho em frente à cama.
— Savanah! — Della grita ao telefone, quase me fazendo derrubá-lo no chão.
— Desculpe, eu me esqueci que estava aí. — Lamento, com uma risadinha baixa.
— Jura? Eu nem tinha notado. — Ela exaspera, descontente.
— O que acha daquele vestido branco que usei na festa de Blanc? — questiono, me referindo a festa de aniversário da sua cunhada, para qual Della me arrastou há alguns meses.
—É bonito, por quê? — pergunta, desconfiada.
— Casual demais? Sem graça? Muito bobo? — Questiono, mais ansiosa que nunca.
— Não, é um belo vestido e te deixou linda. Por que está me perguntando sobre ele?
— Porque estou pensando em usá-lo para visitar Owen Marshall. — Confesso e me preparo para os insultos que irei ouvir, ou gritos.
— Não... — ela gargalha alto, me obrigando a afastar o telefone do rosto por um segundo. — Você não me disse isso, devo ter ouvido errado, porque por um instante eu ouvi que irá visitar Owen Marshall.
— Eu disse exatamente isso, Della. Estou prestes a me vestir para visitar Owen Marshall.
— Por que, meu Deus? — sua pergunta soa de forma rude. — Você ensandeceu de vez? Eu sabia que esse dia chegaria, mas cometa outra loucura e não essa.
— Estou em meu perfeito juízo, Della. — Enfatizo, jogando o vestido sobre a cama. — Mas tenho uma mãe meio doida e ela cozinhou para Owen e está me obrigando a levar a bela refeição até sua casa.
— Então se negue a fazer isso. — Ela demanda como se fosse fácil.
— Você não conhece a minha mãe, Della? — pergunto de forma retórica. — Sabe que ela iria querer uma explicação plausível e eu não tenho uma.
— Então invente alguma coisa.
— Eu não sei mentir. — Digo, quase chorosa. — Ainda mais para a minha mãe.
— Você me envergonha. — Della me repreende. — Uma mulher adulta com medo da mãe.
— Não é medo, é respeito.
— Sabe que existe uma linha tênue entre uma coisa e outra e você, Savanah, já a ultrapassou faz tempo.
— Eu não tenho medo da minha mãe. — Reforço com certo incômodo. — Mas ela me fez um pedido e negá-lo demandaria muito da minha parte, simples assim.
— Mas você está morrendo de medo de encarar Owen e lhe entregar a comida. — Ela pontua por mim. — Então não faça isso.
— Eu não posso me negar. — Recito ao coçar os olhos. — É só bater na porta dele, dizer boa-noite e entregar a comida. Diga-me que isso não é algo difícil, Della. Me encoraje um pouco, por favor.
— Não é algo difícil, Savanah — ela recita também, um tom indulgente que me aborrece um pouco. — Mas Owen tem sido o seu amor platônico nos últimos dez anos, alguém para quem construiu um altar bem polido, onde ele tem morado desde então. Todos esses detalhes complicam a situação, não acha?
— Sim. — Concordo com um exalar de derrota. — Você tem razão, eu estou morrendo de medo de me deparar com ele. Só me diga que sou capaz disso.
— Você é capaz, claro que é.
— Você não soa nada convincente.
— Faça o seguinte, coloque a comida na varanda, toque a campainha e vá embora. — Ela sugere como se fosse a ideia mais brilhante que já teve, mas é horrível. — Deixe um bilhete se necessário, mas não espere ser atendida.
— Considerarei a ideia. — Blefo. — Agora eu preciso ir. Antes que minha mãe bata à porta, acho que já demorei demais.
— Sim, vá — ela sibila, em um toque irritado. — Boas filhas não desobedecem nunca.
— Você tão é irritante. — Sibilo de volta.
— Eu sei. — Ela graceja com orgulho. — Me liga mais tarde, Savy.
— Talvez.
— Eu te amo! — Della exclama com uma risadinha boba.
— Infelizmente eu te amo também! — exclamo em despedida. A sua risada divertida me atinge antes que eu desligue e jogue o celular sobre o colchão.
Mal tenho tempo de soltar a próxima respiração e minha mãe bate à porta, entrando em seguida. Instintivamente agarro meu vestido na cama e cubro o meu corpo.
— Estou saindo para a igreja, filha. — Ela anuncia, batendo o polegar sobre a maçaneta redonda. — Deixei tudo arrumado na cozinha e as chaves do carro estão no aparador da sala.
— Tudo bem, mãe. — Concordo com rapidez.
— Não se demore, já está escurecendo. — Ela recomenda. — E pelo amor de Deus, Savanah, tome cuidado com o carro.
— Mãe, eu sei dirigir. — Murmuro, com vontade de revirar os olhos para ela. — E eu serei cuidadosa, não se preocupe.
— Seu pai amava aquele carro, filha. — Minha mãe suspira com a lembrança. — Ele é importante para mim.
— Claro, eu sei — assinto brandamente. — Terei o máximo de cuidado necessário. Vá em paz!
O meu tom manso e educado parece convencê-la e por fim ela sorri. Talvez Della tenha razão, acho que tenho medo da minha mãe.
— Obrigada, filha. Te vejo mais tarde. — Diz antes de sair, fechando a porta em suas costas.
— Tchau, mãe! — grito para que ela me escute, enquanto olho ao redor sem saber o que fazer comigo mesma.
"Espero que tenham gostado♥ Acho que esse encontro da Savanah com o Owen promete, hein? Grata por estarem aqui. Até quarta, bjs♥♥♥"
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