Capítulo 9
Eu senti o sol queimando um lado do meu rosto, e o calor me sufocando por debaixo da capa. Abri os olhos com dificuldade, só então me dei conta de que havia adormecido abraçada às costas do pobre Jumento que seguia o caminho por si só. Ergui as costas devagar, soltando gemidos de dor, e observei o lugar onde estava, enquanto desamarrava a capa de meu pescoço. Por onde olhava, só via rochas de areia. Havia deserto até onde os olhos alcançavam. Era uma paisagem árida, envolta de algumas montanhas rochosas e desfiladeiros. Por sorte, eu estava em campo aberto, pois os desfiladeiros não eram lugares seguros. Poderiam ter animais selvagens e salteadores. Enquanto pensava nisso, o medo tomou conta de mim. "O que estou fazendo aqui? Para onde estou indo?" Olhei para trás, e não havia mais nem sinal do Carmelo e de seus pastos verdejantes. Estava perdida no deserto de Judá, eu, o Jumento e o pequeno ser em meu ventre. Passei a mão na barriga, enquanto respirava com dificuldade pelo medo que sentia. Não sabia em que direção ir, estava perdida.
Enquanto caminhava sobre o jumentinho, lembrei-me do que se passou na noite anterior. A rejeição de meu pai, a decepção de Gael, a tristeza de minha mãe. Tudo isso era o que me definia naquele momento. Por isso, decidi fugir. Eu já havia me preparado para isso, mas criei expectativas em me humilhar para meu pai e pedir-lhe sua piedade. Expectativas essas que se mostraram falsas. Eu segui com o Jumentinho pelo caminho para fora do Carmelo, com os olhos embaçados de lágrimas. Contudo, eu não tinha ideia para onde iria, só sabia que para mim já não teria lugar entre as damas virgens de minha senhora, nem mesmo teria lugar entre as servas que limpavam as latrinas da casa, pois Nabal jamais aceitaria uma serva grávida em sua casa, pelo histórico que ele tem. Tampouco, teria lugar junto ao meu pai. Sem destino, sem esperança e totalmente desgraçada, acabei adormecendo em cima do jumentinho e o deixando decidir o meu destino por mim.
Mas agora eu tinha um medo crescente. Estava em um território conhecido por ser hostil, e estava totalmente vulnerável. "O que viria a seguir? Ficarei vagando por esse deserto por quantos dias? Para onde irei? Adonai, ajude-me!" Olhei para o céu, mas tudo que vi foram corvos voando sobre o deserto. Desci do Jumento e desamarrei o odre de água da sela. Sorvi um gole apenas para economizar e peguei um pedacinho de pão da trouxinha que trouxe. Olhei para aquele pedaço e senti as náuseas matinais, as quais já havia me acostumado. — Você quer? Come! Isso... — ofereci ao jumento, enquanto ele lambia a palma da minha mão com algumas migalhas. — Agora somos eu e você — ele grunhiu em protesto. — Ei! Está reclamando porque te arrastei para essa enrascada? — sorri, ouvindo outro grunhido. — Hmm, você está pior que a mula de Balaão, está ouvindo? Ah! Esse será seu nome agora: Balaão — passei a mão sobre sua crina — agora você precisa me ajudar Balaão — falei em sua orelha — use seus instintos e me guie para fora desse deserto, tudo bem? Bom menino — disse, ouvindo um último grunhido. Montei-o novamente e seguimos para o nada, enquanto eu pedia para Yaweh nos guiar e confiava nos instintos de Balaão.
Inevitavelmente, acabamos diante de um desfiladeiro. Era passar por ele ou voltar para trás, e isso estava fora de cogitação. No meio daquelas rochas áridas, o meu maior medo era encontrar alguma fera no caminho, um leão ou um urso. Eu estava apavorada, mas busquei coragem de onde não tinha para seguir em frente. Mas o que veio a seguir foi tão perigoso quanto uma fera: Mercadores de escravos.
Estavam curvando pelo desfiladeiro, e quando os vi, já era tarde demais para me esconder. Eram dois homens montados em camelos, possuíam chicotes e espadas penduradas num cinto, envolta de suas roupas pretas e largas. Também usavam turbantes de mesma cor. As pessoas vinham atrás, acorrentadas umas às outras em fila, feridas e visivelmente debilitadas. — Ora, ora, ora — disse um deles ao me ver. — Sinto cheiro de carne fresca — disse o outro enquanto sorria com os dentes amarelos. Tentei fazer Balaão correr, mas aquele jumento não era mais rápido que os camelos dos homens, e rapidamente eles fecharam a minha passagem. — Pelos deuses, ela é linda, Ló. Olhe só pra esse cabelo, essa pele... — Vamos conseguir muito dinheiro com essa belezinha, Er. Enquanto os dois sorriam com dentes amarelos, eu começava a me desesperar, tentei voltar com Balaão, mas eles me pressionaram nas paredes do desfiladeiro. Um Um deles desceu do camelo e me puxou de cima do meu jumento. Eu me debatia como louca, mas ele me segurava com força, machucando os meus braços.
— Shhhhhh, eu não quero te machucar, docinho. Fique quieta! — sorriu maliciosamente, e eu vi nele prazer em fazer aquilo — eu sou o lobo e você minha ovelha, minha presa, então, não adianta lutar — olhei para ele com nojo e cuspi em seu rosto, ganhando em seguida um tapa forte na face, que me fez cair no chão. Ele me segurou pelos braços e me arrastou para junto dos outros escravos.
— Com cuidado, Er! Não estrague a mercadoria!
— Ah, essa é arisca, Ló. Se não ficar quieta, vou ter que marcá-la.
— Não, por favor, me solte! - apelei enquanto chorava, mas sabia que minhas palavras não surtiriam efeito naqueles homens maus. Ignorando-me totalmente, ele me acorrentou atrás da última escrava, uma moça morena de cabelos cacheados. Também amarraram Balaão junto aos camelos e começaram a marchar, fazendo-nos segui-los.
***
Os meus pés sujos de areia sobre as sandálias já enchiam de calos, e o calor do deserto ressecava minha boca e queimava minha pele. Mas nada disso se comparava ao estado das pessoas à minha frente, que tinham sangue nos pés e nas costas marcadas pelo chicote. Pude perceber pelas características físicas que, aparentemente, havia pessoas de vários povos ali. Éramos dez ou doze no total. A moça à minha frente parecia querer desmaiar, estava muito debilitada pelo calor e, provavelmente, pela sede e pela fome. "Sede". Havia um odre cheio de água pendurado na sela de Balaão, mas eu não podia alcançá-lo. Estava ficando louca de sede.
— Água! Por favor, água! — implorei.
— Não adianta... — ouvi o sussurro da jovem à minha frente — eles não ouvem... ou não querem ouvir. Querem nos matar. E não chore — disse-me ao me ouvir fungar — vai se desidratar mais rápido se chorar.
— Para onde estão nos levando?
— Eu não sei — disse, quase inaudível — mas acho que para o Egito.
"Egito", pensei, "o lugar que o meu povo foi escravizado. Estou voltando para lá, para também ser castigada. Yaweh nos tirou do Egito para sermos livres em nossa própria terra. Mas eu não mereço o favor Dele. E é por isso que estou sendo levada." A tristeza me corroía por dentro, mais que o sol queimava a minha pele. "Fui abandonada por Yaweh", pensei, enquanto era puxada pelas correntes.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro