Capítulo 4
Apertei os olhos, que ainda estavam fechados, por causa da claridade, que me incomodava.
— Hmm... Gael, fecha essa cortina... quero dormir mais um pouco.
Por um instante, pensei ainda estar na tenda de Gael, na minha antiga vida à qual eu viria a sentir falta, contudo, depois dessa manhã, jamais seria a mesma.
De repente, notei a terrível dor de cabeça que me acometia. Abri um olho, tentando recobrar a memória e só então me lembrei de onde estava. Na tenda dele, Yacov.
— O que estou fazendo aqui? — sussurrei a mim mesma, enquanto levava a mão à cabeça, sentindo a dor pulsante. Tentei me levantar, mas senti uma letargia descomunal.
— Achei que não ia mais acordar — ouvi-o dizer e me virei para fitá-lo. Ele estava vestindo as roupas, mas ainda estava sem a túnica. "Vestindo as roupas" pensei "por que ele estaria sem elas?" indaguei-me, só então me dando conta de que estava "completamente nua!". Em outros momentos eu sentiria as faces em chamas, mas nesse em questão senti-me gélida, como se o sangue fugisse de meu rosto. Puxei mais o cobertor para cima de mim, enquanto tentava me sentar.
— Toma, vista suas roupas — disse jogando meu vestido bordado em meu colo.
— O que você fez comigo? — tomei coragem de perguntar, enquanto tentava inutilmente, recobrar a memória.
— O que eu fiz? — perguntou com tom de sarcasmo — o que nós fizemos, seria a pergunta adequada, não?
— Eu não consigo me lembrar de nada — disse com a mão na cabeça como se tivesse levado uma pancada.
— Como não se lembra? Sinto-me ofendido com essa declaração — disse em tom de brincadeira, enquanto vestia a túnica — não fiz nada que você também não quisesse — declarou por fim com o tom mais sério.
— Você... está... dizendo... que nós dois... fizemos... — tentei formular a pergunta, mas as palavras não vinham à mente e eu estava aterrorizada demais para proferi-las.
— Sim, fizemos — respondeu, já com aparente impaciência — agora coloque as suas roupas, porque, como prometido, vou levá-la à sua tenda. Preciso me apresentar agora no acampamento militar.
— Observei-o colocar o colete e os braceletes de couro, enquanto tentava assimilar tudo aquilo. — Estarei te esperando lá fora — concluiu, retirando-se da tenda.
Olhando para o vestido em meu colo, eu tentava, com todas as minhas forças, lembrar-me do que acontecera. Mas nenhuma lembrança significativa me vinha à mente, apenas borrões, era tudo o que eu tinha.
Levantei-me para colocar o vestido e foi nesse instante que senti uma dor muito pior do que a da cabeça. Uma dor latejante no meio das pernas. Ao tentar verificar, constatei: "sangue". O meu mundo desabou naquele momento. O ar me faltou, tentava puxá-lo com dificuldade, mas não vinha. A boca e as mãos formigavam. Eu ia desmaiar. "Não, não posso desmaiar. Não aqui. De novo não".
Fui até a pequena bacia d'água, lavei o rosto e umedeci um pano para limpar-me, colocando o vestido em seguida. Logo depois, fui surpreendida novamente por Yacov que abriu a cortina da tenda para questionar minha demora.
— Você não pode ficar aqui! — disse impaciente.
— Preciso falar com você — respondi, vendo-o entrar em seguida com o olhar nada satisfeito — nós vamos nos casar? — houve um segundo de silêncio, até que ele foi quebrado com a gargalhada ruidosa de Yacov
— Ah Yarin, Yarin — disse recobrando o ar — o que eu faço com você?
— Não é uma brincadeira Yacov, fizemos algo errado à noite passada
— E em nenhum momento eu lhe prometi casamento
— Yacov — disse, me aproximando dele — você me deflorou, tirou a minha pureza. — Nesse momento ele tomou um ar sombrio e pela primeira vez, tive medo dele.
— Deflorou? pureza? — cuspiu as palavras — como pode uma prostituta saber o que são essas coisas?
Pisquei várias vezes, tentando acreditar no que estava ouvindo, tentei desferir-lhe um tapa, mas ele foi mais rápido e segurou meu braço continuando a falar:
— Quando te vi à primeira vez durante o dia, achei que era uma nobre, a julgar pelas roupas. Cheguei a pensar que fosse filha de Nabal, já que disse que era da casa dele. Mas Nabal não tem filhos, não é? À noite constatei o que eu já sabia: Não é uma nobre, mas anda por aí com roupas finas, está em Gilgal acompanhada de um homem, procurando outro. Acordou de manhã chamando um tal de Gael e bastou eu te chamar no breu da noite, que você veio como uma cadela. Vai negar que é prostituta e ainda tentar se fazer de boa moça, pra conseguir vantagens comigo!? — As lágrimas arderam em meus olhos. Sentia-me ultrajada, envergonhada. Não consegui pronunciar palavra alguma para tamanho insulto. Ele me soltou e eu caí no chão em prantos.
— Eu não sou prostituta! — tentei gritar, mas havia um bolo em minha garganta.
— Ah, não é? — perguntou irônico, enquanto se abaixava para me fitar — é o que então? Nobre você não é, disso eu tenho certeza. Não teria me dado ouvidos se fosse.
— Eu sou serva de Nabal! As roupas são um presente de minha senhora, Abigail — disse entre choros e soluços.
— Mesmo que eu acredite, isso não muda nada. Não posso me casar com uma serva. Estou à procura de uma nobre, tendo um bom casamento posso subir de patente. Entendeu? agora se levante e saia da minha tenda — Ele não esperou que eu me movimentasse e encravou os dedos no meu braço me tirando à força de sua tenda.
— Eu vou procurar Davi e vou contar para ele o que fez comigo, quero ver se sua promoção virá assim — ameacei-o, limpando as lágrimas.
— Davi? — sorriu, novamente sarcástico — então não ouviu a conversa ontem? Davi está com os dias contados. A música que vocês estavam cantando ontem, sobre Davi matar dezenas de milhares, acendeu a ira de Saul. No fundo eu sempre soube que esse Davi é um traidor. E afinal de contas, só presto contas a Abner, não tenho nada com esse tal de Davi. Agora comece a andar e saia daqui. — disse soltando meu braço com violência.
— Então, vou procurar Abner e vou contar tudo para ele — tentei me mostrar forte, só para vê-lo destruir minhas fortalezas com outra gargalhada abafada e cheia de sarcasmo.
— Você é muito ignorante, não é mesmo? Será que tem ideia de quem é Abner? Acha mesmo que o grande comandante, o general do exército de Israel vai querer saber de ouvir uma menina sem eira nem beira como você? — disse sorrindo. Um sorriso malicioso desta vez — você chega a ser bonitinha de tão inocente. Eu poderia até te tornar minha concubina, se não suspeitasse que já se deitou com outros homens.
— Eu nunca me deitei com outro! — disse entre os dentes — será que sou eu a ignorante aqui, por acaso não viu o sangue? — naquele momento, naquele mísero momento eu percebi que ele sabia. Suas feições ficaram sérias e ele teve mais pressa em me enxotar de sua presença.
— Vá embora daqui agora, ou toda terra irá saber que você é uma prostituta. Eu me encarregarei pessoalmente disso.
— Você é mesmo um desgraçado! — cuspindo no chão, virei-me e fui embora de sua presença, desejando nunca mais vê-lo em minha vida.
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