Capítulo 13
Eu sentia os soquinhos fracos nas minhas costas, enquanto carregava a senhorita que se debatia como louca em meu ombro.
— Solte-me seu abutre! Eu não vou com você!
— Ah, você vai sim! Não vou deixar uma maluca na beira do penhasco.
— Eu não sou maluca! — disse entre dentes.
— Olha... não é o que está parecendo — ironizei.
Ela bufou com raiva e cruzou os braços atrás de mim. Pesava uma pena e os longos cabelos quase se arrastavam no chão.
Quando cheguei, os três servos me olhavam com olhos arregalados e boca entreaberta. O velho Naim, meu guia e administrador, Nazira, a senhora que alimentava os animais e era cozinheira nas horas vagas, e o garoto Tobias, o pastorzinho de ovelhas que surpreendentemente segurava a provável ovelha perdida nos braços.
— Por Moisés e todos os profetas, o que está fazendo Ezra!? — inquiriu Nazira, indignada.
— O que acha que estou fazendo? Fui buscar a ovelha perdida. — escarneci, enquanto colocava a senhorita louca no chão.
Imediatamente ela tentou correr, mas eu a agarrei pelos ombros e a ergui com facilidade, colocando-a de volta à minha frente. Ela me olhou com raiva por alguns instantes, e por um segundo vi seu olhar se dirigir para o camelo ao meu lado. Ela se atirou em sua direção, e só então eu vi que não era o animal que chamara sua atenção, mas sim o balde na frente dele. Ela se ajoelhou e literalmente mergulhou a cabeça no recipiente de madeira, lavando o rosto e os cabelos enquanto bebia da água.
— Coitadinha, deve estar com muita sede — disse Nazira, se aproximando.
— Por que a trouxe desse jeito, Ezra? Vai torná-la sua escrava? — perguntou Naim.
— Talvez... — respondi cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha. Ela se assustou com a resposta, porque parou e nos olhou de um para outro, como um animal acuado.
— Ele está mentindo querida, eu não vou permitir que ninguém te escravize, ouviu? Qual é o seu nome? — perguntou Nazira, se agachando para ouvi-la. Ela hesitou por alguns instantes mas respondeu com a voz fraca:
— Yarin
— Yarin, você está com fome querida? — Ela acenou que sim com a cabeça, então Nazira se afastou para providenciar o alimento imediatamente.
— Quem são vocês? — perguntou com curiosidade. Eu me aproximei, agachando-me à sua altura.
— Eu faço as perguntas. De onde você é? — perguntei, mas não obtive resposta. Comecei a estudá-la, agora sem toda a poeira no rosto. A beleza dela era notável: os olhos escuros envoltos por longos cílios, as sobrancelhas expressivas, o nariz e queixo finos, e a boca bem desenhada, lhe dava um toque final ao conjunto da obra. Corri os olhos pelo vestido e pude ver, mesmo debaixo de toda aquela poeira, que era uma peça cara. Voltei os olhos para ela e percebi, por baixo da pele queimada pelo sol, que estava corando, enquanto tentava desviar o olhar. "O vestido é caro, mas não me parece ser uma prostituta. É muito jovem e parece acanhada demais para ser uma."
— Por acaso você é alguma nobre que fugiu de um casamento arranjado? — ela se calou novamente — olha Yarin. É Yarin, não é? — ela olhou para mim — eu só estou querendo te ajudar, mas vai ficar mais difícil para mim, se manter-se no completo silêncio.
— Não sou nobre, senhor. Sou apenas uma serva... da casa de Nabal.
— Nabal!? Ha! — sorri — então hoje é seu dia de sorte, porque eu estou indo justamente para lá. Nesse instante, Nazira retornou com alguns pães e um odre com água.
— Tome querida, coma um pouco e não beba mais água dos camelos. Trouxe um odre para você — Yarin levantou-se e comeu um pão com a fome de um mendigo, enchendo a boca de mais água logo em seguida.
Mas não demorou muito e ela começou a se sentir mal, colocando a mão na barriga e correndo alguns passos, jogou tudo o que comeu para fora logo em seguida. Nazira levou a mão à boca assustada enquanto examinava a pobre criatura à sua frente.
— Ezra, onde e em que circunstâncias achou esta menina? — sussurrou-me.
— Estava à beira do penhasco, prestes a se jogar.
— Baruch Adonai! — pôs a mão no peito, completamente assustada — eu acho que ela está grávida — desta vez eu me sobressaltei, olhando Nazira de frente, perplexo pelas palavras.
— Você tem certeza?!
— Estou com cinquenta e cinco anos e raramente me engano com um palpite. — "Agora tudo faz sentido", pensei. "Algum canalha a enganou, os pais e o senhor Nabal não a aceitaram, e ela simplesmente foi embora para lugar nenhum. Quando se viu sozinha e sem esperança, preferiu se atirar do penhasco". Nazira passou água na tez e nuca dela, e limpou a boca dela com um pano.
Ela parecia querer desmaiar, então me aproximei e rapidamente a ergui pela cintura e pernas, colocando-a no colo e levando-a para a carroça de mercadorias, logo atrás dos camelos. Acomodei-a em cima dos sacos de tecidos enquanto a observava tentar lutar para ficar consciente, mas parecia estar debilitada demais e acabou cedendo, fechando as pálpebras de longos cílios pretos.
***
Yarin
Consegui abrir os olhos devagar e constatei que já era noite. Estava tudo escuro, exceto por algumas lamparinas acesas e pelas estrelas que brilhavam no céu. Havia um cobertor pesado sobre mim, o que me mantinha aquecida. Levantando-me com dificuldade para me colocar sobre os cotovelos e tentando enxergar com tudo rodando ao meu redor, percebi que estava acomodada sobre sacos que pareciam estar cheios de tecidos em uma carroça, mas assustei-me ao deparar-me com 'ele' dormindo ao meu lado.
Suas vestimentas eram finas e requintadas, os tecidos de linho fino, a túnica de cor viva era tão verde quanto o meu vestido um dia fora. O cinto de couro e as joias (anéis e cordões) eram de ouro e prata. Ele era diferente de tudo o que eu estava acostumada. Talvez se parecesse mais com o senhor Nabal, só que mais jovem e belo. Balancei a cabeça para afastar o pensamento e percebi que, no cinto de couro, havia um punhal com o cabo cravado em pedras. "E se ele for um mercador de escravos disfarçado de boa pessoa?", pensei, enquanto tirava devagar o objeto de prata da bainha. Ele estava muito perto, então consegui me mover levemente e encostar a lâmina afiada em seu pescoço.
— O que pensa que está fazendo? — disse-me ainda com os olhos fechados e logo depois os abriu, olhando-me diretamente. Lembrei-me de quando olhou para mim no penhasco, os olhos tão azuis quanto o mar atrás dele, contrastando com a pele bronzeada pelo sol. Agora pareciam duas joias e olhava-me com desdém, como se eu não tivesse uma faca apontada para o seu pescoço. Apertei ainda mais a lâmina contra a sua pele, fazendo-o erguer o queixo.
— Eu não vou ser sua escrava!
— Eu comercializo muita coisa e pessoas não é uma delas. Sou rico o suficiente para não descer a esse nível.
— Eu não confio em você.
— Não está em condições de escolher e nem de apontar-me uma faca. Agora largue isto, vai acabar se machucando. Ainda mais no seu estado — frouxei a lâmina, e rapidamente ele segurou o meu pulso com força, invertendo a posição.
— Solte o punhal! Vamos! — disse apertando ainda mais o meu pulso, fazendo-me gemer de dor até abrir a mão. Ele tomou o punhal com a outra mão e eu me assustei fechando os olhos. Mas quando os abri, ele havia somente devolvido o objeto à sua bainha e voltado para o seu lado da carroça. Ele tomou um odre nas mãos e o direcionou a mim, porém sem me encarar novamente.
— Beba, faz horas que não come nem bebe. — Tomei o odre em minhas mãos e levei o líquido à boca, percebendo que era leite de cabra. Era a minha bebida preferida, então acabei com quase todo o odre. — Vá com calma, tem mais de onde veio.
— O que você quer de mim? — inquiri, enquanto lhe devolvia o odre.
— Eu já disse que só quero ajudar, estou levando-a ao seu senhor, o Nabal, lembra?
— E o que quer em troca? — questionei, enquanto apoiava-me sobre um cotovelo.
— De você? — ele esticou os lábios finos em um sorriso de esguelha — não confia em ninguém, não é? — encarou-me.
— Não mais. Todo mundo quer alguma vantagem, ninguém faz nada de graça.
— Pois, pode ficar tranquila, não quero nada de você — alegou, enquanto assumia uma posição relaxada, colocando um pé sobre a carroça.
— Então, espera que o senhor Nabal te recompense por capturar-me? Pois pode esquecer, ele não faria isso.
— Sei muito bem como é Nabal. A sua fama de cruel e implacável corre longe. Não estou esperando recompensa — ele suspirou em resignação — O motivo para eu estar te ajudando é apenas um: eu salvei a sua vida, agora sou responsável por você, até que alguém se responsabilize.
— Por quê?
— Porque tenho consciência, e ela me diz para não te deixar sozinha, entendeu agora? — perguntou com leve impaciência.
Depois disso, calei-me, acomodando-me sobre a maciez dos tecidos embaixo de mim, enquanto fitava as estrelas. A minha consciência costumava falar comigo, mas como eu nunca lhe dava ouvidos, passei a não mais ouvi-la. É raro uma pessoa que ainda escuta a própria consciência, num mundo onde todos só escutam o que querem escutar. Depois de alguns instantes, ele continuou:
— Você ia mesmo pular? — essa pergunta atravessou-me como se fosse o punhal dele, e a resposta foi ainda mais dolorosa.
— Sim — respondi quase inaudível.
— Não pensou na criança?
— Como sabe!? — sobressaltei-me.
— Nazira tem um bom olho. Nada se esconde dos olhos de Nazira — sorriu.
— Então agora sabe por que não posso voltar.
— Nabal sabe?
— Não.
— Então por que fugiu?
— Porque não faz diferença. Assim que ele souber, me expulsará de sua casa. E o meu pai não me quis em sua tenda.
— Então decidiu vagar pelo deserto? Que ótima ideia — ironizou.
— Não me julgue, eu não tinha muito o que fazer.
— Seja o que for, qualquer coisa é melhor que pular de um penhasco com uma criança no ventre. Tem ideia de quantas pessoas desejam ter um filho e não conseguem? — calei-me com o impacto de suas palavras. Seu julgamento me fez ter vergonha de mim mesma, e percebi que sua indignação era verídica e pessoal. Ficamos alguns instantes em silêncio, e depois ele continuou.
— E o fanfarrão que colocou a criança em você?
— Isso não é da sua conta.
— É, desde que a tirei da beira de um penhasco. Acho que no mínimo tenho o direito de saber o que te levou até lá — bufou, cruzando os braços.
— Foi um erro — respondi, tentando desviar-me do assunto.
— Estou ouvindo... — olhei-o sem acreditar. "Ah, mas que aborrecido", pensei e respirei fundo. Então, contei-lhe toda a história, com muita vergonha, tentando não me expor intimamente, enquanto ele me fitava com atenção. Ao fim de meu relato, já esperava seu julgamento contendo as palavras duras que já estava acostumada a ouvir, como 'prostituta', 'bastardo', 'vergonha', 'desonra'...
— Espere! — tirou-me de meus pensamentos, enquanto passava a mão pela barba — espere um pouco. Você disse que ficou embriagada, a ponto de não lembrar-se de nada que aconteceu à noite, e acordou com uma terrível dor de cabeça após ter tomado apenas duas taças de vinho?
— Eram copos — corrigi. Ele sorriu, passando os dedos pelos cabelos fartos — Pediu para que eu lhe contasse sobre a minha vida para depois debochar de mim?
— Não estou rindo de você. Estou rindo de incrédulo. Como pode um homem chegar a esse nível de canalhice? Ainda mais um soldado de Israel — olhei para ele confusa. — Será que não entendeu? Ele batizou a sua bebida Yarin, ele premeditou tudo, desde o começo. Ele já planejava te enganar — aquelas palavras me fizeram reviver tudo, e eu tentava conter as lágrimas que insistiam em cair.
— Eu nunca havia bebido, apenas fiquei embriagada — contrapus, com a voz embargada.
— Duas taças de vinho não fariam isso nem em uma criança. No máximo, você se sentiria relaxada, ficaria mais alegre e falaria algumas besteiras. Mas o efeito que você disse ter sentido equivale a uma garrafa inteira de vinho. Esse é o truque mais velho e sujo do mundo, mas aplicá-lo em uma menina, é muita canalhice. Se eu encontro esse calhorda na minha frente, eu... — não deixei ele terminar de falar e desci da carroça em choque, não queria mais ouvir e reviver tudo aquilo. — Espere Yarin, aonde vai? — ele desceu do outro lado e deu a volta para me encarar.
— Eu só... preciso de um pouco de ar — tentei disfarçar as lágrimas.
— Eu sinto muito... eu... não devia ter...
— Tudo bem, está tudo bem — não, não estava.
— Olhe para mim — disse segurando em meus ombros, eu obedeci com o rosto coberto por lágrimas. — Eu vou conversar com Nabal sobre você. Vai dar tudo certo, está bem?
— O que vai dizer ao senhor Nabal? — perguntei enquanto fungava.
— Vou contar-lhe o que ocorreu e que está grávida e vou convencê-lo a aceitar-te em sua casa — disse, olhando-me nos olhos.
— O senhor Nabal não ouve ninguém, por que acha que vai ouvi-lo interceder por uma serva? — sorri com desdém.
— Porque posso ser muito persuasivo quando quero — "Ah, disso eu tenho certeza", pensei — Além do mais, eu sou um negociante e senhores ricos como Nabal, se rendem a qualquer bom negócio. Posso dar a ele algo que ele queira muito, em troca da sua redenção.
— Faria isso? — perguntei enquanto tentava enxugar as lágrimas, ele assentiu que sim.
— Agora vá descansar um pouco, partiremos assim que surgirem os primeiros raios de sol — deu-me a mão para subir de volta na carroça e eu obedeci ao seu gesto, acomodando-me novamente nas pilhas de tecidos ensacados.
— Senhor Ezra!
— Sim? — voltou-se para mim.
— Obrigada — ele acenou com a cabeça e desapareceu nas sombras. Por algum motivo, eu confiava nele — Tomara que eu esteja certa — sussurrei a mim mesma, enquanto passava a mão sobre o ventre — é a nossa única chance.
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