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Capítulo sete

Gael

- Espadas de madeira? É sério?- bufou - não sei se notou, mas eu não sou mais criança!

- Olha...há controvérsias...- zombei, segurando as espadas, que outrora foram usadas na adolescência. Por mim e por Yarin. Ergui uma sobrancelha desafiadora, ao passo que ela virava as costas bufando e fazia seus passos de volta para onde veio. Enfim, eu havia ganhado. Ela estava indo embora, deixando-me sozinho e em paz. "Finalmente desistiu",pensei. No entanto, sem aviso prévio, os meus pés me levaram até alcançá-la e a minha mão livre segurou seu braço, virando-a para mim. Afinal ela estava com a cesta de comidas. Ela fitou de mim para a mão que a segurava e depois novamente me encarou.

- Quer fazer o favor de me soltar?

- Quer aprender, ou não quer? Foi com elas que eu e Yarin aprendemos. - lancei, vendo-a esboçar um sorriso falso.

- É isto, ou você não quer que a 'louca' ponha as mãos na sua princesa novamente?- instigou.

- Isso também- provoquei, tomando de suas mãos a cesta e, voltando para junto da figueira, assentei-me para comer. Não sem que antes ela protestasse enquanto me seguia.

Era a terceira manhã, em que eu vivenciava a mesma situação inusitada. Eva ali, onde eu passava o meu tempo sempre sozinho, ouvindo apenas os balidos das ovelhas e o farfalhar das folhas da figueira que me fazia sombra. Agora, ela quebrava a solidão com seu jeito engraçado e atrevido, e eu estava começando a gostar.

Lembrei-me de quando tentava dormir na minha tenda à noite, ao passo que buscava desvencilhar-me dos pensamentos. Os acontecimentos do dia anterior, aturdiam a minha cabeça em demasia. Eva tentando golpear a árvore com tanta força que caiu para trás, a tempo de eu segurá-la, o rosto assustado ao me encarar naquela situação, seu titubear engraçado, provando estar nervosa com a minha aproximação, seu olhar doce, seus lábios rosados...

"Arg, estou sozinho por tempo demais, preciso mesmo me casar" constatei em pensamento, achando-me ridículo. Eu revirava de um lado à outro no colchão de palha, espalmando-o enquanto intentava acomodar-me, como se fosse dele a culpa por eu não conseguir relaxar naquela noite. Não demorou três ou quatro horas, para que eu já me levantasse com a ideia das espadas de madeira.

Eu comia um bolo de trigo, enquanto a via brincar com Alfa, beta, ou sei lá quem. Peguei-me sorrindo algumas vezes, e em outras nossos olhos se encontraram, fazendo-me disfarçar o sorriso e os olhares de imediato.

Alguns instantes depois, estávamos novamente de frente um para o outro, cada qual com suas espadas de madeira.

- Ataque-me!- ordenei a ela, percebendo-a erguer as sobrancelhas em incredulidade.

- O quê?

- O que você ouviu. Tente me atacar - reiterei, chamando-a com os dedos.

- É esta a sua técnica?- içou as sobrancelhas, num leve tom de zombaria.

- Esqueça a técnica, precisa trabalhar os instintos.- argui. Ela deu de ombros e começou a movimentar a espada em gestos fugazes, tentando atacar-me, ao passo que eu me esquivava. A espada, bem mais leve que a de metal, proporcionara a ela mais leveza e liberdade nos movimentos.

- Eu não entendo!- parou ofegante, depois de alguns instantes. O peito subindo e descendo e as maçãs do rosto vermelhas em exaustão- o que realmente estou aprendendo com isto?

- Você está aprendendo...- hesitei, pois eu também arfava pelos movimentos rápidos que acabara de executar e sentia as faces queimando - o que deve fazer quando alguém te atacar, certo? O velho observe e aprenda.

- Então você me ataca desta vez!- Atalhou.

- Tudo bem - anuí, me colocando em posição de combate concomitante a ela. No entanto foi fácil para mim atingi-la com a espada.

- morta... morta... morta...- proferi, em todas as vezes que a madeira alcançara alguma parte de seu corpo. Ela tentava se desvencilhar a todo o custo. Sem sucesso. Na última, eu a agarrei pelo braço, virando-a de costas contra o meu corpo, pousando em seguida a madeira em seu pescoço.- Morta- sussurrei em seu ouvido, num sorriso zombeteiro, vendo a esquivar-se com as mãos nos ouvidos em seguida.

- Ai, que exibido, hein! Ao invés de me ensinar, fica zombando de mim!

- Absolutamente! Jamais quis me exibir ou zombar de você- fingi ultraje, mordendo o lábio inferior para conter o riso.

- Arg!- cruzou os braços, deixando a espada cair no chão, enquanto olhava tudo ao redor com uma expressão nada amistosa- eu vou embora, já chega por hoje.

- Espere!- Atalhei, com uma palma aberta em sua direção, enquanto aproximava-me dela- fique parada.

- O que foi?- indagou preocupada, perscrutando minhas expressões.

- Não é nada, só... fique parada- reiteirei, à um palmo de distância, levando a mão esquerda ao cabelo dela.

- O que está fazendo!?- tentou se desvencilhar.

- Tem uma... coisa no seu cabelo, deixe-me tirar!- Ela me encarou com os olhos arregalados, enquanto eu colocava os dedos em seus cabelos.

- Ai, o que é Gael?! É um bicho!?- inquiriu exasperada. A boca torta em uma expressão de medo, enquanto eu vasculhava os fios escuros.

- Ah, aqui!- retirei o pequeno inseto dos cabelos dela, pelas pequenas asas. Ela fitou-o quase vesga, soltando um grito exasperado em seguida, enquanto corria para longe.

- Espere Eva, é só um bichinho, que isso!- corri atrás, achando graça de sua reação aterradora.

- Tire essa abelha de perto de mim!- berrou, já descendo colina abaixo, no entanto ela olhou para trás fitando os pés da figueira e eu percebi que havia esquecido o cesto.

- Não está esquecendo alguma coisa?- sorri, com o polegar e o indicador ainda segurando as pequenas asas do bichinho. Ela começou a subir novamente, olhando da cesta para mim.

- Por Moisés e todos os seus profetas, Gael! por favor, solte esse bicho!

- Eu só quero lhe mostrar que não é nada demais, Eva...

- Não se atreva, Gael!- Atalhou, subindo ao mesmo tempo que se afastava de mim. Eu estava em um lado do tronco da figueira, enquanto ela parecia se aproximar do outro. O que me fez dar meia volta para tentar alcançá-la, ao passo que ela se desvencilhava para o outro.

- Ah, que isso Eva, está com medo de um bichinho minúsculo, como este!? Inacreditável...- provoquei, num sorriso de esguelha. Sabendo que ela se esquivaria, permaneci imóvel, enquanto a observava de soslaio tomar nas mãos a alça da cesta. Em um movimento fugaz, agarrei o braço dela ao som de seus gritos de desespero.

- Não Gael!!! Solte-me!!!- gritou, apavorada, enquanto socava o meu peito.

- Ei, ei, ei, ei, ei!- tentei chamar-lhe a atenção- não tem nada aqui, olhe!- Eva abriu um olho hesitante, enquanto eu lhe mostrava a palma da mão aberta. Ela procurou a outra mão, que por acaso estava apoiada no tronco da árvore atrás de suas costas e depois olhou para mim com uma expressão enfurecida.

- Não teve graça, Gael! - tentou sair pelo outro lado, mas eu brequei sua passagem, pousando também a outra mão ao lado de Eva, com a palma sobre o tronco da figueira.

- Eu não fiz isso para zombar de você, eu só estava querendo mostrar que não era uma abelha. Não tinha ferrão.- argui, gentilmente. Observando Eva mais de perto, percebi que ela estava respirando com dificuldade, enquanto massageava o tórax com uma das mãos, sem me encarar - como pode entrar em pânico, por causa de um simples inseto, Eva? Como quer enfrentar filisteus, se não consegue enfrentar nem mesmo uma mosca, hm? - questionei ela, que agora olhava nos meus olhos. O ar entrecortado passando pelos lábios entreabertos, o que me fez pousar o olhar sobre eles. Foi nesse exato momento que percebi nossa aproximação descabida. Ela estava ali, presa entre os meus braços, tão perto quanto nunca estive de uma mulher. A Eva destemida, que jurou vingança contra os filisteus, agora parecia frágil e indefesa, o que me fez sentir que precisava protegê-la. Do quê eu não sabia. Eu ouvia o som do meu próprio coração retumbar no peito, ao passo que instintivamente aproximava o meu rosto do dela, sentindo a respiração quente bater contra o meu. Eu não tinha a menor ideia do que estava fazendo e ela, por sua vez, não movia um músculo sequer, parecia esperar por aquele gesto. Foi quando a vi fechar os olhos... e desmaiar em meus braços.

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