Capítulo cinco
Gael
Os dias se tornaram cada vez mais difíceis para mim depois daquela conversa com Nabal. Eu vivia em um constante conflito interno e a minha vontade era abandonar tudo e ir embora. Em contrapartida eu temia. Não só por mim, mas pelas pessoas que eu me importava, mais precisamente pelas três irmãs, tão órfãs quanto eu. Talvez por isso eu me sentisse tão ligado à elas. Ninguém sabia do que Nabal seria capaz dentro e fora de sua casa e isso estava roubando o meu sono. O que me deixara ainda mais irritado.
O tronco da figueira à minha frente já estava despedaçado pelos golpes de espada desferidos a ela. Eu precisava canalizar a minha raiva e estava usando um tronco de árvore. Talvez imaginando Nabal em seu lugar. 'Pobre figueira', pensei, dando um ou dois passos para trás, enquanto pousava a lâmina da espada no ombro e enxugava o suor com o dorso da mão enfaixada em trapos. Precisei estreitar os olhos e por uma mão sobre eles para tapar o sol, quando vi a figura feminina se aproximar do local onde eu estava, enquanto cumprimentava debilmente as minhas ovelhas.
- Ainda não acredito que ela nomeou as minhas ovelhas- bufei incrédulo- que ridículo.
Pousei uma mão na cintura e o peso do corpo em uma perna, enquanto a esperava chegar saltitante, com aquele ar extrovertido que, naquele momento, me irritava. Percebi que ela estava segurando uma pequena cesta de alimentos, quando parou bem na minha frente exibindo a fileira de dentes brancos.
-Não- atalhei, meneando a cabeça para reiterar a negativa. Observei seus ombros caírem e o sorriso, antes largo, agora tornara-se uma boca torta com dentes trincados.
- Ai você é muito ranzinza!- revirou os olhos, enquanto eu voltava a golpear o tronco da árvore.
- E você muito insistente, irritante e...
- E obstinada?- interrompeu-me, erguendo uma sombrancelha.
- Exato!- deixei cair a espada ao lado do corpo- obstinada. Como adivinhou? - era uma pergunta retórica, repleta de sarcasmo.
- Bom... já que você não vai querer os bolinhos de trigo e as tâmaras frescas, eu vou embora- deu de ombros.
- Espere!- protestei, aproximando-me dela. Ergui a mão para tomar a cesta de suas mãos, mas rapidamente ela esgueirou a cesta para atrás de suas costas, me olhando com ar de desafio. Levei a mão para atrás dela, a fim de pegar a cesta, mas ela a desviou para o lado e depois para o outro quando tentei novamente.
- Arg!- passei a mão pela barba por fazer, enquanto cerrava os olhos com força, tentando manter o controle diante daquele jogo- isso é uma ideia ridícula, Eva! Eu não vou lhe ensinar a espada!- tentei articular, fitando-a novamente - Você ainda é uma menina, pior que isso, é dama de companhia de Abigail, se ela descobre...
- Gael, ninguém precisa saber!- ela mudou as feições e agora os olhos escuros, outrora sorridentes e desafiadores, tomavam um tom enegrecido, não só pela cor, mas pelos sentimentos conflitantes - eu vou me vingar daqueles malditos Filisteus! Quer me ajude quer não. Porém, se não me ajudar, será mais difícil para mim.
- Ótimo. Então comece agora, tomando o caminho mais difícil - escarneci- e volte para as suas prendas.
- Arg! Você já está até falando como Nabal!
- É a convivência, o que eu posso fazer - dei de ombros. Ao vê-la distraída observando minhas ovelhas, tomei, num gesto fugaz, a cesta de suas mãos, afastando-me em seguida.
- Ei!- gritou, seguindo-me- não pode fazer isso! Esta é a minha moeda de troca!- retirei um dos bolinhos da cesta, dando uma generosa mordida enquanto me assentava debaixo da figueira, recostando-me no tronco.
- Hmmm- murmurei- isto é muito bom.
- Vai ter que pagar pelo bolinho!- agachou-se à minha frente, enquanto puxava a alça da cesta de minha mão, a qual eu não soltei, formando um verdadeiro cabo de guerra entre nós dois.
- Cinco minutos do meu tempo- lancei, tentando barganhar a cesta.
- Vinte!- contrapôs.
- Dez e não se fala mais nisso!
- Feito!- sorriu, soltando a alça da cesta, enquanto comemorava com as mãos em punho próximas ao rosto.
- Que Yaweh me defenda!- meneei a cabeça em negativa.
Comi algumas frutas do cesto e em seguida tomei um gole d'água do meu odre, voltando os olhos para Eva que brincava com uma ovelha no colo.
- Já disse que elas não são animais de estimação. Pode ser que esta que está em seu colo, esteja em seu prato hoje mesmo - provoquei. Ela me voltou os olhos faiscantes, enquanto entortava os lábios em desgosto.
- Arg, pare de dizer essas coisas! Parei de comer carne por sua causa! inacreditável...- ralhou, deixando a ovelha seguir seu rumo, enquanto se levantava.
- Como estão suas irmãs?
- Como está Laís, você quer dizer, certo?- instigou Eva, esperta demais para deixar algo escapar - quer saber como ela está ou se ainda está solteira?- zombou, com as mãos na cintura.
- Ah esquece...- revirei os olhos, levantando-me em seguida.
- Minha irmãzinha está muito bem obrigada - de repente os olhos que pousavam nas unhas se acenderam, num brilho que me fez arrepiar a espinha e eu sabia que Eva tivera, novamente, uma de suas ideias geniais- quem sabe, talvez, eu faça a Mente de minha irmã ao seu favor?
- E em troca...?-cruzei os braços recostando um pé no tronco atrás de mim.
- Você sabe...- respondeu com um ar presunçoso. Puxei e soltei o ar demoradamente,enquanto ponderava as ideias.
- Isso e uma cesta recheada. Todos os dias.- propus, enfim. Ela se aproximou e me estendeu a mão.
- Então temos um acordo?- indagou em um sorriso largo, ao passo que eu envolvia a pequena mão na minha.
- Eu não acredito que estou fazendo isso- balancei a cabeça de um lado para o outro, enquanto desfazia o nosso contato- pegue a espada do chão, vamos começar.
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