
Capítulo 5 - Uma Dor Dilacerante
Eu me distraí servindo a mesa do jantar, pois se eu ia ficar hospedada ali, faria alguma coisa. Eu não era aquelas menininhas que se abancam para o homem dar mordomia, não! Eu sabia me virar e muito bem!
Eu não sei quanto tempo fiquei imersa no meu ritual de pensar nos próximos passos a serem dados, enquanto automaticamente fazia o meu dever. Eu só sei que quando voltei meu olhar para Luca, ele estava chorando, um pranto silencioso e dilacerante.
Naquele instante tive a plena certeza, de que ele não estava fingindo e nem armando, mas sim, sofrendo profundamente, em uma luta interna.
Eu me aproximei e coloquei a minha mão sobre seu ombro e ele voltou seus olhos de âmbar para mim, que por causa das lágrimas, ganhavam uma tonalidade mais clara.
— Não vai me dizer que está chorando por que gosta daquela mal educada! — eu disse em tom de brincadeira, tentando descontrair.
Contudo, Luca nem se moveu e sua expressão não se alterou nem para zombaria e nem mesmo para o ódio. Então eu vi que o caso era sério.
— Eu não gosto dela, eu a odeio! — ele disse com ferocidade, seus olhos brilharam em um tom negativo. — Eu só não consigo entender como ela teve coragem de aparecer aqui. Eu tive que ter muito autocontrole, para não esganar ela. E só não fiz isso, porque você estava aqui!
— Quanta gentileza! — eu disse, em tom de ironia. — Se não o fez só por causa da minha presença, perdeu a sua chance. Eu estou acostumada com coisa muito pior!
— Eu só não sei se você está acostumada com as coisas que aquela mulher fez — ele disse, com ódio e tristeza. — Eu sei que eu não estou e nunca vou estar!
Automaticamente Luca voltou a chorar, mas agora um choro ruidoso, aberto e cheio de dor. Seu sofrimento estava nu ali na minha frente. Só me restava saber o que havia acontecido.
— O que aquela vadia fez?
Luca desabou na cadeira da cozinha e colocou o rosto entre as mãos. Eu tinha um pouco de dificuldade em consolar as pessoas. As vezes eu me achava sem jeito, seca demais para lidar com os dilemas humanos. Mas no fundo, meu coração sangrava ao menor sinal de injustiça ou crueldade.
Eu simplesmente puxei uma cadeira e me sentei na sua frente. Àquela altura o jantar esfriava, mas não importava, pois o apetite tinha ido embora.
Quando o meu anfitrião ergueu seu olhar para o meu, notei uma pontada de culpa e outra maior de tristeza. Eu era muito boa em decifrar as pessoas. Eu havia estudado aquela habilidade por dezoito anos, na escola da vida. Era assim que eu havia sobrevivido à minha sina.
A voz de Luca saiu como um fiapo e naquele instante, ele parecia apenas aqueles bonecos programados para repetir frases, sem vida:
— Eu e Dimitria começamos a namorar no último ano do colegial e nos dávamos muito bem, levando uma vida jovem e leve — ele disse e parecia engasgado, com dificuldade de se abrir. — Porém, quando eu já estava na faculdade, ela ficou grávida e me avisou que desejava abortar. Eu sei que ela tinha direito total para tomar essa decisão, mas fiquei desesperado e implorei para que ela deixasse o bebê viver. Eu disse que cuidaria da criança sozinho e que ela não precisava se preocupar com isso. E depois de alguns dias, ela aceitou e resolveu ficar.
"Ela veio morar aqui em casa e depois que Anastasia nasceu, tudo parecia incomodar ela: o aspecto de seu corpo, o choro do bebê, o cheiro de leite e tudo mais que a maternidade envolvia. Dimitria queria abrir mão da bebê, mas não queria abrir mão de mim. Porém, eu amava minha filha e propus então, que contratássemos uma babá para cuidar de Anastasia, enquanto eu estivesse fora de casa. Dimitria aceitou, mas a criança muitas vezes, queria ficar com ela e não com a babá. Isso a irritava e a deixava insuportável. Eu cheguei a sugerir que ela partisse diversas vezes, mas o que ela não queria, era simplesmente, que eu amasse mais Anastasia do que a ela. Então um dia cheguei em casa, cansado do trabalho e dos estudos, e descobri que Anastasia havia passado mal e sem explicações, havia morrido. Dimitria falou aquilo com tanta naturalidade, que me assustou. Mas eu fiquei cego pela dor do momento. Eu só sabia chorar e sentir, por não poder segurar mais aquela pequena garotinha, que era tão amada por mim. Porém, quando cheguei ao hospital para entender o que havia acontecido, veio a bomba: Anastasia havia sido envenenada. Depois disso, tudo correu muito rápido e a babá acabou por ser condenada, pois ela era a responsável por alimentar Anastasia..."
Luca finalizou sua narração com um quê, de que a pior parte, ainda não havia sido anunciada. No entanto, eu não sabia se suportava mais. Meus pêlos estavam arrepiados. Eu tinha estômago para lidar com a máfia, mas para lidar com a morte cruel de um bebê, eu não tinha. E era por isso, que eu estava decidida a lutar cada dia da minha vida, se fosse necessário.
— Por que eu estou com a sensação de que essa história ainda vai virar para o gênero de terror, daqueles mais negros que existem? — perguntei, com a voz embargada.
— Porque o principal detalhe é o que torna tudo pior e eu também sou culpado nessa história!
Ele fechou os olhos e antes que eu pudesse o repreender e questionar no que ele se culpava, Luca voltou à sua narrativa:
— Com o passar dos dias percebi que Dimitria se comportava de maneira estranha — ele disse, sem levantar os olhos, sem me encarar. — Ela agia com naturalidade e as vezes eu a via falar sozinha pelos cantos, dizendo que quem ela odiava, havia partido. A partir deste instante, eu fiquei mais alerta e as vezes, a vigiava na surdina. Então um dia a vi tirar um pequeno frasco e guardar no fundo do armário da dispensa.
"Quando ela não estava olhando, fui até lá e me assustei ao perceber que se tratava de cianureto de potássio. Naquele instante tive a certeza que havia sido ela quem havia envenenado Anastasia. Porém, com o passar das horas, eu me perguntei se tudo aquilo não era fruto da minha imaginação. As vezes eu queria pensar apenas, que ela havia achado o frasco usado pela babá, mas se era isso, por que ela agia tão alegremente? Por que ela não entregava aquela prova para a polícia? Irado e cheio de confusões na minha cabeça, acabei bebendo bastante vodca e batendo de frente com ela. Dimitria negou, mas no dia seguinte, desapareceu. Procurei por ela, mas ela havia ido embora da Romênia. Ela havia evaporado no mapa."
Naquele instante o meu sangue estava fervendo. Eu levantei da cadeira e comecei a girar pela sala, feito um peru atordoado. Eu estava com ódio e não sabia se o sentia mais pela assassina, que havia matado a própria filha a sangue frio, e ainda tinha coragem de retornar, ou se pelo covarde que estava na minha frente, que havia permitido que ela continuasse vivendo livremente.
Naquele instante ignorei tudo que era correto e puxei Luca pelo colarinho da camisa, para que levantasse o olhar, em seguida, ignorei seus olhos taciturnos e lhe meti uma bofetada na face.
Ele não respondeu, não se manifestou e nem vociferou. Luca mesmo sabia da sua culpa covarde.
Mas aquilo não podia ficar assim.
— Por que lutou para que Anastasia não fosse abortada e deixou sua assassina viver assim tão livremente? — eu silvei, como um animal selvagem.
Eu mesma estava enfrentando toda uma máfia sem medo, visando apenas a segurança de uma única pessoa e via aquele homem, se acovardar e não fazer justiça por sua própria filha.
— Eu acho que enlouqueci, eu já não tinha certeza se tudo aquilo era real — ele disse, voltando a chorar. — Quando melhorei e tive a certeza de que eu não estava em um pesadelo, já era tarde, já haviam se passado muitos anos. E quando Sofia morreu, eu me prometi não fazer o mesmo com ela.
— Onde Sofia estava quando isso aconteceu? — eu questionei.
— Ela estudava em um colégio interno em Sibiu — ele disse. — Ela nunca soube da verdade. Eu não tive coragem de dizer.
— Está explicado, pois ela eu tenho certeza que não entraria para a toca feito um ratinho com medo! — eu disse, olhando dentro de seus olhos e o desafiando a me responder. — Quanto tempo faz que isso aconteceu? E, afinal, quantos anos você tem?
— Eu tenho vinte e quatro anos e Anastasia morreu há quatro anos — ele disse, com a voz lânguida. — E é verdade o que você disse: a Sofia era muito melhor que eu!
Eu não queria saber das lamúrias de Luca, queria era que ele fosse forte e fizesse justiça pela pequena Anastasia.
— Você ainda tem o frasco? — eu perguntei, decidida a dar uma reviravolta no caso.
— Está no mesmo lugar — ele disse. — Por quê?
— Porque você vai levantar esse seu traseiro covarde agora mesmo daí e vai levar ele até a polícia! — eu ditei, sem chance de renúncia. — Sua consciência não pesa? Além de termos uma assassina vivendo livremente por aí, temos também uma mulher que foi presa inocentemente! Então, seu canalha, levante daí e vamos agora à polícia!
— Você tem razão! — Luca disse. — Como eu pude deixar tudo isso acontecer? Como eu pude ficar fora do ar por tantos anos? — Ele chorava e eu pude sentir que se amaldiçoava naquele instante.
— Você infernizou a minha vida pelo fato de desconfiar que eu poderia ter algo a ver com a morte da sua irmã, mas não faz nada sabendo e conhecendo bem quem matou sua filha? — eu silvei e se Luca se aproximasse de mim, eu seria capaz de bater nele. — Peça ajuda ao seu amigo policial e faça o que um homem valoroso faria!
Toda empatia havia ido embora e se ele não fizesse alguma coisa logo, eu iria embora daquela casa, nem que eu tivesse que dormir e congelar na praça.
Luca se levantou e com a cabeça baixa, voltou com o frasco nas mãos, que depois de anos, estava empoeirado. Dimitria havia voltado e creio que se ficasse solta, iria aprontar algo contra a vida de Luca.
Não que eu me importasse com ele, pois o rapaz estava merecendo, mas vendo os esforços que tantas mães em tempos de guerra tinham feito, somente para manter seus filhos vivos, eu queria ver aquela mulher mofar na cadeia.
Acompanhei Luca até a policia e depois de horas de interrogatório, o caso foi reaberto e Alexandra Nescu, que havia sido a babá da criança, finalmente poderia responder em liberdade, depois de ter vivido quatro anos presa inocentemente.
Uma matéria foi divulgada nos jornais da cidade, do país e também nos da Europa.
E vendo tudo aquilo, percebi que era louca o bastante para me meter em mais um vespeiro: estava decidida a defender o bem estar daquela babá.
Quando estávamos voltando para a casa dos Hagi, lancei o ultimato:
— Não sei como, mas você vai transformar a vida daquela mulher em algo digno! — eu disse. — Não é fácil ser ex-presidiário. Não sei no que você trabalha, mas comece arrumando um emprego para ela e também dando asilo para Alexandra!
Luca ficou calado e eu acreditei que ele faria exatamente o que eu estava pedindo. Dava para sentir o cheiro da sua dor e da sua culpa. Resolvi parar de julgá-lo, pois não sabia pelo que ele havia passado.
— Eu te juro que não sou um monstro! — ele disse, caminhando cabisbaixo. — Eu me afoguei na tristeza depois que ela se foi. Somente quando Sofia voltou para casa, pude reviver. Minha irmã me encontrou em um estado deplorável e cuidou de mim, mas mesmo assim, não fui legal com a Sofia. Eu perdi pessoas demais, Isabella. A gente não pensa mais direito quando chega a esse ponto, somente age na defensiva.
Eu era mais forte que ele. Eu também havia enfrentado o inferno e estava de pé. Mas eu sempre soube que cada um tem seu próprio jeito de enfrentar os demônios da vida. Quando chegamos em casa, Luca guardou o jantar na geladeira, do qual nem havíamos tocado e nem tínhamos estômago para comer.
As amostras do frasco iam ser examinadas e fariam a exumação do pequeno corpo, para saber se os materiais batiam. Iriam também coletar as digitais no frasco para ver se encontravam vestígios de Dimitria e de Alexandra nele. Quanto a isso, eu estava tranquila, eu só torcia para que a astuta assassina, não conseguisse fugir de novo.
Fiz uma pequena prece, decidida a voltar a me concentrar somente em mim. Eu tinha questões demais para tratar. Luca era adulto e teria que dar conta do recado. Eu não queria ficar ali tempo demais. A máfia era esperta e poderia me encontrar logo.
Porém, antes de dormir, uma pergunta martelou a minha mente e resolvi fazê-la. Talvez por aquilo se aproximar com alguns aspectos da minha vida.
— Por que quis tanto que ela não abortasse? — eu perguntei. — Vocês eram jovens demais. Por que querer ser pai aos vinte anos?
A resposta que ele poderia me dar, também poderia mudar a minha visão sobre aquele rapaz. Eu tinha certeza que Luca não era guiado por nenhuma regra religiosa. Eu queria saber se aquele era um princípio dele, ou uma obrigação perante a sociedade.
— Eu vivi a vida toda escutando a minha mãe me dizer que queria ter me abortado, e que teria sido melhor — ele disse com um ar triste e melancólico. — Mas apesar de não ter sido amado, eu sempre amei estar vivo. Eu sempre refletia e pensava que talvez, se ela tivesse feito o que queria, eu nunca teria visto a luz do sol ou tomaria sorvete, e que eu nunca conheceria as coisas maravilhosas e simples da vida. E então eu decidi, que por mais difícil que fosse, eu nunca escolheria tirar a vida de uma criança. Posso ter sido egoísta, mas pensei somente nos aspectos positivos da vida, que para mim, sempre superarão qualquer batalha que eu possa passar!
Naquele instante me vi com lágrimas nos olhos, pois nunca tinha pensado naquele ponto de vista, mas que para mim, fazia sentido. Antes que eu pudesse ir mais fundo, ele completou:
— Eu não sinto ódio da minha mãe — ele resolveu dizer. — Eu nunca entendi o ponto de vista dela, mas sabia que minha mãe vivia presa em uma sala fria e escura, dentro de sua própria cabeça. Eu só queria descobrir o que ela passou, para ter tentado ajudá-la, para que minha mãe não tivesse tirado a própria vida!
Naquele instante eu percebi que Luca não era fraco, ele só estava cansado de sofrer.
— Quantos anos você tinha quando ela morreu? — eu perguntei e juntos, nós nos sentamos no sofá, ignorando a madrugada.
─ Doze e fiquei imbuído de cuidar de Sofia — ele disse. — Meu pai havia morrido um ano antes, em um acidente de avião. Acho que ele era o único que conseguia domar os monstros que atormentavam minha mãe. Ela não aguentou a partida do meu pai, pois ele era marido, psicólogo e ao mesmo tempo pai dela.
— Também perdi meus pais, mas em vida mesmo — eu disse, vendo que não sentia falta deles, pois nunca os havia tido de verdade. Contudo, tinha muita tristeza pela vida que levaram. — Meus pais eram viciados em drogas e fui morar com meu tio, quando foram presos por se meterem em uma confusão. Nunca mais os vi. Quando saíram da prisão, tinham vergonha de procurar a família. Por isso eu lhe disse que a vida de ex-presidiários não são fáceis.
— Eu farei o que deve ser feito por Alexandra, afinal a culpa de ela estar nessa situação é minha! — ele disse e eu me levantei, decidida a ir dormir, pois meus olhos estavam bambos de sono.
— Boa noite! — eu disse.
— Boa noite!
Subi as escadas, decidida a descobrir o que havia causado tamanha tristeza na mãe de Luca. Eu sabia que não podia me distrair da máfia e nem de meus dilemas pessoais, mas eu iria pesquisar ali mesmo naquela casa, que parecia guardar segredos, antes que eu tivesse que seguir viagem com a senhora Mapple e quem sabe, depois decidisse ir para outro lugar.
Não era à toa que eu tinha apelido de pequena espiã na infância. Para mim era fácil e prazeroso investigar e eu também tinha facilidade de ter que ir aonde fosse, para me certificar de que tudo daria certo.
Adormeci e sonhei com o rosto de um bebê. Tudo seria feito para que as coisas ficassem da melhor forma. Era isso que ela merecia.
Boa tarde!!!
E aí o que acham que está por vir?? O que eu digo é que ainda virão muitos mistérios e emoções!!
Beijos da Thay
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