Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo XII - Ocupações de primavera na Aldeia

Tudo estava tranquilo na semana seguinte, a neve já derretia e os primeiros sinais da primavera já podiam ser notados. No pico de uma montanha brotara um pequeno pé de rosa, que se enroscara numa pedra grande à medida que ia crescendo. Os primeiros raios de sol sempre iluminavam aquela planta que estava banhada pelo orvalho matinal, fazendo com que as gotas refletissem um azul anil na grama verdejante.

A primavera geralmente inspirava as pessoas, porém, para Kyrah não havia época do ano mais irritante. Ela preferira sempre o outono, pois era um bom tempo para as batalhas; na primavera era época de plantar, e não havia tarefa mais entediante (além de tecer) do que plantar trigo.

As filhas do chefe não eram tão cobradas nesta tarefa, porém, tinham que ficar na aldeia vazia, pois todos os outros aldeões iam para o campo, até mesmo os bardos. Numa manhã, lá estavam as três, olhando para o nada, na varanda. Até Una estava aborrecida. Era um dia cheio de calor e elas se abanavam com o leque. Mais meia hora de tédio e Berna pulou a mureta.

— Aonde você vai? — perguntou Una, modorrenta.

— Entre plantar e ficar aqui apodrecendo eu prefiro a enxada. Quem sabe eles nos dão sementes para jogar nos buracos; é mais fácil.

Quando Berna se retirou, Kyrah olhou para Una pensativamente e se levantou, ao que Una exclamou:

— Você também vai me deixar aqui sozinha, prefere sementes a mim? — num drama típico de gato abandonado.

— Eu não vou plantar, vou para a cachoeira, já que não tem ninguém lá... — pensou um pouco e exclamou, mais para si — Provavelmente, espero eu... — ela tinha alguma coisa em mente, e corou. — Hoje está muito quente! — disse, se abanando. Entrou dentro de casa e logo saiu em direção à floresta, com seu arco e flechas.

Raios de sol faiscavam nos borbulhos das cascatas. Kyrah, com um sorriso de satisfação, foi se aproximando pela margem do rio, os olhos fitos na cachoeira. Não olhava pra baixo, por isso não viu o "pequeno" obstáculo debruçado no riacho. Tropeçou nele e foi cair uns metros adiante.

— Quem foi o maldito... — rugiu Beowulf, levantando, a barba pingando água. — Ah, princesa... Não a vi chegar — ele mudou o tom.

— Me admiro eu não ver uma pedra desse tamanho — retrucou ela, repentinamente bem-humorada, levantando-se com cuidado.

— Você tá legal? — perguntou o Urso, correndo a auxiliá-la.

— Sim; não me machuco à toa. Só me dói um pouco o braço — respondeu Kyrah, tocando o antebraço esquerdo e fazendo uma careta de dor.

— Já passa, você vai ver — ele tocou o braço dela, massageando-o com delicadeza surpreendente para tamanho... tamanho! Enquanto isso puxou assunto — O que está fazendo aqui, Kyrah?

— A aldeia estava uma droga — retrucou ela. — E você? Devia estar plantando.

— Meu sonho! — ele riu, debochado. — Eu arranco cabeças, não ervinhas.

— É bem melhor — ela riu também. — E está melhor — completou, tendo alguma dificuldade em libertar o braço das mãos dele. — Obrigada.

— Foi um prazer. O que vai ficar fazendo na temporada de plantio?

— Fugindo do trabalho — respondeu Kyrah, jogando-se no chão com uma risada.

Mas nem todos eram assim. Com efeito, quase toda a aldeia estava na lavoura. Berna, chegando lá, procurou por alguém que conhecesse. Perto das sementes, encontrou Gabrielle. Era uma franca, sequestrada por um dos guerreiros naquela guerra em que Tristan quase perdeu a cabeça (literalmente). Já tinha se adaptado à aldeia (adaptava-se a muitas coisas) e pegara amizade com as filhas do chefe. Na verdade fora fácil se adaptar, porque ela se apaixonou por seu raptor, um rapaz loiro de olhos azuis de apelido "o Tímido".

Gabrielle era bonita e expansiva. Tinha os cabelos castanhos, lisos e longos, olhos castanhos meio esverdeados, era alta, esbelta e tinha um belo sorriso. Parecia sempre feliz, e por isso Berna a apelidara de Jolie, que significa bela e lembra joie, alegria, na língua franca.

— Olá, Jolie — disse a filha do chefe, parando na frente da amiga. — Você tem um desses saquinhos de sementes para mim?

— Oi, Berna! — exclamou Gabrielle, com um grande sorriso. — Os saquinhos estão ali mais para a esquerda — respondeu.

Berna pegou dois deles, com sementes de trigo e postou-se ao lado de Jolie. As duas caminhavam lado a lado, jogando os grãos nos buracos que outras mulheres tinham cavado na terra arada e revolvida pelos homens, e que outras mulheres iam tapar.

— Como está a vida com Olaf? — perguntou Berna, puxando assunto. O Tímido chamava-se Olaf Einsifer. Gabrielle suspirou.

— Podia estar melhor — deixava entrever um tom de tristeza, ao responder. — Ele anda meio frio comigo.

— Isso é o comportamento normal dos homens dessa aldeia — tranquilizou Berna.

— Só que ele não era assim antes — respondeu Gabrielle, nervosa. — Era mais amoroso.

— Ele volta ao normal — Berna disse, um pouco dúbia também, agora.

— Talvez seja porque ele está sendo muito cobrado — Gabrielle refletiu. — Ele vai assumir a liderança do clã quando o pai dele morrer. E não parece agradar ao clã a ideia de ele ter uma mulher franca, entende...

Berna conhecia sua aldeia o suficiente para saber que realmente não agradava.

— Bem... Você pode provar que vale a pena, Jolie.

Conversar sobre amores, para Berna, era jogar conversa fora. Altamente apropriado para o momento, então. E jogar conversa fora era também o que estava acontecendo entre Kyrah e Beowulf.

Depois do Urso e Kyrah falarem sobre quase todos os assuntos existentes (guerras, batalhas, espadas, machados, e coisas semelhantes), um silêncio constrangedor caiu sobre eles, rompido somente pelo barulho da cachoeira. Caiu principalmente sobre Kyrah, que olhava pensativamente para a água corrente enquanto seu "amigo" olhava só para ela.

— Você não veio para mergulhar? — perguntou ele, como que casualmente; porém, dava para perceber a ansiedade em sua voz.

— A água deve estar gelada — começou Kyrah

— Não está não, eu já experimentei, e aliás, está muito calor.

— Se você está com calor então entra e para de reclamar — ela cortou, rapidamente.

— Então tá! — disse ele. Levantou-se e foi em direção à cachoeira; de repente deu meia volta em direção à moça, pegou-a no colo — não sem claras advertências da parte dela de que arrancaria o seu pescoço — e, sem se importar com seus protestos, jogou-a no lago da cachoeira e pulou ao lado.

Kyrah ergueu-se cuspindo água.

— Seu nojento — gritou, batendo na água e fazendo respingar um monte na cara dele. — Eu te mato!

— Vai ter que me pegar primeiro — disse ele, com ar travesso, fugindo dela num nado rápido.

Enquanto as duas crianças ficavam ali brincando, os adultos da aldeia terminavam um dia de trabalho, porque o sol já estava se pondo. Berna ainda conversava com Gabrielle, e Brunhild juntara-se a elas, quando retornavam para a aldeia. O assunto mudara. Levemente.  

— Como está o casamento com Gorki? — perguntou Berna a Brunhild.

— Ah, eu estou preocupada. Ele não me vê faz três dias — disse a loira, aflita. — Será que ele não gosta mais de mim? O que vocês acham?

— Brunni, ele está em treinamento. Está incomunicável na floresta, não pode vir te ver — retrucou Berna, um pouco impaciente.

— Antes ele sempre mandava uma tábua entalhada, todo dia — reclamou ela.

— Vai ver não está conseguindo arrumar mensageiro — consolou Jolie.

— É bem provável — reiterou Berna.

— E você, Berna? Quando é que casa? — perguntou Gabrielle.

— Dependendo do meu pai, logo; dependendo de mim, vai demorar muito, isso se acontecer — respondeu ela.

— Mas não tem nenhum pretendente? — tornou Jolie.

— O tio quer que ela case com o namoradinho da Kyrah — meteu-se Brunhild, que como já foi dito, era prima das filhas do chefe.

— Namoradinho é apelido! — Berna riu, esticando os braços dos lados do corpo, para imitar uma pessoa de grandes dimensões. Elas riram.

— Quem é esse? — perguntou Jolie, que era relativamente nova na aldeia e não estava por dentro de todos os boatos.

— Beowulf, Urso Raivoso — disse Brunhild.

O caminho da lavoura para a aldeia passava rente à floresta. Quando as meninas iam lá pela frente, ouviram umas risadas e pararam espantadas, olhando para a orla do bosque. Logo saíram de lá Kyrah e o Urso, pingando água pelo caminho, com as roupas coladas no corpo. Gargalhavam. Deram com as três moças olhando para eles e se calaram bruscamente.

— Boa noite, senhoritas — disse Beowulf, recuperando-se e tocando o capacete, num cumprimento.

— Boa noite — responderam elas, em coro, sem mudar a expressão de choque.

— Está frio, não acham? — murmurou Kyrah, abraçando o próprio corpo. — Hum... vocês viram o papai? — questionou.

— Já voltou para a aldeia — respondeu Berna.

— Com licença, preciso acender a fogueira lá em casa — resmungou Beowulf, saindo de fininho. Kyrah juntou-se às amigas, um pouco encabulada. Berna e Jolie não disseram nada, apenas assumiram um ar malicioso. Mas Brunhild:

— Que lindo, mocinha! — brincou. — Em vez de trabalhar vai se esconder no mato com o seu guerreiro.

Ao ouvir isso, Berna e Gabrielle caíram na gargalhada, sem conseguir conter o riso.

— Eu o encontrei por acaso... — Kyrah tentou emendar; mas já estava ficando corada. Sem esperar resposta, saiu correndo para casa e entrou pela porta dos fundos, para que papai não a visse.

Quando elas pararam de rir, Gabrielle disse:

— Eu ia perguntar se você ia casar com ele, mas não tem condições.

— De jeito nenhum — determinou Berna. — Não vou com a cara dele.

— A Kyrah vai — comentou Jolie.

— Só com a cara? — Berna debochou, começando a rir. Parando, ela suspirou — Papai não entende nada de mulheres — afirmou.

— Quem entende? — perguntou Tristan, que se aproximava com Angus, os dois carregando enxadas.

— Você é que não — disse Berna, bem-humorada. O Huno começou a rir, debochando do amigo. As garotas riam também.

— Obrigado; eu sei que você me ama — ironizou Tristan. Berna sorriu candidamente para ele.

— A vaidade de algumas pessoas é digna de piedade... — disse, brincando, para disfarçar a vermelhidão que seu rosto adquirira com a ironia do amigo.

— O que estava fazendo no campo, filha do chefe? — perguntou Tristan, no tom de zombaria habitual.

— O mesmo que você, eu suponho — Berna respondeu, no mesmo tom. — Se bem que... se levarmos em conta a sua notável preguiça... é bom esclarecer que eu estava trabalhando.

Ele estreitou os olhos para a moça.

— Muito bem, Berna, isso não teve graça — após uma pausa, ele continuou. — Eu quero comer, tenho que trabalhar, isso é uma coisa lógica e justa. Sei que se eu não plantar, aquilo não vai nascer. Aquele trigo vai estar no meu pão no futuro, e eu me sentiria mal se não tivesse ajudado a produzi-lo.

Eles haviam se distanciado do grupo e caminhavam um pouco na frente. Atrás, Jolie ria de Brunhild, que conversava com Angus, o Huno, tratando-o a todo instante, e com toda a gentileza, por Vândalo. Berna retrucou:

— Também me sinto assim, por isso fui pra lá hoje. Se apropriar do fruto do trabalho alheio é uma coisa suja, algo como o roubo — disse, enfática.

— Vocês mulheres ainda têm desculpa, porque são quem cuida de tudo dentro de casa, essas coisas. Agora, o homem que foge do trabalho, eu o considero mais covarde do que o que foge da guerra — ele afirmou. Berna concordou com um aceno de cabeça. Tristan continuou — Eu não gosto muito do jeito do seu pai, mas tenho que admitir que nisso ele é correto. Ele vai lá e trabalha com a gente, pega no pesado; ara a terra, cuida da planta, colhe e mói o trigo. Não explora a gente.

— Qualquer ser humano faria isso. Explorar os outros é inumano. Às vezes eu tenho medo de que as pessoas fiquem más a esse ponto, sabe — Berna disse, séria.

— Não acredito nisso — retrucou Tristan, incrédulo. Hesitou um instante e acrescentou — Você acha que pode acontecer? — parecia incerto.

— Não sei... — respondeu Berna, balançando a cabeça, sem fitar o amigo. — Ouço histórias horríveis sobre Roma, sabe? Dizem que eles têm escravos que comem das sobras dos senhores. Que eles jogam condenados ou estrangeiros na arena, e as pessoas riem enquanto eles se matam ou são devorados por feras.

— Os romanos são uns bárbaros — Tristan disse, em tom reprobatório. — Mas não precisamos nos preocupar com eles. É uma civilização fraca e estúpida; podem ter conquistado um bom território, mas o macedônio Alexandre, o Grande, também o fez, e cadê o império dele? Logo os romanos hão de ser suprimidos, não restarão nem vestígios desse império — eles já estavam na porta da casa do chefe.

— Espero que você esteja certo. Tchau — ela se despediu dele com um aceno e entrou.

No quarto estava Kyrah, secando e penteando os cabelos molhados. Não ligou quando Berna sentou em sua cama e ficou olhando para ela, nem prestou atenção no fato de Una saltar para cá e para lá numa nova dança que havia inventado, em que fazia todos os tipos de acrobacias e rodopiava.

— Vocês acham que as pessoas vão ficar más? — questionou Berna, distraída. 

Una nem deu bola, e Kyrah ficou olhando interrogativamente, pois esperava que sua irmã lhe desse uma bronca; quando a bronca não veio, deu de ombros e continuou a pentear os cabelos.

— Acham que a civilização romana vai ser destruída? — insistiu Berna.

— Andou conversando com o Tristan, mana? — perguntou Una, num tom entre despreocupado e zombeteiro.

— Você gostava de conversar com ele, antes — retrucou Berna, na defensiva.

— Sim, gostava... O Tristan é legal... mas, sei lá, ele mudou — Una saltou.

— Foi você que mudou, Una — Berna disse, em tom seco. Voltou-se para a outra irmã. — O que acha, Kyrah? Do ponto de vista bélico, os romanos têm chance?

— Hum... nem tanto... Quer dizer, os soldados romanos são obrigados a lutar por seu imperador; a maioria das pessoas que é forçada a fazer algo não o faz bem. Então, eles são vulneráveis, mais do que os soldados... digo, guerreiros, grandes e fortes da nossa aldeia, que tem a guerra em seu sangue, que matam por simples prazer de ver o sangue de seus inimigos escorrendo na espada ou no machado... — Kyrah disse isso e ficou pensativa olhando pela janela, para a lua que despontava no céu ainda claro. Era um daqueles dias em que só escurece lá pelas nove da noite, e o ânimo das meninas, que não tinham trabalhado pesado como o resto da aldeia, parecia pronto a durar mais que a claridade.

Berna olhou pra Kyrah com os olhos arregalados.

— Meu Deus, o que é isso! — ela exclamou. — Nem todos os nossos são assim, por sorte — respondeu. Jogou-se na cama. — Pensando bem, o perigo não está só em Roma. Entre os nossos também há coisas sinistras. Veja a Gabrielle, foi tirada do meio do seu povo. Para onde ela vai voltar se o Olaf abandoná-la? O que vai ser dela? Parece que a família dele não apoia o casamento nesse caso, e ele é muito fissurado no clã...

De repente as irmãs ouviram um "Uh!", nítido pio de coruja. As mais velhas ficaram espantadas, mas Kyrah corou. Berna sentiu um volume mexer-se sob o seu ombro, debaixo da coberta; levantou-se, espantada, e ergueu o cobertor. Lá estava uma pequena corujinha branca, com a asa machucada.

— O que é isso? — exclamou, pegando a coruja. — O que ela faz aqui?

— Eu achei, vi que estava machucada, e trouxe para casa — disse Kyrah, como se fosse uma boa justificativa.  

Certo, não tinha sido exatamente ela quem encontrou a coruja: o Urso ia assá-la, nunca tinha comido coruja, mas resolveu fazer dela um presente para agradar a princesa.

— Eu não vi você com ela quando apareceu toda encharcada com o Beowulf! — exclamou Berna, interrogativamente, o que motivou um olhar malicioso de Una sobre Kyrah.

— Ok, não adianta mentir. Foi ele que achou e me deu agora há pouco. Algum problema em tentar salvar uma coruja do jantar?

— Nenhum. Eu achava que ursos comiam peixes, e não corujas — brincou Berna. As três irmãs ficaram um tempo brincando com a corujinha.

— Que nome eu dou para ela? — perguntou Kyrah.

— Acho que é ele — comentou Una. — Tem cara de Lauren.

Ao ouvir esse nome, a coruja fez um prolongado "Uuuuuh!", como se tivesse aprovado. As garotas riram.

— Acho que ela gostou — disse Berna.

— Gostou ou não, pelo menos reconheceu... — disse Kyrah, distraidamente.

A coruja pulou de uma forma meio desajeitada para o colo de Kyrah e ficou a olhá-la com curiosidade. Kyrah, num movimento inesperado, começou a acariciá-la, o que era muito estranho, pois geralmente quando algum animal pulava nela, ela o enxotava ou matava. Mas dessa vez não, foi amor à primeira vista entre ela e a coruja. Una deteve, espantada, um movimento involuntário que fizera para impedir que a irmã jogasse a coruja longe.

— Qual é o motivo da exceção? — perguntou Una.

— Eu acho que sei — Berna riu, voltando a se esticar na cama com os braços atrás da cabeça e fechando os olhos.

— E qual seria? — Una se virou para ela.

— Há um tempo, Kyrah passou a gostar de animais — retrucou Berna, serenamente — Mas ela prefere os de grande porte.

Kyrah ficou olhando para Berna de uma forma que, se pudesse, raios sairiam de seus olhos e ela pulverizaria a irmã.

— Não olhe assim pra mim, Kyrah — advertiu Berna, sentindo os olhos da irmã, embora tivesse os seus cerrados. Olhares queimam. — Você sabe que é verdade.

A guerreira olhou para seu (ou seria sua?) mascote e deu de ombros. Fez um curativo na asa de Lauren e a colocou numa almofada, na sua cama.

— O que eu sei é que o Lauren é lindo — disse Una, erguendo-se. — Agora tenho ensaio do grupo de dança. Beijo, manas — e saiu.

Berna estava na fase final da adolescência, e as explosões infantis aconteciam nela com menos frequência atualmente. Aquela tarde, porém, ela se sentia uma total criança, com toda disposição para brincadeiras e piadas. Estendeu a mão para pegar a harpa ao lado da cama e puxou algumas cordas.

— Era uma vez uma coruja — de novo — pequena, branquinha — mais uma vez — encontrada por um urso — repetiu o primeiro movimento — e presenteada a uma princesa — o segundo — não tinha importância — o terceiro — mas ficou lembrada, pois seu nome era — e aí ela mudou radicalmente de ritmo, trocando as notas de maneira acelerada — Lauren Uhuuuuuuhuuuuh...

Kyrah ficou olhando para ela com os olhos arregalados e segurando Lauren, como se o estivesse protegendo de alguma doença infecciosa presente no ar. Berna ergueu-se.

— Essa música é muito engraçada! Preciso mostrá-la ao Bjorn.

— Mas essa música nem existe! — exclamou Kyrah.

— Ora... acabei de inventar — Berna exclamou, e saiu saltitando para mostrar a música sobre a coruja ao Coruja, que estava na taba dos bardos, a dois passos dali.

Kyrah apenas balançou a cabeça em reprovação e continuou a acariciar Lauren, que a essa hora bicara carinhosamente a mão dela. Um vulto passou pela janela e se escondeu antes que Kyrah o visse; ela fingiu não perceber, e continuou entretida com Lauren.

— Eu queria ser essa coruja — exclamou o vulto escondido, não conseguindo disfarçar a voz típica de um animal grande, peludo e com garras.

Beowulf Donnerstag, depois de ter passado a tarde com a filha do chefe, sentia-se com uma disposição primaveril e, assim como as Brandeburg mais velhas, não tinha conseguido ficar parado em casa. Correra a espiar sua musa. Enquanto as irmãs permaneciam ali, ele só tinha espiado. Mas depois seu sangue fervera para conseguir mais umas palavrinhas de Kyrah antes de ir dormir.

— O que você quer, Beowulf? — perguntou Kyrah, sem olhar para a janela. Se tivesse olhado, veria um guerreiro grandalhão e barbudo afastar a cortina com um sorriso de menino travesso. O urso respondeu:

— Nada... eu estava passando... posso entrar?

— Pela janela? — respondeu, secamente. — Você não devia estar em casa alimentando a fogueira com mais madeira?

— Eu só disse aquilo porque queria fugir dos olhares das suas amigas. Mulheres me deixam tímido — ele pulou para dentro com alguma dificuldade, porque a janela não era muito grande. — Você ficou brava?

— Pois você não parece tímido perto de mim — Kyrah disse, num tom reprovador, cortando o assunto da outra pergunta.

— É que eu não te considero uma "mulher" — ele disse, naquela costumeira insensibilidade masculina. Quisera dizer que ela era especial para ele, mas não se expressou bem.

Kyrah abriu a boca para começar a xingá-lo, mas virou-se bruscamente e fingiu que ele não estava ali. Lauren emitiu um "Uuhh!" reprovador para Beowulf. Este notou que tinha feito uma besteira, mas não sabia qual. Aproximou-se de Kyrah e pôs a mão no ombro dela.

— Kyrah, você ficou chateada... O que foi que eu fiz?

Ela sacudiu os ombros para livrá-los da mão dele.

— Humpf!... — ela ficou calada um instante. — Quer dizer que eu não sou mulher?

— Mas é claro que você é mulher! — retrucou o urso, espantado.

— Não foi isso que você disse agora há pouco.

— Ah... mas o que eu queria dizer é que você não é... uma mulher comum, é isso — ele explicou, com dificuldade em encontrar o termo preciso. — Não é uma mulher qualquer, é diferente das outras.

A garota corou com o elogio, mas fez-se de brava ainda para tê-lo sob seu domínio por mais algum tempo. Lauren emitiu um "Uuuh" para chamar a atenção de Kyrah e ela continuou a mimá-lo.

— Que coisa chata! — disse Beowulf. A um olhar reprovador de Kyrah, captou a mensagem e perguntou: — Você já deu nome?

— Sim, é Lauren — no que a coruja completou com um "Uuuh!", satisfeita.

— Nome estranho... — ele comentou, sentando na cama ao lado dela. — Eu colocaria Matador ou... Pequeno Machado... Punhal, talvez — o rapaz tocou de leve a cabeça do bicho, e Lauren bicou-lhe o dedo. Beowulf fez uma careta, e só não estrangulou o bichinho porque Kyrah começou a rir.

— Você não tem que opinar — ela falou, ainda rindo. — O nome é Lauren e pronto.

— Ora, o pai tem o direito de escolher o nome do filho — ele retrucou.

— É a primeira vez que eu vejo um urso querer adotar uma coruja — brincou Kyrah, corada com o comentário dele, que obviamente significava que ela seria a mãe de Lauren.

— Com quantos ursos você já conversou? — indagou ele, olhando-a de perto.

Nesse momento a porta do quarto se abriu e Berna entrou por ela. Beowulf se levantou imediatamente.

— Então, Kyrah, se puder dizer a seu pai que meu tio precisa de um mangual novo, eu agradeceria em nome dos Donnerstag — ele tocou o capacete e saiu. Pela porta.

Kyrah não encarava a irmã. Berna olhava pra ela com a cara séria.

— Certo, Kyrah, vou dizer agora o que eu não disse mais cedo: você não deve deixar ele tomar tantas liberdades. É perigoso.

A irmã estava ruborizada, e brava com Berna. Olhou para ela, procurando ganhar tempo para achar um outro assunto. Berna usava duas tranças, ao invés da única de costume, que estava usando quando saíra.

— Que tranças são essas? — perguntou.

— Bjorn fez — retrucou Berna, distraidamente.

— "Você não deve deixar ele tomar tantas liberdades. É perigoso" — Kyrah arremedou a irmã, irritada. Berna tocou as tranças e estreitou os olhos para ela.

— É bem diferente. Ele é um bardo e meu amigo desde pequena, não um guerreiro apaixonado. Se fosse Bragi aqui, eu não dizia nada, mas Beowulf é...

— Seu noivo — sibilou Kyrah, furiosa. — É isso que você queria dizer, não é? Está com ciúmes, não está?

Berna ficou tremendamente espantada. Arregalou os olhos, e depois começou a rir, sem conseguir parar.

— Está doida? — questionou Berna por fim, sem fôlego. — Não precisa se preocupar, irmãzinha. Eu não me casaria com Beowulf Donnerstag nem que ele fosse o último homem sobre a Terra.

— Case-se; eu não ligo — Kyrah deu de ombros, bruscamente, sem olhar a irmã. — Quem foi que disse que eu me importo com ele?

— A sua cara emburrada — retrucou Berna, sentando na cama e desfazendo as tranças. Agora já estava escuro, e se aproximava a hora de se recolherem, na aldeia. — Eu sei que vocês se gostam, e torço por vocês; mas mantenho meu conselho: imponha limites. Guerreiros assassinos nem sempre os têm — Berna se calou e deitou para dormir.

Kyrah arrumou Lauren em um cantinho confortável e se deitou também. Ficou pensando no conselho da irmã. Una chegou e foi dormir silenciosamente. Kyrah continuava pensando, e pela primeira vez encarou algumas coisas com clareza.

Ela gostava de Beowulf; podia dizer, com reservas, que o amava. Isso a fazia se sentir enciumada com relação à Berna, embora soubesse que a irmã não mentia ao afirmar que não casaria com ele por nada nesse mundo. O problema era a certeza da aldeia a respeito desse acontecimento - e o escândalo que os aldeões já começavam a farejar na amizade entre Kyrah e Beowulf.

Heric não era idiota; já começava a perceber a estranheza dessa amizade e a sentir a necessidade de apressar o casamento planejado.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro