Capítulo III - O Urso Raivoso
Kyrah recebeu a carta e, após preparar o prêmio, mandou chamar Beowulf.
O rapaz era tímido, não tinha a facilidade — talvez proveniente da ascendência gaulesa — de Tristan para lidar com as mulheres, e ficava nervoso na presença delas. Então é possível imaginar o estado dele quando se viu só com a bela princesa caçula na sala da cabana do chefe.
Kyrah, naquele dia excepcionalmente, usava um bonito vestido branco e solto, com uma grinalda de flores envolvendo a cintura e outra pousada sobre os cachos que emolduravam seu rosto. A expressão solene deste rosto deslumbrou Beowulf, e ele tirou imediatamente o capacete com chifres, baixando os olhos respeitosamente ao se apresentar.
— A princesa mandou me chamar.
A moça o analisava, em silêncio. Beowulf era um guerreiro de grande porte, alto e robusto, do tipo de Heric; e como o chefe, não cobria o peito largo. Trazia uma ótima espada numa bainha e um machado no cinto. Tinha barba e cabelos de um castanho não muito escuro e olhos castanho-esverdeados. Em outras coisas ele se parecia com o chefe: um lutador exímio e implacável, de inteligência tática brilhante, mas sem um pingo de originalidade. Kyrah amava seu pai, principalmente porque era fácil para ela manipulá-lo — exceto no que se referia a certas proibições. Notou a postura retraída de Beowulf, tão infantil, tão contrastante com sua fama, e uma onda de simpatia pelo Urso Raivoso a invadiu.
— Minhas irmãs disseram que salvou o Gaulês da morte — falou, finalmente. — Como o fez?
O Urso ergueu a cabeça: narrar batalhas era com ele mesmo.
— Eu estava lutando com um maldito franco, e Tristan lutava com outro pouco adiante. Matei o meu franco, mas veio outro por trás e esse deu um pouco mais de trabalho. Quando olhei de novo, o cara tinha desarmado o Gaulês e encostou a espada na garganta dele, então eu joguei o machado, que arrancou o braço dele, fui até lá e cravei a espada por trás. Daí fiquei guardando o corpo do Tristan até os francos debandarem e nós podermos cuidar dos feridos.
Ele falava da batalha com entusiasmo, e Kyrah o escutava, visualizando tudo em sua imaginação. Quando ele terminou, ela encontrou dificuldade em falar, emocionada:
— Tristan é um amigo muito caro. Eu e minhas irmãs estamos plenamente reconhecidas pelo seu ato de lealdade e gostaríamos de lhe oferecer algo como símbolo da nossa gratidão — ela caminhou até uma extremidade da sala e trouxe de lá um pesado mangual, negro e perigoso se usado pela pessoa certa. Entregou-o a Beowulf. Ele acariciou a arma, extasiado. Em seu cabo, gravadas em latim, estavam as palavras "A Beowulf, Urso Raivoso, por sua bravura e lealdade. Gratas, as princesas Brandeburg." O rapaz experimentou o mangual. Era muito bom.
Desde então ele seria sua arma oficial.
— E no momento — continuou Kyrah, após um instante — sinto necessidade de dar-lhe algo pessoal, independente das instruções de minhas irmãs, mas não preparei nada, então... — de repente ela adiantou-se para ele e encostou de leve seus lábios nos do rapaz, recuando em seguida. Ele ficou vermelho como um tomate, ajoelhando-se prontamente diante de Kyrah.
— Princesa, juro-lhe servidão eterna — disse, com ar decidido. — Sempre estarei a seu dispor para protegê-la e fazer qualquer coisa que requisite de mim.
Kyrah, ruborizada, ainda foi capaz de pensar rápido e aproveitar a oportunidade:
— Qualquer coisa mesmo? — perguntou, suavemente.
— Sou homem de uma palavra só.
— Gostaria que me ensinasse a lutar como você. Quero ir para a guerra - Kyrah pensava em encontrar Maküsh desse modo.
— Quando começamos? — perguntou Beowulf. Ainda sob o efeito do beijo, ele não estava pensando direito e por isso nem questionou a ideia bizarra dela.
— Depois do banquete da vitória. Todos os homens estarão bêbados, mas você não deve beber. Agora pode se retirar.
Beowulf levantou-se e saiu. Só depois de alguns minutos a gravidade da sua promessa atingiu-o com força total. Aquilo era uma temeridade absurda. Mas ele não podia faltar ao compromisso. E nem queria. A possibilidade de passar algumas horas sozinho com Kyrah deixava-o arrepiado.
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