7.2
Talvez em outra vida eu possa voar e nunca cair... Eu poderia ser o que quisesse e nunca sentiria minhas cicatrizes.
- Isak Danielson.
🚨Este capítulo pode gerar algum desconforto em pessoas sensíveis, tanto por citações de um relacionamento abusivo, quanto por sintomas de depressão e anorexia. Peço que pensem bem antes de iniciarem a leitura. Boa leitura!
Batendo a perna freneticamente no chão, cruzo os braços e encosto a cabeça na parede. Tiro o celular do bolso para me distrair até chegar a minha vez e me lembro do beijo com Ana. Seus lábios tão macios de encontro com os meus, seus olhos brilhantes... tiraram meu fôlego.
Eu não deveria ter deixado as coisas chegarem a essa proporção, jamais deveria ter puxado assunto quando nos conhecemos e agora ela sabe. Ela sabe o que aconteceu no último dia de ação de graças. Ela sabe que a minha família problemática está acobertando duas fatalidades. Ela sabe de tudo e não deveria saber.
Vejo o meu nome aparecer no telão e antes de entrar no consultório, confirmo a minha presença na casa da Courtney, com quem não tenho muita afinidade.
Entro na sala branca, onde o doutor Miller me aguarda, com sua caderneta e seu óculos de armação grossa.
— Boa tarde, Jacob — meu terapeuta me cumprimenta.
— Boa tarde, Miller.
Acomodo-me em uma das poltronas de couro, ficando à vontade como nas últimas seções. Faço terapia desde que tinha 12 anos e meu irmão, Christian, 14. Foi quando as coisas saíram do controle pela primeira vez em anos, quando precisei ajudá-lo com os hematomas.
— Como vem se sentindo?
— Melhor do que da última vez, mas ainda assim angustiado — confesso e ele me dá um sorriso acolhedor.
— Quer dividir comigo o motivo da sua angústia?
— Muitas coisas, na verdade — começo, umedecendo os lábios. — Minha mãe está cada vez pior e na madrugada passada a encontrei na varanda do quarto, com a porta aberta. Meu corpo gelou com a possibilidade de ela tentar pular do segundo andar, cara. Vou precisar redobrar os cuidados da casa e não me sinto preparado pra isso.
— Ela continua fazendo o tratamento? — ele pergunta, retirando os óculos e coçando os olhos, que estão mais compassivos do que de costume.
— Está, mas não vejo nenhum progresso desde a cerimônia do Henry. Não sei como ela conseguiu sair da cama e testemunhar outro enterro.
— É comum pacientes com o quadro dela agirem assim durante o tratamento — ele assegura. — Mas sei que não é só isso, o que mais está te abalando?
— Estão acontecendo alguns assassinatos, Richard — revelo, com a voz baixa e ele mantém a expressão neutra. Psicólogos merecem um Oscar pela atuação.
— Assassinatos? Você presenciou algum?
— Não, mas alguém do meu círculo de amigos pode ter presenciado. Desconfio que um deles seja o culpado — conto. — Você se lembra da Beatrice?
— Sim, a amiga que apresentava o quadro de depressão clínica e se suicidou, certo?
— Ela mesmo. A polícia descobriu que ela não se matou, mas foi assassinada e o culpado fez parecer um suicídio. Henry teve o mesmo fim porque descobriu isso, ele sabia que ela não tinha se matado.
— Onde quer chegar com isso, Jacob?
— Quero dizer que um dos meus amigos pode ser um possível assassino em série — revelo e percebo uma leve mudança de expressão em seus olhos, que dura segundos.
— E como pode ter tanta certeza disso?
— Alguns deles agiram de uma maneira muito estranha depois de tudo.
Continuamos a consulta com a nossa conversa sobre os meus possíveis amigos sociopatas e fico contente quando consigo tirar uma parte do peso do meu peito, porque isso já estava me sufocando. Não ter ninguém para conversar é agoniante e é por isso que eu curto as consultas com o doutor Miller, ele me acompanha há 6 anos, o que não é pouco, e desde o começo me senti confortável em conversar com ele.
— Não me sinto pronto para iniciar um relacionamento, mas ela me faz repensar tudo isso — conto, falando sobre a brasileira que aos pouquinhos roubou minha atenção.
— Ela sabe do seu relacionamento passado?
— Não, e sinceramente? Tenho medo da sua reação — confesso, cutucando os bolsos desesperado por um cigarro.
Richard vem me ajudando a controlar esse vício, mas na real mesmo? Não acho necessário tirar a única coisa que me faz bem emocionalmente. Mesmo que isso resulte em câncer de pulmão ou coisa pior mais para frente.
— Por quê?
— Prefiro mil vezes que ela pense que a minha ex me traiu ou algo do gênero do que saiba a verdade, de que eu era dependente emocional da Jullie e que ela usava isso para me prender a ela, me manipular — abaixo a cabeça, desconfortável por tocar nesse assunto.
— Você tem feito os exercícios que trabalhamos, para ajudar com esse trauma? — ele pergunta, anotando algumas coisas no velho caderno branco.
— Tenho, mas não estão ajudando muito — finalmente revelo, olhando em seus olhos.
— Sobre a sua insegurança, ela está controlada?
— Às vezes sim, consigo controlá-la fazendo aquilo que fizemos em uma das consultas da época. Sempre que tenho uma recaída nesses quesitos, pego um papel e listo todas as situações que me deixam inseguro e depois tento encontrar soluções para elas.
— E consegue aplicar no dia a dia?
— Na maioria das vezes.
— Isso é um avanço enorme, Jacob! Lidar com a insegurança é um dos pontos fundamentais para se livrar completamente da dependência. Fico muito orgulhoso de você — ele elogia, sorrindo.
— Você acha que eu devo contar para ela?
— Eu acho que você precisa fazer somente o que se sente preparado para fazer.
E com essas últimas palavras escutamos o alarme avisando que a sessão de hoje acabou.
ᚔᚔ
Chego em frente a grandiosa mansão da Courtney, onde nos reunimos algumas vezes quando seus pais vão viajar e ela fica sozinha. Eles são donos de uma grande rede de cosméticos, com várias sedes por todo o Canadá e vivem viajando para ver como estão algumas.
Toco a campainha e espero alguns minutos, lembrando da primeira vez que estive aqui há 3 anos, quando nos conhecemos.
Courtney sempre foi aquela pessoa que eu nunca tive muita afinidade, só nos falamos porque nossos amigos são amigos e para ser sincero? Não faço questão da sua amizade. A garota é confusa e não tem personalidade, além de nunca ter uma opinião própria e sempre dizer coisas para agradar os outros. Parece até um clone mal feito da Evangeline, nem a Lisa consegue ser tão enjoativa e olha que ela é um porre quando quer.
A porta finalmente abre e eu vejo uma mulher vestindo um uniforme ridículo, reviro os olhos e entro, já sabendo onde eles provavelmente estão.
Passo pela enorme sala de estar e caminho em direção a escada, virando à direita e indo até a área externa, a área da piscina, que é revestida por vidro e tem alguns aquecedores. Onde sempre nos reunimos.
As meninas estão com biquínis na piscina, que deixam muito espaço para a imaginação, exceto Lisa, que está sentada com uma roupa larga e olheiras profundas. Meu coração se parte por vê-la assim e não poder ajudar. Merda! Nem terapia os pais querem pagar para a garota, dizendo que é frescura.
— Olha só quem chegou — Zayn anuncia, sorrindo e passando a mão entre seus cabelos.
— Pois é, o caridoso — Evangeline provoca, com seu olhar manipulador.
— Caridoso? — Flynn pergunta, confuso. Sempre o último a saber das coisas.
— Você não sabia? Ele agora está fazendo caridade, beijando coitadinhas — Line explica, com sua risada sarcástica. — Ele beijou a preta fedida.
— Caramba, você não cansa de ser escrota não? — explodo, gritando e me surpreendendo comigo mesmo. — Tudo precisa virar uma bola de neve? Tudo precisa ser uma pauta? Você fez essa merda com a Beatrice, fez essa bosta com a Lisa e até comigo! Pelo amor de Deus, Evangeline, descansa.
Todos ficam em silêncio por um tempo, até que ouvimos passos.
— Caramba, o que eu perdi?
Meu corpo gela, meu coração acelera, minhas mãos tremem e eu tenho certeza de que estou pálido. Não pode ser. Não pode ser. Droga! Eu só posso estar ficando maluco.
Meus amigos olham para a figura atrás de mim, Evangeline sorri debochadamente, pouco se importando com o sermão que recebeu. Courtney também sorri, mas seus olhos estão receosos, clone de merda. Zayn, Flynn e Lisa ficam boquiabertos e me encaram com preocupação.
Fecho os olhos com força e depois viro o meu corpo para a porta, vendo-a parada ali, com seu biquíni verde sexy, contrastando com os fios ruivos naturais. Como a merda de uma sereia. Seus olhos verdes prendem os meus e tudo vem à tona, todas as inseguranças, todos os sentimentos, toda a manipulação.
Preciso de um cigarro!
— Jullie, o que você está fazendo aqui? — Courtney pergunta, saindo da piscina e vestindo o roupão roxo, para receber a maldita amiga.
— Evangeline me convidou e eu vim — ela dá de ombros, sorrindo e se aproximando de nós.
Quando ela passa por mim, sinto seu perfume e isso me traz a droga da nostalgia. Porém, ao contrário do que me trazia antes, agora sinto nojo.
— Boa festinha pra vocês, eu estou dando o fora — aviso, saindo de onde estou sem nem dar ouvidos ao que eles dizem.
Saio da casa com a cabeça a milhões, um turbilhão de emoções me invadindo e o coração batendo forte. Não é fácil quando reencontramos fantasmas do passado. Pego um cigarro e o acendo, ainda em frente a mansão, que já está iluminada graças a escuridão que está começando a nos cercar.
Vejo Lisa saindo da casa também, com as mãos nos bolsos do moletom branco, sua cor favorita. Ela se aproxima de mim e sorri, com o rosto pálido e magro demais, contrastando com os cabelos loiros. Ela precisa de ajuda.
— Quer um cigarro?
— Quero, valeu — ela aceita e eu dou um para ela, que acende e dá uma longa tragada, encostando-se no carro, assim como eu. — Eu não sabia que ela iria aparecer, nem sabia que estava de volta a Toronto. Jurava que ainda estava na Austrália.
— Tudo bem.
Ficamos alguns segundos em silêncio, até que ouço um suspiro pesado e exausto vindo dela.
— Por que nos submetemos a isso, Jacob? Por que ainda andamos com pessoas que nos fazem tão mal? — ela questiona, com os grandes olhos verdes transbordando angústia.
— Porque estamos presos a elas, com grossas correntes e não sabemos como nos livrar disso.
— A última vez que realmente estive feliz foi com 6 anos, porque ainda não tinha conhecido Evangeline — ela desabafa e vejo as lágrimas rolando pelo seu rosto.
— Você precisa de ajuda, Lisa — reforço, abrindo os meus braços e lhe oferecendo um abraço.
Ela me abraça apertado e eu contenho as lágrimas, vê-la nesse estado me machuca tanto, porque eu me lembro dele, do Christian.
— Eu sei, Jacob, eu sei. Acontece que eu já estou corrompida. Coisas repugnantes eu acho normal e a minha mente já está ferrada. Eu só... não aguento mais — ela sussurra e eu a abraço mais apertado ainda. — É tão estranho, sabe? Em um instante me sinto poderosa e confiante, mas no outro...
— Vem, vou te levar para a minha casa e lá vamos marcar um terapeuta pra você, eu pago e te acompanho nas consultas — afasto-me dela e ela não diz nada, só entra no carro, com as lágrimas correndo.
Ligo o motor e acelero, feliz por ninguém além dela ter saído daquela casa. A imagem de Beatrice, Christian, minha mãe e até mesmo minha, me voltam à mente, e uma lágrima solitária cai. Todas as pessoas que eu não consegui salvar.
— Eu vou te salvar, Lisa. Prometo não falhar com você — juro, segurando em sua mão pequena.
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