2.3
Eu quero viver em um mundo onde as pessoas não se machucam...
- Sasha Sloan.
Vi o seu olhar perturbado enquanto saia do refeitório com uma pressa absurda, como a testa estava brilhando de suor e a forma que os olhos azuis perderam a vida.
O que aconteceu com você, Jacob?
Mordo mais um pedaço do frango grelhado, que está bom demais, e olha que eu detesto frango. Observo a mesa em que Jacob e o seu amigo estavam há alguns minutos, que agora só está habitada por dois garotos e uma garota. Todos com algumas tatuagens.
— Amiga, aconselho você a ficar com qualquer pessoa desse inferno, menos com o pessoal daquela mesa ali — Tom, meu mais novo amigo, aconselha.
Dou risada do seu jeito diferente e engulo mais um pedaço do frango. Isso está muito bom.
— Concordo com ele. Aquela mesa ali só tem gente que não presta. Principalmente o Jacob Campbell — Campbell... descobri o seu sobrenome.
— Ele e a namorada são os piores. Soube que ela induziu uma amiga a se suicidar no ano passado, mas não tiveram provas para acusá-la — Michelle conta, enquanto Scarlett olha o seu celular.
— Eles são tão ruins assim? — pergunto, mordendo o lábio inferior e bebendo a coca que o Tom me recomendou. Coca-Cola diet, o que não é tão ruim quanto eu pensava.
— Algumas pessoas o chamam de "demons". Tire as suas próprias conclusões — Scarlett dá de ombros, bebendo um gole do seu suco e voltando a prestar atenção em seu celular.
— Vou me lembrar de ficar longe deles — concordo.
— É a decisão mais sábia que você está tomando, garanto.
As meninas me apresentaram ao Tom assim que entramos no refeitório, já simpatizei com ele logo de cara. O garoto tem uma personalidade incrível, fala o que pensa e fez um comentário horrível, mas engraçado, sobre os grupinhos desse lugar.
Ri tanto que quase molhei as calças e foi aí que eu vi aquela garota me olhando com superioridade, como se quisesse me matar. Olhei da mesma forma.
Ela e Jacob pareciam bem próximos, o que virou outro motivo para eu não deixar com que ele se aproxime de mim. As minhas crises de ansiedade jamais me deixariam em paz se eu me apaixonasse por alguém como ele.
— Vocês vão na festa da demon queen? — Tom pergunta e eu dou risada outra vez. Que breguice.
— Da onde você tirou isso? — pergunto, antes que as meninas respondam.
— Ouvi algumas garotas falando enquanto eu editava o jornal da escola no ano passado.
— Você também faz parte do jornal? — pergunto, surpresa.
Na mesma hora, Scarlett larga o celular e entra na conversa.
— Tom é o editor chefe — ela me conta e eu fico entusiasmada. — Você sabia que a nossa nova amiga aqui é escritora, Tom?
— Mentira! — Tom exclama surpreso. — Menina, você precisa entrar no lugar da Beatrice. Procuramos algumas pessoas para ser redator no lugar dela, mas ninguém quis. Disseram que mortos não gostam que mexam em suas coisas, algo assim. Enfim, uma baboseira
— Scarlett fez essa proposta para ela assim que a conheceu e soube, mas ela disse que só escreve pra ela — Michelle conta, como se eu não estivesse aqui.
— Eu tenho vergonha, sabe? Não sei se sou tão boa escrevendo quanto vocês.
— É claro que deve ser! Scarlett é redatora também, na verdade ela supervisiona os redatores, que são dois. Ela poderia te ajudar.
— Vou pensar nessa proposta de vocês — prometo e os dois se empolgam.
— Respondendo a sua pergunta, Tom. Eu quero ir nessa festa. Vão ter muitos gatinhos lá, além da comida e bebida grátis, sem contar que ela convidou todos nós — Michelle conta.
— Acho que eu também vou — Scarlett concorda. — Vamos, Ana?
— Hm... acho melhor não. Eu e a tal demon queen não nos demos bem logo de vista, além de não querer que as pessoas se sintam enojadas com a minha presença — explico, brincando com a latinha vazia.
— Amor, eles te olham assim porque tem inveja da sua beleza. Cá entre nós, se eu tivesse essa sua bunda e esse seu olhar penetrante, ninguém me segurava — Tom revela e eu gargalho alto.
— Como se alguém te segurasse, né, Tom? — Michelle brinca e Scarlett ri.
— Mas é sério. Se eu fosse hétero, eca, mas se eu fosse, com certeza tentaria algo com você — Tom garante e pela sinceridade em seu olhar, sei que ele está sendo verdadeiro.
— Obrigada por terem feito amizade comigo. Acho que caí no melhor grupo da escola — brinco e eles sorriem.
— Como ela é fofinha, meu Deus. — Michelle elogia, me apertando, e eu franzo a testa.
— Momento raros — conto baixinho e eles riem.
De alguma forma, consegui desviar o assunto de mim e dessa festa. Me sinto aliviada. Tenho planos para essa noite. Pretendo passar boa parte do tempo conversando com a Gabi por Skype.
ᚔᚔ
Meu pai me fez milhares de perguntas sobre o dia de hoje e felizmente consegui responder todas. Agora eu estou ajudando Dalila com a louça, depois de passar a tarde inteira repassando o conteúdo de hoje.
Estudar em inglês é muito difícil, menos matemática, que é igual em todo lugar. A física também não é tão diferente, mas confesso que eu senti uma baita saudade do português.
— Fez novos amigos? — Dalila pergunta, enquanto eu limpo a mesa e a bancada.
— Sim. Dei sorte em conhecer pessoas incríveis — conto, com um sorriso de canto a canto.
Ela está na família desde que eu tinha 5 anos. De babá, virou uma ajudante, porque dividimos as tarefas entre os três. Ela é o mais perto de uma mãe que eu tenho.
— Eu falei que você faria novos amigos, Ana.
— Bom, você estava certa.
— Sim, como eu disse... — ela começa e eu me preparo para imitá-la: — A vida não é como os seus clichês.
— Tudo bem, tudo bem. Você venceu — resmungo e jogo o papel descartável fora, terminando de organizar a cozinha com ela. Paro e me encosto na bancada, pensativa.
— Eles não convidaram você para uma festa, convidaram? — ela pergunta, erguendo uma sobrancelha e ficando séria.
— Convidaram. Como você... — começo, mas me lembro de todos os livros que compartilhei com ela.
— E pelo visto você recusou — ela conclui, revirando os olhos e jogando o pano na bancada.
— Eu não poderia aceitar, né? — questiono. — Vários adolescentes bêbados e drogados, que eu nem conheço. Essas coisas só devem ser boas em livros.
— Você vivia dizendo que queria saber como era e agora que tem a oportunidade, não quer — ela relembra e eu suspiro.
— Muitas coisas mudaram desde os meus 12 anos, Dalila.
Como ela não diz mais nada, dou um beijo em sua testa e subo as escadas, entrando no meu quarto. Vou até o banheiro e tomo um banho quente, este lugar já esfriou outra vez. Em pensar que os norte-americanos não tomam tanto banho... vou pensar mil vezes antes de ficar com um cara aqui.
Visto o meu pijama de ursinhos e me sento na cama, vendo que já são 20:00 horas. Daqui a pouco a festa começa. Ligo o notebook e procuro o nome da Gabi, encontrando e ligando por vídeo para ela.
Seus cabelos trançados aparecem no meu campo de visão, assim como o seu aparelho e a sua pele maravilhosa, como a minha. Sorrio tanto que as minhas bochechas doem, estou com tantas saudades dela.
— Oi, gostosa — ela me cumprimenta, terminando de prender as tranças em um coque.
— Oi, amor — cumprimento de volta e nós duas rimos.
— Estou com MUITA saudade, Ana — ela revela e arruma o piercing do septo.
— Eu também, Gabi. Você não sabe o quanto.
— Tá bom, agora me conta tudo. Só tem gente fresca? — ela pergunta e eu dou risada.
Continuamos conversando e contro-lhe tudo sobre o meu dia, assim como as características mias marcantes do que talvez sejam meus novos amigos. Ela ouve tudo com atenção, fazendo seus comentários engraçados de sempre.
Nos conhecemos desde o fundamental e apesar de ter passado boa parte da vida estudando em escolas diferentes, sempre demos um jeito para manter a amizade, só não sei se será igual agora que estamos em continentes diferentes.
Escuto alguém bater na porta, em seguida o meu pai entra, avisando que tem três amigos meus lá em baixo. No início acho estranho, porque não contei onde morava, mas aí eu me lembro de que dois dos meus novos amigos trabalham no jornal e possivelmente conseguem os dados de toda a escola.
Peço para ele pedir para eles subirem e ele reforça que garotos são proibidos no meu quarto. Informo que Tom é gay e ele sorri de canto a canto, falando que vai mandá-los subirem e que está contente por eu ter me enturmado neste fim de mundo. Não foram essas palavras, mas quase.
— Tem alguma coisa que você não me contou? — Gabi pergunta, erguendo uma sobrancelha e eu sorrio, tentando disfarçar. — Ana!
— Está tendo uma festa de boas-vindas, algo assim, e eu não quis ir.
Dou de ombros, levantando da cama assim que Michelle, Tom e Scarlett aparecem, olhando cada detalhe do meu quarto branco com laranja.
— Você é burra? Você vai sim e depois vai me contar tudo. Ouviu? — ela berra e eles se entreolham. Dou risada e asseguro que está tudo bem.
— Preciso desligar, Gabi. Amanhã eu ligo no mesmo horário.
— Mesmo horário, hein! — ela exclama e faz o sinal que está de olho em mim.
Encerro a chamada e olho para os meus novos amigos.
— Sua casa é tão linda — Michelle elogia, com os olhos brilhantes. Fofa.
— O que você s estão fazendo aqui arrumados e a essa hora?
— Nada de se fazer do sonsa, amiga. Não combina com você — Tom avisa e eu dou risada. Scarlett pede licença e vai direto para o meu armário, olhar as minhas roupas.
— Você vai na porcaria da festa — é tudo o que ela diz, enquanto Tom olha os meus tênis e Michelle escolhe as maquiagens.
— Nenhum salto, Ana? Isso é um crime contra a moda — Tom murmura, espantado.
— Odeio saltos, além de não saber andar nisso. Só usei duas vezes na vida. Um no aniversário de 18 anos da Gabi e outro no casamento da minha tia, porque eu fui obrigada — conto, ajudando Scarlett a escolher uma roupa para mim e elogiando a sua jaqueta de couro.
Não vou discutir, até porque ninguém vai me deixar em paz enquanto eu não for nessa maldita festa.
— Quem é Gabi? — Michelle pergunta, depois de separar três tons de batons.
— Uma amiga de infância — revelo e Scarlett mostra um vestido azul justíssimo. Ganhei da Gabi e nunca usei, nem vou. — Nem morta, Scarlett.
— Já escolhi os sapatos — Tom conta, mostrando o par de all stars metálicos prata, que eu comprei há alguns meses pela internet.
— Falta a roupa. Sou péssima nisso — Scarlett revela.
Tom revira os olhos e a manda sair, pegando um vestido preto com listras brancas, justo, com mangas e uma gola alta.
— Vai ficar linda. Agora se troca — ele pede.
E assim eu faço, sabendo que eu vou me arrepender de ir nessa festa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro