Capítulo Único
O sol perdia seu brilho dourado aos poucos, descendo vagarosamente para esconder-se em seu aposento. Na rua, havia mais pessoas do que casas ou construções. Uma dessas construções era o Blitz Cafe, o bar onde os italianos apreciavam aquela bebida tão antiga quanto o próprio mundo.
Dentro do café, as diversas vozes soavam uma por cima da outra. Diferentes tons e alturas, modos e idiomas, todos reunidos em um único propósito: tomar café. Um som inconfundível era o de talheres, louças, o som da cozinha que estava verdadeiramente viva. Seus funcionários sorriam a cada vez que atendiam alguém, um sorriso que apesar de planejado, era tão puro quanto um bom café preto.
Cessando as analogias sobre café, num canto do lugar, uma senhora de idade observava o movimento. Sentada em um sofá, ela tomava um caffelatte sem tirar seus olhos redondos e brilhantes dos clientes. De fato, conquistara muita coisa ao longo da vida. Tudo graças a um homem bom demais para esse mundo, que a amou incondicionalmente, mesmo que não fosse retribuído. Um homem tão doce que fora morar no paraíso antes dos outros.
Sentiu o líquido molhar os lábios, o sabor doce na língua que descia deixando um rastro forte para trás. A mulher ergueu a mão, fazendo com que um dos serventes viesse e pegasse sua xicrinha. Estava a se levantar quando olhou para a porta, no exato momento em que um senhor entrou. Ele tirou seu chapéu de abas largas, olhou ao redor enquanto ajeitava os seus fios de cabelo rebeldes.
Ela assistiu o homem se sentar e pedir algo, com uma voz quase inaudível. Algo a prendia ali, em pé no fundo do estabelecimento, com seus olhos vidrados naquele senhor. Permaneceu lá até que ele fosse servido. O homem organizou os talheres com
uma precisão simétrica surpreendente, antes de cortar o croissant com um aspecto celestial, tão crocante e amanteigado que o homem suspirou na primeira mordida.
Ele deixou o salgado de lado e experimentou o café. Levou a xícara até os lábios escondidos por um bigode espesso, fechou os olhos enrugados e algo mais aconteceu. Suas bochechas marcadas pela idade ficaram rosadas, como um suave mousse de morango.
A mulher sentiu o coração esquecer o ritmo das batidas, o ambiente ficou silencioso e as pessoas se moviam mais lentamente. Todos os outros rostos ficaram embaçados, mas o dele era nítido. Assustadoramente nítido. Seu rosto com marcas e rugas aos poucos se tornara jovial. O bigode espesso agora era uma linha rala de pelos, as bochechas coradas tinham poucas marcas, as rugas sumiram por completo e tudo o que restou foram seus olhos tão escuros quanto a noite, tão góticos como a catedral em que ele a pedira em casamento.
Ela andou até ele, sentindo que uma nuvem estava debaixo de seus pés. Num instante, tudo voltou ao normal. As vozes pareciam ensurdecedoras, o tilintar de pratos ecoava o cômodo inteiro, os empregados passavam como vultos.
O homem encarou aquela mulher estranha, parada em frente à ele. Tentou não se sentir desconfortável, mas o olhar dela era cada vez mais íntimo e profundo.
— Perdono, posso ajudar?
Disse ele com um sotaque quase imperceptível, mas ela percebeu. Reconheceria em qualquer lugar do mundo.
— Ícaro Marinho?
— Sou eu. A senhora me conhece de algum lugar?
O rosto dela ficou congelado, os lábios entreabertos esperando por uma frase que nunca chegou. Então, surgiu uma jovem mulher, vestida diferente dos funcionários.
— Madre, estão te chamando na cozinha.
Os olhos negros do homem analisaram a mulher dos pés à cabeça. Seu rosto empalideceu como o leite vaporizado, seus lábios ficaram tão trêmulos quanto uma xícara cheia de café.
— Como isso é po... – Voltou a olhar aquela não tão estranha senhora. – Lucia?
Ela concordou veementemente com a cabeça, incapaz de falar. Não sabia o que esperar a partir daquele momento. O homem levantou e a abraçou com uma intimidade que nem mesmo o falecido marido tinha, uma intimidade que carregava anos – mesmo que fossem estes separados.
Se separaram, e ele perdeu-se nos olhos dela.
— Posso perguntar... você me esqueceu?
— Nunca, Lucia!
— Ainda... me ama?
— Tanto quanto amo voltar ao Brasil.
— Vieste pra ficar?
— Para o resto da vida, garanto.
Palavras: 700
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