39
Changbin despertou pela manhã completamente sozinho. Ele acorda meio suado e pegajoso pelo calor forte que esquentava as paredes, o quarto sendo uma pequena sauna de paredes descascadas e mofo, ele olha ainda grogue e desorientado os arredores e percebe que nem Jisung e nem Chan estão lá.
Ele senta na cama e não suporta o calor que invade o pequeno ambiente claustrofóbico. Changbin levanta cambaleando, a mente meio embaralhada por perguntas e dúvidas. Eles já foram? O rapaz caminha para além da porta e observa o corredor ainda cheio de garotos correndo para lá e para cá em seus uniformes folgados. Chan nem se despediu de mim. Uma nuvem de chateação deixa sua expressão sombria, mas ele sabia que isso era só ele sendo carente novamente. E Chan provavelmente não queria acordá-lo para apenas se despedir novamente, nenhum dos três gostava disso. Da sensação de estar dando adeus, do sentimento de abandono que isso trazia, de ver um deles indo embora. Changbin provavelmente ficaria ainda mais chateado do que agora se tivesse visto seu namorado atravessar os portões e ir embora sem conseguir fazer nada para fazê-lo ficar.
No banheiro, Changbin escorrega entre os ladrilhos e azulejos envelhecidos, o barulho de conversas invadindo seus ouvidos de uma maneira não muito agradável. Ele não gostava de ir ao banheiro compartilhado pela manhã — talvez ainda fosse manhã? O menino não sabia direito que horas eram ou por quanto tempo ele dormiu —, era sempre agitado e movimentado, conversas indo e vindo, meninos gritando e agindo como idiotas, além dos comentários desagradáveis sobre coisas que Changbin não queria saber. Ele escova os dentes com preguiça, o espelho na sua frente embaçado pelo vapor da água quente que saía das cabines de banho. Changbin lava o rosto e sai, indo até o quarto para buscar uma toalha limpa e uma nova muda de roupas. Ele percebe que Jisung deixou o relógio de pulso sobre a cômoda, e percebe que ainda era cedo, apenas nove horas da manhã. Por isso, decidi esperar até às dez onde sabia que todos estariam no café da manhã e finalmente teria paz para tomar um banho decente.
Changbin aguarda deitado na cama, sobre os lençóis que tinham os cheiros de Jisung e Chan. Ele fecha os olhos e pensa neles, e repara que sempre acabava pensando neles, a todo instante e a todo momento. Era como se a imagem deles estivesse gravada em cada cantinho do seu cérebro, seus rostos, suas vozes, seus corpos. Changbin tinha um desejo silencioso que clamava por eles, algo estranho e febril, às vezes beirava a uma obsessão, mas era apenas passageiro. Changbin não queria que eles achassem que não podia se virar sozinho, ele não queria ser dependente, não queria que eles o colocassem num pedestal. Não queria ser um fardo para nenhum dos dois. Por isso, queria trabalhar, descobrir no que era bom, dar orgulho para eles — e para sua família biológica também. Não queria ser uma decepção para nenhuma pessoa que era importante em sua vida.
Após minutos em um silêncio agradável e ainda queimando de calor, ele decidiu que era hora de enfrentar o mundo lá fora. Changbin sai do quarto com a toalha e a roupa escolhida para o dia, uma bermuda cinza folgada e uma camisa regata, ele caminha pelo corredor agora um pouco mais vazio ainda usando o pijama da noite anterior. Changbin entra no banheiro e se vê rodeado pelo silêncio, apenas uma pessoa parecia estar terminando o banho em uma das cabines. Ele vai até o banco largo no meio do ambiente pouco arejado e coloca tudo lá, toalha, roupa, sabonete e um pente de Jisung que ele usava para pentear os fios negros. Changbin começa a se despir em silêncio, passa a camisa pela cabeça e evita o espelho ao lado, incapaz de se olhar naquele momento. Não queria se ver e perceber que estava diferente, as cicatrizes, arranhões e machucados ainda estavam lá de uma infância difícil que Changbin se lembraria todos os dias. Talvez nunca fosse capaz de esquecer o que passou no orfanato, todas as humilhações, injustiças e agressões. Ele queria ter coragem de dizer a seus avós tudo que passou, mas tinha medo deles não acreditarem e fazerem pouco caso. Apesar de que, acha que isso não seria uma atitude deles, porém, aquele era seu eu medroso e inseguro falando, e no momento, Changbin se sentia frágil demais para tomar alguma atitude.
Quando ele leva as mãos ao cós da calça, prestes a tirá-la, a porta da cabine onde alguém estava se abre. Changbin para o que estava fazendo e espera que a pessoa se vá. Um menino magrelo e de pernas longas sai da cabine com uma toalha em volta da cintura fina, ele olha para Changbin com o rosto corado pela água quente e Changbin engole seco. Era Felix. Ele cresceu alguns centímetros desde sua chegada, ele agora era dono de pequenos músculos e seu rosto parecia mais fino e maduro, além das sardas no rosto estarem um pouco mais claras do que Changbin lembrava. Ele não via Felix desde o dia que decidiu que não seria mais uma pedra em seu sapato e nem uma sombra sempre a espreita. Felix não queria mais ser seu amigo e Changbin o entendia completamente. Ainda sou o garoto problema, de qualquer forma. Ninguém em sã consciência ficaria perto de mim.
Felix parece corar ainda mais forte quando Changbin permanece olhando fixamente, perdido em um pensamento e outro. Felix se encolhe em sua nudez parcial e caminha até a ponta do banco onde suas roupas estavam, e começa a se vestir de costas para o mais velho. Changbin desvia e decide apenas se apressar em entrar no chuveiro, o clima entre eles parecia pesado e sufocante. Changbin tira a calça e enrola a toalha em volta da cintura, percebendo que Felix terminava de vestir a camisa com a logo do time de futebol do orfanato. Ele ainda é um deles. O pensamento traz a Changbin um sentimento amargo na boca e ele percebe que Felix escolheu eles. Escolheu fazer parte daquele time estúpido. Bom, era uma boa escolha de qualquer forma, ficar longe de Changbin e fazer parte de um grupo bem recebido no orfanato. Por parte, Changbin fica feliz e triste pelo menino sardento, mas não diz nada.
— Changbin. — A voz profunda do garoto o para bem na porta da cabine do chuveiro. Changbin fica incerto se deve ou não se virar, mas faz isso, se virando para Felix que usava shorts folgados de futebol e a camiseta do time. Changbin nota algo nos olhos dele, como uma confusão se formando entre as cores escuras dos seus olhos. — Eu te vi ontem à noite na frente dos portões.
Um arrepio percorre todos os músculos do corpo do menor, ele tenta esconder o medo que transparece nos olhos. Changbin abre a boca, mas não sabe exatamente o que dizer. Ele sente medo, muito medo, porque não conhecia Felix direito, não sabia o que ele tinha visto ao certo, e se ele tiver visto Chan e ele juntos? Se ele falasse a Haeri sobre isso? Se ele espalhasse para todos sobre a vinda de Chan no meio da madrugada? Changbin começou a suar frio somente com a ideia, sem saber o que deveria fazer.
— Eu, uh, sai para caminhar um pouco. — Diz com incerteza, incapaz de mentir melhor que isso.
— Perto dos portões?
— Queria ver algo diferente além dos muros do orfanato.
— Não tinha ninguém na rua naquela hora. — Changbin não sabe mais o que dizer, se sentia uma vítima em um interrogatório policial. — Quem era aquele cara com você?
— Acho que o sono deixou sua mente meio embaçada. Não tinha cara nenhum. Era só eu lá. — Changbin não podia entregar a verdade, não confiava no Lee e nem sabia das suas intenções. Não era seguro.
— Changbin, eu não sou idiota.
— E por que isso importa para você? Não somos nem amigos. O que faço ou deixo de fazer não é da sua conta. — A raiva adormecida borbulha em seu interior enquanto sua voz sai rudemente direcionada ao garoto que parece se encolher ao se confrontado. Changbin aperta os punhos. — E novamente — Ele diz, entorpecido pelo medo de ser descoberto e a raiva ardente que queima um pouco a derme morena. — Não tinha cara nenhum.
— Se souberem que você fez isso…
— E daí? Você vai dizer por acaso?
— Por que você está tão na defensiva por isso? Quem era ele? Por que você está o defendendo tanto!? — Ele também se exalta sem um motivo aparente, ele grita de volta para Changbin e ele se assusta com o quão profunda sua voz se torna.
— Por que você se importa!?
— Porque eu gosto de você! — Felix grita e ecoa por cada pequeno lugar daquele banheiro úmido. Ele grita e ecoa dentro da mente de Changbin. Ele encara o menino perplexo. — Eu gosto de você, tá legal? Gosto desde o primeiro dia e nem sei porque gosto de alguém tão… — Ele gesticula e não acha a palavra certa para definir o que Changbin era. — Argh!
— Não é recíproco. — Changbin diz sem hesitar.
— Eu sei que não. — A voz de Felix desce alguns tons e toda sua feição se contorce em tristeza. — Porra, eu sei que não é. Mas, ontem eu te vi com aquele cara e você estava sorrindo tanto, eu fiquei com tanto ciúmes que… merda, eu nem sei porque estou te dizendo isso. Realmente não é da minha conta sua vida, eu te afastei de mim e te dei as costas. — Felix esfrega um dos olhos, lágrimas brotando nos cantos e escorregando pelas bochechas. Changbin não sabe o que fazer exatamente, ele nem se move do lugar. — Eu só fiquei com ciúmes, porque mesmo quando éramos amigos, você nunca sorria daquele jeito para mim. E você estava tão à vontade com ele que fiquei com inveja. Eu também queria segurar na sua mão e tocar no seu rosto, eu desejo isso todos os dias desde que te conheci. Merda, nem entendo porque gosto tanto de você, você sempre foi meio distante e fechado.
Felix senta no banco e encolhe o corpo, evitando que Changbin visse as lágrimas insistentes. Ele não sabe o que fazer, deveria consolar Felix? Ou apenas ignorar? Não queria dar esperanças de algo que nunca iria para frente. Ele já pensou em como seria gostar de outros garotos, mas todas as vezes que imaginava estar com outro homem, ele só conseguia pensar em Jisung e Chan. Não existia ninguém para ele além dos dois. Era como se eles estivessem bloqueando a passagem dos seus sentimentos, levando tudo para eles e somente eles, Changbin era deles e de mais ninguém. Sabia disso. Sentia isso.
— Me desculpa, Felix. — Changbin diz. — Aquele cara é Chan, ele é meu amigo. — Não queria se assumir para o menino, ainda receoso do que ele poderia fazer com essa informação. As pessoas naquele orfanato não eram de confiança e Changbin nunca conseguiria confiar totalmente em nenhuma delas. — Não nós vemos há um tempo, ele saiu do orfanato ano passado. Ontem foi aniversário do Jisung e ele veio nos ver. Somos amigos desde sempre. — É desconcertante vê-lo chorar e saber que era o motivo disso, mas Changbin nunca soube o que fazer nessas situações. Ele se aproxima e toca o topo da cabeça de Felix, e ele ergue o rosto vermelho e sujo de lágrimas. — Sinto muito que você goste de mim.
— Eu quem deveria dizer isso. — Ele diz embolado por lágrimas teimosas e um nariz sujo. — Desculpa por gostar de você e por querer me meter na sua vida. — Ele limpa o rosto usando a gola da camisa e se ergue, quase trombando em Changbin. — Não vou te incomodar de novo. — Felix recolhe suas coisas e sai sem dizer mais nada, e Changbin encosta na parede mais próxima para conseguir digerir o que acabou de acontecer.
(...)
— Caramba. — Jisung diz de bochechas cheias do almoço da cantina, logo após de Changbin dizer o que tinha acontecido pela manhã. — Bom, eu sempre desconfiei que ele gostava de você.
— E tudo bem para você? — Changbin não estava com muito apetite, preferindo colocar os pedaços de carne no prato de Jisung e apenas aproveitar da salada que trouxe de acompanhamento.
— Claro. — Ele mexe os ombros com desleixo, levando mais uma colherada de comida à boca. — Eu te conquistei primeiro, eu fui seu primeiro beijo, eu que namoro com você, por que me importaria com isso?
— E se eu gostasse dele de volta? — Resolveu provocar, ciente que Jisung era ciumento. E lá estava. Jisung o olha com desconfiança, a sobrancelha erguida e o bico sujo de comida. Changbin sorri e afaga a orelha dele, como um gato que ganha uma carícia por estar chateado. — É brincadeira. Rejeitei ele na hora, acho que fui até indelicado. Fiquei meio em choque e só falei que não era recíproco. Acho que deveria ter sido um pouco mais… cuidadoso, não sei.
— As vezes é melhor receber logo um não do que nutrir esperanças que não existem. Mesmo que eu não saiba o que é um não, eu tenho dois lindos namorados na minha mão, e quem me rejeitaria? Eu todo lindo e atraente desse jeito. — Ele joga um cabelo longo imaginário por trás do ombro e Changbin revira os olhos, empurrando a cabeça dele. — Vai dizer que é mentira?
— Só come sua comida, garoto. — Ele se estica até Changbin para beijá-lo na bochecha, porém, ao olhar para os lados e notar todos aqueles olhares em sua direção, Changbin rapidamente se afasta. — Aqui não, Han. — Jisung se recolhe e volta a comer em silêncio, talvez mais chateado do que Changbin gostaria que ele ficasse. — Ei, desculpa. — Por debaixo da mesa, ele segura a mão de Jisung, apertando entre os dedos para finalmente conseguir a atenção dele. — Quando estivermos sozinho, você pode me dar quantos beijos quiser, mas não aqui. Não me sinto confortável em fazer isso na frente de todo mundo.
— Eu sei, hyung. Não tô chateado com você, tô chateado com esse lugar. Não vejo a hora de sair daqui com você e o Chan hyung. Tô farto disso. Só quero ir embora logo. — O menor vê o cansaço expresso no semblante exaurido de Jisung, vê as bolsas de água embaixo dos olhos, vê uma preocupação brilhando além das íris negras e percebe que não era só ele que não aguentava mais aquele lugar. Era cansativo para os dois continuar no orfanato, era quase impossível não estar contando os dias para se livrar de todo aquele peso. Lá fora eles ainda seriam meninos órfãos, mas seriam livres. E isso era tudo que Changbin mais queria, liberdade para ser quem realmente era pelo menos uma vez na vida.
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