37
Changbin levantou no meio da noite, tropeçando nas malas que deixou no espaço minúsculo que sobrava entre as beliches. Ele quase não consegue sair por Jisung estar dormindo em cima dele, mas com esforço ele afasta o menino que dormia pesadamente sobre seu peito e escorrega para fora. Com cuidado, ele abre uma das duas malas que trouxe, olhando para o presente embalado em plástico brilhante rosa — uma das cores preferidas de Jisung.
Passou a última semana toda atrás de algo que Jisung fosse gostar, foi em lojas de jóias para talvez comprar uma pulseira ou colar para o menino, mas não achou nada que fosse do seu agrado. Sabia que Jisung gostaria de qualquer coisa que ele desse, mas Changbin queria algo especial, porque era a primeira vez que ele estava dando um presente real ao garoto, não podia ser qualquer coisa. Com ajuda de Hyunjin e Jeongin, ele foi em várias outras lojas: lojas de roupas, jóias e eletrônicos. Cogitou comprar um celular para ele, mas sairia muito caro, e Changbin ainda não estava conseguindo ganhar dinheiro próprio o suficiente, apesar dos poucos trabalhos que fazia como modelo para a marca da sua avó — por insistência dela, é claro, Changbin não queria fazer isso inicialmente mas tinha dinheiro em jogo e ele precisava de dinheiro. Eram só pequenos trabalhos como modelo de roupas e acessórios, e embora Changbin não se achasse bom o suficiente para o trabalho, era o que tinha no momento. Ele não podia reclamar da barriga cheia.
Ele olhou uma última vez para o plástico rosado, e voltou para cama rapidinho. Era só para ter certeza que não esqueceu. Deitado, Changbin fitou um Jisung miúdo e encolhido, os olhos bem fechados como se estivesse tendo um sonho ruim. Ele abraçou o menino pela cintura, trazendo ele para perto, acariciando o cabelo macio e recém cortado. Sem perceber, no meio da pouca luz que entrava pela janela do quarto, Changbin pensou em Chan quando olhou para o outro beliche. Lembranças do passado voltaram, como nas noites em que o trio se amontoava na cama e ouviam o Bang recitando seus poemas preferidos. Ou quando, antes mesmo de toda declaração acontecer, quando ainda eram amigos, os três comiam escondidos naquele chão empoeirado, escondido de Haeri. Passou tanto tempo, e agora, eles não eram mais crianças que corriam juntos para cima e para baixo atrás de aventuras, Chan não era mais chorão e Jisung não precisava que ninguém o levasse até o banheiro para tomar banho. Eles cresceram, e Changbin sentiu o peso do tempo de repente.
Ele era um adulto, embora não conseguisse se ver como um ainda. Era tão imatura, inseguro, medroso, ainda tinha medo da solidão, mesmo que soubesse que nunca estaria sozinho, se dependesse de Jisung e Chan. Queria entender toda a confusão que preenchia a mente, queria desbravar todas as coisas que tinha medo, queria ultrapassar os próprios limites para chegar ao autoconhecimento, mas valia a pena? Quis se esconder várias vezes ao decorrer das tentativas. Seja suas experiências individuais ou em seu relacionamento. Não entendia quase nada da vida, como viveria uma sendo um homem adulto? Nem se achava responsável, e de repente, era dono de tantas coisas. Era responsável por riquezas que, há menos de um ano atrás, nem sabia que eram suas. Não sabia como lidar. Contudo, às vezes, quando se sentia perdido, bastava um sorrisinho de Jisung e tudo ao redor parecia insignificante. Estavam juntos, por que tinha tanto medo? Changbin nunca entenderia o efeito que aquele garoto de bochechas grandes e sorriso bonito tinha sobre ele.
Quando pensava nele ou em Chan, as coisas pareciam mais fáceis. Quando Haeri, dona do orfanato e responsável por seus pesados, vinha até ele para incomodá-lo, o mundo não parecia desabar. Pelo menos não totalmente. Ultimamente, as coisas pareciam tão bem mais calmas. Todos ainda o ignoravam, como de costume, mas honestamente? Changbin chegou numa idade que isso se tornou insignificante, talvez seu eu criança tenha ficado bastante triste por muito tempo por ser ignorado e tratado como um monstro violento, mas agora ele não se importava o suficiente. Daqui alguns — poucos — meses tudo isso ficaria para trás. Haeri, o orfanato, o passado, tudo. Ele seria um novo Changbin. Um Changbin que teria um emprego e ganharia o próprio dinheiro. Um que moraria com os namorados e poderia vê-los todos os dias, poderia ficar com eles e não ter medo do julgamento, apesar de ter noção de como a sociedade que viviam era preconceituosa. Mas, sendo honesto, Changbin já enfrentou monstros piores do que a homofobia de algumas pessoas.
Ele queria aprender a lutar. Pensou nisso quando estava na casa de Siyoung, com Jeongin e Hyunjin no quarto, vendo MMA na televisão e comendo pizza. Pensou nisso de repente, enquanto via um lutador nocautear o outro. Compartilhou a ideia com os garotos e eles disseram que talvez fosse uma boa ideia, mas Changbin não queria lutar MMA, nem se envolver nesse tipo de competição, ele só queria aprender defesa pessoal, talvez Taekwondo ou alguma luta que pudesse ensinar. Queria que outras crianças também pudessem se defender. Se tivesse aprendido autodefesa quando criança, teria conseguido ensinar Chan a fugir de todo bullying e xenofobia que ele sofreu. Teria o ajudado mais. Toda vez que lembra das pequenas brigas que o garoto se envolvia quando criança apenas por ser diferente das outras crianças, uma indignação enorme subia até o pescoço. Changbin não queria que outras crianças fossem tratadas como Chan, não queria que outras crianças fossem tratadas como ele. Por isso, cogitou a ideia de aprender algo quando saísse do orfanato.
Ainda não soube como abordar esse assunto com Jisung, mas pensaria em um jeito. Não era exatamente um trabalho, mas poderia fazer isso enquanto continuava com os bicos como modelo para Siyoung. Por enquanto, se limitou a ficar quieto e continuar com o carinho pelo cabelo preto de Jisung. O dia começou a amanhecer e as luzes do sol invadiram o quarto como intrusas. Eventualmente, Jisung começou a despertar, esticando os braços e as pernas. Ele olhou para Changbin, com bolsas de água embaixo dos olhos pela noite mal dormida e o cabelo bagunçado, e sorriu, feliz pela visão.
— Bom dia, amor. — Jisung tentou beijá-lo, mas Changbin colocou a mão entre as bocas. Chateado, Han lançou um olhar cabisbaixo para ele. — O que você tá fazendo? — Indagou em um tom triste, que fez Changbin rir um pouquinho.
— A gente já teve essa conversa, Hanie. Sem beijos até escovar os dentes.
— Só tô tentando ser romântico.
— Isso não é romântico, é nojento.
— Binie, você me odeia?
— Meu Deus Jisung, são sete da manhã. — Changbin virou de costas, incrédulo com o drama do namorado. Jisung se aconchegou nele por trás, rindo de um jeito fofo, feliz por irritar Changbin.
Jisung beijou a área entre as escápulas de Changbin, e ele sorriu, porque era impossível ficar irritado com Jisung por muito tempo. Eles caíram no sono eventualmente, o clima era agradável, o sol ainda nem tinha nascido completamente, e hoje eles não tinham nada para fazer. Jisung estava de folga, por ser seu aniversário, e Changbin não participava de nenhum clube desde o que aconteceu com o time de futebol. Honestamente, o menino queria distância daquele lugar e daquelas pessoas, só sentia falta de Felix de vez em quando, porque apesar de tudo, ele era um bom garoto. A partir do dia que Changbin saiu do time, eles se afastaram completamente, Changbin ainda tentou ir atrás, puxar conversas e até ir vê-lo nos treinos noturnos que Felix permanecia fazendo, mas ele fugia. Changbin tentou por um bom tempo contatar o menino, ia atrás dele no refeitório, tentava conversar com ele nos corredores do orfanato, mas Felix esquivava, sempre saindo de cena como se não conhecesse Changbin. Aquilo o machucou um pouco, admitia isso, mas se seria assim, que fosse. Changbin não tinha mais dez anos, ele não precisava correr atrás das outras pessoas porque se sentia solitário e queria amigos. Ele tinha Jisung e Chan e isso bastava.
Lá para depois do horário de café da manhã a dupla despertou. Changbin acariciou o cabelo escorrido de Jisung, sussurrando para ele levantar. O dia lá fora estava lindo, perfeito para sair e aproveitar, embora eles não pudessem ir muito longe. Do lado exterior, o barulho das crianças andando pelo corredor ecoava dentro do quarto. As aulas já tinham acabado para todos, os terceristas concluíram o ensino médio — inclusive Jisung e Changbin, por sorte e muita fé —, por isso, todos tinham tempo de sobra. Algumas crianças entraram em clubes, outras só queriam se divertir e fazer qualquer coisa com o tempo livre que tinham, e algumas — como Changbin — estavam com tempo sobrando até demais.
Eles saíram apenas para ir ao banheiro compartilhado no final do corredor do dormitório, para escovar os dentes e tomar uma ducha rápida, não tinham planos de permanecer no prédio por muito tempo, Jisung sugeriu que eles fossem até o riacho para aproveitar o bom dia. Changbin não relutou com a decisão, queria ficar um pouco a sós com o menino hoje. Eles tomaram banho, se organizaram e retornaram ao quarto com as toalhas sobre o ombro e roupas mais casuais para o dia, ambos usando bermuda e camiseta regata. No quarto, Changbin esperou até Jisung estar distraído para buscar o presente dentro da mala, ele tentou ser o mais discreto possível, mas o barulho do plástico chamou atenção de Jisung instantaneamente. Num passe rápido, suas orelhas captam o som e ele vira na direção de um Changbin agachado no chão com um pacote cor de rosa brilhante na mão. Jisung abriu um sorriso empolgado quando Changbin ficou de pé, acanhado e com as orelhas vermelhas.
— Era para ser surpresa. — Ele deu um passo na direção de Jisung. — Mas, feliz aniversário, bebê. — Esticou o embrulho, e Jisung fez um bico choroso. — Hanie, não chora. É só um presente, nem é grande coisa.
— É grande coisa sim. — Replicou, pegando o presente. — É especial, porque é você que me deu. — Jisung fungou e limpou o rosto usando o antebraço, esfregando o rosto. — Eu tô tão feliz. — Falou, os olhos vermelhos de lágrimas teimosas de felicidade. Changbin derreteu, incapaz de aguentar com tamanha fofura. Ele enxuga as lágrimas insistentes, e faz menção para que Jisung abrisse o embrulho.
Com o maior cuidado possível, ele desfez o embrulho, sem rasgar o plástico. De dentro, ele tirou uma camiseta preta estampada, ele esticou a camiseta e leu o nome, os olhos se arregalando ao perceber que era de marca. Uma camiseta original de uma marca que custaria mais do que Jisung poderia contar nos dedos. Ele olhou para Changbin, e fitou a camiseta, ainda embasbacado. Tirando a própria camiseta que usava anteriormente, Jisung vestiu a nova, e bem sutilmente Changbin comemorou por ter acertado o tamanho da camisa. Ele usou Jeongin como modelo para conseguir achar o tamanho certo que Jisung provavelmente usaria, Hyunjin era alto demais, seus ombros eram um pouco largos e ele tinha brancos longos, Jeongin era quase do tamanho de Jisung, daria certo. E deu. A camisa caiu como uma luva no corpo meio esguio do Han.
— Você gostou? — Indagou, embora estivesse estampada no rosto inteiro de Jisung. Ele estava genuinamente alegre com a roupa, o sorriso contente não saia da sua boca.
— Eu amei, hyung. Muito obrigado. — Ele abraçou Changbin pelo pescoço e beijou o rosto ainda rubro do rapaz. — Deve ter sido cara. Você não precisa gastar muito comigo, sabe disso.
— É só uma camisa, não é grande coisa. — Insistiu. — Prometo te dar uma coisa melhor no natal. Você merece tudo de bom, sabe disso. Não me importo de gastar se eu for te ver sorrindo desse jeito. — Acariciou o rosto dele com apreço, e Jisung sorriu, segurando na mão de Changbin.
— Acho que ganhei na loteria, você é fofo, romântico, rico, como eu não poderia te amar? — Changbin fez sua melhor cara de tédio, e Jisung riu. — Brincadeira, amor. Você sabe que eu não ligo pra dinheiro. O resto é sério. — Jisung o beijou mais uma vez na bochecha. — Agora, vamos fugir daqui antes que alguém tente te tirar de mim.
Juntos, a dupla saiu do quarto. Jisung continuou com a camiseta, esbanjando seu presente para quem quisesse ver. Sem que o porteiro visse, eles saíram correndo até restar apenas as folhas das árvores amassadas para trás no caminho. Entrando na floresta, Jisung segurou na mão de Changbin, ciente que dali em diante eles poderiam ser e agir como realmente eram, namorados. Changbin agarrou a mão dele e correu na frente, passando entre arbustos e caminhos rodopiantes, pulando raízes grossas que nasciam do chão e vendo alguns roedores passando pelos galhos altos das árvores frutíferas. Tudo tinha cheiro de um novo começo, e Changbin se sentia meio assim. Como se estivesse prestes a embarcar em um novo começo. Um começo diferente, para um Changbin diferente. Eles chegaram no riacho após muitas risadas e tropeços, e sem esperar muito, a dupla pulou na água cristalina e morna pelo sol da manhã.
Changbin observou Jisung mergulhar, sem antes tirar a camiseta. Ele afirmou no meio do caminho que era um presente muito caro para molhar, por enquanto. Por isso, tirou a camiseta antes de pular na água funda. Changbin riu quando ele emergiu balançando a cabeça como um cachorrinho, e jogou água rente aos seus pés. Receoso, Changbin não quis tirar a camiseta, infeliz com os resultados da comilança que teve durante a última semana. Sua avó, Siyoung, o encheu de pratos deliciosos, e tinha certeza que ganhou alguns quilinhos indesejados. Ele queria manter o corpo em boa forma, principalmente agora que estava atuando como modelo, embora as fotos que tirava nunca o pediam nada além do que ele poderia revelar. Siyoung o conhecia, pouco, mas sabia que Changbin tinha seus limites em relação até onde ele poderia ir nas fotos, por isso, os ensaios para roupas mais reveladores eram feitas por outro modelo. A agência da sua avó era recheada de todo tipo de pessoa, mulheres altas, baixas, magras e gordas; homens com vitiligo, altos, baixos, com barba e sem barba; pessoas não binárias, andróginas ou não, negras, latinas e asiáticas. Era um local diverso e confortável para todos os gêneros e sexualidades, lá Changbin aprendeu bastante com as pessoas que trabalhou, eram todos muito gentis com ele apesar do quão tímido e meio assustador ele podia parecer quando visto pela primeira vez.
Apesar de tudo, ele não estava confortável em ficar sem camisa agora. E por isso, entrou na água vestido, e agradeceu silenciosamente por Jisung não perguntar o motivo. Sabia que Han não o faria ficar inseguro com perguntas inconvenientes, por isso, quando entrou no riacho, Jisung ergueu a mão para ajudá-lo a não escorregar na areia e pedrinhas escorregadias. Ele o guiou com cuidado até a parte onde os dois pudessem ficar de pé com facilidade, já que agora não tinham Chan para salvá-los caso fossem muito para o fundo. Jisung girou ao seu redor, meio imerso na água como um tubarão ao redor da presa. Changbin riu da bobeira e molhou o rosto dele ao agitar a água na direção do menino, e ele saiu da água se chacoalhando.
Passaram o restante do dia assim, mergulhando, brincando e se beijando quando tinham a oportunidade. Saíram da água com a ponta dos dedos enrugadas, e jogados no gramado rente ao riacho, os dois encararam o céu azulado e cheio de nuvens. Antigamente, ele, Jisung e Chan tinham a mania de procurar por figuras nas nuvens, sejam animais ou objetivos, era uma brincadeira divertida que levava a competições bobas, agora, os dois tinham sorrisos cansados e bochechas coradas olhando para o céu brilhante. O clima estava perfeito, e tudo parecia silencioso. Changbin fechou os olhos e desejou que tudo permanecesse calmo como hoje, sem conflitos e complicações. Poderia viver uma boa vida com Jisung e Chan se tudo continuasse assim. Estava feliz com o que tinham, e satisfeito com o relacionamento que levavam, embora sentisse muita a falta de Christopher. Rezou para ele aparecer hoje, nem que seja só uma visitinha de dez minutos, não queria ver Jisung triste, sabia que ele não falaria que estava ansioso, mas percebeu que desde o minuto que os dois acordaram, Jisung olhava para a janela ansioso, atrás de algum sinal de Chan. Mas até agora, nada. E se ele chegasse quando os dois estavam ali, ele saberia onde procurar.
Jisung segurou na mão de Changbin no meio do devaneio do rapaz, e ele virou o rosto na direção dele. Ele estava lindo. Estupidamente lindo. Changbin quis que seu cérebro nunca esquecesse dessa visão, de Jisung com os olhos caídos de preguiça, o cabelo molhado colado na testa e o sorriso suave de lábios rosados e secos pelo sol e ventania. Ele era tão lindo. Changbin ergueu a mão e tocou o rosto macio, incapaz de acreditar que era real, que ele era real. E era seu. Changbin não pensou muito depois disso, ficou irracional, burro e perdidamente apaixonado. Apoiado no cotovelo, ele beijou Jisung de cima, com tamanha possessividade que o garoto arfou surpreso, mas não resistiu. Porque Jisung gostava disso, da sensação inebriante de ser amado com intensidade, do calor da juventude deles que se espalhava pelos arredores, da paixão sufocante que sentiam. Era intenso, denso e quase palpável. Ele arfou de pernas cruzadas quando Changbin o beijou até sugar seu lábio, e de repente, tudo derreteu e nada importava.
— Desculpa. — Changbin pediu quando o ósculo foi cessado, Jisung tinha os braços ao redor do pescoço dele, o impedindo de sair de perto. — Te machuquei? — Balançou a cabeça, negando. O lábio estava vermelho e inchado, mas não doía.
— Não foi ruim. — Alegou, a voz em um fio. Changbin ainda parecia preocupado. — É sério, hyung. Não doeu. Você pode fazer isso mais vezes. — Deixou claro, assegurando ao menino que estava tudo bem. Changbin sempre foi muito cuidadoso com ele, mas Jisung as vezes não queria isso. Não queria que ele fosse sempre delicado e meticuloso, gostava quando Changbin era um pouco impulsivo.
Eles se abraçaram, ali mesmo no chão de grama úmida. O calor de ambos corpos emanando em níveis confortáveis fez o contato ser agradável. Eles ficaram assim por bastante tempo, apenas quietos e se confortando, como se o sol indo embora não fosse um problema. E talvez não fosse. Jisung e Changbin conheciam o caminho de volta como a palma das mãos, era impossível para eles se perderem naquela floresta. Cresceram ali, não havia trilha ou caminho de terra que não conheciam. Por isso, mesmo quando tudo começou a esfriar eles não partiram, decididos a se banhar mais uma vez antes de ir.
(...)
Do canto, Changbin percebeu que Jisung ainda esperava por Chan.
Era noite, quase onze horas, eles retornaram do riacho um pouco mais tarde do que gostariam, mas felizmente conseguiram jantar antes do toque de recolher. Tiveram que correr até o refeitório com as roupas que saíram pela manhã, um pouco molhados e vermelhos do sol, mas por já serem mais velhos no orfanato, poderiam comer ou andar pelo instituto sem o uniforme obrigatório, ordem de Haeri. Ela não queria gastar mais dinheiro comprando tamanhos maiores de uniforme para os garotos e garotas mais velhas que estavam prestes a sair, por isso permitiu que eles usassem as roupas casuais que ganhavam de doações. Por essa razão, ao entrar no refeitório usando bermuda e camiseta, ninguém os olhou estranho, apesar dos cochichos curiosos.
Jisung continuou olhando pela janela desde que eles entraram no quarto, quieto e distante, esperando por alguém que talvez não viesse. Changbin largou os travesseiros e os lençóis na cama, deixando para arrumar depois, ele deu passos calculados até o namorado ainda próximo a janela, o abraçando por trás. Ele beijou o ombro coberto de Jisung, apertando os braços ao redor da cintura dele. Jisung ficou quieto, se encolhendo dentro do abraço confortável, o vento suave entrando pela janela aberta e deixando o ambiente ventilado, de maneira que o mofo no teto não incomodasse tanto.
— Acho que vou deitar. — Jisung anunciou, a voz cansada e os ombros caídos de desânimo. Changbin não deixou que ele saísse do abraço, o impedindo de ir até o beliche. — Ele não vem, hyung. E tá tudo bem. Eu vou dormir.
— A gente tem que esperar por ele. — Insistiu, ainda sem soltá-lo. Jisung entendeu, entendeu em todos os sentidos que aquela afirmação pudesse ter, mas ele estava genuinamente cansado de esperar.
— Eu tô cansado, Changbin.
— Eu também tô, Jisung. — Virou ele na sua direção. — Mas você e ele me esperaram, não foi? Me esperaram por anos, não podemos deixar de esperar por ele.
— É diferente.
— Como? É até mais fácil.
— Você sempre esteve aqui, onde a gente pudesse ver. Ele tá lá — Apontou na direção da janela. —, em algum lugar, sem a gente. Eu não consigo me manter confiante por muito tempo, okay? Eu tô inseguro, hyung. Muito inseguro. Eu conheço aquele idiota, mas já se passou tanto tempo, eu não sei mais se conheço ele mesmo.
— Ele continua o mesmo Chan de sempre, Hanie. O nosso Chan.
— Eu quero acreditar nisso, mas não sei. Não sei mesmo. — Esfregando o rosto, Jisung tentou impedir que uma crise viesse. Se sentia fraco, incapaz, inseguro, com medo. — Eu sei que o Minho sempre traz notícias dele, eu sei, mas eu não confio no Minho, você sabe disso. E se ele estiver mentindo? E se eu não for bom o suficiente pra vocês dois? Eu tento ser confiante, por nós, mas não posso fingir para sempre.
— Você não devia fingir, você precisa me dizer a verdade, Jisung. — Segurou a mão livre dele, a que não estava no rosto, esfregando as lágrimas rudemente para afastá-las. Changbin o encarou, sério como nunca antes visto. Aquela expressão no semblante sempre sereno deixou Jisung apreensivo. Aquele não era o Changbin que Jisung estava acostumado, ele parecia sério demais. — Você tem que me falar quando estiver se sentindo para baixo, ou inseguro. E sem você, nunca estaríamos juntos. Tudo começou porque você insistiu em mim, e convenceu o Chan a não desistir. Você é mais que suficiente para mim, e tenho certeza que para ele também. Eu te amo garoto, o que mais você precisa ouvir para ter certeza disso? — Ele deu um soquinho no peito de Jisung, e sorriu, finalmente voltando a ser o mesmo Changbin de sempre.
Jisung fungou, os lábios formando um bico choroso. Ele desmanchou nos braços de Changbin, chorando copiosamente no ombro do menino. Changbin acariciou as costas dele, o abraçando apertado. Ficaram assim até que ele se acalmasse, o que demorou, porque Jisung estava segurando aquele choro há bastante tempo. Ele evitava chorar para não preocupar Changbin, não queria que ele o visse tão vulnerável, mas agora, com toda essa confiança que o garoto transpassou, era impossível não ser vulnerável. Se sentia tão seguro em ser ele mesmo na presença de Changbin que queria que ele pudesse ver todas suas inseguranças e imperfeições, que ele pudesse perceber que até nos seus mínimos erros Jisung só queria que eles pudessem ficar juntos e bem no final de tudo, que, apesar de tudo, de todos as coisas ruins que existia dentro da sua cabeça, Jisung sempre seria dele e de Chan. Sempre. Queria que Changbin ficasse ciente de tudo, mas não conseguia fazer nada além de chorar como um bebê.
Eventualmente, o choro foi cessando, ficando apenas a camisa molhada de Changbin para trás e o rosto úmido de Jisung. Eles se encaram na meia penumbra da noite, e Changbin sorriu, enxugando as gotas teimosas que insistiam em escorrer dos olhos escuros de Jisung, e o beijou na testa
— Você pode esperar ele comigo? — Jisung indagou, a voz instável pelo choro.
— Você sabe que sim.
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