34
Meses depois.
Chan acordou assustado pelo alarme tocando alto próximo a orelha. Ele ergue a cabeça e desliga, percebendo que dormiu novamente sobre os livros. Era cinco da manhã, o dia estava prestes a começar.
Contra sua vontade, ele levanta cambaleando, uma dor horrível nas costas dá sinais no mesmo instante em que o rapaz se estica, estalando os ossos adormecidos e doloridos. Era a terceira vez no mês que dormia rente aos livros. Chan andava tão ocupado com as provas e todos os outros assuntos da faculdade que esquecia que tinha uma cama bem ali ao lado para deitar. Mas não tinha tempo, não podia se dar ao luxo de dormir, possuía assuntos para revisar, coisas para estudar, e a madrugada era o único momento do dia que tinha tempo para essa parte turbulenta da vida. Ele não ficou muito tempo no quarto, e segue para o banheiro com a toalha no ombro, lá fora as nuvens começavam a mudar de cor, ficando cada vez mais claras pelo surgimento do sol, ele não podia perder tempo.
Chan separava o material das aulas de hoje enquanto comia um pedaço de pão com manteiga, os olhos pesados de sono. Há quanto tempo não dormia direito? Não sabia a última vez que conseguiu colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente, sempre tinha um pensamento aqui e ali sobre coisas que ainda não aconteceram — ou que podiam acontecer —, a cabeça tão cheia de minhocas e ideias que não conseguia nem cochilar direito. Estava exausto, genuinamente exausto. Lá fora, a neblina da noite começava a sumir, dando espaço ao calor confortável do outono. Ele escovou os dentes, pegou a mochila e saiu, sem antes buscar a bicicleta.
Ficou um tempinho olhando para o céu ainda um pouco escuro, e desejou que Changbin e Jisung estivessem com ele agora. Que os três estivessem finalmente juntos, mas ainda não era possível. Ainda não. Chan encolheu os ombros e subiu na bicicleta, pedalando até a faculdade, que fica a alguns quilômetros da onde estava morando atualmente. Fazia um ou dois meses que finalmente havia conseguido alugar um quitinete para ficar, não era uma casa grande nem confortável, o teto tinha mofo e o banheiro estava com a descarga quebrada, mas pelo menos era um lugar seu. Quando se mudou da casa de Minho para esse novo ambiente, o rapaz o repreendeu, alegando que ele poderia ficar em sua casa até conseguir um lugar bom de verdade para morar, mas Chan insistiu em se mudar. Não queria abusar da gentileza de Minho, estava ficando na casa dele desde que saiu do orfanato, sabia que às vezes ele e Seungmin queriam ter um momento a sós, mas Chan estava por lá, e sentia que sempre os atrapalhava. Por isso, decidiu se mudar, e também porque queria realmente morar só, ver como era e se saberia se virar sozinho.
Desde que saiu do orfanato há bons meses atrás, sempre estava recebendo ajuda, seja de Minho ou de Seungmin. Os agradecia genuinamente, não saberia o que teria sido dele se não fosse por aqueles dois sempre no seu pé, mas já era um adulto, teria que começar a se virar sozinho e tomar decisões por si só, ou não saberia como lidar com as coisas quando Jisung e Changbin viessem morar consigo. Por isso, se mudou. E desde então, sua vida virou uma maluquice. Graças a Minho, arranjou um trabalho de meio período numa pizzaria, entregava pizzas de bicicleta à noite e até recebia um salário legal, não era muito, mas dava para se virar. Além disso, dava aulas particulares de matérias de exatas, matemática, física e química, para alunos do ensino médio, o que dava para tirar uma quantia de dinheiro razoável por semana, e óbvio, estudava durante toda manhã. Apesar de realmente gostar do curso de direito, às vezes queria ter optado por algo mais fácil ou que pudesse lhe dar mais tempo para outras atividades.
Mas tudo bem, Chan era um cara que não desistiria fácil, ele saberia lidar. Precisava saber. Estava tudo nas suas mãos, ele não poderia vacilar, como Changbin e Jisung ficariam se soubessem que ele estava pensando em desistir? Não podia. Tinha que dar um futuro bom para eles. Por isso, seguiu pedalando até a universidade de Yonsei, o céu ficando cada vez mais claro. Quando chegou, o sol já tinha nascido no horizonte, mas não tinha tempo para admirá-lo, o dia estava apenas começando. Hoje teria cinco aulas pela manhã, Chan conferiu se trouxe todos os livros necessários na mochila enquanto caminhava até os portões, e felizmente desta vez não tinha esquecido nenhum. Ele seguiu andando entre as pessoas, cumprimentando um ou outro conhecido, mas sem realmente parar para conversar. Apesar de ser bem tímido, conseguiu formar algumas amizades, seja para estudar ou até formar grupos quando os professores pediam para fazer seminários ou apresentações. Felizmente, até o momento, sua vida acadêmica estava dando tudo certo.
As pessoas conheciam Christopher por ele ser meio popular, e um dos poucos estudantes que tinham conseguido entrar na universidade de Yonsei por vestibular. Era rara as vezes que algum grupo de pessoas conseguiam entrar na universidade por meio do vestibular, mas Chan tinha sido uma delas, e ele não saberia o que fazer se não tivesse passado. Passou noites sem dormir para estudar, desmaiou uma ou duas vezes de exaustão e precisou começar a fazer terapia com ajuda financeira de Seungmin porque não conseguia fazer as provas do cursinho sem vomitar, mas superou um pouco isso e concluiu o vestibular de todas as faculdades que tinha tentando passar. E das cinco que tentou, Chan passou em três delas, mas resolveu ir para Yonsei por ser uma das poucas que não era integral.
Ele era esforçado, e mesmo cansado, evitava a todo custo dormir nas aulas porque sabia que não teria tempo para ir atrás do conteúdo depois. O trabalho à noite o segurava até de madrugada, às vezes voltava para casa pela manhã, quando o dia estava prestes a amanhecer, por isso, quando conseguia, Chan tentava colocar toda matéria e trabalhos em dia, odiava ficar acumulando. Teria mais estresse com a cobrança dos professores depois, e odiava ficar com a nota vermelha nas matérias, principalmente nas que gostava.
Lá pelas onze da manhã, ele finalmente conseguiu tempo para comer, sua próxima aula seria só às uma da tarde, então tinha que aproveitar para almoçar e ler o artigo que um professor passou. Ele sentou em uma das mesas ao ar livre, tirou a vasilha com a marmita que preparou e abriu o notebook usado que ganhou de Minho. O dia estava lindo, o céu repleto de nuvens que cobriam os raios de sol e não deixava o ambiente quente demais, estava confortável o suficiente para usar somente uma regata preta e bermuda jeans, nas orelhas, usava fones de ouvido enquanto assistia uma vídeo aula de algum assunto pendente. Enquanto comia, Chan desassociou, imaginando como estariam seus namorados agora. Ele quis ver eles, quis tanto que o peito doeu em aflição. Sentia tanta falta deles, das discussões bobas com Jisung e do jeitinho de Changbin. Queria tanto vê-los novamente, passar um tempo com eles e levá-los embora daquele orfanato. Quanto tempo se passou? Checou o calendário pelo notebook, era setembro, perto do aniversário de Jisung. Ficou cabisbaixo com a ideia que também perderia o aniversário do garoto, igual perdeu o de Changbin por não conseguir tempo para visitá-lo.
Desejava do fundo do coração que eles não estivessem o odiando, não saberia lidar com a ideia que eles não o amava mais, porque Chan os amava. Os amava tanto que queria chorar. Os amava tanto que faria qualquer coisa por aqueles dois. Qualquer coisa mesmo. Ele suspirou e tirou um dos fones quando Seungmin surgiu com um amigo, eles se aproximaram da mesa de Chan e após cumprimentar o atual loiro, se sentaram com ele. Seungmin era um cara legal. Ele ajudou Chan em tudo desde que ele se mudou para a cidade grande, ele o ajudou com a universidade, o levou para conhecer lugares legais para almoçar ou passar um tempo de lazer, e até o levou para cortar o cabelo e descolorir. Seungmin sempre dizia que novos começos precisavam de mudanças pessoais, e para Chris, ele viu que seria bom um novo corte de cabelo e uma cor diferente do castanho habitual. E bom, Chan nunca se importou muito com sua aparência, mas quando Seungmin citou que Changbin e Jisung podiam gostar, ele não pensou duas vezes em fazer aquilo. Agora, seu cabelo estava quase branco de tão claro, mas no final gostou da mudança.
— Frenético como sempre, hein, australiano. — Seungmin brincou, jogando a mochila em cima da mesa de madeira. Gunil, um amigo de Seungmin, sentou na outra ponta, de frente para Chan. Chan não o conhecia bem, sabia que ele cursava jornalismo e tinha uma banda, nada mais.
— E quando as coisas não são frenéticas, Kim? — Abaixou a tela do notebook e guardou os fones de ouvido na bolsa, dando uma mordida generosa no sanduíche que trouxe de almoço. — Como tá o Minho?
— Bem. Quando sai de casa, ele ainda estava dormindo. — Ele também tirou da mochila uma vasilha com comida, colocando sobre a mesa junto com os hashis. Lembrou que um dos motivos que precisou sair da casa de Minho foi porque ele e Seungmin queriam começar a morar juntos, inclusive, foi Chan quem insistiu para que Minho tomasse logo essa iniciativa, ou eles nunca sairiam daquele rola-enrola. — E você, como está?
— Bem. — Deixou o sanduíche mordido dentro da vasilha, lembrando que em alguns dias era o aniversário de Jisung. Queria conseguir vê-lo, mas tinha uma prova nesse dia, uma prova importante, talvez não conseguisse chegar a tempo, tinha o trabalho à noite e não permitiam visitas à noite.
— Não parece. — Seungmin percebeu como ele ficou cabisbaixo de repente. Ele olhou para Gunil, que comia em silêncio, e não soube se poderia tocar no assunto “Jisung e Changbin” na presença de pessoas desconhecidas. Então, fingiu uma tosse e perguntou. — É sobre “eles”?
— O que? — Chan indagou, sem entender.
— “Eles”, Chan. Tá ligado? “Eles”. Você tá assim por causa “deles”? — Piscou para Chan, tentando disfarçar de um jeito bem estranho. Gunil e Chan se olharam, confusos. — Meu Deus, Christopher! Tô perguntando DELES. Do Jisung e do Changbin. — Ele abre a boca, finalmente entendendo todo o mistério. Seungmin passa a mão no rosto, incrédulo. — Como você pode ser tão inteligente e tão burro ao mesmo tempo?
— Você que fica cheio de mistérios e enigmas, tá achando que eu sou o que? A turma do Scooby-Doo? — Seungmin revirou os olhos, a mão bagunçando o cabelo. — E sim, é sobre eles. — Volta a comer, tristonho. Chan abaixa o rosto, come o restante do sanduíche numa mordida só e fica com as bochechas cheias. Ele se vira para Seungmin com as bochechas inchadas e um olhar triste, e Seungmin às vezes entende porque Minho é tão afeiçoado nele. Chan conseguia ser fofo quando queria. — Minnie, eu tô com saudades deles. — Murmura de boca cheia, e aquela visão dele sendo todo fofo e carente não condiz direito com o restante do corpo dele, que estava começando a tomar forma. Chan frequentava a academia semanalmente com Minho, quando os dois tinham tempo.
— Eu te disse para visitar eles, na verdade, te digo isso sempre. Mas você sempre diz “Ai, não tenho tempo” ou “Agora não posso”. — Ele imita a voz de Chan, em alguns tons mais baixos e gesticulando, de um jeito que Chan nunca falou. Ele fica emburrado. — Você fica se torturando com saudade deles e quando tem tempo, não vai. Eu simplesmente não te entendo.
— É que quando finalmente tenho tempo, não tenho dinheiro sobrando. — Ele murcha na cadeira. — Quero levar alguma coisa para eles, mas nunca sobra dinheiro e a frequência das aulas que eu dou caiu bastante esse mês, por isso não tô conseguindo uma renda extra.
— Tu sabe que eles não ligam pra isso. Acho que se você só fosse lá, desse um oi e voltasse, os moleques ficariam felizes. — Chan balançou a cabeça, ciente disso, mas não queria ir de mãos abanando. Sentia que era injusto.
— Desculpa interromper. — Gunil finalmente fala, olhando para Chan e Seungmin. — Tô meio por fora, e não sei se posso perguntar, mas sobre o que vocês estão falando? Esses caras são seus irmãos? — Seungmin e Chan trocam um olhar silencioso, e Seungmin nitidamente queria rir. Gunil ficou confuso quando Chan deitou a testa na mesa e Seungmin explodiu em risadas. — Falei algo errado…?
— Gunil, eu te adoro, cara. — Seungmin enxugou uma lágrima que se acumulou no canto do olho esquerdo pela crise de risos. — Só foi engraçado.
— Não são seus irmãos? — Gunil olhou para Chris, e ele balançou a cabeça, negando.
— Não, nem perto disso. — Empurrou Seungmin quando ele voltou a rir. — São meus namorados. — Assumiu, porque não tinha porquê esconder. Ele nunca fez questão de esconder que namorava, mas nunca chegou a falar para alguém quem eram as pessoas, ou entrar em detalhes dessa parte da sua vida pessoal. As pessoas de vez em quando o questionava se ele era solteiro, e sempre dizia que não, e a conversa acabava aí. Ponto. Nada além disso, mas não ficou constrangido como imaginou quando assumiu isso para Gunil.
— Você é poligâmico?
— Poliamoroso. — Corrigiu ele, pegando outro sanduíche que trouxe na vasilha. — Mas sim, sou isso aí. E gay, antes que reste dúvidas. — Deu outra mordida no sanduíche. Gunil ficou quieto, observando. Seungmin percebeu e ficou de pé, trazendo atenção dos dois para ele.
— Vamos voltar? Barriga cheia, pé no mundo. Vamos, Gunil. — Seungmin guardou a vasilha que trouxe e pegou a bolsa. Gunil fez o mesmo. Eles dois saíram enquanto Chan ainda comia seu último sanduíche.
(...)
Por sorte, sua última aula foi cancelada. Chan nem esperou, ele desceu as escadas do terceiro andar quase pulando, feliz que poderia ir para casa dormir por uma ou duas horas antes de ir trabalhar. Talvez usasse esse tempo para estudar, já que não tinha aulas particulares para lecionar hoje. Ele saiu do prédio da universidade e correu até achar a bicicleta, ele tirou o cadeado e subiu, pronto para ir. Porém, antes que pudesse começar a pedalar, Gunil segurou os guidões da bicicleta muito ofegante, como se tivesse vindo correndo. Chan parou, desceu e ofereceu a ele sua garrafa de água.
— Tá tudo bem? — Indagou preocupado, o vendo vermelho de cansaço. Chan o levou até um banco de madeira próximo.
— Cara, você corre muito. — Ele disse entre um gole de água e outro. — Eu até te chamei. — Alegou, com o rosto ainda vermelho. Chan coçou a orelha, um pouco envergonhado. Estava tão feliz que iria embora cedo que nem prestou atenção nas pessoas ao redor.
— Desculpa. — Pediu com um sorriso sem graça. — Mas do que você precisa? — Indagou, pegando a garrafa de volta. Gunil ficou de pé, bem na sua frente, há um ou dois passos de distância.
— Você tá livre hoje? É que pelo que você falou mais cedo, você dá aulas particulares, né? Pensei que pudesse me ajudar em alguns assuntos que estou com dificuldade. — Ele não olhava para Chan, mantendo a cabeça baixa. Parecia tímido ao pedir, coisa que Chan não entendeu.
— Escuta Gunil, geralmente minhas aulas são para alunos do ensino médio, sabe? Matemática, química, física, até inglês se a pessoa estiver realmente precisando. E seu curso é jornalismo, né? Não conheço nada dessa área, não sei se posso te ajudar.
— Por favor. — Ele segurou seu braço. — Realmente tô precisando das aulas de matemática, e você também faz inglês, né? Pode me ajudar nisso também, pago até um extra! — As orelhas de Chan se atiçaram com a proposta, e ele ficou meio incerto se deveria ou não aceitar. Talvez, com esse pagamento, pudesse ir visitar Changbin e Jisung, poderia até levar um bolo para comemorar o aniversário do menino com eles. Somente a ideia já o fez sorrir. — Por favor? — Gunil insistiu, com um bico.
— Tudo bem. — Gunil comemorou com um sorriso alegre. — Onde você quer que seja a aula? E a que horas?
— Pode ser na minha casa, às quatro horas, tudo bem? — Chan checou o celular, viu o calendário apenas para ter certeza que não estava esquecendo de nada e concordou, balançando a cabeça. — Ótimo, me passa seu número? — E assim fez, entregou o celular ao rapaz e ele agendou o número. — Te mando mensagem com a localização mais tarde. — Ele deu um abraço meio torto em Chan e partiu, olhando para trás algumas vezes. Chan acenou, e foi até a bicicleta, um pouco confuso com tudo que estava acontecendo.
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