02
Estava numa espécie de sala espaçosa, além da cadeira velha que estava sentado com suas mãos presas em cordas grossas que arranhavam sua pele, sua visão estava limitada por conta do breu que rondava seus olhos. De algum ponto daquele lugar estranho, surgiu uma sombra pálida e opaca, deslizando sobre o piso em sua direção, changbin tentou puxar suas mãos das amarradas e gritar por ajuda, um desespero iminente correndo por suas veias. De repente tudo ficou claro demais, o obrigando a abaixar o rosto para proteger seus olhos.
Ainda estava preso na cadeira quando ergueu novamente o rosto, ao longe, em vários passos de distância um casal junto com um menininho de aparentemente dois anos seguia em direção a luz. A mulher era alta e tinha cabelos curtos, talvez castanhos ou pretos, changbin não conseguia enxergar bem. Ao seu lado, estava um homem igualmente alto de vestes elegantes, segurando na mão da criança que parecia feliz em meio a claridade absurda que aquele lugar emitia.
Quase teve certeza de ter visto o rosto do garoto quando tudo novamente se tornou escuro e num puxão o moreno foi tirado daquele sonho esquisito, que talvez pela oitava vez estava tendo. Era sempre o mesmo sonho, um casal, o garoto, a sala branca cegante e por fim ele acordando ofegante, com rastros de suor por sua testa e pescoço, aturdido e abismado.
Ao sentar na cama de supetão, tentou se acalmar sozinho, amassando a camisa no local onde ficava seu coração, puxando o ar com dificuldade.
- changbin? - correu os olhos trêmulos na direção de chan, este acordará pelo susto do menor, tão perdido e desorientado quanto ele.
- só... mais um sonho. - de repente era como se sua garganta estivesse preenchida com areia, incapacitando sua voz de sair naturalmente. Se sentia sufocado e grudento.
- quer dormir aqui? - observou a cama na parte inferior do beliche ao lado, jisung já estava lá deitado no canto perto de chan, aninhado na direção da parede. Não soube dizer em que momento o han começou a dormir com o bang, apenas acordava às vezes de madrugada e lá estava os dois dormindo espremidos na cama de solteiro. Mas compreendia o outro moreno, seus pesadelos eram mais violentos que os sonhos confusos que detinha.
- não precisa, eu tô bem. - garantiu ao outro, voltando a se deitar, afastando as cobertas mais grossas para o canto da cama, dormindo apenas com algo cobrindo suas pernas até a altura do quadril. Chan balançou a cabeça mesmo que o moreno já estivesse deitado, voltando para debaixo dos lençóis.
Ficou se revirando pela cama atrás do sono, mas quando se deu conta já estava de manhã. Saiu do quarto pelo primeiro raiar do dia, se esgueirando pelos corredores vazios até o banheiro compartilhado do primeiro andar dos dormitórios, tomou uma ducha rápida e escovou os dentes, logo vestindo o uniforme do orfanato. Se olhou no espelho por breves momentos, não gostando nem um pouco da visão das cicatrizes que se estendiam por seu abdômen, braços e mãos, a maioria de brigas antigas que participou para mostrar sua força, algo estúpido que se arrependia amargamente.
Com a toalha ao redor do pescoço, o moreno via o dia começar, garotos saiam dos seus quartos indo em direção ao banheiro ajeitando suas gravatas ou correndo como uma forma de competição para ver quem chegava primeiro no refeitório. Changbin retornou ao seu quarto e o castanho já estava de pé arrumando as camas, jisung tirava o paletó do uniforme do cabideiro preso a parede sonolento e resmungão por ter que acordar cedo novamente.
- bom dia, bin. - chan o saudou, sorrindo pequeno para o garoto de cabelos bagunçados. - você conseguiu dormir depois do sonho? - o moreno nunca contou a nenhum dos dois o que se travava os sonhos que tinha, achava confuso demais explicar e eles não pareciam persistir a respeito daquilo por respeitarem seu espaço.
- nem um pouco. - admitiu num suspiro cansado, jogando a toalha molhada em cima da cama acima da sua que permanecia vazia.
- quer falar sobre? - o han indagou como se já fosse um costume; ele sempre perguntava ao moreno sobre os pesadelos que ele tinha, mesmo que soubesse que ele preferia não falar. Perguntava por que odiava ver o seo aéreo durante o restante do dia por causa dos sonhos ruins.
- tá tudo bem. - o outro garoto de pele bronzeada assentiu, balançando a cabeça. - acho melhor você ir tomar banho logo, não vou ficar te esperando.
- vai ficar me esperando sim, os dois, sabe por quê? - chan finalizou sua cama e encarou o garoto de feições de esquilo, esperando por sua resposta.
- porque você tem medo de andar sozinho, aí nós dois, como bons homens de Deus, te esperamos? - changbin fora mais rápido ao retrucar, observando o castanho de pé ao seu lado fazer uma careta. Ambos eram céticos sobre a existência de um deus, mas chan sabia que o seo estava apenas provocando o han.
- não, seu babaca. Vocês me amam, é por isso que me esperam. - piscou para os dois, saindo saltitante porta a fora. Chan e changbin se encararam rindo, arrumando suas coisas para descer.
(...)
Changbin sem dúvidas odiava matemática, além de ter uma professora chata que nem mesmo explicava as fórmulas usadas corretamente, não podia nem mesmo respirar mais alto que os outros garotos que sentavam em duplas ao seu redor. A mulher baixinha e rechonchuda estava sempre de olho nele, o observando como um gavião de olho em sua presa.
Era absurdamente irritante aquilo, changbin se comportava na aula dela - mesmo que o único motivo de fazer aquilo era chan, não queria envolvê-lo em suas encrencas, e depois de um tempo as pessoas começaram a refletir suas artimanhas nele e em jisung - então ela deveria ser grata por ele ainda não ter jogado o caderno que usava para rabiscar desenhos ao invés de estudar pela janela e saído correndo.
Por um momento aquela ideia parecia atraente demais, porém seus olhos encontraram os de chan e jisung duas cadeiras na frente da sua, perto do birô da mulher, portanto acalmou aquela vontade de sair correndo sala a fora e continuou sentado de cabeça baixa.
Na terceira aula do dia, o moreno já não estava dando atenção para absolutamente nada, seus olhos vagueavam entre um pensamento e outro. Aqueles sonhos perturbadores que sempre tinha não saia da sua cabeça, pensava que aquilo deveria ter um significado, mas não conseguia ligar nada daquilo com algo que já aconteceu em sua vida.
Saiu antes de todos quando o sinal para o intervalo ecoou pelo orfanato, com as mãos nos bolsos, ele seguiu caminho entre o corredor principal. Pretendia buscar jisung na aula de biologia para levá-lo até o refeitório, mesmo que o outro não assumisse, ele realmente não gostava de andar sozinho pelo prédio, alegava que o lugar era assombrado mesmo ao dia, algo besta que changbin tirou sarro durante um mês inteiro, mas depois percebeu que o garoto temia aquilo de verdade decidiu prestar um pouco da sua bondade o acompanhando sempre que possível.
Por estar com a cabeça nas nuvens, não percebeu quando todo o local ficou silencioso de repente e vazio, uma sombra alta se estendeu a sua frente, o impedindo de seguir seu caminho. Ao erguer os olhos, o moreno soltou um suspiro baixo, tentando desviar de jaehyung e sua trupe que o cercavam, não queria arrumar confusão com eles novamente. Seu último castigo havia sido recente, changbin não esperava preparado mentalmente para aguentar outra surra daquela mulher.
- da pra me deixar passar? - odiava ter que levantar a cabeça para falar com os outros, mas ainda assim ergueu o rosto e olhou diretamente para o park.
- cadê seu namoradinho?
- tô vendo ele aqui na minha frente. - aquilo arrancou risadas dos três rapazes que estavam logo atrás das costas do maior, changbin se manteve impassível, ainda com as mãos nos bolsos para evitar qualquer conflito. Ele só queria ir buscar jisung de uma vez.
- você é bem engraçadinho, não é? - seus dedos longos tocaram a bochecha do seo, apertando ela com força e sorrindo de um jeito medonho.
- não me elogia desse jeito na frente dos garotos, vou ficar tímido. - sorriu para o maior.
Jaehyung soltou sua bochecha apenas para segurá-lo pelo braço, erguendo levemente seu corpo no processo por conta da diferença de tamanho pavorosa. Logo atrás das suas costas, os outros três garotos lhe rodeavam como uma prevenção caso ele quisesse fugir. Changbin não iria fugir, sabia que seria bem mais trabalhoso e espalhafatoso se fizesse aquilo, então aproveitaria que tudo ao redor parecia vazio e continuaria calmo, seguindo o garoto e o trio de imbecis que lhe serviam.
Foi empurrado brutalmente contra viga de fora do corredor que interligava as construções, já que os prédios do orfanato eram dividido em dois, os dormitórios masculinos e femininos eram lado a lado, separados por escadas duplas, neste mesmo prédio ficava o refeitório e a cozinha, já no outro prédio era onde as aulas aconteciam e a nova biblioteca tinha sido reformada. As duas construções eram ligadas por um corredor, o teto era feito de gesso e as paredes pintadas em um branco sem vida. Changbin odiava passar por aquele lugar, preferia atravessar por fora, mesmo que carrapichos ficassem presos em suas calças e o sol do meio dia lhe castigasse por ser tão frescurento.
O castanho mantinha o antebraço próximo a garganta do seo, o prendendo com força contra a viga de sustentação, seus olhos pingavam de ódio, todo seu semblante estava coberto por uma camada de irritação que changbin não sabia o motivo, mas sentia que estava envolvido naquilo. Sempre estava.
- vou repetir a pergunta, e juro se você me responder com brincadeirinhas, quebro todos os seus dentes. - ele cuspiu as palavras, cerrando a mandíbula no processo. Changbin se manteve calado e espantosamente calmo, pouco se importando com quão desnecessário era aquele aperto próximo a sua garganta. - onde está o chan?
- e eu vou lá saber. - o apertou intensificou, o obrigando a segurar a respiração.
- onde ele está, changbin?
- eu não sei, caramba! - bradou ficando irritado. - se tem algo pra resolver com o chan, vai procurar ele!
- você acha que se eu pudesse já não teria ido? - ele aproximou o rosto do seu, cada vez mais raivoso apesar do tom moderado da sua voz. - não podemos tocar na jóia rara dessa porcaria de orfanato, mas em você. - os olhos negros e opacos percorrem todo rosto do seo, um sorrisinho zombeteiro nascendo preguiçosamente pelos cantos dos seus lábios. - ninguém se importa se te quebramos aqui mesmo.
Changbin não teve tempo de reagir, quando percebeu sua mente já estava em um completo branco, um soco perfeito atingiu a lateral do seu rosto, o fazendo cambalear pelo impacto forte. Quando os outros três avançaram contra ele, o moreno tentou se organizar, desviando dos socos desengonçados que eles desferiram contra seu corpo, tomando distância antes de ir com tudo contra um dos três. Era difícil manter um ritmo certo com três pessoas destemidas em deixá-lo completamente apagado, mas sentiu que acertou pelo menos dois dos três rapazes. Jaehyung se manteve afastado, apenas observando enquanto seus capangas conseguiram segurar o menor e o mais forte entre eles se divertia em socar seu estômago.
Seus braços foram soltos, seu corpo desabou no chão, sangue escorria do canto dos seus lábios, sentia que tinha algo quebrado entre suas costelas. Ainda não satisfeito, o castanho chutou a coluna do seo antes de se abaixar perante o corpo ferido do garoto, puxando seus cabelos a fim de erguer seu cabelo. Os ouvidos de changbin estavam zumbindo, o gosto ferroso do seu próprio sangue lhe deixava com náuseas, mas escutou perfeitamente as palavras do garoto.
- mande o chan ficar longe da minha garota ou da próxima vez você não sai daqui com as duas pernas funcionando. - recebeu duas tapinhas nas bochechas antes de ter seu rosto empurrado contra o chão.
Foi deixado para trás, podendo escutar as risadas do quarteto. Tentou firmar suas mãos no chão para pegar impulso e ficar de pé, mas estava completamente desorientado e machucado, então decidiu apenas ficar deitado contra o chão de concreto, sentia que iria desmaiar, mas tentou se manter acordado.
Novamente escutou passos vindo em sua direção, sua visão estava turva demais para reconhecer a silhueta que se colocou em sua frente, e estava ainda mais perdido para se debater quando foi erguido com dificuldade.
- changbin, não desmaia, por favor. - estava sendo praticamente carregado, seus pés tentavam ajudar jisung a carregá-lo pelo corredor. - fica comigo, não dorme. Vou te levar na enfermaria.
- não... quarto.
- você tá todo machucado, não tem condição de você ir pro quarto assim. - desespero era notável em sua voz, ele arrastava os pés tentando andar até as escadas que dava para a enfermaria com o moreno ao seu lado.
- por favor, me deixa no quarto. - jisung suspirou antes de girar os calcanhares, mudando de direção.
- tudo bem, vamos pro quarto.
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