Capítulo 6 : Tempo atual - casa dos sonhos
Fernanda voltou a sua rotina diária. Apresentou o atestado médico para Otacília, na secretaria do CEJA e foi avisada de que apesar da justificativa, ela teria desconto no salário por causa dos dias não trabalhados e desconto do vale alimentação (que o pessoal chamava de vale-coxinha, já que mal dava para pagar uma refeição). Otacília enfatizou que não era ela quem ditava as regras. Havia segmentos que ganhavam mais, segmentos que ganhavam menos e adivinha aonde ficava o professor na escala evolutiva? Pois é... Algumas pessoas lhe perguntaram, preocupadas, o que foi que aconteceu. Ela teve de contar que caiu e bateu a cabeça, mas que agora estava bem. O diretor Bataglin reclamou, dizendo que pegava mal para uma professora em estágio probatório arrumar atestados para fugir do trabalho.
Fernanda engoliu o insulto nada velado. Não era o primeiro que ele lhe dirigia desde que começou a lecionar. Quanto mais ela fugia de seus avanços sexuais, mais desagradável ele se tornava. Fernanda sentia que não demorava muito para ela explodir.
Na quinta-feira à noite, já estava se sentindo um bagaço de novo. Foi para o seu quarto & banheiro, para enfrentar sua habitual sessão de tortura sonora... Jussara lhe telefonou na sexta, bem cedo, para dizer que o irmão recebeu carta branca e que ela precisava se mudar naquele mesmo dia porque ele estava indo para a Austrália, com um dia de atraso.
-Tudo bem – concordou.
Depois que as palavras saíram de sua boca, ela ficou assustada. Muito assustada.
-Quer uma carona? – perguntou Jussara. – Ele passa aí para te pegar, se não tiver muita coisa para carregar. Que tal?
-Certo – ela se sentiu meio intimidada, mas agora não dava mais para voltar atrás.
Não tinha muita coisa para levar, a não ser material de trabalho e algumas poucas roupas. Decidiu guardar tudo nas duas mochilas e ficou esperando por Dinho. Por sorte, o aluguel era cobrado mês a mês, sempre adiantado. Faltavam apenas dez dias para o fim do mês. Portanto, ela perderia poucos dias do montante que já pagou.
Uma dúvida a deixou cabreira. Assim que Dinho apareceu para buscá-la, ela perguntou:
-Como faço para pagar o aluguel? Qual o valor?
-Não tem aluguel – ele disse como quem fala do tempo. - É um favor mútuo. O mesmo favor que eu prestava ao Davi. Você só paga aquilo que gastar. Por exemplo, água, luz, telefone, internet. As contas chegam pelo correio e você paga e manda o comprovante para o endereço que está no caderninho, dentro da gaveta do escritório. O sistema de segurança tem senha, que eu vou lhe passar e vou ensinar como lidar com ele. Também tem o escritório de advocacia para você entrar em contato, caso precise avisar alguma coisa importante que tenha a ver com a casa.
-Certo – ela sussurrou mais intimidada do que nunca. O que ela poderia querer avisar? Que botou fogo na casa? Que foi assaltada e levaram tudo?
Dinho tirou as mochilas das suas mãos com medo de que ela mudasse de idéia. Passou-lhe o capacete extra e guardou as mochilas no bagageiro da Harley-Davidson Softail Deluxe. Seu único bem na terra e que Davi fazia o favor de deixar na sua garagem.
-A propósito, você pode usar esta moto, caso tenha alguma emergência. No caderno tem o endereço da oficina que faz a manutenção.
-Eu não sei dirigir uma moto, nem quero saber como se anda nessa coisa – ela podia não ser entendida, mas sabia que bater uma máquina cara como aquela custaria uma fortuna que nem em dez anos como professora conseguiria pagar.
Diante da negativa, ele encolheu os ombros e girou a chave. Fernanda segurou sua cintura com mais força, pensando: Jurerê, aí vou eu!
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Aquela sexta-feira foi surreal. Ela acordou num quarto deprimente e infestado de ácaros, no continente, e dormiu numa casa à beira-mar, numa das praias mais famosas da ilha.
Ela assistiu ao por do sol sobre as águas e chorou de emoção. Só quando já era noite, percebeu que não havia nada na geladeira. Estava exausta para sair e foi para cama sem comer. No sábado, prometeu a si mesma, a prioridade seria encontrar algum lugar aberto e comprar comida suficiente para passar o resto da semana.
Fernanda subiu para a suíte do segundo piso aberto e ficou maravilhada. Era uma peça única, com um banheiro enorme contíguo e um terraço que contornava toda a parte frontal. No terraço, havia uma piscina retangular estreita e comprida, toda em pastilhas azuis, formando uma borda infinita com o mar. Uau! Era compacta e ampla ao mesmo tempo, como a própria casa. Quem projetou aquele lugar devia ser muito bom, porque, para quem vinha pela rua, a casa parecia uma. Mas para quem vinha da praia... a visão era outra.
Ela baixou os olhos para a cama... Gigantesca, toda entalhada em madeira rústica e tinha... Dossel! Parece ter sido feita sob medida. Não, ela foi feita sob medida! Óbvio! Ela se jogou na cama e rolou de um lado para o outro. Deu uma gargalhada feliz, então, ergueu a cabeça. Deu de cara com o banheiro. Levantou-se, caminhou naquela direção. Suspirou maravilhada diante da banheira entalhada em pedra, como uma mini-piscina. Não era uma banheira comum, e sim uma hidromassagem. Ela ficou com medo de ligá-la e resolveu ficar com a boa e velha ducha. Que também era um show a parte. Uma verdadeira cascata.
Algum tempo depois, exausta, Fernanda caiu na cama e foi embalada pelo marulhar das ondas. Dormiu quase imediatamente.
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Acordou com o sol entrando pelas amplas janelas panorâmicas do segundo piso. Havia cortinas movíveis por controle-remoto, mas ela preferiu ficar assim, com tudo aberto, para ver o mar o tempo todo. Levantou-se e se espreguiçou, soltando um suspiro de prazer. Nada como acordar de frente para a praia, num lindo amanhecer de sábado.
Foi para o banheiro, onde se trocou e desceu. Lembrou-se de que não tinha nada na geladeira. Teria que comprar alguma coisa que durasse até o seu primeiro pagamento. Ela andou pelo bairro, procurando se situar em relação aos estabelecimentos comerciais. Conheceu a área de restaurantes e os mercados, fez compras e mandou entregá-las. O dono do mercado ficou muito espantado de saber que alguém estava morando naquela casa, além do surfista. Fernanda saiu de lá se sentindo desconfortável. Caminhando de volta, pelo acostamento, ela percebeu que não havia ônibus circulando quase. Mas quanto a isso, já tinham lhe dito que Florianópolis tinha um transporte coletivo precário. Preocupada com isso, verificou pelo celular os horários de ônibus para chegar ao centro da cidade antes do começo das aulas, na segunda-feira; também pesquisou os pontos de ônibus mais próximos.
Ao voltar para casa, decidiu organizar as suas roupas nos armários do andar de cima, guardou o material de estudos no escritório, no piso, e deixou seu nécessaire na pia daquele adorável e enorme banheiro da suíte. Com um longo olhar para o oceano brilhante lá fora, ela fez faxina na casa, deixando-a tão limpa e organizada quando no dia em que chegou. Lavou sua roupa, a louça e arrumou a cama. Depois, sentou-se na varanda para o mar, a fim de corrigir as provas dos alunos. Trabalhou por quase meia-hora, antes de desistir. Correu para o quarto, vestiu um biquíni e foi direto para o mar. Alguém poderia dizer que era uma ironia que tão longe de casa, só agora estava realmente curtindo um dia de praia. Cuidar da mãe, trabalhar e manter a casa nunca lhe deixou tempo suficiente, mesmo nos finais de semana.
A água estava uma delícia! Ela brincou, nadou, observou um bando de gaivotas cruzar o céu acima e riu como uma criança. Com água pela cintura, virou na direção da praia e observou a casa. Estava sozinha ali. Se ela se afogasse, ninguém poderia ajudá-la. Com este pensamento, voltou para o raso e ficou algum tempo sentada dentro da água, apenas deixando as marolinhas balançarem seu corpo de um lado para o outro.
Estava tão bom... Apenas ficar ali... Precisou reunir suas energias para se levantar e voltar para dentro da casa. Tirou a areia e o sal no chuveiro do lado de fora e pegou uma das toalhas que ficava ali. Hum... Não sabia se Dinho a usou, antes. Parecia estar limpa. Com cuidado, tirou o excesso da água por cima do biquíni e levou a toalha para lavar. Foi para o quarto e tomou um demorado banho naquela ducha fantástica.
Mais tarde, com o sol se pondo no horizonte, sentou-se diante da televisão gigante e selecionou um filme na HBO para assistir. Encerrou o seu dia maratonando uma série que gostava muito. Depois, foi dormir cedo.
Nunca pensou que iria acordar no meio da madrugada, sendo atacada por um assaltante.
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Como há muito tempo não desfrutava de uma boa noite de sono, Fernanda estava no melhor dos sonhos... Deitada na cama maravilhosa, sentindo que descansava em meio a um campo florido e acolhedor... De repente, sentiu um peso surpreendente em cima dela. Foi arrancada do campo de flores para se deparar com um quarto às escuras. O homem estava sentado em cima dela. Prendendo-a com as pernas fortes e musculosas, vestidas numa calça social muito cara. Isso, ela percebeu logo de cara, já que roupas e tecidos eram o seu passatempo. Os olhos nublados foram subindo pela protuberância entre as pernas até o cinto discreto.
-A bela adormecida acordou – a voz grave reverberou pela espinha dela.
Os olhos arregalados de Fernanda voaram para cima. O comentário suave e divertido não foi acompanhado de um sorriso. Os olhos profundos do desconhecido estavam quase negros por causa da penumbra, conferindo-lhe um ar meio sobrenatural. Num átimo, ela percebeu que não podia lutar contra um homem daquele tamanho. Temia que se tentasse, só iria atiçar o predador a atacá-la.
Fernanda estava paralisada de pavor, sentia-se exposta vestindo apenas camiseta e calcinha, enquanto ele... Bem, ele estava muito bem vestido. Usava a camisa aberta no peito musculoso, com uma corrente pendendo sobre um conjunto intrincado de tatuagens - mais apareciam sombras pelo decote da camisa. Mais para cima, o pescoço igualmente forte sustentava um rosto marcante, agressivamente masculino e inteligente. O homem era diabolicamente sensual, mas não era bonito como um modelo de revista. Estava mais para um conquistador pirata.
Sem libertar sua prisioneira, o homem flexionou os músculos ao se inclinar para o lado e acender a luz do abajur. (O movimento balançou um pouco o colchão e repuxou a camiseta dela mais para cima, expondo-lhe a barriga lisa.) A luz explodiu em sua mente enevoada... Fernanda piscou várias vezes e quando a visão clareou, deparou-se com um par de olhos cinzentos iluminados como uma tempestade pairando acima de sua cabeça - os lábios firmes e másculos muito próximos do seu rosto.
Ele a encarava num misto de incredulidade, cinismo e divertimento.
-Me solte – ela sussurrou, chocada. O coração martelando no peito.
Ela olhou significativamente para baixo, vendo que suas pernas nuas estavam presas numa pose comprometedora e o sujeito seguiu o seu olhar. Xingando baixinho, ele se levantou e sentou-se na poltrona ao lado da cama. Apoiou os cotovelos nos joelhos e entrelaçou os dedos enquanto Fernanda afastava-se dele o máximo que conseguia sem cair da cama. Puxou os cobertores até a cintura e o encarou.
-Desembucha, garota! – ele abriu as mãos, em sinal de impaciência. - Quem é você?
Ela puxou as cobertas até o pescoço. Lá fora o vento furioso batia contra as vidraças enquanto as ondas quebravam com violência. Pelo visto, o homem trouxe mesmo a tempestade com ele.
-Desembucha você! – decidiu contra-atacar. - Eu vou chamar a polícia!
Ele riu... E a risada se tornou uma gargalhada incrédula.
-Meu bem, é a primeira vez que sou ameaçado por uma gatuna oportunista.
-Eu não sou nem gatuna, nem oportunista. – Cada vez mais indignada, Fernanda procurou com os olhos o celular sobre o criado mudo.
-E como explica estar aqui, esparramada na minha cama?
Ao ouvir aquilo, os olhos dela dispararam do celular para o rosto dele.
-Sua casa? Mas... Mas...
Ele suspirou e ergueu as mãos em forma de oração ao meio da testa.
-Estou exausto – suspirou profundamente. - Viajei várias horas para chegar até aqui e não tenho tempo nem disposição pra essa merda. Fala logo, ou quem vai chamar a polícia sou eu. – Ele ergueu o rosto e tornou a encará-la. – Por enquanto estou disposto a lhe dar o benefício da dúvida. Já que acho realmente difícil você ter entrado aqui com o sistema de segurança sofisticado que eu pago para me proteger.
Ela entendeu em que espécie de enrascada estava metida. Aquele devia ser o dono da casa. Que, para azar dela, voltou mais cedo do que o previsto. Claro que voltou! Com a sorte que ela tinha o que mais faltava acontecer...?
-Eu pensei que Dinho tinha falado com você – disse, num sussurro.
As sobrancelhas másculas se franziram, enquanto o polegar esfregava distraidamente o lábio inferior. O rosto dele assumiu ar pensativo.
-Não, Dinho não falou. Eu fazia um favor a ele, deixando-o ficar aqui. Ele não tinha o direito de tomar nenhuma decisão, muito menos trazer alguém para ficar na minha casa.
Ela se sentou, enrolando a coberta ao redor do corpo. Ele observou-lhe o movimento, por um instante e tornou a encarar seu rosto, entre inquisitivo e intrigado.
-Você é a garota dele?
-Não! Por Deus, não! – ela reagiu mais indignada do que já estava.
-Por que não?
-Por que não, oras! – Ela resolveu explicar logo, antes que a conversa se tornasse mais constrangedora do que antes. – Eu sou professora.
-E daí? Professoras não namoram, não fazem sexo?
Ela parou até de respirar. Seus olhos arregalaram, enquanto ele a analisava com franco divertimento.
-Escute aqui, eu não lhe dou o direito de me falar assim.
-Escute aqui você, não sou um de seus alunos – ele sorriu de orelha a orelha. – E francamente, meu bem, quem está seminua na minha cama é você. Não que eu esteja reclamando da seminudez... Apenas da sua ousadia de estar aqui. Que, por sinal, você ainda não explicou.
-Se você deixar, eu explico – Fernanda revirou os olhos, zangada, o que ele achou uma graça. - Eu estava precisando de um lugar para ficar. A irmã de Dinho me falou que o irmão ficava aqui, mas que tinha que viajar e não queria deixar o lugar abandonado. Combinamos que eu cuidaria da casa... Era um arranjo provisório até que eu encontrasse outro lugar pra ficar.
-Sei... – ele coçou o queixo, irritado. - E você aceitou assim, sem mais nem menos.
-Eu estava precisando de um lugar – ela repetiu, sentindo-se uma tola. – Mas só aceitei depois que ele me garantiu que falou com o dono da casa, e que ele tinha concordado.
-Pois é... – ele se recostou no espaldar da poltrona e abriu os braços. – Só que o Dinho não falou.
-Eu não tenho culpa.
As sobrancelhas másculas e bem desenhadas se ergueram – um tanto agressivas.
-Eu muito menos – rebateu.
-Ahhh... – ela suspirou, derrotada. – Se me der alguns minutos eu me visto, junto minhas coisas e vou embora.
Ele inclinou a cabeça e estreitou os olhos.
-No meio da noite? Sem ônibus? Vai andar no acostamento?
-Se for preciso – respondeu, tentando manter o seu orgulho e não implorar para ficar.
-Admiro a sua coragem, - ele respondeu, levantando-se – mas não. Você sai desta cama, que é a minha cama, e vai para o quarto de hóspedes lá em baixo. Amanhã conversamos.
Ele saiu para lhe dar privacidade suficiente para que ela se vestisse e desocupasse o closet do segundo andar. Ela chorou durante todo o processo, mais pela vergonha da situação e pelo fato de aquela seria a segunda noite de sono de verdade desde que chegou àquela terra maldita e agora estava arruinada. Será que o dono do quarto & banheiro devolvia a chave, já que ela pagou até o final do mês?
Quando desceu com as mochilas, encontrou o misterioso proprietário da casa bem à vontade, na cozinha, mexendo na geladeira. Ela observou que o reflexo da luz incidia eventualmente sobre o seu relógio caro. Havia uma garrafa de vinho aberta, no balcão, com uma taça pela metade. O fogão estava ligado e alguma coisa já chiava na frigideira... Pelo aroma delicioso, devia ser uma omelete.
-Esteja a vontade, ela murmurou, com inveja. Não esperava, contudo, que ele tivesse ouvido.
-E eu estou – ele respondeu em voz alta, sem olhar para Fernanda.
-Fui eu quem comprou a comida – ela decidiu explicar.
-Ah, era o mínimo que podia fazer – foi a resposta tão desaforada quanto inesperada.
O cara deu-lhe as costas, indiferente, e começou a assoviar uma canção. O que a irritou profundamente. Fumegando de raiva, Fernanda foi para o quarto menor. Colocou as mochilas sobre uma cadeira e desabou na cama. Chorou até adormecer de exaustão.
Enquanto isso, na suíte, Davi Verisak ainda hesitava entre o divertimento e a completa exasperação. Ele colocou o prato de comida sobre o tampo de vidro da mesinha, mas não começou a comer de imediato. Suspirando de cansaço, tirou o cinto e o enrolou distraidamente na mão. Foi tirando peça por peça com a lentidão que só o sono provocava. Sem tirar os olhos do mar escuro lá fora, ele pensou, por um instante, que a garota ficou sinceramente indignada. Não parecia ser uma repórter, nem uma tiete, muito menos uma Maria-Gasolina... Ele tirou a camisa pólo e ficou só de calça, o peito musculoso refletido nos vidros das janelas panorâmicas, como uma figura solitária recortada contra a escuridão lá fora. Apagou a luz do abajur e deixou só a do banheiro. O quarto mergulhou na semi-escuridão. Ele pegou o celular do bolso da jaqueta e ligou para Dinho, que atendeu afobado ao segundo toque.
Claro que atendeu. Quando que o Dinho faria a descortesia de não atender o seu amigo... E patrocinador.
-He-hei! – saudou o surfista, como se nada fosse nada.
Davi estreitou os olhos.
-Que história foi essa de enfiar uma garota na minha casa.
Silêncio do outro lado.
-Eu lhe disse que a única condição pra você ficar aqui, até se ajeitar na vida, era não trazer ninguém. Você podia ter as tuas trepadas em qualquer lugar. Acho que não era pedir demais, ou era?
-M-mas, você deixou!
Sentindo um princípio de dor de cabeça, Davi levou a mão ao rosto e massageou a testa com o dedo indicador e o polegar.
-Eu ainda não fui diagnosticado com Alzheimer – ele mastigou cada palavra. - Sei que não deixei.
-Mas eu telefonei para o seu escritório, falei com a sua assistente. Ela tava meio apurada, mas jurou que ia passar o recado.
-Quando foi isso?
-Anteontem.
-Sei... – Agora Davi via claramente o que tinha acontecido. – Quer dizer que você falou com a minha assistente, que não é lá muito boa de português e estava atarantada preparando a minha viagem... E nem se deu ao trabalho de conferir se ela entendeu o que você disse?
-Eu disse que tinha que viajar para a Austrália, mas que não ia deixar a casa sozinha.
-Ah, sim, isso deixou tudo claro pra ela.
Dinho suspirou.
-Cara, a Fernanda deve ter tido um ataque!
A carranca de Davi suavizou e ele sorriu, lembrando-se da reação da garota. Toda bravinha e apavoradinha, de camiseta e calcinha... Que corpo! – o sorriso morreu, diante da constatação. Não queria esse tipo de lance, não agora. Limpou a garganta e disse:
-Sim, ela teve um ataque. Eu tive um ataque. Quer saber... Parou! Ela não pode ficar aqui.
-Olha a moça é de confiança. Trabalha com a minha irmã no Centro de Educação.
Então era professora mesmo, não estava mentindo.
-Ela é toda certinha – continuou o amigo. - Só veio porque eu garanti que o dono tinha concordado.
Davi ficou calado por um momento. Seguindo um impulso que nem ele mesmo compreendeu, pediu:
-Fale-me sobre ela.
-Não sei muita coisa. Só sei o que é do Rio. Passou no concurso para professora, mas alugou um muquifo barulhento e não estava conseguindo nem dormir direito. Ela teve um colapso.
Davi ficou alerta.
-Como assim?
-Nem sei se devia falar disso.
-Depois da presepada que você me aprontou? Você me deve. Além do mais, agora é tarde para isso, não acha?
-Hum... Certo. Ela desmaiou na saída do ônibus e foi parar no hospital. Enquanto estava desacordada, roubaram-lhe a carteira. Não faz nem três dias que recebeu alta.
-Porra... - Davi fechou os olhos. Sabia que muito provavelmente iria se arrepender de sua decisão. Mas mesmo assim, tomou-a: - Tudo bem, ela fica. Mas se eu me arrepender disso, pode ter certeza que farei você se arrepender também.
Ele desligou e olhou para baixo, para a porta fechada do quarto de hóspedes. O tempo dirá se tomou a decisão certa. O importante era saber se podia confiar na moça. Se ela não acabaria agindo como toda tiete de plantão. Ele estava cansado das reações das mulheres ao seu redor. Quando queria sexo, ele tinha sexo. Mas não queria as complicações que vinham com a fama e o poder, cada vez que procurava alguém para transar.
Por isso, decidiu não contar quem ele era. Fernanda Não-sei-do-quê era uma estranha, uma hóspede indesejada; e ele não tinha por que lhe contar qualquer coisa.
Tirou a calça, a cueca e ficou nu. Sentiu-se meio perdido, de repente... Um cansaço extremo o dominou. Quando ficava assim, dificilmente conseguia dormir. Reuniu suas forças, andou até a banheira e a ligou. Talvez um banho quente o ajudasse, afinal.
Olhou para a omelete abandonada e resolver comer mais tarde.
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