Capítulo 2: Decisões impulsivas
Davi Verisak ganhou o seu primeiro milhão aos dezoito anos. Não fez força para isso, o dinheiro vinha fácil. Uma conseqüência de suas ações. Não que ele deixasse de ser ambicioso. Pelo contrário... A questão é: Davi curtia adrenalina, não permanecer enfurnado em um escritório. Custava-lhe ficar parado, ouvindo um amontoado de descrições pormenorizadas sobre os aspectos burocráticos de seus negócios. Para isso ele pagava um batalhão de pessoas capacitadas. Advogados, contadores, diretores, analistas financeiros... Se o profissional fosse bom e cuidasse de seus interesses, não tinha do que se arrepender. Trabalhar para a Verisak era uma tremenda conquista para qualquer um e Davi sabia disso.
Contudo, o olho do dono é que engorda o gado. E embora ele não fosse um fazendeiro, seguia essa máxima ao pé da letra. Não existia um lugar onde tenha investido o seu dinheiro, sem que supervisionasse pessoalmente a transação. Davi era um aventureiro por vocação, mas como acionista majoritário da Verisak Company, obrigava-se a comparecer às reuniões mensais chatas de diretoria. Naturalmente, a cúpula do holding Verisak, composta de conselheiros escolhidos entre presidentes e diretores regionais, conduzia todos os negócios da marca: carros, motores e apetrechos, inclusive uma escuderia de formula 1 duas vezes campeã mundial (da qual ele era o principal piloto); utensílios para diferentes tipos de esportes radicais e até moda esportiva. As roupas esportivas que levavam o precioso nome Verisak eram vendidas em lojas de departamentos espalhadas pelo mundo, mas também nas próprias lojas da companhia.
Mesmo juntando todos os assuntos que requeriam a sua atenção numa única e mísera reunião de conselho por mês, era muito difícil para ele ficar sentado, ouvindo estimativas de mercado... Não que ele não entendesse o que estava sendo dito. Pelo contrário. Embora Davi não tenha concluído a faculdade, ele possuía tino para os negócios e um olhar apurado que decifrava a natureza humana em poucos minutos. As pessoas não o enganavam. Jamais.
Sua personalidade era a mesma de quando ele se enfiava embaixo dos carros, na oficina do pai, aos sete anos de idade. Gostava das coisas simples no campo emocional, e dos desafios complexos no campo profissional. Não era porque agora costumava ser bajulado até por príncipes e princesas, que iria mudar.
Alguns poderiam considerá-lo um homem direto demais e às vezes até rude. Sua imensa fortuna lhe permitia ser exigente sem justificativas. Como James Bond com uma licença para matar. Ele quase riu da comparação, porque com ou sem licença, Bond sempre fazia o que queria. E nesse particular, se fosse pobre ou rico, Davi agiria da mesma forma. Pessoas temperamentais e independentes não nasciam para ser mandadas.
E Davi Verisak não se contentava com nada menos que o topo.
Por ser assim, ele estava mais impaciente do que o normal. Não estava acostumado a imposições nem limitações. Foi pego desprevenido quando o seu próprio médico lhe disse que ele andava forçando demais, que o seu organismo mostrava sinais de fadiga - embora continuasse saudável e em boa forma. A recente temporada de corridas em que ele se consagrou como bicampeão teria lhe exigido demais, segundo o bom doutor. Ele já vinha num ritmo alucinante desde o campeonato anterior... Estava prestes a ingressar na próxima temporada em poucos meses e realmente não se sentia cem por cento. Seu humor também não estava dos melhores. E o médico creditou a causa a sua vida intensa. Precisava diminuir o ritmo, fazer algo que o acalmasse e não acelerasse. Isto é, se quisesse aguentar o tranco da próxima temporada - a qual seria decisiva em sua carreira.
Ele iria perseguir o tricampeonato.
Davi não fazia nada pela metade, talvez esse fosse o problema. Vivia a mil por hora (literalmente). Cada corrida que vencia; cada carro novo que lançava; cada desafio que superava... Satisfazia apenas em parte sua necessidade por aventura e velocidade. Ele também curtia esportes radicais. E, com certeza, era ativo sexualmente (muito ativo, segundo as mulheres com quem esteve). Gostava de mulheres, gostava de sexo - e o médico que se danasse se ele ia desacelerar nesse sentido... O sexo não era apenas uma necessidade, mas um jogo interessante; exigia criatividade e competência como qualquer outra área da vida... Ele apreciava a performance, mas não gostava de se entregar... Por isso sabia muito bem que tipo de mulheres queria para suas parceiras de ocasião. Desinibidas, seguras, que sabiam o que queriam e o que estavam fazendo. Ele não tinha paciência para mulheres inseguras, carentes e mimadas. Melosas.
As Marlas da vida.
Agora, estava agindo como um leão com dor de dente porque levara um puxão de orelhas do médico. E tudo porque teve uma vertigem na última corrida. Poderia ter batido no guard-rail. Poderia ter causado um acidente terrível. Poderia ter sido fatal. Como era um homem responsável, ele não só consultou o médico como suspendeu os treinos, por enquanto. Só ele sabe o quanto custa não pensar no tricampeonato que lhe acena do horizonte... Talvez umas férias o livrassem dessa constante irritação e sensação de impotência que o dominavam ultimamente. Quando disse a Marla que estava liquidando seus assuntos, estava falando a sério. Iria cortar qualquer coisa e qualquer um que o enervasse.
Davi levantou o olhar para o seu advogado em assuntos europeus do holding, Henry Ackerman, que estava conduzindo a reunião de diretoria.
-Assim, acreditamos que... - Henry parecia estar concluindo a explanação.
-Venda - Davi o cortou, pela primeira vez, desde que aquela reunião teve início.
-Como?
-Você meu ouviu, Henry - Davi se levantou, abotoando o paletó sob medida. Seu olhar recaiu para o clima cinzento e triste lá fora, deprimindo os habitantes de Zurique.
-Mas...
-Escute - ele virou para os acionistas e conselheiros presentes. - Esta empresa logo vai sugar capital. E vai começar de maneira duvidosa, para recuperar um status que não existe mais, no mercado. Venda, enquanto ainda tem valor. Antes que os boatos se espalhem. Faça tudo discretamente, como se tivesse sido um grande negócio. Deixe sair uma pequena nota nas revistas especializadas em carros. Agora, se me dão licença, estou saindo de férias - comunicou um tanto abrupto.
Uma decisão tão intempestiva que assustou os conselheiros. Ele costumava tomar decisões de momento, mas nunca algo tão... Radical. Ele sustentou os olhares de cada um dos homens presentes, mostrando que estava falando sério. Sentia necessidade de dar uma guinada em sua vida. Precisava relaxar. E precisava fazer isso antes da próxima temporada de fórmula 1.
Não foi o que o médico mandou?
-Você... Está bem? - perguntou Henry, hesitante.
-Só cansado... Vou ficar bem - respondeu Davi, determinado.
Espiou no relógio do celular. Havia 12 ligações perdidas de Marla. Caramba! Como a garota conseguiu o número? Ah, claro - ele compreendeu rápido. O infeliz do irmão dela, Frederik. Ignorando as mensagens e gravações, ele deslizou a tela e ligou para sua assistente. Enquanto esperava que ela o atendesse, acenou para ninguém em particular e saiu pelas portas de face dupla da sala do conselho. A assistente suíça atendeu ao segundo toque. Ele sorriu, imaginando que ela deve ter vindo correndo de algum lugar. Gilda nunca deixava tocar três vezes.
-Sim, Senhor Verisak?
-Liquide a minha agenda e prepare tudo para uma viagem imediata. Vou me esconder por um tempo.
Gilda sabia que aquele era o código para "vou ficar na minha casa de praia e não quero ser encontrado". Ninguém sabia da existência daquela casa, no litoral sul de um distante Brasil... (Terra de sua tia Célia, a idealizadora do motor Verisak para carros de corrida). A assessora era muito bem paga para que ninguém descobrisse o rastro. Muitos já tentaram - parentes, amantes e repórteres -, mas ela sempre preparava tudo de modo que seu patrão tivesse a privacidade desejada.
-Sim, senhor. Estará tudo pronto para sua partida.
-Duas horas - disse ele. - Se Marla ligar, diga que estou na Caxemira e que o telefone não pega lá direito. Diga-lhe que a despedida oficial foi em Malibu. Ela vai entender... - Desligou o telefone e caminhou decidido para longe da sala de reuniões. Os funcionários o cumprimentavam, enquanto ele acenava de volta, distraído. O vasto escritório ocupava o andar inteiro do VK Prime Tower. Davi era dono de todo o edifício - com seus oitenta e cinco andares. Um colosso da engenharia moderna bem no centro financeiro de Zurique. A cidade foi escolhida para sede administrativa da marca, de onde gerenciava seus departamentos e fábricas situadas na Alemanha, Brasil e Estados Unidos.
No elevador privativo, Davi digitou o código e enquanto descia, discou o telefone de Ágata, sua amante atual.
-Alô - ela respondeu com aquela voz rouca de quem acabou de acordar.
No caso dela, ele não duvidava. Ágata era uma criatura da noite. E como tal, detestava ser acordada antes das duas da tarde. Mas sendo Davi a pessoa que cometia tal ousadia, ela iria atendê-lo a qualquer hora, se ele assim o desejasse.
-Fique nua, estou a caminho - disse, desligando em seguida.
Duas horas depois, sempre pontual, Davi embarcava em seu jatinho particular, deixando para trás uma Ágata fisicamente acabada, mas com um sorriso satisfeito nos lábios. Olhando o celular uma última vez, ignorou as trinta e duas mensagens de Marla que se acumulavam em sua caixa de entrada. Bloqueou o número dela e desligou o aparelho...
E assim ele permaneceria até que suas férias acabassem. (Bom, ao menos ele iria tentar).
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