1 -Introdução : O homem, a lenda
A Warwick era uma das boates mais badaladas e exclusivas da costa oeste e recebia dois tipos de clientela – gente poderosa e gente bonita em busca de poder... Gente que precisava ser vista entre os grandes e famosos para garantir bons contatos ou simplesmente curtir. Apenas os carrões paravam na Sunset para uma entrada direta e triunfal. No mais, os seguranças bem treinados se asseguravam de que os caras, em suas roupas descoladas e mundanas, saltassem uma rua atrás. As filas para entrar por uma porta sem identificação eram longas e lentas, com belas mulheres em saias curtíssimas torcendo para serem aceitas pelos promoters e seguranças da casa. Não era fácil conseguir entrar. Melhor fechar uma mesa ou ser convidado de uma... E, verdade seja dita, consumir em uma mesa da Warwick não era para qualquer "mortal".
A top model da Vitoria Secrets, Marla Duncan, entrou cambaleante no toalete. Um riso histérico brotava fácil de seus lábios carnudos, provocado pelas metanfetaminas misturadas ao álcool. Logo atrás veio Ilka Nohas parecendo bem mais sóbria, por assim dizer. Estava tentando conseguir um papel na nova produção do Scorcese e soube que o produtor do filme, Adam Steiner, estava de férias em Malibu. Um contato seu no estúdio lhe disse que ele daria uma passada pela Warwick nesta noite. Era a sua chance de se aproximar... A fonte também lhe disse que ele tinha um fraco por boquetes, mas era um cara discreto. E Ilka sabia ser eficiente nas duas coisas: discrição e boquetes.
Para uma mulher relativamente sóbria era estranho estar entre tanta gente drogada. Não era legal se sentir assim, uma estranha no ninho... Mas ela precisava ter a cabeça no lugar se quisesse convencer o produtor de que ela podia atuar tão bem quanto desfilava pelas passarelas de Paris. Rolava um preconceito contra as modelos entre os produtores, por conta de experiências não muito boas no passado. Nem toda imagem que fazia sucesso nas capas de revista tinha o mesmo resultado nas bilheterias.
Nem todo mundo conseguia ser Audrey Hepburn ou Grace Kelly.
Ao som das gargalhadas estridentes e indiscretas de Marla, Ilka arregalou os olhos e fez "Shhhh" para ela, de um jeito tão engraçado que levou Marla a rir ainda mais alto.
-Fala sério – resmungou Ilka, olhando por baixo das portas do toalete para ter certeza de que não seriam ouvidas.
Aparentemente, Marla não tinha a mesma preocupação.
-Estou te dizendo, migaaa – repetiu Marla, eufórica. - Ele está comenda na palma da minha mão – e mostrou as unhas bem feitas, pintadas de vermelho sangue.
Ilka lançou-lhe um olhar de dúvida.
-Ai, eu não sei não... Davi é um cara muito poderoso, descolado, vivido... Acho que ele não faz o tipo que come na mão de alguém. Ele é mais do tipo que escolhe, não é escolhido.
A amiga deu de ombros, com desdém. Inclinou-se sobre a pia, examinando-se no espelho com um sorriso inabalável. O cabelo ruivo estava um pouco bagunçado, mas de um jeito sexy. Como se ela tivesse se ajoelhado diante de um homem gostoso e ele a tivesse puxado pelos cabelos até obrigá-la a fazer o que bem quisesse. Era um cabelo de trepada, pensou ela, rindo tolamente. Marla era bonita de qualquer jeito e sabia disso.
Percebendo que a maquiagem já estava um pouco borrada, abriu a bolsa e vasculhou seu kit de emergência.
-Tenha cuidado, Marla! Senão você vai perdê-lo... – Ilka voltou à carga, querendo incutir sabedoria naquela cabeça oca. Marla se comportava como se o mundo estivesse aos seus pés. Era famosa no momento, mas a fama acabava rápido para a maioria das pessoas – especialmente, as mulheres que contavam com a beleza e a juventude para mantê-la. Era preciso usar a cabeça enquanto se dispõe das armas certas. Por isso, Ilka acrescentou: - Não force a barra. Não brinque com ele.
-Aiii!!! - Marla fez uma dancinha, sapateando de um jeito que a colocou no mesmo patamar de uma menina de oito anos (que acabou de perder a coroa de mini miss). – Para de me encher!
Vermelha de raiva com a reprimenda, Ilka gesticulou lentamente.
-Só estou lhe dizendo que Davi não é manipulável por um par de belas pernas ou uma xota de ouro. E devo dizer que ele me parece meio arredio, ultimamente.
- E você parece uma velha falando, Ilka – Marla riu de novo. – Eu sei muito bem o que eu faço. Tô te dizendo: Davi tá no papo.
Ela era boa demais na cama para permitir o contrário. E Davi era um cara que gostava de um sexo SS (selvagem e sujo). Os dedos dos pés de Marla encolheram-se dentro dos sapatos ao se lembrar de como Davi a fez ficar de pernas bambas - não faz nem dois dias.
De repente, ela se deu conta de que há dois dias não transavam. Sacudindo a cabeça, revirou os olhos. Não deixaria a inveja de Ilka contaminá-la com pensamentos negativos.
-Esse meu vestido tá de arrasar, não acha? – ela deliberadamente mudou de assunto para disfarçar a insegurança.
Ilka sabia que Marla conseguia as roupas com as marcas. Aquele era um Dolce & Gabanna, preto, curto e brilhante. Reconhecia um modelo matador quando via um. Qualquer cara hetero rolaria por um corpo de sereia como o de Marla, ainda mais modelado naquele vestido.
As duas conversaram mais um pouco. Marla sacou o batom vermelho e começou a retocar os lábios. Olhou para Ilka pelo espelho e revelou:
-Sabia que o Jaume Collet-Serra quer fazer um filme sobre a vida do Davi? – diante do aceno positivo de Ilka, ela acrescentou: - Imaginei. Tá todo mundo comentando em Hollywood. O que a maioria não sabe é que se trata de uma "produção casada". Sai o filme e o livro em seguida... Acontece que a jornalista que está tentando escrever a biografia dele, não consegue material suficiente e muito menos entrevistá-lo. Ela está correndo atrás, mas o Davi não a recebe de jeito nenhum. Ele não gosta de jornalistas. Prometi a ela intermediar o encontro em troca de uma participação de destaque no livro e no filme.
Ilka arregalou os olhos, tanto pela novidade, quanto pelo fato de Marla estar agindo pelas costas de Davi.
-Miga, se ele descobrir...
-Deixa quieto... – Marla voltou a rir. - Não vai descobrir nunca e eu vou sair na fita como a noiva de Davi Verisak. – Ela ergueu a mão e olhou para a parede, como quem lê a manchete de um jornal, ou o título de um filme: - A mulher por trás do homem, a lenda...
As duas saíram do banheiro, com Marla se vangloriando um pouco mais do colar e do anel de diamantes que ganhou do namorado, há dois dias. Para Ilka, algo não se encaixava. Esses "marcos" no tempo bem que poderiam ser um sinal... Davi lhe deu jóias há dois dias. E há dois dias, tiveram a foda do século. Desde então, ele não a tocou mais. Marla arrastou os amigos para a boate quando descobriu que ele estaria lá, sozinho. A cara que Davi fez quando a viu chegar foi tudo, menos hospitaleira. Ilka estava quase certa de que a foda do século para ela, foi a foda de despedida para ele... Quando levantou essas questões, Marla fez uma careta.
-Você me vem com cada uma...
As duas se separaram perto do bar, onde as pessoas se espremiam para serem atendidas. Marla seguiu para a mesa e encontrou Davi de pé ao celular, tentando ouvir algo apesar da música pulsante.
Ela suspirou. Davi era maravilhoso. Alto, musculoso, com um corpo feito para o pecado. Qualquer roupa caía bem naquele corpo. Desde os ternos feitos sob medida, que ele usava para trabalhar, até a camiseta justa e a calça jeans velha e rasgada que estava usando agora. Marla sabia que ele detestava usar ternos e gravatas quando podia estar enfiado debaixo de um carro ou correndo dentro dele.
Assim que ele a viu, baixou o celular e seus lábios cheios e sensuais se retorceram ligeiramente. Parecia chateado. O que será que aconteceu? Começou a pensar que Ilka poderia estar certa em algumas questões que levantou. Davi parecia mesmo arredio.
-Estou cansado – disse ele, respondendo a sua pergunta silenciosa. - Se quiser vir comigo, é agora. Ou fique e vá de uber mais tarde.
Sem mais, Davi simplesmente virou-se em direção à saída e avançou.
Ela o seguiu, atônita. – E os nossos amigos?
Os olhos cinzentos e implacáveis varreram os malucos usando drogas sobre a mesa que ele pagou. Achou graça de tudo aquilo, porque realmente não se importava e porque ele não precisava estar ali.
-Que amigos? – perguntou com um quê de cinismo, enquanto avançava com passadas longas e decididas rumo à saída.
O ar lá fora estava frio e úmido. O que era uma rara benção, já que estavam na Califórnia. Davi respirou fundo. Ele realmente se sentia cansado e um pouco zonzo. Nem reparou no quanto a sua silhueta máscula chamava a atenção das pessoas que ainda esperavam na fila, esperançosas de serem aceitas na Warwick. Marla reparou e acelerou os passos para alcançá-lo. Os dois tinham que ser vistos juntos, para que as fotos do paparazzo que ela contratou mostrassem ao mundo um casal feliz.
-Davi, espera... O que...?
Ele parou apenas quando chegou ao meio-fio e olhou para ela. Seu olhar a paralisou por um momento.
-Estou liquidando meus assuntos por aqui e vou sair de férias.
-Férias? – ela abriu os braços. – Mas Malibu é sinônimo de férias perpétuas!
Davi riu, sem humor. Um riso que a fez estremecer. Sem dizer nada, ele voltou a andar pelo meio fio com Marla correndo para alcançá-lo.
-Bem, pra onde a gente vai? – perguntou ela, toda animada, ou fingindo animação. – Para aquela sua casa fantástica em Ibiza? Belize? – fez uma careta, pensando no inverno rigoroso da Nova Inglaterra. Não poderia usar suas microssaias por lá. Mesmo assim, chutou: – Hamptons?
Ele parou, fazendo com que ela colidisse contra suas costas largas. Marla ergueu o rosto (ela era alta, mas ele era um gigante). Automaticamente bateu os cílios e sorriu, pronta para seduzi-lo. Tinha que fazê-lo levá-la com ele. Nada como uma boa transa para um homem rever os seus conceitos. Ou ela o derrubava na cama ou dava um jeito de engravidar. Estava pensando desesperadamente numa forma de prendê-lo, quando Davi lhe perguntou:
-Você ainda não entendeu, não é? – ele faz um gesto para a Mercedes de luxo que estava do outro lado.
Davi preferia carros esportivos e velozes, mas usava a Mercedes quando queria passar despercebido. O segurança correu para perguntar se ele precisava de alguma coisa, qualquer coisa, mas Davi o dispensou com um sorriso e um gesto negativo.
Enquanto o veículo manobrava, ele voltou-se para Marla:
-Há dois dias estou lhe dando dicas que você preferiu ignorar. Me segue por toda parte e até me achou aqui na boate – ele gesticulou, cerrando o maxilar. – Trouxe aquele bando de amigos quando era óbvio que eu preferia ficar sozinho. Tudo bem, então, serei direto! Estou liquidando meus assuntos por aqui e isso inclui você.
-O quê? – ela arregalou os olhos. – Não pode terminar comigo.
-Posso e vou. Entra no carro. – Não queria mais sua companhia, mas isso não significava que era capaz de largar a ex-namorada bêbada a mercê de seus amigos igualmente bêbados e drogados.
Ela puxou o braço, sentindo-se insultada. Ele não podia estar falando sério. Aquilo era só uma ceninha de ciúmes. Era isso, ele estava com ciúmes das atenções que ela recebia dos caras por onde passava. E desde que chegou na Warwick, esteve rodeada de amigos... Afinal, bastava Marla Duncan estalar os dedos e homens poderosos ficavam de quatro por ela. Querendo acreditar que o ciúme fosse o motivo, decidiu colocá-lo em seu devido lugar, ou seja, arrastando-se aos seus pés.
-Não vou com você a parte alguma até que se desculpe – e ergueu a voz, olhando para as pessoas em volta, querendo mobilizar simpatia e atenções.
Intimidá-lo.
Os olhos cinzentos de Davi se estreitaram, perigosamente. Marla não o conhecia. Se estava acostumada a intimidar os caras com quem saía, o seu agente, e até seus parentes... Com ele as coisas não funcionavam assim.
-Muito bem – avistou a Mercedes parada em frente, com o funcionário do estacionamento esperando ao lado da porta aberta. – Vá de uber.
-O quê?
-Adeus, Marla. Seja feliz.
-Não pode me deixar assim... Aqui. – confusa, ela já nem sabia pelo que estava se queixando primeiro. Se pelo término ou se por ele largá-la na frente de todo mundo.
Ela realmente achava que, por ele ter negócios em comum com seu irmão, não cometeria a ousadia de deixá-la plantada na calçada. Ele sorriu, divertindo-se pela primeira vez naquela noite monótona.
-Observe-me – disse, dando-lhe as costas e entrando na Mercedes. Colocou uma gorda gorjeta na mão do rapaz, fechou a porta e partiu sem olhar para trás.
Marla bateu o pé, morta de ódio.
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