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| Capítulo 3 | Porque sou apenas uma rachadura nesse palácio de vidro

Da mesma forma que a tempestade havia se instalado, não consegui evitar sua renovação. E, como se não bastasse viver sob um céu escuro e com trovoadas, eu ainda era cercada por barreiras que só meus olhos podiam enxergar. Era isso que a timidez me oferecia: paredes sombrias e sufocantes.

Eu estendi a mão e acabei recebendo seu presente.

Desde então, aquela presença transformava meus dias em um episódio contínuo de rejeição. Não por mim mesma, mas por cada figurante que fazia parte da cena. Como resultado, foi impossível me enturmar. O medo de reviver lembranças passadas fazia da timidez meu mecanismo de defesa.

A única vez em que ela perdia força era quando eu estava em um lugar silencioso e seguro. Meu quarto era um desses refúgios.

Naquele momento, a única voz que ecoava era a da minha memorização. Concentrada no livro didático de ciências, lia freneticamente cada frase e preenchia as linhas vazias com palavras escritas à mão.

— Filha, não vá se perder na hora — alertou meu pai em voz baixa. Quando levantei a cabeça, percebi que ele estava na fresta da porta.

— Eu sei. quase terminando — respondi, voltando a atenção ao livro aberto no meu colo.

— Nem precisava dizer. Você já tem doze anos, tem que ser responsável com sua organização.

— Foi só dessa vez, pai. Não vai se repetir... E você também não se atrase para o trabalho — acrescentei.

Logo que ele saiu, finalizei o texto e suspirei aliviada. Em seguida, reuni meus materiais e os guardei na mochila. Quando fui ao encontro do meu pai do lado de fora, o som suave da porta se trancando marcou o início de mais uma rotina.

O pouso suave daquelas folhas de papel pautado, junto a uma caligrafia caprichada, despertou sua atenção diante da minha figura, já nos primeiros minutos de aula. Encarei aquele semblante sereno e agradeci mentalmente por sua compreensão em relação ao que ainda me atormentava.

— Obrigada, Alana. Semana que vem já dou sua nota — disse a professora de ciências, sorrindo.

— Eu é que agradeço pela chance... e mais uma vez, peço desculpas por não estar em condições — respondi timidamente.

Ela pegou o pequeno compilado e folheou cada página. Deduzi que estava analisando o que eu havia escrito.

— Tudo bem, mas saiba que nem todos os professores vão entender seu lado. De qualquer jeito, você vai ter que superar esse medo de apresentar seu trabalho para a turma.

Apenas concordei com a cabeça, tentando ocultar minha verdadeira situação.

Durante o deslocamento até a minha carteira, a voz em tom mais alto anunciava a preparação dos demais. Assim, em ordem alfabética, começou a apresentação individual.

Observei cada colega se esforçando para se expor, tentando manter uma certa segurança. Foi a partir daquela imagem que senti o quanto era diferente deles. Todos, tão comuns e simples em suas ações, pareciam estar inclusos no mesmo espaço.

Um espaço que eu também queria habitar.

Se eu não tivesse me cercado.

Por mais que tentasse deixar meu estado visível, sabia que os olhares dos outros eram diferentes. A sensação de ser compreendida se misturava à certeza de que, a qualquer momento, poderia ser julgada. Essa dualidade me deixava à mercê de um medo constante, como se estivesse presa em uma rede invisível, onde cada olhar poderia me desestabilizar. A cada respiração, desejava me libertar, mas as barreiras que eu mesma construíra tornavam essa liberdade uma miragem distante.

Ter convivido com o impedimento ao meu redor causou uma influência previsível nos meus hábitos, que passaram a fazer parte da construção do meu retrato. E para aquele elo, pouco importava o passar do tempo; a imagem permanecia a mesma.

Entretanto, certos ambientes eram capazes de moldar alguns traços. Um deles era o shopping. Só pelo fato de abrigar inúmeras faces desconhecidas, já se tornava uma boa razão para minimizar a importância de manter o retrato.

E quem ganhava com essa pequena alteração era eu mesma.

Ao nos aproximarmos da porta de vidro automática e caminharmos pelo piso das lojas, minha irmã e eu compartilhávamos o mesmo anseio. Afinal, para um domingo entediante, aquele passeio em família se tornava perfeito.

Nossos pais sempre buscavam proporcionar um agrado para mim e minha irmã, já que não saíamos com muita frequência. Era isso que me fazia bem, porque além de receber, eu estava com as melhores companhias. Sentia-me presenteada em dobro.

Os minutos passavam com um gosto de empolgação e sorvete. Enquanto eu e Flavia contemplávamos vitrines e pessoas, nossos pais caminhavam atrás de nós. Quando os guardanapos foram jogados na lixeira, o que restou foi a empolgação.

— Meninas, vamos entrar nessa próxima loja — minha mãe avisou. Mesmo com a mistura de outras vozes, a amplitude do espaço foi favorável para que eu pudesse ouvi-la.

Seu pedido foi que nos dirigíssemos a uma loja de roupas. Assim que adentramos o estabelecimento, meu pai decidiu esperar na entrada.

— E viemos aqui por quê? — minha irmã indagou.

— Porque vou comprar um presente para a minha amiga do serviço... aquela que dá aula de Yoga — respondeu. — Enquanto isso, vocês duas podem dar uma olhada na seção infanto-juvenil. Não vou demorar muito.

Com passos acelerados, eu e Flavia fomos em direção ao que chamava nossa atenção. Uma vantagem de estabelecimentos extensos é que transmitem a sensação de ter poucos clientes. Logo que chegamos, meus olhos se depararam com araras de roupas e manequins vestidos com combinações atraentes. Percorremos os pequenos espaços, encantadas com as peças adequadas à nossa idade.

No entanto, no meio daquela euforia, um obstáculo inesperado surgiu.

Diante daquele espelho situado no corredor, uma simples projeção levou minha imagem a sentir sua primeira dor. Algo que até então nunca havia sentido. E como resultado de cada ofensa que se abrigava, eu via tudo se moldar tanto aos meus olhos quanto ao meu conceito. Foi naquele momento que cada palavra humilhante se tornou a definição que levava ao mesmo significado: eu.

Simplesmente me afastei. Não conseguia mais olhar. Quando minha irmã veio ao meu encontro, preferi ficar em silêncio e evitar qualquer contato que mostrasse meu reflexo.

Com a compra finalizada, saímos da loja. No entanto, o lado de fora havia se tornado um incômodo. A empolgação não tinha mais voz para ecoar. O silêncio mórbido assumiu o comando. Desde então, minha visão do lugar mudou. Cada figura presente da mesma faixa etária que eu se tornou motivo para meu conceito se rebaixar ainda mais.

O problema era eu. E depois daquilo, nenhuma companhia teve mais efeito, tampouco a oportunidade de adaptar o que o medo havia moldado. A escultura estava feita. Com isso, me tornei outro retrato.

Um retrato em que os novos traços não queriam ser vistos.

E como eu não me sentia bem, o anseio de voltar para casa ficou maior. Afinal, para algo que detestava a exposição, o jeito era se refugiar no isolamento.

Mesmo que eu tivesse me recusado a sair para passeios desde a semana passada, ainda havia um lugar que era obrigada a frequentar todos os dias. Ter feito parte de uma das piores turmas da sexta série, em 2011, já não me surpreendia mais. Minha rotina escolar no turno da manhã era completamente repetitiva e, ao mesmo tempo, estranha. Não que isso se devesse ao fato de conviver numa sala modesta com os mesmos vinte e oito colegas, mas sim porque o título de "estranha" parecia ser reservado apenas para mim.

Contudo, havia dias em que o barulho oscilava, conforme a competência de cada professor. A aula de geografia era um exemplo disso. O silêncio que mantínhamos abria espaço para uma só voz: a do professor, que explicava o conteúdo do segundo bimestre.

No decorrer dos minutos, uma breve pausa dominou o ambiente enquanto ele relia seu caderno de planejamento. Logo depois, sua voz aguda voltou a ecoar pela sala.

— Aproveitando esse embalo de apresentações em equipe, vou lançar um tema único para a turma. Quero grupos de no máximo cinco alunos. Vou escrever no quadro todas as instruções e o material necessário... E mais uma coisa: não será permitido trabalho individual.

Imediatamente, um arrepio percorreu minha pele.

Enquanto anotava no caderno, o arrastar de carteiras produzia um ruído desagradável. Todos à minha volta montavam seus grupos, mas eu não me sentia uma peça digna de ser encaixada.

Estava quase certa de que minha individualidade me pouparia dessa situação, até que o professor se aproximou da minha carteira.

— Tem duas vagas sobrando num grupo lá atrás — orientou.

— Acho que eles não vão me aceitar — respondi, na esperança de que ele desistisse.

— Sem essa. Me acompanhe e traga sua carteira — pediu, já se afastando.

Engoli seco. Reuni forças para levantar a mesa, tentando evitar qualquer barulho que pudesse me constranger. Delicadamente, pousei o móvel, conectando-o com as outras duas carteiras.

Satisfeito, o professor se afastou. Mas ele não foi o único. Depois de desviarem o olhar do meu rosto envergonhado, as vozes ao redor voltaram a se concentrar no mesmo assunto, exceto uma. Além disso, quando uma imagem transmite os mesmos traços, os olhares também se tornam equivalentes.

O som constante das teclas no computador acompanhava a produção do texto com as minhas próprias palavras. Em casa, na sala de estar, apenas minha presença preenchia o cômodo.

Anteontem, naquela aula, a única manifestação da minha voz foi ao concordar com a divisão das tarefas, sendo que o trabalho digitado ficou sob minha responsabilidade. Isso foi um grande alívio para mim.

Com poucas horas de dedicação, o final se aproximava cada vez mais. Até que, no meio da digitação, algo pesado pousou sobre o tapete, provocando um barulho suave. Mas, antes que a curiosidade pudesse me mover, permaneci concentrada até finalizar o texto. Quando foi a vez da impressora cumprir sua função, a virada repentina da cadeira giratória me colocou frente a frente com minha mãe, que havia trazido o cesto cheio de roupas recém-recolhidas do varal.

— Qual é o trabalho dessa vez? — perguntou ela, enquanto dobrava uma camiseta.

— Geografia — respondi. — A gente fazendo em grupo, mas cada um ficou com uma parte. Amanhã eu já entrego pro professor.

— E você está se dando bem com os colegas?

— Sim, aos poucos — menti.

Ela pausou a dobra da camiseta e me encarou.

— Parece que a troca de turno realmente te fez bem, já que você parece mais satisfeita. E só de não precisar mais ir à secretaria para resolver seus problemas, já me sinto aliviada. Foi um sacrifício convencer as responsáveis, e eu não faria isso de novo.

A impressão foi concluída. Retirei as folhas, alinhei-as sobre a mesa e, por fim, grampeei.

Levantei-me da cadeira.

— Relaxa, ninguém me atrapalhando — afirmei, sorrindo. Em seguida, girei os calcanhares e caminhei em direção ao meu quarto.

Ocultar minha nova imagem havia selado o impedimento de qualquer queixa. A mudança foi tão imediata quanto incontrolável. Já não bastava uma parte minha ter escapado; o medo ainda fazia com que eu escondesse os pedaços restantes.

A admiração dos três colegas enquanto folheavam as páginas seguintes me concedeu um alívio agradável logo na primeira aula. Após a breve leitura, ouvir palavras de elogio em relação à minha eficiência foi um verdadeiro conforto.

Enquanto o restante da equipe discutia a elaboração do cartaz, aproveitei a minha presença dispensável e me desloquei até a mesa do professor, estendendo o trabalho a ele. O professor agradeceu.

Quando estava prestes a me retirar, um segundo me interrompeu. Fiquei estática. A leve batida na porta anunciou a chegada da pedagoga, e a pequena abertura revelou uma parte de sua figura. Sem esperar muito, seu gesto repentino e urgente pediu pela aproximação do professor, que se deslocou imediatamente. Por conta da distância, não consegui ouvir o que conversavam.

Quando a palavra de agradecimento encerrou o diálogo, a fresta na porta ficou cada vez maior. E, subitamente, uma presença trouxe à memória sua cumplicidade na minha destruição.

Naquela manhã, tudo havia mudado.

Larissa havia completado o número exato de trinta alunos.

Pânico. Era a única coisa que conseguia sentir a cada passo que dava. Acompanhada pelo professor, Larissa foi conduzida até a única equipe de quatro integrantes.

Engoli seco.

Depois de arrastar uma carteira vazia, Larissa completou o encontro de cinco mesas. Desviei meu olhar daquela cena.

— Alana! — chamou o professor.

Virei-me e ele fez sinal para que eu me aproximasse. Levantei-me e caminhei vagarosamente até ele.

— Quanto ao trabalho que você me entregou agora há pouco... — o professor anunciou, aproximando-se de sua mesa. —... Estarei devolvendo. — Puxou a cadeira e sentou-se.

— E por quê? — perguntei.

Ele me estendeu os papéis grampeados, e eu os peguei com delicadeza.

— Apenas escreva na capa o nome da nova integrante: Larissa Cristina Ramires. Pode ser com caneta mesmo, não vou descontar pontos por isso. Não se esqueça de me entregar depois.

Assenti com a cabeça e me retirei.

Quando voltei ao meu lugar, percebi a aceitação imediata de Larissa pelos outros integrantes. As vozes distintas criaram um vínculo, como se fosse uma música restrita a eles.

E, como eu não sabia tocar as notas, ouvir era a única opção.

Os minutos se aproximavam do fim, e o som estridente do sinal anunciou o término da aula. Em pouco tempo, as fileiras foram organizadas, e inúmeros ruídos começaram a ecoar pelo ambiente.

Levantei a mesa e caminhei lentamente até a segunda fileira, onde coloquei o móvel surrado na terceira posição. Quando retornei para a equipe que estava se desmontando para pegar a cadeira, notei que Larissa esperava para ocupar o penúltimo lugar da terceira fileira.

Com o objeto em mãos, decidi me aproximar dela.

— Ainda surpresa que você veio pra nossa sala. Você era da tarde, né? — comentei.

— Sim, era — respondeu Larissa, encarando-me. — Mas depois do que rolou, tive que mudar de turno.

Franzi a testa.

— O que rolou?

Pera aí... você não tá sabendo do barraco?! — perguntou, incrédula. — Aposto que o colégio todo já deve estar sabendo.

Balancei a cabeça negativamente. Quando a passagem ficou vazia, Larissa se dirigiu ao seu lugar.

— Foi anteontem. Eu e a Sabrina resolvemos matar a quarta aula porque ela combinou de ficar com um garoto do oitavo ano. Até aí, beleza. Fomos pro lugar combinado, e eu fiquei de vigia enquanto eles se beijavam... só que eu tava tão concentrada olhando pra um lado que não vi a inspetora chegando pelo outro.

Fiquei perplexa. Larissa suspirou e ajustou a mesa rabiscada.

— A inspetora levou a gente direto pra diretoria. E, lá, a Sabrina começou a inventar um monte de mentiras pra tentar sair bem na história. É claro que eu rebati tudo, e aí começamos a brigar feio, com direito a xingamentos. Aquela vaca até quis partir pra cima de mim, mas foi segurada pelo piá. A diretora ficou furiosa e deu um basta, chamando nossos pais. Foi treta pura!

Gesticulei para que ela continuasse. Larissa arrastou a cadeira e sentou-se.

— Enfim, foi um caos total. Eu comecei a chorar, desesperada. O piá acabou confessando a história toda, o que fez a Sabrina e ele serem expulsos por quebrarem as regras. A mãe da Sabrina ficou tão brava que quase quebrou a porta da diretoria, gritando um monte de coisa pra diretora. O piá e os pais dele saíram numa boa. E, quando só restava eu e meu pai na sala, eu confessei tudo e implorei pra diminuir minha punição. A diretora acabou me suspendendo por um dia e me trocou de turma e turno. E agora aqui.

Ainda tentava processar o que Larissa havia contado.

— Nossa, que treta pesada! — afirmei. Foi tudo o que consegui dizer.

Um pouco assustada, caminhei até o meu lugar enquanto carregava a cadeira.

Já acomodada, corrigi minha postura e abri o zíper do estojo. Quando a segunda aula começou, deixei que as cores das canetas expressassem minha atual celebração, registrando minha alegria em cada linha vazia, pelo motivo da saída de Sabrina. No entanto, por mais que aquelas tonalidades se destacassem, o outro lado das minhas emoções também se manifestou. Quando me dei conta, percebi que minha caligrafia não estava em perfeitas condições.

O decorrer das semanas trouxe uma visão completamente nova em relação à turma de trinta alunos, desde que Larissa se juntou a nós. A presença dela era a mesma que interagia. Desde então, aquilo soou como um aviso de que meu atual cenário passaria por alterações.

Não sabia se isso era bom ou ruim.

O dia de encarar os colegas mal havia chegado, e minha angústia já se manifestava de forma incontrolável. Conforme me aproximava da porta aberta, o volume de vozes se tornava cada vez mais alto, e minha insegurança começou a se manifestar. A partir daquela entrada, meus passos me levaram a enfrentar mais uma modificação.

Bem na minha frente, uma pequena agitação, acompanhada de risadas, ocorria na carteira onde Larissa estava. O número de colegas havia aumentado, principalmente por garotas. Timidamente, caminhei até minha mesa e coloquei a mochila sobre o móvel.

— Ei, Alana!— chamou Larissa, em voz alta.

Engoli seco e virei para trás.

Ela fez um gesto para que eu me aproximasse do grupo.

— Deixa de ser quietinha e vem conversar com a gente.

Relutante, cedi ao convite. Enquanto caminhava, notei alguns olhares curiosos me seguindo. Chegando lá, uma colega se apertou para abrir espaço, e o círculo se fechou ao meu redor.

— É hoje a apresentação, né? — perguntou um colega, preocupado.

Assenti com a cabeça.

— Ferrou então. Não estudei nada.

— Nem eu — respondeu uma colega, dando de ombros. — Vou ler do papel mesmo, e que o professor reclame o quanto quiser. O que importa é garantir uns pontos.

— E você, Lana? Preparada? — perguntou Larissa, olhando diretamente para mim.

— Mais ou menos — murmurei, quase inaudível.

— Sei não... seu nervosismo estampado na cara.

— Não nervosa, imagina — menti, tentando disfarçar.

— Ah, é? Então explica essa espinha gigante bem no meio do seu queixo. Eca! — exclamou Larissa, olhando para o meu rosto com um semblante de rejeição.

Subitamente, toda a atenção se voltou para a minha imagem estática e envergonhada. Suei frio.

— Nossa, tá feio mesmo — concordou outra colega, estreitando os olhos para me analisar.

Larissa começou a rir desenfreadamente.

— Além de magricela, agora tá toda espinhenta! — berrou, tentando recuperar o fôlego.

Aquilo foi o suficiente para que outras risadas ecoassem nos meus ouvidos, trazendo um ruído que só eu podia ouvir.

O ruído da minha primeira rachadura.

Tudo o que pude fazer foi deixar que meus passos de retirada falassem por mim. Quando virei para trás, o acúmulo da mágoa começou a distorcer a imagem diante dos meus olhos.

Sem esperar muito, puxei a cadeira discretamente e me acomodei na carteira. Para evitar que a primeira lágrima danificasse a folha do meu caderno, aquietei a tristeza em cada palavra que lia mentalmente. Aos poucos, consegui enxergar minha caligrafia com mais clareza.

No entanto, não demorou muito para que o medo retornasse. Quando o professor depositou seus materiais empilhados sobre a mesa, parecia que meu conhecimento se dissipava como vento.

Entrei em desespero. Era o único caminho que eu via no momento.

Era. Até o medo me oferecer uma rota de fuga.

Levantei-me apressadamente e, ao firmar contato visual com o professor, a mentira dominou minha fala.

com uma dor de estômago desde de manhã, e parece que não melhora. Minha mãe falou que, se piorasse, era pra eu ligar para ela vir me buscar... desculpa se eu acabar tendo que sair mais cedo, é que realmente não bem.

Ele suspirou e ajustou os óculos.

— Você sabe que se não apresentar, vai perder boa parte da nota e, infelizmente, eu não farei a atividade de recuperação, apenas a prova. A escolha é sua. Ou faz um esforço e apresenta, ou seu rendimento pode ficar abaixo da média.

Apenas neguei com a cabeça e caminhei de volta para minha mesa. Com a mochila nas costas, me retirei da sala e passei a caminhar pelo corredor calmo, sem querer voltar atrás.

Depois de pedir para a pedagoga entrar em contato, fui para a área da recepção e sentei no sofá, aguardando a chegada da minha mãe.

No meio daquele silêncio, o medo me certificou de que eu havia feito a coisa certa. Por mais que não houvesse dor física, não significava que eu estivesse completamente ilesa. Era o meu psicológico que latejava, e nem por isso deixava de ser dor.

Enquanto doesse, eu não iria me sentir bem.

Passei a ponta do dedo indicador pelo meu rosto, tocando a imperfeição. Deslizava suavemente sobre aquele pequeno calombo que gerou piadas de mau gosto e percebi que a dor também se concentrava ali. Imediatamente, as lembranças inevitáveis me levaram ao barulho que foi repercutido, e eu soube que minha imagem não estava mais intacta.

E, do tempo que já não estava bom, acabei permitindo que aquele pequeno estrago recebesse sua irrigação.

Ter passado uma imagem completamente artificial para minha mãe naquela tarde foi como esconder a verdade que precisava ser revelada. Eu não queria que ela me visse naquele estado. Sabia que, se ela visse minha aparência, só poderia lamentar os danos, quando eu realmente precisava de algo mais eficaz.

Embora ainda não tivesse me recuperado do desagradável ocorrido de ontem, precisei voltar ao mesmo local onde tudo começou. A porta aberta da sala me recebeu para mais um dia, acompanhada novamente de gritos estridentes e de presenças que transformavam o ambiente escolar em um verdadeiro cenário de alvoroço.

Assim que me acomodei na carteira, contava os minutos para o início da primeira aula. Tirei meus materiais e os organizei sobre a mesa rabiscada.

O que eu não esperava, naquele momento de preparo, era que uma forte batida sobre o móvel fez minhas canetas rolarem sutilmente para o lado. Estremeci de susto.

— Olha só quem resolveu aparecer, depois de largar a equipe ontem! — a voz de Larissa invadiu meus ouvidos. — Senti sua falta, querida.

Fiquei cabisbaixa, evitando encará-la.

— Eu estava com dor, por isso fui embora mais cedo — murmurei.

— Será que não foi sua magreza o motivo de você ter passado mal? Tem certeza de que não está com... anemia?

Levantei os olhos e a encarei, tentando conter minha irritação.

— Não tenho nada disso — respondi, acanhada.

Ela ergueu as mãos, como quem se redime, e deu de ombros com um sorriso falso.

— Tá bom, então. Só fiquei preocupada, sabe? Porque gente muito magra costuma ser meio frágil. — Larissa começou a se afastar, olhando para os lados como se procurasse aprovação da turma. — Só espero que um dia eu não tenha que sair te carregando por aí! — acrescentou, em tom mais alto, claramente querendo que todos ouvissem.

Embora algumas risadas fossem baixas, não pude evitar que a série de tremores alargasse as fissuras já existentes. Enquanto me dirigia para a porta, meu corpo pedia por uma retirada imediata.

Os movimentos apressados ao arrastar a cadeira e caminhar até a porta foram impulsionados pela urgência. No corredor, meus passos me levaram a um único lugar onde eu podia me refugiar sem outros olhares: o banheiro feminino do colégio.

Ao entrar, fui recebida por aquele ambiente precário e um tanto desagradável. Afobada, procurei rapidamente por uma cabine vazia e a última com a porta aberta me pareceu adequada. Tranquei a porta e fiquei em silêncio. Não demorou para que a tristeza começasse a se instalar ali, naquele pequeno espaço, cercada por um odor detestável e por rabiscos feitos com marcadores permanentes.

Era tudo o que eu precisava naquele momento.

Nem que fosse por pouco tempo.

Apenas queria aproveitar cada segundo que passava, permitindo que minhas lágrimas e soluços abafados se manifestassem em um lamento melancólico.

No decorrer das semanas, a contagem regressiva para as férias de julho aumentava minhas expectativas. Entretanto, em um desses dias, fomos informados de que a entrega dos boletins ocorreria na última semana. Além disso, seria feito um aviso para os pais sobre os turnos disponíveis, para que pudessem retirar nossas notas bimestrais.

Entre tantas questões do colégio, esse assunto não era algo que me preocupava muito.

O fim daquela manhã trouxe um gosto de alívio, enquanto eu caminhava pela calçada até chegar em casa. Àquela altura, o alívio já dominava boa parte das minhas emoções. Entrei pelo portão e, ao fechá-lo, caminhava sorridente até a porta.

Assim que entrei na sala de estar, fui recebida pela expressão nada contente que meu pai esboçava. Franzi a testa, confusa.

Sem esperar muito, ele suspirou fundo e levantou-se do sofá.

— Filha, vá até a cozinha, pois sua mãe está te esperando — orientou. — Precisamos ter uma conversa séria.

Um nó na garganta surgiu após aquilo. Vagarosamente, depositei minha mochila sobre a poltrona desocupada e fiz o que ele havia pedido.

Minha presença no cômodo despertou um olhar severo da minha mãe. Sentada na cadeira, ela segurava um papel dobrado ao meio, o que fazia minha curiosidade alvoroçar intensamente. Meu pai veio logo em seguida e se posicionou em pé ao lado dela. Puxei a cadeira da frente e me acomodei.

Estava muito assustada.

— Como mãe de duas filhas exemplares, sempre fui acostumada a ir ao colégio com um sorriso no rosto... mas quando olhei para o seu boletim com apenas uma única nota grifada em vermelho... aquilo me decepcionou, de verdade, Alana — confessou ela, desapontada.

Arregalei os olhos. Nenhuma palavra ousou sair da minha boca. Ela me entregou o papel e, ao desdobrá-lo, senti um aperto no peito.

— Nunca imaginei que você tivesse um rendimento tão baixo em geografia. O que aconteceu? — ela questionou.

Envergonhada, desviei o olhar do papel para encará-la.

— Tive dificuldades com o conteúdo — menti, quase sem pensar. Mas logo as lembranças das aulas anteriores e da prova de recuperação, em que não consegui me concentrar por causa dos momentos constrangedores, invadiram minha mente. — Não era algo com que eu estava acostumada, e as explicações e atividades não me ajudaram muito — completei, tentando soar convincente.

Meu pai cruzou os braços.

— E por que você não pediu ajuda ao professor? — indagou ele.

Fiquei cabisbaixa.

— Ele até tentou, mas eu não consegui. A culpa foi minha mesmo — a resposta mentirosa foi dita de maneira entristecida. — Prometo que vou me esforçar mais no próximo bimestre.

— Filha, você sabe que sempre fomos tranquilos em relação aos momentos de distração que você e sua irmã têm. Mas desta vez, você pisou na bola — meu pai afirmou. — Por isso, eu e sua mãe decidimos que vamos controlar seu tempo no computador e na televisão. É por pouco tempo, até que você recupere a nota.

Ainda cabisbaixa, suspirei e concordei com a cabeça. Queria que aquele assunto se encerrasse de uma vez. Com o olhar entristecido, me levantei e murmurei pela última vez que não iria decepcioná-los. E, quando me retirei, levei comigo o peso da verdade que insistia em ser ocultada.

O curto período de descanso me ofereceu um alívio temporário da angústia que me perturbava. Passar os dias em casa para repousar as emoções era um consolo, permitindo-me um esquecimento momentâneo.

Após os quinze dias de recesso, o terceiro bimestre começou com o barulho constante da sala cheia e os novos conteúdos expostos na lousa. Embora o retorno ao ambiente escolar sempre fosse estranho, desta vez uma pequena mudança desconfortável marcou essa fase dos doze anos.

Além da responsabilidade crescente com os estudos — que me livrou das restrições impostas pelas notas —, outro problema surgiu. O espelho foi o primeiro a me alertar. Novas imperfeições na pele exigiam o uso constante das maquiagens da minha mãe, que eu aplicava apressadamente para evitar que ela percebesse. Decidi também mudar o corte de cabelo, deixando a franja acompanhar o comprimento do restante do cabelo.

Essa mudança me incomodava. Não pelo fato de estar mudando, mas pela sensação de que minha transformação não se comparava à dos outros.

A observação diária confirmava isso: a construção da imagem impacta a percepção. Larissa era um exemplo claro. Não me referia apenas aos seus brincos chamativos, cílios carregados de rímel ou delineado impecável, mas ao seu comportamento.

Com seu jeito provocador e as práticas de bullying, Larissa se tornou o centro das atenções. Era um comportamento comum na pré-adolescência, onde a imaturidade glorifica atitudes desagradáveis, dando destaque aos que as praticam.

Mesmo que essas imagens fossem horrendas, atraíam olhares. Com os quatro meses restantes do ano, suportar era a única opção. Apesar de as situações me parecerem injustas, eu não podia fazer muito. Afinal, destroços não desafiam modelos mais intactos.

Nunca imaginei que a chegada de novembro me traria tamanha alegria. No meu quarto, eu dei pulos de comemoração, sem me importar com a presença da minha mãe, que estava sentada na beirada da minha cama.

— Achei que você detestasse estudar à tarde — ela comentou.

Parei de me movimentar e me acomodei ao seu lado.

— Muito pelo contrário — respondi, sorrindo.

— Mas você tinha implorado para trocar de turno. Achei que tinha se acostumado a estudar de manhã. Fiquei com medo de que a mudança te afetasse

Sorri para ela, tentando tranquilizá-la.

— Graças à Flávia, tudo deu certo.

— Eu não tive escolha. Ela vai começar o ensino fundamental no próximo ano, no mesmo colégio que você. E como só tinha vaga para a quinta série pela manhã, era a única solução. Sem contar que com a mudança no meu horário de trabalho, ficou bem complicado. Precisamos de alguém para ajudar com as tarefas de casa de manhã.

— E esse alguém sou eu — completei, rindo um pouco.

— Era isso ou a casa ficaria uma bagunça e ninguém almoçaria — minha mãe riu suavemente, colocando a mão no meu ombro em um gesto de apoio.

Quando ela se retirou, senti uma leve esperança me confortar, como um sopro que indicava que tudo estava prestes a mudar. E realmente estava.

A partir daquele momento, acompanhei cada passagem daquele período com a mesma atenção com que guardei lembranças favoráveis de 2011: as febres musicais, as novelas de sucesso e as várias peculiaridades que me permitiram interagir mais com os outros. À medida que essas memórias se tornavam mais distantes, a esperança trouxe alívio, como uma forte ventania que varria tudo.

Era o que meu tempo fechado precisava sentir.

E eu também.

Notas da autora: Quando digo que demora, é porque o capítulo é longo. Porém aqui está, como prometido (foi um pouco fora do prazo, mas o importante é que eu consegui). E irei conseguir ainda mais!

Observação: Finalmente estou cursando Letras (meu sonho se tornando realidade). Iniciei em 2022 e agora tenho mais conhecimento sobre a escrita. Consegui revisar os capítulos.

Ah, Alana. Será que essa sua esperança vai clarear seu tempo nublado?

Só em 2012 para saber...

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