| Capítulo 13 | Há uma esperança te esperando na escuridão
Não imaginava que conheceria aquele consultório tão cedo. Nos primeiros minutos, a tensão provocava tremores intensos, que se manifestavam nas minhas mãos, e minhas cordas vocais pareciam vazias. Enquanto Ivete procurava o caderno para suas primeiras anotações, eu observava os arredores da pequena sala. A decoração minimalista, mas acolhedora, refletia sua especialização no atendimento a crianças e adolescentes.
Acomodei-me na poltrona, sentindo a suavidade do estofado, e reparei quando ela se aproximou.
— Então, Alana. Para a nossa primeira consulta, gostaria de conhecê-la melhor. Por isso, quero que você se apresente — pediu, assentando-se no estofado mais próximo.
Respirei fundo e entrelacei os dedos.
— Meu nome é Alana Vitória, tenho dezesseis anos e estou no segundo ano do ensino médio. Gosto de ouvir música, ir ao shopping e assistir séries. Tenho uma família que me ama muito e dois amigos incríveis.
Ela anotou algo no caderno, com um sorriso suave no rosto.
— Gostei da sua apresentação, foi ótima — elogiou com sua voz delicada. — Agora que sei um pouco sobre você, quero que me conte quais são suas queixas. Preciso entender melhor o que está sentindo, assim posso planejar como ajudá-la.
Suspirei, enquanto tentava organizar as palavras para expor o que havia de mais sombrio em mim.
Mostrar meu verdadeiro estado para alguém era difícil. Afinal, meu interior, após cinco anos de tempestades, já não era o mesmo. Cada palavra revelava o passado, uma construção antes sólida, agora transformada em ruínas. De dias ensolarados a nuvens densas e acinzentadas. De um jardim vívido, restavam apenas pétalas ressequidas, sem cor.
À medida que falava, em certos momentos, a dor se acumulava a ponto de transbordar dos meus olhos. Mas o ambiente seguro que Ivete criava permitia que eu controlasse o ritmo da história, guiando a narrativa conforme minha necessidade.
Durante cinquenta minutos, minha voz preencheu cada canto da sala. Ivete fez perguntas, buscando detalhes de cada acontecimento. Quando ela finalmente vislumbrou minha figura entre os escombros, com apenas alguns blocos recém-erguidos, senti que não estava sozinha.
E, pela primeira vez, soube que cada entulho poderia ser removido, permitindo espaço para uma nova construção, destinada a ser minha, com uma força inabalável.
Nas três primeiras sessões, revelar o que me atormentava era como eliminar parte do meu fardo. Cada palavra se abrigava nos ouvidos atentos de Ivete. Na consulta seguinte, o tom da conversa mudou, preparando-me para o desapego completo.
— Então, Alana. Analisando seus relatos, já podemos começar a primeira etapa — anunciou.
Endireitei-me na poltrona, atenta ao que viria a seguir.
— O que eu aconselho é que você busque autoconhecimento, tornando-se mais consciente de suas ações. Comece apreciando sua imagem no espelho, investigue o que está por trás de suas atitudes e esteja aberta a mudanças, mas faça tudo ao seu tempo, do seu jeito — sugeriu.
— Confesso que ainda estou em batalha com minha imagem, não vai ser fácil — admiti.
— É aí que a terapia do espelho entra. — Fechou o caderno. — A força você já tem, agora precisa lutar contra o medo. Sua imagem nunca deve ser motivo de desgosto. Comece olhando para si aos poucos; se sentir desconforto, afaste-se. E, quando estiver mais confiante, abrace a si mesma. O autoperdão é essencial.
Curvei os lábios em um leve sorriso e agradeci mentalmente por suas palavras.
— Vou tentar, quantas vezes for necessário.
— Vai dar certo, Alana — disse ela, sorrindo. — Quando conseguir, escreva sobre o que melhorar, seja em suas atitudes ou na aparência. Lembre-se, faça isso de acordo com suas preferências, sem se importar com opiniões alheias.
— Felizmente, já não me importo com essas opiniões há algum tempo, então já dei o primeiro passo.
Ivete pegou o caderno e se levantou. Fiz o mesmo, sabendo que a consulta estava chegando ao fim.
— Agora, dê o segundo passo — incentivou. — Quero saber de tudo na próxima sessão.
No decorrer dos dias, absorvi o conselho e reuni forças para encarar a batalha, abrigando a coragem que tanto almejava. Afinal, estava disposta a derrotar aquilo que me atormentava há tanto tempo.
Então, chegou o grande momento.
O confronto era inevitável.
Finalmente estávamos nos encarando, cada uma reunindo suas forças para o golpe decisivo. A vitória seria reservada para apenas um oponente. Duas imagens iguais, disputando o mesmo combate, e o espelho era o palco desse embate.
Apenas minha companhia habitava o quarto. A porta trancada, garantindo privacidade. Queria uma batalha sem plateia, então só eu e meu reflexo éramos as participantes. Uma de frente para a outra.
Recuar estava fora de questão. Embora o medo quisesse me afastar, permaneci firme, mantendo o olhar fixo.
E, naquele instante, parecia que o mundo havia parado.
Minha mente reproduzia, repetidamente, os autores da destruição. Todos os episódios dolorosos surgiam como um peso esmagador. Mas, por outro lado, os bons momentos, aqueles que trouxeram paz, se transformavam em golpes luminosos e poderosos. Pela primeira vez, vi o medo cair, como uma sombra derrotada.
— Até quando vamos ficar nessa luta? — sussurrei para mim mesma.
Fechei os olhos por um momento. Eu não desistiria da vitória tão cedo. Retomei o contato visual, reunindo toda a resistência que o outro lado ousasse lançar.
— Por que insiste em reviver essa dor? Acha mesmo que os espinhos e os cacos te definem? — questionei, encarando meu reflexo. — Olha o que eles nos fizeram. Nos prenderam em correntes e agora somos obrigadas a viver assim? — completei.
Respirei fundo. Naquele instante, estava pronta para usar toda a força que havia acumulado. As palavras surgiram como um grito que há muito tempo estava preso.
— Eu não quero ser uma pessoa quebrada. Quero ser inteira — declarei. — Não é justo viver assim, me reprimindo, me humilhando, aceitando migalhas.
Imediatamente, senti meu peito pulsar intensamente. Meus olhos, inundados pela emoção, estavam prestes a transbordar.
— O que eu estava fazendo comigo mesma? — murmurei. E então, a primeira lágrima escorreu.
Todas aquelas perguntas golpeavam o medo e o pessimismo, que, sem resistência, caíram por terra.
— Só... me perdoa por tudo — finalizei, com a voz embargada.
De repente, o desgosto que sentia por minha imagem desapareceu. Eu via algo completamente novo. Coloquei a mão sobre o espelho, abaixei a cabeça até encostar minha testa no reflexo e fechei os olhos.
Suspirei.
— Tudo bem, Alana. Está perdoada.
Um sorriso brotou em meus lábios, reacendendo a luz que antes estava apagada. O calor harmônico se espalhou por cada pedaço meu, trazendo a clareza que tanto lutei para alcançar. E, finalmente, a rendição foi declarada pelo outro lado, dando espaço para que minha luz celebrasse o tão esperado triunfo.
Depois do segundo passo, busquei maneiras de sustentar a nova conquista que habitava em meu interior. Ao longo dos dias, dediquei-me a incentivar a cura de cada ferida no oponente derrotado, para que a restauração acontecesse o mais rápido possível. Sabia que essa força ressurgida daria início ao meu período de reconstrução. Prometi a mim mesma que nunca mais a perderia de vista.
Pois só assim estaria pronta para dar outro passo.
Após o relato de autoperdão, o semblante satisfeito de Ivete fez as honras de comemorar. Finalmente, o plano foi traçado. Como eu havia iniciado um período de mudanças, permiti que cada palavra escrita libertasse minhas vontades. Meus post-its preencheram o pequeno mural da escrivaninha, e cada um carregava um avanço que eu colocaria em prática.
Comecei com o cuidado com o corpo e o bem-estar. Mesmo frequentando as aulas de pilates, um novo conceito tomou conta da minha consciência, fortalecendo tudo aquilo que antes me constrangia, como o fato de estar abaixo do peso. Com essa nova visão, percebi que eu nunca fui o problema, e sim as atrocidades cometidas pelas pessoas.
O segundo ponto focava no vestuário. Aproveitei as peças novas que havia ganhado de presente, junto com a quantia que minha avó materna, discretamente, depositou em minhas mãos. A internet tornou-se uma boa aliada, ajudando-me a encontrar combinações e inspirações que refletissem meu gosto pessoal.
O terceiro objetivo foi o comportamento, destacando minha busca por mais segurança e domínio na oratória. Eu queria me tornar mais comunicativa e espontânea, deixando para trás a versão acanhada de mim mesma.
Por último, a aparência. Sei que essa fase da adolescência é difícil. Muitos se sentem excluídos dos padrões e acreditam que ser diferente é algo terrível. O constrangimento e a insegurança nos forçam a esconder as imperfeições. Isso ocupa tanto espaço dentro de nós, que não sobra lugar para a autoaceitação e a autoestima. E, às vezes, as pessoas fingem ser o que não são, apenas para se encaixar em regras inalcançáveis e absurdas.
Mas será que isso é realmente confortável? É mesmo necessário?
Decidi focar em tudo o que me beneficiasse, priorizando minhas escolhas e preferências, sem me importar com as opiniões alheias. Eu já havia dado importância demais a essas opiniões, e isso só me trouxe danos catastróficos.
Naquele momento, eu contemplava orgulhosamente cada pedaço de papel colorido. Meu entusiasmo desencadeava faíscas intensas, prometendo o brilho mais lindo de todos.
Estava tão imersa em minhas ideias que o som da fechadura me trouxe de volta à realidade.
— Percebi que você passou a tarde inteira no quarto. Está tudo bem? — minha mãe perguntou ao entrar no cômodo.
— Agora está ainda melhor. Dá uma olhada no meu quadro de mudanças. — Gesticulei para que ela viesse ao meu encontro.
Ela se posicionou ao meu lado, observando atentamente cada post-it.
— Isso tem o dedo da Ivete — brincou.
Concordei com a cabeça e ri discretamente.
— E como tem me ajudado. Agora que avancei mais uma etapa, ela sugeriu que eu montasse uma lista com todos os pontos de melhoria. Assim que concluir uma mudança, eu descarto o post-it — expliquei.
— Gostei do que escreveu. São objetivos que vão melhorar sua qualidade de vida e sua busca por renovação... você está conseguindo — ela disse, sorrindo.
— Confesso que ainda tenho uma longa jornada para colocá-los em prática... Mas, sabe, estava pensando em algo que vai me fazer arrancar o primeiro papelzinho rosa, no canto superior do quadro.
Ela direcionou os olhos para o post-it, tentando ler o que estava escrito. Apertei os lábios, ansiosa.
— Você quer mesmo fazer isso?
— Sempre quis mudar meu cabelo. Fazer um corte diferente e pintar.
— Sei de um lugar que vai te deixar ainda mais deslumbrante — comentou, empolgada. — Mas primeiro, vamos pesquisar qual estilo de cabelo combina com você, e depois eu agendo um horário com a cabeleireira.
Sorri.
— Era exatamente essa a resposta que eu queria.
Após várias visitas a sites e uma difícil escolha em relação à tonalidade, finalmente cheguei à conclusão: mechas loiras douradas seriam o destaque que eu tanto desejava. Naquela tarde de sábado, o procedimento foi iniciado, e o anseio dominava cada parte do meu corpo. Aproveitei cada momento dessa nova experiência, desde o primeiro contato com a tintura até as risadas discretas provocadas pelo papel alumínio envolvendo as mechas do meu cabelo.
Durante a matização, o corte e a secagem, a profissional mostrava-se dedicada a garantir um resultado impecável. Assim que as etapas foram concluídas, ela ondulou meus cabelos com o auxílio do babyliss. Como a cadeira estava virada de costas para o espelho, minhas expectativas aumentavam, intensificando a pequena chama de ansiedade que crescia dentro de mim.
Quando a espera chegou ao fim, tudo pareceu mais luminoso.
E eu estava brilhando.
Por um instante, reconhecer a nova imagem refletida no espelho despertou em mim sensações de perplexidade e, ao mesmo tempo, de admiração. Era um encanto tão impulsivo, capaz de resgatar uma essência que eu sentia ter perdido há tempos. Senti a admiração florescer, invadindo os espaços vazios e preenchendo-os com uma nova energia. Meu amor próprio, enfim, começava a germinar, e eu sabia que em breve o veria florescer.
— Você fez uma ótima escolha — a cabeleireira elogiou. — Esse loiro é mais suave, com a raiz natural e as pontas três tons mais claras — explicou, enquanto balançava as mechas onduladas, agora impecáveis.
— Obrigada por realçar ainda mais a beleza da minha filha — minha mãe agradeceu, sorrindo. — Ela ficou maravilhosa.
A cabeleireira retribuiu o sorriso e, com gentileza, removeu a capa de corte que me cobria. Levantei-me da cadeira, sentindo a leveza nos cabelos.
— Fico feliz que tenham gostado do resultado. Alana, como seu cabelo foi descolorido, recomendo o uso de produtos de hidratação e reconstrução. E, claro, invista em shampoos matizadores para evitar o amarelado — aconselhou. — Use uma vez por semana, sem exagerar.
Após minha mãe realizar o pagamento, agradecemos com sorrisos sinceros e, em seguida, nos retiramos do salão. A cada momento, eu me pegava admirando minha nova aparência no espelho do quebra-sol do carro. Dentro de mim, uma luz radiante parecia iluminar todas as partes que antes estavam em sombras.
Ao chegar ao shopping, estacionamos o carro e seguimos em direção ao primeiro piso, rumo à loja de cosméticos. Entramos na loja, e minha mãe perguntou pelos produtos recomendados pela cabeleireira. Enquanto a vendedora a guiava até o corredor certo, eu me distraía observando as várias opções de produtos nas prateleiras.
Até que, de repente, meu celular vibrou no bolso da minha calça jeans, interrompendo meus pensamentos. Peguei o aparelho e, ao desbloquear a tela, vi que havia recebido uma mensagem de um número desconhecido, o que despertou uma sensação inesperada de curiosidade.
Cada palavra que li trouxe um alento agradável.
+55 41*******: Olá, Alana! Pode comemorar! A retirada do seu aparelho ortodôntico foi agendada para segunda-feira, às 09h. Pedimos que confirme com antecedência.
Notas da autora: Que renovação maravilhosa! Estou amando ver a Alana se reerguendo aos poucos.
Mas a evolução continua, pois só assim é que nossa protagonista estará pronta para conhecer a Elisa.
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