Capítulo 01. A volta para casa.
Safira havia retornado ao Brasil há poucos dias. Agora, estava instalada na cobertura do hotel de seu tio, Alan, um homem de negócios poderoso e influente, dono de uma rede de hotéis de luxo que se estendia por vários países. Entre esses, estava o hotel onde Safira havia decidido ficar.
— Senhora Acar. — A voz do detetive ecoou educadamente na entrada da suíte.
Safira franziu o cenho, seu tom firme e sério cortando o ar:
— Por favor, não me chame assim.
O homem hesitou, surpreso.
— Mas... é o seu sobrenome, senhora.
— Não é o sobrenome da família de minha mãe — corrigiu ela, sua voz carregada de emoção contida. — E eu não tenho mais nenhuma ligação com ele. Não desde que me tornei apenas Safira.
A história de Safira era muito mais complexa do que aparentava. Seu nome era um reflexo de suas cicatrizes, uma tentativa de recomeço.
Sua mãe, Samia, uma jovem de uma linhagem respeitável na alta sociedade árabe, havia se apaixonado perdidamente por um artista humilde, um homem que nada tinha a ver com a burguesia ou as convenções do mundo dela. Ele era apaixonado pela criação e trabalhava em peças de joalheria com dedicação e talento inigualáveis. Contra todas as expectativas e críticas, Samia o apoiou com determinação, ajudando-o a transformar seu talento em uma carreira de sucesso.
Com o passar dos anos, ele se tornou um renomado designer de joias, cujas obras-primas adornavam descendentes da monarquia, sheiks e celebridades globais. Mas essa ascensão não apagava o contraste entre o mundo de Samia e o mundo que eles haviam construído juntos.
Quando Samia engravidou pela primeira vez, decidiu deixar o Oriente Médio e recomeçar no Brasil, a terra natal de seu marido. Assim, a família se estabeleceu em solo brasileiro, onde começaram uma nova vida, repleta de tradições e desafios.
Seu primogênito, Malakia, foi recebido com celebração. O "homem da família" nasceu sob o peso de grandes expectativas. Alguns anos depois, veio Ayla, a primeira filha, que seguiu a tradição peculiar instituída por seu pai: receber um segundo nome inspirado em pedras preciosas. Ayla foi batizada como Ayla Esmeralda e, em seu nascimento, ganhou um conjunto de esmeraldas feito sob medida, cada peça lapidada com perfeição para ela.
A tradição continuou com a chegada de Sila Rubi, cuja personalidade vibrante parecia refletir a intensidade de sua pedra. Menos de dois anos depois, nasceu a caçula, Maya Safira, cujo nome, anos mais tarde, seria uma escolha simbólica de recomeço.
Desde pequena, Maya era diferente. Enquanto os irmãos abraçavam com orgulho as tradições da família, ela sentia uma desconexão crescente. Maya tinha um espírito livre, mais alinhado ao Brasil e às suas raízes paternas do que às convenções que seus pais prezavam. Essa liberdade de espírito sempre a destacou, mas também a isolou.
Safira, agora uma mulher adulta, olhava para seu passado com uma mistura de saudade e dor. Suas escolhas haviam redefinido quem ela era, mas também a afastado de suas origens.
Após um longo silêncio, o homem à sua frente finalmente quebrou o clima carregado:
— Desculpe-me, senhorita... Safira.
Ela apenas suspirou, voltando seu olhar para a vista do alto da cidade. Ela não era mais Maya, não totalmente. Agora, era Safira, uma mulher marcada pelo passado, mas determinada a construir um novo futuro.
Após o longo silêncio, o detetive retomou a conversa, sua voz carregada de cautela.
— Senhora, eu tenho seguido Matteo, mas ele quase não sai da mansão. É difícil obter informações mais precisas.
Safira cruzou os braços, seu olhar frio e impaciente ficou fixo no homem.
— Eu te pago para trazer respostas, não para me apresentar desculpas — disparou.
O detetive engoliu em seco, mas continuou:
— Pelo que descobri, Matteo é um homem que se divorciou ao pouco tempo, mas tem uma filha recém nascida..
Safira ergueu uma sobrancelha, intrigada.
— Quem é a mãe dessa criança?
— Isso ainda não consegui determinar, senhora.
Ela estreitou os olhos, sua voz firme como uma lâmina.
— Como assim, não conseguiu?
O detetive remexeu nos papéis em sua pasta antes de responder:
— O que sabemos é que uma mulher chamada Layla chegou ao país com a criança. Foi um voo particular, sem registros detalhados.
Safira inclinou-se ligeiramente para frente, sua curiosidade agora misturada a uma pitada de inquietação.
— Ele sequestrou essa criança?
O detetive balançou a cabeça.
— Minhas fontes sugerem que Matteo teve um caso com uma mulher meses atrás. Ela engravidou, mas ele rejeitou o bebê desde o início, mesmo assim teve a criança e entregou para Layla.
Safira sentiu uma pontada de pena pela criança, embora seu rosto não demonstrasse nenhuma emoção.
— E Layla? Qual o papel dela nisso tudo?
— Parece que ela está agindo como responsável pela criança. Mas ao que indica ela é comprometida com o filho mais velho da família Corallo.
O nome "Corallo" trouxe uma lembrança à mente de Safira. Seu tom de voz mudou, agora mais introspectivo:
— Enrico...
Safira permaneceu em silêncio por alguns instantes, relembrando as poucas interações que tivera com Enrico Corallo. Diferente de Matteo, Enrico nunca lhe pareceu um homem cruel. Sempre mantinha uma postura reservada, com um olhar sério e distante, como alguém avesso a confusões.
O detetive, percebendo sua introspecção, assentiu, buscando confirmar seus pensamentos:
— Isso mesmo, senhora.
Safira desviou o olhar, voltando sua atenção para o detetive.
— Então Matteo tem um filho — murmurou, sua curiosidade evidente.
— Uma menina, senhora. Anya Corallo. Porém, os documentos não indicam quem é a mãe.
Safira estreitou os olhos, tentando desvendar as implicações dessa nova informação.
— E como ele está cuidando dessa criança?
O detetive ajeitou a postura, parecendo desconfortável com a pergunta.
— Não sei exatamente, senhora. Mas, pelo que descobri, a casa está em movimentação por conta do casamento de Enrico com a mulher chamada Layla. Além disso, estão procurando uma babá para a menina.
A resposta despertou algo em Safira. Ela começou a caminhar pela sala, seus saltos ecoando sobre o piso impecável.
— Sabe se já encontraram alguém?
— Não, senhora. Ainda estão procurando.
Safira parou abruptamente, girando sobre os saltos e encarando o detetive com um olhar que misturava determinação e algo mais profundo, quase pessoal.
— O que acha? — perguntou, apontando para si mesma. — Pareço uma jovem ingênua que precisa de um emprego como babá?
O detetive hesitou, percebendo a mudança na postura de Safira.
— Não, senhora.
A resposta rápida não a satisfez. Safira arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços, seu olhar fixo e implacável.
— Responda novamente.
Ele gaguejou, corrigindo-se rapidamente:
— Sim, senhora. Tudo o que desejar.
Ela deixou escapar um sorriso mínimo, mais de satisfação do que de alegria.
— Descubra como estão conduzindo esse processo. Quem sabe eu mesma não me candidate à vaga.
O detetive engoliu em seco, ciente de que não havia espaço para questionamentos.
— Seus pais sabem disso, senhora?
Safira riu, mas seu riso estava longe de ser leve. Era carregado de uma dor mascarada por sarcasmo.
— Não sabem, e nem precisam saber.
Com um gesto autoritário, ela indicou que o detetive poderia se retirar. Assim que ficou sozinha novamente, caminhou até a grande janela da cobertura, observando as luzes brilhantes da cidade abaixo. Sua expressão se endureceu enquanto pensamentos dolorosos invadiam sua mente.
Relembrar aquele dia foi como abrir uma ferida ainda sangrando. Safira fechou os punhos, seus olhos brilhando com uma mistura de ódio e tristeza. Era impossível esquecer. O dia em que Matteo destruiu sua vida, roubou tudo o que tinha e deixou sua família em ruínas.
Ela respirou fundo, tentando acalmar o turbilhão de emoções. Porém, uma coisa era certa: Matteo pagaria caro. E ela faria questão de estar lá para ver.
Anos antes.
— Onde você está, Maya? — A voz de Mike soava desesperada ao telefone, carregada de preocupação.
— Mike... eu não sei — respondeu Maya, a voz entrecortada pelo choro. — Eu saí andando, sem rumo.
— O que fizeram com você, meu amor?
— Foi ele... — Maya soluçou, incapaz de conter as lágrimas. — Ele me humilhou e me jogou para fora da casa dele. Eu achei...
— Não chore, meu amor. Eu vou te buscar. Todos estão preocupados com você. Sila me disse que você sumiu.
— Eu achei que ele gostava de mim — continuou ela, a dor evidente em cada palavra. — Mas ele...
Mike interrompeu, tentando protegê-la da necessidade de reviver aquilo.
— Não precisa falar mais nada. Estou indo até você. Está começando a chover aqui, ache um lugar seguro e me diga onde você está.
— Eu estou... — começou Maya, mas antes que pudesse completar a frase, um som ensurdecedor veio do outro lado da linha. O barulho de metal sendo esmagado, seguido por um silêncio aterrador.
Maya gritou pelo irmão, mas a ligação havia caído. Aquela foi a última vez que ouviu a voz de Mike.
Naquela noite, a tragédia aconteceu. Um caminhão carregado de enpendorfes, dirigido por um homem que tomara estimulantes para se manter acordado, perdeu o controle e colidiu com o carro de Mike. A violência do impacto foi fatal, tirando a vida do irmão mais velho de Maya instantaneamente.
O luto envolveu a família como uma tempestade. Os pais de Maya se isolaram em seus próprios mundos de dor. Sua mãe mergulhou em um silêncio ensurdecedor, raramente saindo de seu quarto. Já seu pai se refugiava no trabalho, trancando-se no escritório por horas a fio.
Ayla, sua irmã mais velha, não conseguia esconder o ressentimento. Ela culpava Maya pela morte de Mike, repetindo em voz baixa, mas cortante, que tudo poderia ter sido evitado. Sila, por outro lado, carregava sua parcela de culpa em silêncio, acreditando que seu pedido para Mike buscar Maya contribuiu para a tragédia.
E Maya... Maya se tornou Safira.
A perda de seu irmão marcou o início de uma transformação irreversível. Aquele dia, aquela festa, a humilhação que sofrera e a rejeição que enfrentara... Tudo começou com Matteo. Ele não apenas havia sido um homem covarde; ele fora o catalisador de sua ruína.
Safira, agora encarando o horizonte da cidade, não via apenas prédios e luzes brilhantes. Via a cena do acidente, as lágrimas de sua família e o vazio deixado por Mike. Aquela lembrança amarga era o combustível de sua vingança.
Matteo pagaria por tudo. Pela festa que a fez sentir tão pequena, pelas palavras cruéis que a jogaram na rua e, acima de tudo, pela corrente de eventos que levaram à perda de Mike.
Seu plano estava traçado. Não importava o tempo que levaria. Matteo enfrentaria as consequências de sua covardia, e Safira estaria lá para garantir que ele sentisse na pele toda a dor que causou.
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