Capítulo 1 - Piloto
Voltare, meados de 500 d.C.
O sol fraco irradiava o imenso castelo da família real. O verde dos campos e o céu límpido em vários tons de azul pintavam a imagem de um reino perfeito. E de fato seria, se não houvesse a guerra enfadonha contra Castela, o reino rival.
Em seus aposentos, o Rei Arthur tamborilava uma moeda de ouro pelos dedos, a testa franzida denunciava a preocupação que estava lhe assolando. Havia mandado tropas para a fronteira do país e até então não recebia notícias há dias.
-Preocupado com o destino da guerra, meu Rei? – Ananda, Rainha de Voltare virou-se para o marido.
-Essa guerra já foi longe demais, Ananda. – O Rei suspirou pesadamente.
-Sabes que não podemos abrir mão das terras que são nossas por direito, seria uma atitude desrespeitosa para com seu povo se o fizer. – A Rainha sentiu o chão lhe fugir dos pés.
-Sim, não podemos, mas já perdemos homens demais, logo, famílias descontentes irão bater nos portões do castelo cobrando pelo retorno de seus entes. – Arthur olhou de soslaio para a esposa. – Temo que nossa família seja deposta por isso, temos que solucionar o problema de outra forma.
-Em que ponto está querendo chegar? – A esposa lhe questiona, já com medo da resposta.
-Vamos propor um tratado, uniremos a Princesa de Castela com nosso filho, o Príncipe de Voltare, existem ameaças muito maiores do que essas, minha esposa. – O Rei largou a moeda de lado e encarou sua Rainha.
Os olhos negros de Ananda foram inundados por lágrimas teimosas, temia o dia em que Valentim teria que assumir as responsabilidades do pai. E agora, ouvindo as palavras de seu marido, a mulher instantaneamente libertou dentro si seu lado maternal. Não enxergava em seu pequeno garoto o peso de um reinado, sabia o quanto o menino prezava a liberdade e o quanto ele desprezava ser membro da realeza.
-Não pode submeter seu filho a algo desse tipo. – A mulher disse aos prantos. – Não pode simplesmente casar-lo com uma estranha sem que haja um pingo de afeto entre eles.
-Como não posso? Nosso casamento também foi fruto de uma aliança, não havia amor entre nós até que enfim fomos trabalhando nossas diferenças. – Arthur estava irredutível.
-Ele é uma criança. – Ananda tornou a argumentar.
-Criança? Ele é um jovem, Ananda! Um jovem Rei! Ele tem dezessete anos, sabe manusear uma espada como ninguém, tem inúmeros atributos que um líder deve ter, seus argumentos não estão em questão. – Arthur alterou a voz.
-Deixe-me pelo menos conversar com ele antes. – Era quase uma súplica.
-E permitir que você conceda a ele a possibilidade de fugir? Deixe...eu mesmo falarei com nosso filho, hoje, no banquete de inverno. – O Rei deu a palavra final e a conversa cessou.
(...)
Valentim inspirou profundamente o ar puro dos campos de Voltare. Era quase como um presente passar algumas horas fora do castelo, fora do fardo de ser um Príncipe. Apertou os olhos fitando o horizonte e percebeu uma cavalaria se aproximando a galopes contidos.
-Príncipe Valentim de Voltare? – Um dos homens tomou a iniciativa assim que pararam em frente ao jovem
-Sim, sou eu. – Confirmou firmemente.
-Somos do reino de Castela. – O cavaleiro apresentou-se e Valentim se viu colocando a mão em sua espada. – Não viemos em missão de guerra, estamos aqui para entregar esta carta ao Rei, pode nos fazer este trabalho, Príncipe?
-Farei tal coisa se me disserem o motivo pela qual o Rei de Castela está enviando esta carta a meu pai. – O Príncipe estava desconfiado.
-Não temos liberdade e nem audácia de olhar as correspondências de nosso Rei. – O cavaleiro estendeu o envelope com o selo de Castela e partiu.
Valentim observou a cavalaria se distanciar e soltou um suspiro pesado. Sabia que a situação de Voltare não era a das melhores, principalmente no que tangia à guerra. Na verdade, ele não entendia o porquê de um pequeno pedaço de terra fazer tanta diferença para dois reinos fartos de território, aquilo sem sombra de dúvidas deveria ser fruto de algo a mais.
Curioso para saber do que a carta se tratava, o jovem Príncipe voltou ao castelo pronto para questionar seu pai. Aproximou-se do estábulo e deixou que os vassalos cuidassem do resto. Não que ele gostasse de fazer aquilo, muito pelo contrário, preferia mil vezes ele mesmo cuidando de seu cavalo preferido, mas ele não tinha tempo para aquilo agora, tinha que ir a sala do trono o quanto antes.
Em seus aposentos, livrou-se das roupas de montaria as substituindo pelo casaco de couro e pelas botas pretas, afivelou sua espada na cintura e arrumou os cabelos negros. Encarou sua própria figura no espelho e soltou uma lufada de ar, como se estivesse tomando coragem para ir ao encontro de seu pai. Parou de pensar demais e agiu. Abriu a porta de seu quarto e caminhou a passos largos pelos corredores do castelo até parar em uma porta de ferro maciço, a sala do trono.
Sem cerimônia a abriu e o grande salão preencheu seu campo de visão. Ao longe, mais precisamente no meio do vasto cômodo, o Rei Arthur fazia um dos costumeiros julgamentos da corte.
Assim que viu o filho postado em uma pilastra de mármore, observando tudo, o Rei ordenou que todos se retirassem da sala e os deixassem sozinhos. Valentim aos poucos fora se aproximando, não preocupando-se em evidenciar a carta do reino inimigo nas mãos.
-O que isso quer dizer, meu pai? – Estendeu o envelope.
Arthur empalideceu, na certa não contava que seu filho descobrisse sua tentativa de casá-lo com a Princesa de Castela antes do banquete, mas antes que pudesse manifestar qualquer tipo de desculpa, o Príncipe explicou prontamente:
-Não tomei a liberdade de ler o que está escrito, uns cavaleiros de Castela vieram ao meu encontro na campina e me pediram com cordialidade para que entregasse a você. Sei que, como Príncipe, eu não deveria me prestar ao papel de mensageiro, contudo, não vi mal algum em fazer este favor, até porque, quero saber como anda as coisas em torno da guerra.
-Dê-me a carta. – O pedido soou como uma ordem.
Valentim estendeu a carta e o Rei a pegou com cautela. Com suspiro pesado, Arthur coçou sua barba e olhou fixamente para o filho.
-Não vais abrir? – Questionou o jovem.
-Não preciso, sei bem do que isso se trata, Valentim. – A testa do Rei franziu, preocupado.
-Algo relacionado a nossas tropas? Mortos? – O Príncipe questionou.
-Eu ia esperar o banquete de inverno, mas não acho viável adiar isso por mais tempo. – Arthur estava enigmático. – Castela e Voltare não estão mais em guerra.
-Isso é uma excelente notícia, meu pai. – Valentim, apesar de não se interessar pelos assuntos da coroa, comemorou. – Porque tanto mistério para espalhar o fato?
-Fizemos um tratado com Castela, Valentim, e ele se aplica a você. – Começou o Rei. – Deverá se casar com a Princesa Miranda dentro de quatro meses, e enfim, unirão os dois Reinos em uma aliança próspera e duradoura.
-Isso não pode ser verdade. – Valentim riu de deboche, porém, o Rei manteve sua postura. – Arranjou um casamento para mim, tudo para por fim a uma guerra sem nexo?
-Valentim, entenda, assumir a coroa é algo que mais cedo ou mais tarde você terá que fazer. O tratado já foi assinado, dentro de alguns dias Miranda estará conosco e espero que seja cortês, ela é sua noiva agora. – Arthur trincou os dentes, já irritado com a rebeldia do filho. – O seu reino, seu país, valem muito mais do que um mero casamento, e se você preza por ele, aceitará a Princesa como sua mulher.
-É o que veremos! – Valentim afastou-se irritado, mas ainda a tempo de ouvir.
-Não pode fugir de quem você é, Valentim!
(...)
Castela, meados de 500 d.C.
Miranda penteava seus cabelos ondulados com paciência. Era a única coisa que as servas não faziam por ela, e de certa forma, era o que ela mais gostava de fazer. Enquanto escovava suas madeixas podia mergulhar em um mundo somente dela, onde as coisas eram do seu jeito e tudo funcionava bem.
Envolveu o cabelo em uma tiara de pequenos rubis e ajeitou o vestido no corpo. Abriu a porta de seu quarto e caminhou rumando as escadas. As desceu com uma leveza digna de uma futura Rainha e logo foi notada por seu pai.
-Miranda,fico feliz em saber que já está acordada. – Ele a saudou com um sorriso.
-Como está, meu pai? – Miranda perguntou cordial, como sempre.
-Muito bem, enviei esta manhã uma carta para Voltare, selando nosso tratado. – O Rei de Castela comentou.
A jovem abaixou o olhar, um pouco incomodada, ela sabia de suas responsabilidades, mas de algum jeito, o fato de ser entregue ao Príncipe de Voltare ainda não parecia ser o certo. Havia sido educada, desde pequena para ser uma Rainha exemplar, uma Rainha que pudesse ser tão nobre e tão justa quanto sua mãe era, e agora, o peso de dois reinos se alocava em suas costas como se fosse um fardo quase impossível de carregar.
-Devo me preparar para partir? – Miranda recuperou a voz depois de longos minutos.
O Rei Lorenzo olhou para a filha com pesar. Sentia como se estivesse entregando seu maior tesouro para as mãos inimigas, e de fato estava. Contudo, não havia outro jeito. Castela, apesar de ter estado em grande vantagem em relação a Voltare, as tropas do Rei não seriam eternas, e a solução proposta pelo Rei Arthur foi a mais cabível no momento.
-Sim, querida, deve se preparar para partir. – Disse por fim.
Miranda assentiu e voltou ao seu quarto, sentou-se na beirada de sua cama e deixou que as lágrimas escapassem. Estava resistindo a toda aquela situação há dias e só agora pôde se entregar a sua própria dor.
Tocou gentilmente o colar que sua mãe lhe dera antes de falecer e pediu mentalmente para que ela lhe desse força, força para continuar o legado da família, força para ser uma boa Rainha, força para ser uma boa esposa...boa esposa. Essa era a palavra mais enfadonha que Miranda ouvira naquele dia. Tinha por si, que seu coração jamais poderia pertencer a outro homem que não fosse Benjamin.
Ao lembrar-se do rapaz, a moça sentiu um aperto dentro de si. Mais que depressa, pediu que as servas lhe despisse e pegasse suas roupas de caça. Sim, a jovem tinha o hábito de praticar arco e flecha em seus momentos de raiva e aquele era um desses.
Pronta, Miranda desceu as escadas do castelo e mais que depressa pediu que lhe trouxessem seu cavalo, montou no mesmo com graça galopando indo ao encontro da costa marítima. Ao longe, notou Benjamin manuseando sua espada.
-Tens muito jeito com a espada. – Miranda comentou perto do rapaz.
Benjamin, que até então não havia notado a presença da futura Rainha, deixou a espada cair evidenciando o susto que levara.
-Majestade. – Ele apressou-se em reverenciá-la.
-Ora, Ben, não precisa me tratar com tanta formalidade, ainda não sou Rainha. – Miranda sorriu de lado.
-Em breve será. – Não olhou nos olhos dela. – As notícias correm no Reino, e a maior delas até agora é a de seu noivado com o Príncipe de Voltare.
-Benjamin...eu... – Miranda queria falar alguma coisa mas nada saía de sua boca naquele momento, já era de se esperar que todos já tivessem ciência do tratado.
-Não se preocupe em dar explicações a um mero cavaleiro, sempre soube que nunca poderia ser visto como algo a mais pela Rainha. – Conformou-se o loiro de olhos verdes.
-Não diga isso, lamento por tudo que estou sujeitando você passar, não é fácil para mim também. – Miranda justificou.
-Sabes que não podemos ficar juntos, minha Rainha. Em breve você partirá e com o tempo nem lembrará deste pobre homem. – Benjamin riu sem humor.
Miranda, então, como por instinto, segurou gentilmente as mãos de seu amado Benjamin e lhe propôs:
-Venha comigo! Seja membro de minha guarda! Temo em não ter ninguém de minha confiança comigo.
-E quanto as suas damas de companhia? – O loiro questionou.
-Elas irão comigo, mas gostaria de tê-lo por perto. – Argumentou ainda segurando suas mãos.
-Não sei se suportaria vê-la se casando com outro... – Benjamin suspirou.
-Pense em minha proposta, deixarei que continue seu treino com as espadas, voltarei para a campina e praticarei um pouco de arco e flecha. – A Princesa se despediu.
Benjamin assentiu e observou a amada partir a galopes apressados.
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