53 Mecanismo de Defesa
Lucas sai da nossa cozinha bem rápido. Eu não consigo imaginar que tipo de ódio ele está manifestando agora. Ele está bravo pelo pai ter dito isso, ou com raiva do meu pai por ter cometido bullying com a mãe dele na época da escola. Será que ele já sabia disso? Será que agora ele odeia todos nós?
— Caralho, Samuel, você ainda não consegue controlar a porra da sua boca! — solta meu pai furioso.
O clima parece ter acabado, mas eu não queria que fosse assim... eu não quero que seja assim.
— Foi mau, eu não sabia que ia pegar mau — pede ele. Dá para ver que ele está sendo sincero.
— Pelo menos respeita seus filhos — pede Lara com tom de decepção.
Todos aqui, com excessão deles, sabem o que era viver naquele dias, e então não tem porque os outros sofrerem... Mas eu estaria sendo injusta e estaria sendo imatura e insensível se não entendesse o como isso foi ruim. Eu, Emily, a garota que está a meses passando pela perseguição de todo um ensino médio. Mas agora a minha maior decepção não é apenas saber disso, é saber que o meu pai praticava esse tipo de coisa. Olho para ele totalmente sem ter o que pensar. Papai divide sua atenção entre mim e Isa, e eu imagino que ele esteja tão arrependido que agora sua ações como moleque popular estão cobrando alto da sua índole.
Nego com a cabeça e me forço o mais rápido possível sair também. Com meu andar limitado e tendo que parar aos poucos para pegar fôlego, sigo procurando por Lucas. Mas aqui não é a festa do Thiago, ele não seria maluco de me deixar sozinha aqui... Ou seria? Depois disso eu não sei bem o que ele é capaz de fazer. Ele não está no balanço e nem no quintal, não está na sala e tampouco no banheiro também. O bom de não ter uma casa tão grande como a do Thi, é que rápido podemos encontrar o que estamos procurando. Encontro-o sentado na escada de frente a entrada. E eu odeio quando ele fica distante, pois olhou para mim e simplesmente voltou para a ver a rua. O sol, que parecia abençoar nosso maravilhoso momento, está coberto entre as nuvens agora. Aqui estou eu mais uma vez esperando que nada disso tenha afetado o que tentamos blindar naquele hospital.
Me sento de frente com ele com um pouco de dificuldades.
— Lucas...
— Ele perseguia ela! — ele solta rapidamente. — Seu pai perseguia a minha mãe! É sério isso memo?!
— Acho que é — refuto eu mesma envergonhada de saber disso. É como se isso fosse um mancha que impregna em todos nós. Em mim e na Isa. Eu nem tenho com que me defender, nunca fui um exemplo de garota boa na outra escola. Parece coisa de gente popular, cometer perseguições.
— O que me impede de quebrar o seu pai na porrada? — indaga sem me olhar nos olhos. Tem muitos motivos, eu espero ser um deles. Lucas está furioso em dose dupla agora. Com o seu e o meu pai, e coisas que não temos nada a ver. No entanto, como disse Samuel a pouco, é muito estranho nós dois estarmos juntos.
— Eu não sei — digo, tentando não dar motivos para uma briga maior acontecer, mas tentando rever os motivos para isso não vir a acontecer.
A Lara devia me odiar, ela devia tentar o máximo possível me manter longe de Lucas e da família dela por tudo que um dia o meu pai causou na sua vida. Um “ele perseguia ela”, não é o suficiente para saber tudo que o meu pai fez, se foi uma fração do que a Alexia me fez eu prefiro não saber. Espero eu que meu pai não tenha sido desses que manipulava o jogo ao seu favor. Na boa, eu não queria nem saber que ele era um valentão covarde no colégio. Mas a dona Lara, ela me amou desde o primeiro momento que me viu, ela percebeu logo de quem eu era filha e ainda assim foi super gentil e aprovou o meu relacionamento com seu filho. Agora revendo tudo que passamos, Lucas e eu, eu gostaria de saber porquê ela nunca tentou nos afastar, porquê ela sempre foi boa para nós dois. Ela descobriu sobre o que Kevin fez comigo e ainda tentou me ajudar.
— Nós dois somos um casal estranho — comento tentando quebrar o maldito silêncio que ousou retornar. Eu sei que Lucas está calado por está pensando em como reagir, e como isso o atingiu, e não em como descontar em mim o que meu pai fez. — se a gente ainda for um casal... — falo apreensiva. — Ainda somos um casal? — pergunto. É a indagação mais idiota que eu já fiz, mas no momento eu não posso negar, estou com medo de perder o Lucas por coisas do passado, as quais eu nem tenho culpa. Eu sei não deveria ser assim, mas depois do que eu fiz com ele nesse último ano, eu não consigo saber mais se ele ainda está disposto a tentar a cada vez que uma coisa nos abala.
Ele me olha fixamente, mas brandamente e então diz:
— É lógico que a gente é um casal. — me tranquilizando. — Relaxa, Emy, não é nada com você... Tô absorvendo isso.
— Se quiser ficar sozinho... — não completo a frase temendo que ele aceite.
— Eu sou um perseguidor, Emily — refuta. Não é o que eu estava esperando ouvir. Que mudança repentina de conversa. Ele estava puto porque o meu pai perseguia sua mãe, e agora assim simplesmente ele é o perseguidor. — É um caralho mesmo.
— Você não é...
— Eu sou, eu fiz isso com você — interrompe. Pensando por um lado. Será que o destino trouxe a lei do retorno para nós dois? Será que o que meu pai fez com a mãe dele, voltou com ele fazendo comigo?
— Não é não — repito. E eu também vou conter os meus pensamentos dessa coisa de lei do retorno. O que o Lucas fez comigo nos últimos meses foi culpa da Alexia e daquele trio ridículo. Lucas nunca pensou em mim como uma vítima frágil... Eu nunca fui, sempre revidei com os milhares de tapas que ele ganhou da minha mão! Seria engraçado se a situação não fosse trágica. Vai ser engraçado algum dia quando isso tudo passar. Só que agora, nesse momento, eu não quero ver o Lucas assim.
— Eu odeio o porra do meu pai. — Certo! — E agora eu odeio o porra do meu sogro. — Aí, caralho! — Desculpa, eu pensei bem alto.
— Tá tudo bem, amor. — Eu também odiaria o Samuel se a coisa fosse ao contrário. Eu deveria odiar o Samuel agora, mas ele não teve a intenção. Foi uma declaração sem nenhuma má fé, mas que na boa detonou o nosso dia. É impressionante como nossa vida continua uma montanha russa. Quando eu saí do hospital há algumas horas tudo estava muito bem, mas agora tudo já não está mais tudo bem.
— A gente tá juntos é estranho — comenta ele quebrando o silêncio dessa vez.
— Estranho é como as coisas acontecem — refuto.
— Aconteceu. — fico olhando meu namorado pedindo por algum toque físico, um toque que sele esse elo entre nós. Lucas parece ler meus pensamentos e então pega a minha mão, como faz sempre. Então eu vejo, consigo notar de verdade que não importa o quanto Alexia semeie a discórdia, o quanto Paula tente me matar, o quanto o meu pai tenha perseguido a mãe dele, nada mais pode nos separar. — É uma coisa atrás da outra, mas a maior certeza que eu tenho é que eu quero você aqui comigo — declara me deixando boba, como sempre! — É só que eu preciso engolir. E porque eu te adoro não vou quebrar a boca do seu pai. — rio um pouco, mas Lucas não ri, ele está mesmo falando sério e então tomo a postura mais séria que eu consigo ter. Mas sei lá, ele é tão incrível que o que deveria ser cômico se torna intenso. — Emy, vou embora. — Ele solta isso assim?! Hey, estamos num momento bom aqui. — Eu falei que não, mas eu preciso pensar um pouco nisso tudo e eu não quero olhar pra cara daquele merda do meu pai. — vejo ele se levantar e se força um pouco para me ajudar. — Diz pra minha mãe que eu vou dar uma volta, não sei que horas chego em casa.
— Como assim? Não vai pra casa? — pergunto.
— Não. Eu sei que minha mãe vai querer falar disso que o maldito lá falou. Mas eu preciso mesmo pensar e eu mesmo ter as minhas conclusões disso antes de cometer um homicídio.
— Lucas... — solto.
— Calma, amor, eu não vou fazer nenhuma besteira, eu prometo. — Lucas beija minhas mãos juntas. — Eu tô aprendendo a sofrer sem precisar causar alguma merda pra alguém. — pra mim no caso. — Vou levar o Davi comigo, ele vai me fiscalizar o tempo todo.
Nunca cheguei a imaginar que passaria por isso na minha vida. O meu namorado é cheio de cicatrizes emocionais que não mostra, e eu sou cheia de cicatrizes emocionais causadas pelos traumas que ele ajudou a criar. É uma loucura imaginar o Lucas voltando p'raquele lugar onde dançava tirando a roupa para um monte de mulheres mais velhas, ou o Lucas indo beber numa praia longe e brincar de verdade ou desafio com duas universitárias desconhecidas. Tenho que aprender a calar os meus pensamentos, como ele disse que está aprendendo a sofrer sem fazer besteiras para se sentir melhor. Estamos juntos outra vez, ele não vai me jogar esse balde de água fria e colocar em risco o nosso amor outra vez.
— Tá bom. — por fim eu aceito.
Luke se aproxima de mim e sela sua promessa com um beijo duradouro. Amo quando meu corpo todo estremece e ganha mais vida quando ele me toca, como a chama que ele irradia passa para mim, e a minha para ele. Sempre que nos tocamos é como se isso fosse novo, mas eu não sei explicar o amor, só sei sentir o amor.
Lucas solta o fôlego quente em meus ombros quando para de me beijar.
— Eu te amo, não esquece disso.
— Vou tentar — digo tentando apaziguar o climão.
— Acho que eu já posso sair, né? — David aparece logo após isso.
— É lógico que você pode aparecer, seu merda! — Lucas grita alto para o amigo enquanto troca olhares comigo, mas logo olha simultaneamente para mim e David.
— É que é muito estranho ver o amor acontecendo — fala ele para nós e solta uma risadinha, mas nem eu e muito menos Lucas sorrimos.
— Liga não, acho que ele tem problema mental — exclama Thi aparecendo em seguida pela porta com Jon.
— Emily, eu já vou sair antes que eu fique mais louco aqui — declara meu namorado entrando na brincadeira dos garotos. Ele não está em clima para brincadeiras, mas não tem como não se animar com David e Thiago juntos. — Vambora, puto.
— Eu juro que amanhã ele ainda vai ser o seu Lucas — solta Davi passando rápido por mim, pois o Lucas já está saindo pelo portão. — Beijão, cunhada. — Rio. É a primeira vez que ele me chama de cunhada no sentido figurado. Lucas e David são como irmãos e então eu me sinto mesmo a cunhada dele. E assim que os dois somem eu volto a ficar perto do Thiago e do Jon tentando me sentir aliviada e menos insegura com o Lucas me deixando aqui. Meus dois melhores amigos não podem mudar o meu humor e muito menos tapar as cicatrizes que sempre se abrem em mim quando coisas assim acontecem. No final eu sou a culpada. No final eu convidei o Samuel para entrar. Mas é engraçado, pois nem ele teve culpa.
— Eu preciso fumar — falo para Thiago e Jônatas.
— Sem condições — Jon protesta. — Você teve alta hoje.
— Para de ser pé no saco, mermão — reclama Thi mesmo sabendo que ele tá certo. — A mina quer fumar um só.
— Ela não vai, Thiago — nega Jon bem sério e Thiago começa a rir da cara dele.
— Não, não vai. — Thiago me abraça e a Jon ao mesmo tempo e começa a nos carregar de volta para dentro de casa. São essas coisas simples que simplesmente eu deixei passar um pouco por estar tão ligada nos meus problemas. Que bom que tenho amigos de verdade.
Volto para dentro de casa e vejo minha família nos esperando na sala. Dona Lara procura Lucas com os olhos e Samuel também está em busca de seu filho. Imagino que ela esteja mais aflita que o pai dele. Eu estou aflita imaginando as várias possibilidades que Lucas tenha para poder esfriar a cabeça. Eu não sei se ele vai beber, se vai usar alguma coisa ou qualquer outro tipo de coisa para tentar se tranquilizar. Não minto que quero correr para o telefone e ligar para ele, mas ele me pediu esse tempo e é justo que o tenha.
Sem falar nada com nenhum deles, passo direto por todos. Acho que também preciso ficar sozinha para processar tudo que acabamos descobrindo nessa tarde. Nós dois precisamos engolir tudo que aconteceu. Saio para o quintal de trás e me sento no balanço que Lucas estava sentado mais cedo. Agora o ninho de pássaros na árvore não é capaz de entreter meus pensamentos. A forma que o Samuel falou sobre o passado horrível do meu pai continua na minha mente. Ele perseguia Lara, ele a fazia sofrer, mas por que? Por que o meu pai fazia isso com ela? Eu gostaria de entender, mas no momento eu só consigo pensar o como ele foi babaca na época de escola. Enquanto vou tentando limpar isso da mente, vejo minha irmã caminhando em minha direção sozinha. De certo a minha mãe pediu para que ela viesse, dona Estela sempre soube como a Isa era capaz de me acalmar.
— Que loucura — diz Isa na tentativa de apaziguar um pouco da situação. — Eu não queria estragar o seu almoço, mana, é sério.
— Você não tem culpa de ser curiosa — respondo sem dar muita atenção para ela. Ficamos em silêncio e Isa se senta no outro balanço. — Você acredita que nosso pai fazia isso?
— Todo mundo tem um momento que não é legal na vida — ela o defende. — Aposto que nem você.
Queria eu poder contrariar sua afirmação, mas ela está certa, esse último ano que o diga e os outros mais quando Fabrício ainda estava por aqui. Fabrício! Ele era o meu melhor amigo.
— Ele tá vindo — informa, e então vejo que o nosso pai dessa vez está vindo em nossa direção. — Você deve tá puta da vida com ele, mas tenta ser mente aberta, Emily, vamos sei lá... ouvir o que ele tem pra falar.
Mesmo que eu não queira ouvir nada dele agora, me forço a aceitar o que ela me pede.
— Meninas — ele fala chegando próximo de nós duas.
— Pai — refuta Isa.
— Que situação. — Vejo que meu pai estar com receio de trocar olhares comigo. Não foi muito legal descobrir dessa forma tudo que ele fez, mas era algo que não descobririamos nunca se não fosse através daquela conversa.
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