47 Acordando para o Tempo
Minha mãe ficou chocada quando expliquei que foi por isso que eu quase quebrei o nariz do Kevin no colégio aquele dia. Eu esfreguei a testa quando ela disse que ainda seria bom se a mãe dele descobrisse, mas algo me diz que é melhor a família policial do Kevin ficar bem longe disso.
Quase as 13h da tarde o Thi realmente veio até o hospital e me disse que está tentando fazer o pai dele tirar a mulher dessa história. Não sei se a promotoria de justiça tem esse poder dentro da PM, mas se ele conseguir eu vou agradecê-lo eternamente.
— Você tá muito feio, mano — Davi exclama dando tapinhas nos meus ombros. Realmente. Fora aquele cochilo que tive mais cedo na cafeteria, eu não consegui mais pegar no sono. Sorrio para Davi, pois mesmo que ele esteja me dizendo a verdade, seu tom é cômico na tentativa de me animar um pouco. Ele não é o único que me pediu para ir para casa tomar um banho e descansar. Nessa fila estão Gilberto, Fran e Thiago também. Mas não consigo pensar em sair do hospital sem vê-la. Talvez a noite eu vá. Os amigos de Emily me deram abraços consoladores, e até o Gabriel apertou a minha mão pigarreando. Ele é um merda que poderia ser meu amigo se não me odiasse porque a Emily gosta de mim e não dele. Os meninos me fizeram companhia até quando a mãe da Emily chegou desesperada. Dona Estela quase fez a mesma confusão na recepção para poder ver a filha. Dona Mariana estava com ela, e as duas entraram no quarto sem me notar. Eu estava esperando que o Gil e a Fran saíssem para que eu fosse o próximo a entrar, mas eu entendo que ela é a mãe, e as duas precisam vê-la talvez até mais que eu.
— Aquela mulher mais gordinha e baixinha — exclamo sem olhar para Thiago. — É a mãe do Fabrício — concluo com todos eles me olhando.
— A mãe do ex da Emily? — ele diz um pouco impressionado.
— É — solto um grunhido quando vejo Gil e Fran saindo pela porta onde elas foram antes. — Ela me deu aquele carro.
— Caralho — solta Thi.
Um minuto depois Francine e Gilberto vem até nós e senta ao lado de Tony. Ele de certo lembra de cada um de nós, nunca nos viu todos juntos, mas em algum momento nos viu com sua filha. É evidente que essa situação toda o abalou. Gil sempre foi um cara muito durão desde que nos conhecemos, mas agora ele parece ser só uma cópia exausta daquele homem que ameaçou a arrancar meu pau com uma tesoura outro dia.
— Como ela tá? — pergunto para Fran, pois sei que ele não está condições de falar.
— Ela tá respirando com ajuda de um aparelho — refuta Fran. De certo foi isso que o deixou assim esgotado. Ontem antes das 00h30, Emily era uma menina saudável, como qualquer outra, e agora ele está precisando de um aparelho para respirar.
— A doutora Ana — A doutora Ana é a médica que substituiu a doutora Lígia depois do meio dia. — falou que ela está indo bem, que antes das cinco, a bateria de exames vai dizer se ela vai conseguir respirar sozinha.
Não sei se choro de tristeza por estar passando por isso, ou se choro de alegria por saber que a minha garota está melhorando aos poucos. A segunda opção é melhor, pois o que aconteceu é passado, e agora só o futuro é capaz de fazê-la melhorar. Ver Emily respirando com auxílio foi um baque certeiro para seu pai e estou me perguntando como vai ser para mim.
— Vocês podem ir para casa — fala Fran pela milésima vez, na esperança de eu ir para casa e descansar. — Qualquer coisa nós damos notícias.
— Eu vou ficar aqui — declaro rápido demais. Gilberto sorri em orgulho por saber que o meu amor por ela é maior que qualquer cansaço. — Talvez mais tarde, tá?
Todos eles desistiram de falar que eu estou horrível, e que eu deveria ir para casa descansar, visto que qualquer coisa assim é inútil. Depois que os meninos foram embora, apenas o Thiago ficou comigo. E duas horas depois a minha mãe veio até o hospital com a minha irmã. Eu a amo com tudo que ela tem direito. Minha mãe me trouxe uma muda de roupas e um pacote de bolacha doce, porque ela sabe que tudo que eu tenho no estômago é apenas aqueles pães de queijo e café que tomamos de manhã. Eu a abracei e então ela sussurrou em meu ouvido:
— Depois você vai me contar direitinho essa história do filho da Alana. — Isso me fez estremecer. Também abracei a minha irmã. Minha mãe cumprimentou a todos.
Depois das 17h, Estela e Mariana deixaram o quarto da Emily, foi nesse momento em que elas me viram.
— Lucas — chama Estela com uma expressão de choro. Eu deveria abraçá-la e lhe dar meu apoio, mas infelizmente eu estou precisando mais disso, pois ela que me abraça primeiro. E depois dona Mariana.
— Lucas, querido. — Permito que ela me afague e me aperte mais contra ela. Estela de certo sabe a importância que é ter todos aqui, mas para mim todo esse apoio é muito importante. Saber que não estou sozinho, que existem pessoas com quem posso contar em momentos assim.
— Como deixou isso acontecer com a minha menina?! — Estela briga culpando Gil. Solto Mariana e vejo que ele não responde. Gilberto se sente tão culpado quanto eu. Eu deixei Emily sozinha ontem naquele escritório, então eu não soube mais o que aconteceu com ela. E ele a deixou sozinha em confiar que o ensino médio ainda poderia ser composto de crianças inocentes. — Como você... — Estela engole em seco tentando não chorar outra vez, e recebe um afago da mãe de Fabrício.
— Ele não tem culpa — manifesta Thi. — Eu disse que ia proteger ela, e aconteceu o que aconteceu.
A mãe de Emily olha para ele se perguntando quem é esse garoto estranho. Além de mim, ela não conhece qualquer outra pessoa que faça parte do círculo de amigos de sua filha.
— Eu devia ter ficado perto dela o tempo todo — termina.
— Eu também — Murmuro.
— É passado, gente — manifesta a minha mãe. Ela abraça a mãe de Emily enquanto faz carinho em suas costas. — O importante é que ela vai ficar bem.
Respiro fundo e pego meu celular no bolso para ver se tem algo importante na tentativa de tirar esse peso de dentro do meu coração. Além de todas as mensagens da galera do time me dando forças e dizendo que Emily vai ficar bem, tem uma em especial. Uma garota loira, que eu aprendi a odiar. Alexia está perguntando como anda o estado da Emily. Como ela consegue ser cínica? Ela tentou matar a Emily na noite passada e agora quer saber se ela está bem? Minha mão aperta o telefone com tanta força que se fosse vidro já teria se estilhaçado.
— Lucas — chama dona Mariana. — Podemos dar uma volta?
— Dona Mariana... Mariana — me corrijo vendo sua testa se enrugar. —, não quero sair daqui. Não quero deixar ela sozinha.
— Ela não tá sozinha — fala Gil de onde está sentado. Mesmo que Emily esteja com praticamente a família toda no hospital, ainda sinto que se eu sair daqui, posso acabar nunca mais vendo ela outra vez. — Pode confiar, garoto, ninguém vai entrar naquele quarto — termina como se lesse meus pensamentos. O pai de Emily respira profundamente. — Você precisa se dar esse tempo, Lucas. Vai.
Então pela primeira vez alguém consegue me convencer a fazer algo que não seja ir até o banheiro e ficar sentado aqui aguardando pelo meu momento de ver a garota da minha vida. Mas antes de sair com a mãe do Fabrício, eu fui ao banheiro e troquei de roupa bem rapidamente. O espelho disse para mim que eu era uma nova pessoa por colocar aquela camisa do logo do Queen envolto em raios. Mas depois que eu joguei uma água no rosto, para mim nada tinha mudado. Eu ainda sou o garoto que a deixou naquele escritório ontem. E então volto para o encontro do pessoal e de lá saímos dona Mariana e eu. Os primeiros sinais de noite deixam a cidade bonita, o cheiro de mar no clima me faz querer respirar profundamente, e está frio. Já estava a tanto tempo dentro daquele hospital que o mundo real para mim não era mais um lugar de vivência. Emily era meu lugar de vivência.
Dona Mariana começa fazendo uma pergunta que eu não consigo entender, então peço que ela repita.
— Como deixou isso acontecer?
Agora eu entendo o motivo pelo qual ela queria dar essa volta. Não era para me tirar de dentro do hospital e me fazer por um momento voltar para o mundo real. Era porque sabia que apenas assim nós dois poderíamos falar coisas que nos veríamos como loucos se no caso declarássemos em voz alta.
— Eu não consegui proteger ela — peço num tom de desculpas. — Eu não tava lá quando aconteceu. — faço uma pausa aquecendo as mãos nos bolsos. — Ela não é minha namorada, Mariana, e ela queria distância de mim. — A medida que caminhamos pelas ruas que eu não costumo frequentar a deixo a par de tudo. Conto que Emily estava perdida. Não escondo todas as burradas que eu fiz, mas não dou todos os detalhes também. Não consigo nem imaginar o que ela iria pensar de mim se soubesse do que fiz depois que cheguei na cidade com o carro que ganhei de presente. Mas consegui contar que eu e os amigos de Emily, fizemos um plano para que nós dois voltássemos a ficar juntos outra vez. Ressalto que não deu tão certo assim, mas que tinha sido um dos melhores momentos da minha vida ouvir que ela ainda sentia amor por mim. — Ela me pediu um tempo — conto sendo inundado de culpa, pois depois disso eu a deixei sozinha. — E eu fui um merda de não ter pensado em ficar com ela lá. Mas eu precisei respirar, e eu sai. — Ouvi que ela não podia ficar comigo partiu meu coração em dois outra vez, mas eu sabia que quando essa tempo passasse ela seria a garota que me faria feliz. Que vai me fazer feliz, eu devo ser maluco de estar pensando nisso de forma que não possa acontecer. — Vinte minutos depois balearam ela.
Dona Mariana parece chocada com a história, e ao mesmo tempo demonstra isso com uma mão na boca, faz o mesmo apertando o peito peito.
— Então você não tem culpa alguma. — Pior que eu tenho, queria dizer, mas prefiro ficar calado. — Mas você sabe quem tentou matar a Emily?
— Foi a... — paro no mesmo momento. Sempre que eu penso em Alexia eu sinto o ardor do ódio me consumir, tanto que preciso respirar para não ir até a casa dela e fazer alguma besteira.
— Foi a... — Dona Mariana me pressiona a continuar, mas eu não digo. Não posso contar algo que eu não tenho certeza que aconteceu. Alexia estava na cena do crime com a Emily, ela me ajudou a socorrê-la. E isso não a isenta nenhum pouco da culpa, penso comigo mesmo. Mas se eu afirmar que Alexia atirou em Emily a coisa pode ir além dos problemas que estamos tendo.
— Eu não sei, Mariana. — a única pessoa que pode tirar essa nossa dívida em comum é a própria Emily.
— Lucas?! — Ela me pressiona por saber que eu tenho um nome, mas continuo calado para que ela entenda que não vai mudar minha opinião. — Você foi um herói ontem.
— Valeu... mas preferia não ter sido.
— Nem eu. — depois disso voltamos para o hospital já quase a noite. E quando chegamos lá descobrimos que Emily está bem melhor, e que agora ela consegue respirar sozinha. Mais um ponto positivo para a garota mais durona que eu já conheci na minha vida. E outro negativo quando encontro com a mãe de Kevin conversando com o Thiago. Pergunto a Thiago por olhar o que aconteceu com aquele que seu pai iria tirar ela do caso. De longe ele me responde que vamos conversar depois. A mulher então me nota que assim que Mariana entra no círculo de pessoas. Onde tá minha mãe quando eu mais preciso dela? De certo já foi para casa. Fran também levou Estela para casa, pois apenas Thiago e Gil permanecem aqui.
— Lucas — fala Alana se aproximando com sua farda e caderninho na mão. Se ela acha que vai arrancar algo de mim está enganada. — Que bom que apareceu.
— Você acha? — pergunto totalmente apático.
— Mas é claro. — Encaro Alana me perguntando como alguém como ela quer trabalhar em defesa das mulheres? Ela deveria estar pensando em entender o que aconteceu com Emily e não ficar tentando enterrar a garota em culpa. — Podemos conversar um pouco? — Aquela famosa frase que a polícia usa, que faz a conversa se transformar em um interrogatório.
— Eu tô cansado, cara — respondo. — Eu tô quase trinta horas sem dormir. Será que dá para entender que eu não quero essa merda agora?
— Entendo que você está preocupado...
— Valeu — entrecorto Alana e saio caminhando. Vou até Gil, Thi e Mariana. — Posso ver a Emily agora?
Gilberto assente.
— Você também pode ir, Thiago — declara. Espero Thiago vir comigo para então perguntar o que é que o merda do pai dele tá fazendo que ainda não arrancou a mão do Kevin desse caso. Claramente não foram essas palavras que eu usei.
— Ela tá investigando por conta própria — ele responde. — Meu pai disse que esse caso é da polícia cívil, mas ela tá investigando por causa do Kevin e de você.
— O que tem eu e o Kevin? — pergunto parando Thiago no meio do corredor lotado de macas vazias.
— A briga. Parece que ela descobriu que a Emily foi a causa disso.
— Mas que merda — resmungo. Se ela descobriu isso com certeza já sabe sobre o estupro. Volto a caminhar para o quarto sete que é onde ela está internada. — Seu pai pode trabalhar mais rápido?
— Meu pai é um promotor, Lucas, não é assim que as coisas funcionam.
— Beleza — digo parando de frente com a porta do quarto de Emily. — Depois a gente fala disso. — sinto meu coração palpitando quando toco a abertura da porta. Ainda tenho medo de ver Emily no estado em que está. Pode ser doloroso, mas porra, ela é a menina que eu amo. Abro a porta e me coloco para dentro. O Thiago fecha a porta assim que entra também. Se eu tinha superado a minha vontade de chorar de ontem, agora ela voltou com tudo. Ela está deitada reta sobre a cama. Seus cabelos estão um pouco bagunçados sobre o travesseiro, deve ter sido a mãe ou pai que tenham colocado eles assim, pois talvez ele estivesse da mesma forma. Vê-la respirar com dificuldades aperta meu coração, mas pelo menos está conseguindo fazer sem auxílio de nenhum aparelho.
— Vai lá — pede Thi para mim.
Aos poucos vou me aproximando da cama, e apenas por estar próximo dela sinto aquela boa sensação que senti ontem quando ela disse que me amava. Seu rosto voltou a ter o rosa de sempre, e isso me conforta. Me aproximo mais dela e toco sua mão para sentir sua temperatura corporal, para sentir sua pele sobre a minha. Me abaixo e olho seu rosto virado de lado, seus olhos fechados me causa uma pontada ruim em meu peito, mas ouvir sua respiração dificultosa me causa um pouco de alívio.
— Eu amo você — sussurro para ela.
Thiago puxa uma cadeira em meio dos utensílios médicos da sala e se senta próximo da gente. Pego a mão de Emily e faço carinho com meu dedo, como se isso pudesse lhe confortar em seu sono. De acordo com a doutora Ana, Emily pode acordar agora pelo anoitecer. Estou ansioso para isso, para ver seus olhos castanhos brilharem outra vez, e trazer luz para escuridão que se instaurou em mim.
— Melhor você sentar — exclama Thi. Me viro para ele que me instiga a fazer o que ele pede. — Melhor, Lucas.
— Quero ficar perto dela — digo em resposta.
— De boa, mas ela pode demorar pra acordar.
— Vou ficar aqui, Thiaguinho. — Faz tempo que não me refiro a ele no diminutivo. Eu quero ficar assim até ela acordar, mas um tempo depois eu me rendi e peguei uma cadeira para sentar. E quase uma hora depois a minha bunda me pediu para respirar, e depois me sentei outra vez. O Thiago foi até a cafeteria do hospital comer alguma coisa e eu fiquei sozinho com ela. Emily suspirou profundamente nesse momento, então fui até ela, admirei sua beleza e então desferi um beijo calmo a cheio de amor em sua testa.
— Eu te amo, maluquinha — murmurei próximo de seu ouvido.
Depois que o Thiago voltou, ficamos conversando um pouco sobre as novas estratégias de futebol da professora Fernanda. Em muitas horas eu consegui pensar em alguma coisa que não fosse Emily está morrendo, pois agora eu vejo que a vida está pulsando nela com força, e isso consegue me manter em mim.
Nesse momento o Thi está contando que ontem todo mundo foi embora da casa dele se perguntando quem teria atirado em Emily. Parece que foi levantada uma aposta para saber quem foi. Dentro das opções estão Natalia e Alexia. As duas loucas que gostam de mim, se eu pudesse votar seria na Alexia, mas só de pensar que a galera do colégio está fazendo algo assim me dá vontade estourar a cara de todos eles na porrada. Emily quase perdeu a vida ontem, e tem um bando de adolescente filhos da puta apostando quem quis matar minha garota.
— Hm, eu deveria achar isso uma novidade? — indago sem olhar para Thi.
— Não — ele me responde. — É bom saber que você tá acordando para o ensino médio que temos no Estevão. — Que eles podem ser horríveis, isso não era novidade, nunca foi... mas eu não achava que eles poderiam ser tão cruéis também. Diante dessa afirmação prefiro ficar calado, pois eu já fiz parte de toda essa crueldade. Para não ficar pensando exatamente nisso me encosto numa janela do quarto, e ali parado fico remoendo como tudo aconteceu até aqui. Estando próximo da Emily consigo me sentir seguro, seguro de mim mesmo e por ela, então acabo permitindo a sonolência tomar meu corpo.
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