40 Justin Wate
Se alguém me disser como cheguei nisso, talvez eu não acredite. Desde que eu me conheço por Emily Oliveira sempre fui muito eu. Uma garota que não consegue controlar os próprios impulsos, que não sabe agir de forma compassiva. Até aquela noite, quando Kevin me estuprou... É uma palavra forte, e horrível, mas eu não posso fugir mais disso. Daquela madrugada em diante me tornei uma garota fechada, alguém que não queria ser vista, mas poderia de vez em quando ser notada. Os meus amigos me deram isso... toda essa importância, e eu não precisava de mais nada.
Se eu imaginava que a Alexia poderia atirar em mim como forma de vingança? Não. Eu sabia que ela era louca desde o momento que descobri que fingia ser minha amiga. E depois descobri que esse tipo de psicopatia poderia ser genial a ponto de criar um plano bem elaborada, onde me tornava namorada do melhor amigo dela, nos separava e nos fazia sofrer. Mas eu deveria ter imaginando do que ela seria capaz.
— É, estamos, mas como eu disse: tenho que encontrar o Lucas. Bye, Alexia.
— E quem disse que você vai a algum lugar? — troco olhares com ela. Aquela garota sarcástica e segura de si desapareceu.
— E quem vai me impedir?
— Nós precisamos ter uma conversa, Emily. — Sua mão surge de trás das costas e com ela, Alexia aponta uma pistola simples e brilhosa em minha direção. Por um breve momento imagino que ela esteja tentando me assustar usando uma arma de brinquedo ou coisa do tipo. E meu corpo paralisa quando ouço o estalido da trava da pistola.
— Alexia... calma — peço a medida que consigo recuperar o fôlego. Mordo os lábios com as mãos implorando para que ela pense racionalmente. O medo começa a tomar conta do meu corpo e sinto um tremor seguido do descontrole da respiração e da situação.
— Eu tô calma, Emily, calma até demais. — Enquanto analiso minhas próximas palavras deixo que a música alta do casarão escuro longínquo seja a única fonte de vida entre nós duas. Alexia me olha como uma cobra pronta a dar o bote, e eu me sinto um coelho passando sem perceber o perigo em minha frente.
— Por que tá fazendo isso? — pergunto já sabendo a resposta. Eu nunca imaginei que Alexia fosse capaz de chegar a tanto. Depois que as nossas brigas pelos corredores do colégio cessaram, achei que ela havia me esquecido. Não imaginei que ela ainda estivesse planejando algo contra mim. Dessa vez, porém, ela está sozinha. Sem a Karen, sem a Rebeca, sem a Paula e, principalmente sem Kevin e Nicolas. Ela está sozinha.
— O quê? Matando? — Alexia sorri, mas dessa vez como uma psicopata de verdade. — Como você ainda tem a coragem de me perguntar isso? Você roubou ele de mim.
— Não roubei ninguém... de você. — solto cada argumento com tom suave, cada palavra dita pode ser a última. Alexia está louca. Procuro alguém com olhos, alguém quem eu possa pedir socorro, mas cada parte da grama e que eu consigo ver no canto dos olhos não tem ninguém. É como daquela maldita vez no campo de futebol com o Kevin. Nunca ninguém está presente quando precisamos.
— Você roubou ele de mim, e você vai pagar por isso — A semelhança entre esse momento e aquele momento com Kevin, faz o meu medo ir se transformando em raiva. — Imagina, Emily, quando eu matar você... ele vai ficar tão sozinho, e tão triste. — Alexia é mesmo muito psicótica. Eu ainda estou incrédula de que ela esteja mesmo pensando em me matar apenas para poder ficar com ele. — E eu vou estar lá pra consolar ele.
— Então vai! Me mata, Alexia!
— Não duvide de mim, Emily! — Mira a arma na direção da minha cabeça. — Cala... a boca.
— Não... não vou mais me calar. — deve ser a embriaguez que está correndo em minhas veias que está me dando uma coragem insana, ou eu perdi mesmo a noção do perigo. Mas a questão é: — O Lucas me ama, Alexia, ele me ama.
— MANDEI CALAR A PORRA DA BOCA!!! — Alexia segura a cabeça e lágrimas começam a subir em seus olhos. A garota tapa os ouvidos com as mãos para não me ouvir.
— Você acha mesmo que me matando vai ficar com ele? — rio em ironia. — Ele te odeia, garota, acorda! Você estragou tudo que tinha com ele.
— Cala a boca, Emily! — Alexia aponta a arma em minha direção novamente.
— Se você acha mesmo que me matando vai ajudar a resolver seus problemas, vai em frente... me mata! — mando. Por favor, não faz isso, Falsiléxia. Não me mata não! Abro os braços para receber. — Vai, Alexia! Atira em mim! O que você tá esperando?!
— Cala a boca antes que eu largue uma bala na sua cara!
— Você não tem coragem. — rio outra vez. — Você sabe que ele nunca vai querer você como me quer. Você sabe que ele me ama de uma forma que ele nunca conseguiu te amar. — Alexia chora enquanto o vento retira uma mecha de cabelo do seu rosto. — Atira em mim logo antes que alguém veja a gente! Anda! — Faço uma pausa olhando-a de cima a baixo. — Ele nunca vai te perdoar se me matar. Todo mundo sabe que nos odiamos, e você vai ser a primeira quem a polícia iria investigar.
Alexia faz uma pausa enquanto seca o rosto com o antebraço. Espero que minhas palavras mude sua ideia de tirar a minha vida. Nós estamos gritando, mas eu duvido que alguém esteja nos ouvindo. Somos só nós duas no jardim afastado da casa do Thiago. Toda a turma está muito longe, e nós praticamente na rua, ainda assim a saída está um alguns metrô de distância. Maldita distância!
— Vai embora — ordena com tom mais baixo. — Vira de costas e vai embora. Você tem quinze segundos pra desaparecer da minha frente antes que eu largue uma bala na sua cabeça. Agora vai!
Caminho para trás enquanto conto os passos, e a cada segundo não tiro os olhos dela. Alexia é hostil e perigosa. Essa obsessão que ela tem pelo Lucas está indo longe demais. Sinto minha respiração ainda amedrontada. Os segundos começaram a se contar por si na minha cabeça. É o único tempo que eu tenho para manter a minha vida em segurança e salvá-la dela. O som da minha respiração soa mais alto dessa vez. É como se eu estivesse cansada, mas não estou cansada e sim nervosa. Viro de costas e começo a caminhar a passos mais rápidos que consigo. Olho para trás e encontro seus olhos me encarando. De certo ela está decidido se eu ainda devo viver. Espero que essa indecisão dure mais que quinze segundos. Se ela decidir me matar, além de algumas árvores, não há onde se proteger. Então ela aponta a arma na minha direção, a adrenalina começa a me causar dormência nos membros, ainda assim continuo a caminhar mais rápido dessa vez. Então ela começa a chorar ainda com a arma em minha direção. Porém, logo o que era lágrimas se transforma em uma risada psicótica, e com a frequência de encará-la observo que ela está falando sozinha.
— Corre, Emily, vamos brincar de tiro ao alvo! — Eu devia correr mesmo, mas sinto meus pés vacilando.
— Eu tô brincando com você. — Começa a rir. — Você tem quatro segundos nas minhas contas. É melhor você correeer mesmo! — diz toda animadinha.
Nesse momento estou procurando um lugar onde consiga me abrigar dos disparos. O riso diabólico de Alexia consegue me causar uma sensação de alívio momentâneo, mas eu preciso sair de perto dela. Tudo parece estar em câmera lenta devido a mistura de energias e álcool no meu corpo. O vento faz eco em meu ouvido nos intervalos de suas risadas.
E por fim... os disparos soam pela noite!
6 horas antes.
Por mais que tenha esperado o Lucas vir me encontrar depois do jogo dessa manhã, não rolou. Bom, quem era eu diante da fila de Marias chuteiras enormes que persegue ele, o Thi e todos os outros garotos do time. E na verdade foi isso mesmo que o prendeu. Até entenderia se a professora Fernanda tivesse imposto uma celebração de última hora pela vitória do nosso time, mas não. Realmente, eles ficaram cumprimentando todo mundo e fazendo tudo que o time do colégio faz. Eu preferi ir embora depois que percebi que ele não cumpriria com “depois nos falamos”, tomei um banho rápido em casa e vim para a loja. Os garotos estão com o tempo muito escasso hoje, então resposta deles é quase 3% de chance de eu receber. Acho que hoje é o dia da ocupação. Não é apenas o Biel, Thi, Pê e Jon que estão muito cheios de coisas para fazer. Hoje o Tony está conversando com alguns fornecedores. O Léo deixou ele com essa tarefa, por confiar demais no garoto. E eu fiquei com o comando da loja.
Um rapaz entra no ambiente no momento que estou perdida ouvindo Teatro Dos Vampiros na rádio. Eu sempre tento me desvencilhar dessas canções que me fazem muito lembrar o Lucas, mas as vezes ela é tão boa que vale muito a pena até colocar em um volume mais alto, e assim deixar que o Lucas se manifeste em meus pensamentos. Felizmente, nesses momentos que aparece os clientes ele some. O rapaz branquelo de cabelos finos sorri para mim. Atravesso o balcão e vou ao seu encontro.
— Boa tarde — cumprimento.
— Oi. — enquanto ele passa o olhar por toda a loja, eu observo que ao lado de fora já é quase noite. Os últimos raios de sol estão tingindo e dando um belo tom assombriado ao prédio em frente. — Eu tinha visto um disco muito bacana quando vim aqui ontem. — ele me olha com um sorriso perdido. —, mas fui atendido pelo o outro cara.
— Ah sim, ele é meu gerente — declaro. — Mas pode falar comigo se quiser.
— Era do Kurt Cobain.
— Nirvana, você diz? — pergunto. De certo ele é como aqueles clientes que querem algo específico, mas não sabem dizer com todas as palavras o quê.
— Não, é um disco raro do Kurt mesmo. — vejo um sorrisinho malicioso nascer em seus lábios. — E de quebra você poderia me dar seu telefone.
Outro.
Não é novidade que alguns dos caras que entram na loja tem essa mania de achar que vão me conquistar com essas cantadas baratas.
— Com o disco eu posso te ajudar — contraponho de forma educada e observando o castanho dos seus olhos, que de fato são belos. — Com meu número de telefone, não. Mas, acho que eu sei onde o que você procura. Vem comigo.
Ele começa a me seguir dentro da loja. Entramos na ala dos discos com ele ainda me olhando de lado.
— E por que não pode me ajudar com o número também? Você é bonitinha.
— Valeu. — Me abaixo e fico de frente com o disco. Montage Of Heck. O Kurt Cobain sempre foi uma inspiração para mim. Fora Freddie e Renato, nunca me peguei querendo ter outro cantor vivo, como gostaria de ter o Kurt. Por um momento faço silêncio em respeito e ele. — Porque você é um galinha. — Coloco o álbum na mão do rapaz. — Eu tenho aversão a homens que são galinhas. Na verdade, algo em mim não se dá bem mesmo como homens galinhas.
— Wou, mas você nem me conhece.
— Tem certeza?
— Sim. Por que? — Nos olhamos um de cada lado do balcão do caixa.
— Porque vocês são sempre iguais. — Peço o disco para escanear o código do produto. — Vocês não pensam no que sentimos por vocês, só querem saber de sexo.
— Do que é que você tá falando? — indaga me olhando confuso. Que doideira eu estou fazendo? Eu tô mesmo descontando as minhas frustrações num garoto que eu mau conheço? Mas ele tem olhos claros; castanhos claros. A pele dele é perfeito, e os cabelos finos que formam uma franja sobre o cenho. Não Consigo imaginar quantas garotas se perderam nessa boca, ou nesse corpo. Quantas choraram? Quantas ainda choram por ele? Não posso afirmar, mas se tem algo que eu posso fazer é especular. Chutando, umas vinte ou trinta. É exagerado né? Mas é uma quantidade razoável para a maioria que vi bloquear o caminho do Lucas até mim.
— De vocês homens — respondo por fim. — O disco está saindo a setenta.
O garoto tira a carteira do bolso e me entrega um cartão elo prime preto.
— Pode passar a vista. — Ele fica calado enquanto me olha colocar a compra na maquininha. — Tô aprendendo a não ser mais assim.
O nó vai se formando na minha mente quando reviro os olhos. Eu sei que sua afirmação deveria me fazer sentido, pois eu sei do que ele está falando, mas não estou conseguindo acreditar nisso.
— Assim como?
— Como você disse. Igual a todos os caras — refuta fazendo uma expressão de como fosse muito óbvio.
— E o que você faz de tão diferente? — rebato olhando-o digitar a senha. — Você encanta as garotas? Você promete o mundo pra elas?
— Eu tentei, tá? — diz rapidamente. — Eu tentei dar um mundo para uma garota. — pela primeira vez desde que ele começou a me cantar, eu não sinto nenhum tipo de vontade de falar algo. Algo nele me fez ficar calada. Deve ser a expressão de abatimento que se expôs em seu rosto, ou a declaração de que tentou ser de verdade um cara que queria dar o mundo para uma garota. — Eu nem sei porque tô te falando isso. Nós nem conhecemos. Você é uma garota do litoral, e eu só estou passando um final de semana na praia. Praticamente nem te veja mais. Então, na boa, não sei o que rolou aqui.
Acho que hoje eu perdi a cabeça no trabalho. Acabei de misturar a vida pessoal com a profissional. Não estava sendo exatamente grossa com ele, mas estava sendo absurda. O cara pediu meu contato para se divertir num final de semana, foi apenas isso. E se ele pediu meu contato é porque se sentiu atraído por mim. Não que ele queria me machucar... tenho tentado pensar nisso, como a Kátia tem me instruído. Alguns dos rapazes são sinceros, tão sinceros que deixam claros seus reais objetivos com a gente.
— É. — Concluo a compra colocando o disco dele numa sacola plástica enquanto mordo o lábio, praguejando o que eu acabei de fazer. Eu não sei se vai ser a festa de mais tarde, ou a minha revolta de Lucas não ter conseguido se livrar daquele bando de garotas e vir falar comigo. Mas não posso nunca, em hipótese alguma descontar minhas frustrações nos clientes. — Foi mal. — peço.
— De boa, gatinha. — Faz uma pausa. Mesmo com a compra terminada, ele continua a me olhar. — Não conheço muitas meninas que conseguem me fazer sentir algo entre nervosismo e insegurança. Você faz parte delas.
— Eu aposto que você deve ouvir tudo que eu te disse sempre.
— Bem poucas vezes. Justin Wate. — O garoto que felizmente resolveu se apresentar me estende a mão.
— Emily Oliveira. — Apertamos as mãos. Ele sorri ao notar que também estou sorrindo. — Prazer, Justin Wate.
Mesmo que eu esteja com pouca aderência para conhecer alguém, ele não deixa de ser encantador. Mas eu não estou na mesma vibe de Justin Wate. Talvez se ele morasse aqui poderia ser o substituto perfeito para o Lucas... na verdade, acho que ninguém pode substituir o sentimento que tenho por ele. O único cara que consegue me fazer insegura e ao mesmo tempo nervosa.
— Oi. — Tony adentra o ambiente com o celular na mão.
— Eae. — Justin acena para meu chefe. — Acho que lembra de mim de ontem. Voltei para levar essa raridade — menciona o disco solo de Kurt Cobain.
— Muito boa a compra — refuta Tony. — Emily, você já pode ir indo. Sou eu quem vai te levar pra festa hoje, então, é melhor você ir mais cedo para ter tempo de se arrumar.
— Não, Tony, é bom eu ficar. Você pode precisar de mim.
Eu até insistir para Tony que eu poderia cumprir o horário, pois eu não gosto de deixar o meu posto de trabalho mais cedo e nem mais tarde. Antes de começar nesse emprego, não acreditava que era capaz de ser responsável, mas acabei descobrindo que eu posso ser capaz de tocar um negócio sozinha qualquer dia.
— Posso te levar até em casa — Justin se oferece.
— Não é uma boa ideia — comento rapidamente. — Vamos nos conhecendo. — se a situação já estava estranha para Tony quando ele nos viu apertando as mãos, imagina agora que Justin se ofereceu para me levar em casa.
— Emily, o capitão ta a pâ dessa? — pergunta, mas não soou como um insulto, mas como constrangimento para as três partes.
— Você namora?
— Não — retruco apanhando minhas coisas e seguindo para fora. Prefiro que Tony e Justin não façam esse tipo de introsamento. O Justin é um cara legal, só isso. Não vai rolar nada entre nós. Quanto mais rápido ele aceitar isso melhor. Por fim, o próprio Justin me deu uma carona até em casa. No caminho contamos um pouco de nossas vidas. Expliquei sobre o Lucas ser o capitão, que é por ele que eu estou apaixonada e que nada que aconteceu entre nós foi capaz de abalar esse sentimento. Em troca, eu recebi algo mais ou menos clichê adolescente de drama. Justin gosta de uma garota que foi embora antes das férias. Ele se culpa por te-la magoado, mas também a culpa de não ter lhe dado outra chance. Ele sente falta dela, inclusive esclareceu que os dois planejavam essa viagem juntos, mas que os acontecimentos mudaram tudo.
— Obrigada por me trazer em casa.
— Beleza, gata. — No momento em que sinto sua mão segurar meu pulso, me retraio de imediato. Justin percebe que seu contato me causou um incômodo. — Foi mau.
— Sem problemas.
— Posso? — pergunta sobre pegar minha mão. Assinto. — Já vi que não vai rolar nada mesmo. Mas só porque você é uma mina legal. — Justin anota seu contato a caneta no meu braço. — Depois chama lá.
Ele deve ser um cara maluco. Ele nem mora aqui no litoral, e acha que vamos nos conhecer e ter uma amizade. Não posso negar que eu sempre fui melhor amiga com rapazes.
— Tenho que ir. Valeu outra vez pela carona.
— Disponha.
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