37 Em Nome dos Velhos Tempos
Se eu fiquei feliz ao descobrir que a Rebeca foi expulsa? Eu soltaria fogos se a causa disso não fosse a Tábata estar sabendo sobre as minhas fotos. Agir da forma que ela agiu também foi surpreendente. Expulsar a própria filha do colégio, mesmo sabendo que ela não foi a única com a mão nisso não deve ter sido fácil para a mesma. Mas cá entre nós, eu não sinto nenhum pingo de pena da Rebeca, aquela ali já foi tarde! Eu só queria que ela pudesse ter levado a Alexia e Karen junto, e talvez até a Natalia. São um grupinho de garotas que ninguém sentiria falta.
Eu não sentiria!
Falando no demônio, Natalia começa a caminhar do meu lado enquanto saímos do laboratório de português para o intervalo.
— Eae, Emily — Natalia solta com um tom desconfortável. Espero que ela não venha me tirar outra, como fez mais cedo. Digamos que o Lucas não está por perto para receber outro tapa por ela. — Será que a gente pode falar um pouco?
— Não! — refuto ríspida sem me atentar a ela. Fiz o meu máximo para não atravessar o seu caminho ou da Alexia e da Karen na turma, mas elas parecem não me esquecer um único segundo. Talvez eu ainda seja o brinquedinho delas, mas na boa, se for, digamos que eu vou ser aquele brinquedinho quebrado que volta e meia machuca por brincar errado.
— Tô tentando ser legal com você, mas nossa — profere ficando para trás. Olho para as lâmpadas no corredor e pela fileira e número de armários, para não ter que voltar e socar a cara dessa garota. — O Lucas me falou tudo. — Meus pés vacilam no mesmo momento. O Lucas contou tudo à ela, tudo o quê? Será que ele contou coisas que não deveria. Os sonhos com o Fabrício, ou sobre o estupro? Respiro fundo e pela primeira vez olho para Natalia. A garota afasta uma mecha loura do rosto. — Ele me contou sobre o que Alexia fez com a gente.
Ah é isso? Solto um grunhido como um sorriso e irônico e dou de ombros pretendendo seguir o meu caminho, mas Natalia parece ter outros planos:
— A gente pode falar uma vez na vida sem se estranhar?
— Acho que não dá — respondo com muita rapidez fulminado-a. — Ou você esqueceu que falou mau do Fabrício? — Isso não me importa mais agora. Nesse momento ela pode soltar o que quiser sobre aquele cretino, eu não ligo.
— Foi mau, só queria te provocar.
— Na boa, o que você quer de mim? — pergunto estranhando toda essa aproximação dela comigo. Okay, o Lucas esclareceu como as coisas aconteceram, mas isso não dá à ela o direito de falar comigo. Espero que não venha me oferecer sua amizade como a Paula fez na festa do Jubileu.
— Nós nunca vamos ser amigas — diz como se não quisesse nada. —, e sei que isso também não te importa. — Assinto com outra expressão irônica que toma todo o rosto. — Mas isso tá afetando o Lucas.
— Eae? — indago cruzando os braço.
— Eae que ele gosta de você de uma forma que eu nunca consegui despertar nele.
— O que eu tenho a ver com isso? — questiono impassível.
— Ele ama você — ela retruca bem rápido. — É isso que você tem a ver! Por que você faz isso com ele?
— Isso o quê, Natalia? — faço a pergunta cuja resposta eu já sei. Que o Lucas me ama, e que ele sofre a minha ausência.
— Ele gosta...
— Ele tem um jeito bem interessante de mostrar o quanto gosta de mim — interrompo-a.
— Eu não te entendo. — Não force sua cabeça frágil, penso. — Eu gosto dele, muito mesmo — declara. — A Alexia gosta dele, e praticamente toda a garota dessa escola sonha com ele. Você tem ele.
— E daí? — continuo impassível. Na verdade eu não quero mostrar que sua declaração me atingiu. Eu nunca na minha vida sonhei que a Natalia pudesse perder aquela pose de patricinha ridícula cretina, e toda aquela ignorância comigo para defendê-lo. Convenhamos, uma menina nunca admite a derrota para a outra assim tão facilmente. Nesse instante a Natalia está fazendo isso. Deixando seu sentimento pelo Lucas transparecer de verdade. Mas quer saber, as palavras dessa garota não representam nada para mim.
— E daí que ele...
— Te ama — respondo por ela.
— É — diz por fim.
— Era só isso? Posso ir? — indago.
— Claro. — Respiro fundo e volto a tomar meu caminho. — Você não sabe que está perdendo um cara bacana como ele.
— Natalia, eu posso ir mesmo? — pergunto com um tom mais leve dessa vez. A garota assente e eu saio andando. Ela não diz mais nada.
As coisas parecem que estão começando a mudar por aqui. A expulsão da Rebeca, a saída do professor Jeferson, que eu não tinha mencionado, e agora a Natalia admitindo a sua perda para mim. O início dessa semana está cheio de surpresas boas. Sorrio quando vejo meu grupo de meninos todos juntos na nossa mesa do intervalo. Gabriel sorri para mim, e o Thiago parece que está discutindo algo com o Jon. Um é oposto do outro. Thiago gosta de tirar uma com ele por gostar de português, e o Jon sempre diz que vai se tornar um editor chefe no maior jornal do país, e o Thiago ri das ideias idealistas dele.
Me sento no meio de todos eles, e Pedro me olha, e as covinhas por trás dos óculos se mostram. Ele está sorrindo porque eu estou sorrindo, e até o Tony está aqui hoje. Não sei, acho que o professor Matias faltou para a tristeza das garotas do terceiro. Se faltava alguma pessoa aqui, era o Lucas, mas eu não tenho coragem alguma de pedir para ele sentar com a gente. Ainda não o perdoei pelo que rolou naquela boate nojenta, mas ele sabe como me cativar aos poucos.
— Aconteceu algumas coisa? — pergunta Jon vendo meu rosto colorido.
— Aconteceu — respondo colocando meu melhor sorriso no rosto. — O ar desse ambiente está melhorando.
— Tá falando da expulsão da Rebeca? — pergunta Thi. — Ah, eu achei furada ela ter tomada a culpa toda sozinha.
— Também. — Não nego que isso tem sim um peso enorme para me fazer estar tão bem no momento. — Mas a Natalia meio que admitiu que perdeu o Lucas pra mim.
— Ah, lá vem você com esse tal de Lucas — comenta Biel meio aborrecido. Quero poupá-lo, mas as vezes não contenho. Por isso sempre converso a sós com o Thiago.
— É sério? — Pedro mostra mais afinidades com a minha declaração. Parece ter chifrinhos de demônio crescendo em sua testa.
— Ótimo. Ela mereceu, aquela vaca repugnante.
Os outros meninos parece não estar no embalo comigo e Pedro. Acho que pelo fato de eles serem homens não tem essa de ficar feliz quando uma mulher fala mau da outra. Claro que com eles a resolução dos problemas com outro cara e na base do soco. Com nós meninas, rebaixar as outras já vale. Pedro acaba rindo da minha maneira carinhosa de me referir a Natalia, e o Thiago me olha com ironia como se não tivesse acreditando que eu disse isso.
— Vocês são muito doidos — fala Jon e Tony concorda.
— Pode apostar que sim.
E quando um silêncio ameaça tomar o nosso grupo, o meu celular notifica, e um segundo depois do Biel e finaliza com o do Thiago. Momentaneamente eu ignoro quem seja que for que estiver mandando mensagem. O Gabriel pega o dele bem rápido, como se já estivesse esperando algo.
— O Ezequiel disse pra gente olhar o Facebook — anuncia meio minuto depois.
O Thiago pega o celular e olha a mensagem. Aparentemente a que ele recebeu não foi a mesma que o Biel recebeu.
— A Emilli disse que a Patrícia ficou louca — comenta com uma ruga nascendo na testa. — Não entendi, ela sempre foi louca.
Reviro os olhos e abro o meu telefone para ver qual dos dois me mandou mensagem. A número dois ganhou. Emilli me intimou a sair hoje. Disse que hoje é dia de festa acompanhado de vários emojis de fogos de artifício e bebidas que até parece o natal. Olho para o Thiago totalmente intrigada. Segunda feira, dia de festa? Eu até entenderia se fosse uma festa onde iríamos cantar parabéns e comer o bolo de alguém... Mas nós sabemos que uma festa de adolescente não é bem assim. Por fim, Thiago abre um sorrisinho engraçado e ao mesmo tempo nega com a cabeça enquanto olha a tela de seu smartphone.
— O que foi? — indago ainda curiosa.
Ele revira os olhos e parece se esforçar para não cair na gargalhada. Seu rosto está vermelho quando me entrega seu celular. No mesmo instante contemplo algo que parece ser um certificado. Olho para meu melhor amigo que tá com a boca coberta com a mão.
— Ela não fez isso — profere com a voz sendo abafada.
— Ela fez — afirma Biel.
Olho novamente para a postagem feita no Facebook. Realmente é um certificado, mas diferente daqueles onde terminamos o ensino médio ou a faculdade, esse não foi emitido pelo órgão, mas pelo Facebook mesmo. O que ele atesta é a bissexualidade da Patrícia. Meus olhos quase pulam do rosto no mesmo momento. Fico sem palavras. Meio desnorteada entrego o celular a ele que começa a gargalhar alto da minha expressão. A Patrícia não é apenas uma bissexual louca, ela é pirada, deve não bater muito bem mesmo da cabeça.
— O que deu nela? — pergunto mais recuperada da surpresa.
Eu não sei porque estou tão surpresa, talvez seja porque se assumir assim no mundo que estamos vivendo hoje ainda não é uma coisa muito comum de se fazer. Pedro começa a dizer que está querendo a qualquer custo conhecer Patrícia pessoalmente, e o Tony fica tão desnorteado quanto eu. Thiago faz sinal com dedo para anunciar um minuto. Meu melhor amigo começa a fazer uma ligação que imagino seja para autora disso tudo.
— Oi — fala. Fazemos silêncio e ele começa a rir. — Se eu vi? Patrícia, você é muito louca, cara! — ele solta eufórico. — Não, eu sabia sim, é que eu não esperava algo assim! — ele troca olhares com os meus. O âmbar que colori seus olhos estão brilhando. Assim como ele está orgulhoso do que amiga acabou de fazer, eu ainda estou me recuperando. Como só vi Paty uma vez não sei se tenho esse direito de me sentir orgulhosa por ser amiga de alguém como ela. Porém, se eu tivesse eu diria que sim. — Festa? Tá brincadeira? Hoje bebê! — deve ser essa a festa que a Emilli mencionou na mensagem. — Comemorar que você se assumiu. Você é muito foda. — o sorriso nos lábios dele denuncia o quanto está feliz pelo que a amiga acabou nos proporcionando. — Tá, tá bom, a gente se vê depois dá aula. Beijão! — Thi desliga e olha para todos na mesa que estamos esperando a resposta para a pergunta que nem fizemos ainda. — A Paty se assumiu, e ela quer comemorar isso. Depois da aula.
— Opa! — manifesta Biel com alegria.
— Ela convidou todo mundo aqui para irmos comer no shopping e depois mais tarde beber na casa dela.
— Eu e o Tony trabalha agora tarde, mas a noite estamos livres, né, Tony?
— A noite eu não posso também — responde. — Vou sair com a Penélope. Fica pra próxima.
— Ah — falo. De qualquer forma fico feliz que ele esteja se acertando com aquela histérica nojenta. — Então vamos todos nós.
— Pode apostar.
O resto dá aula passou voando. Com tanta coisa boa acontecendo não notei que o resto do período passou bem rápido. Eu fiquei pensando na Patrícia e em como ele está se sentindo por se assumir bissexual. Nossas personalidades são diferentes até nisso. O que para ela é motivo de comemoração, para mim seria algo que causaria muito medo diante do mundo que vivemos. Digamos que o nosso país é um lugar onde a comunidade LGBT+ não é bem vista. De toda forma eu me sinto orgulhosa por fazer parte do círculo de amigos dela. Vi o Lucas no final da aula. Ele saiu de uniforme de futebol dos corredores que levam ao campo de educação física. Por mais que ele tenha me visto, não falamos nada um para o outro. O que a Natalia acabou causando mais cedo deve ter feito ele ficar totalmente introspectivo. De toda forma eu não vou permitir que ele tire de mim tudo de bom que aconteceu hoje. Thiago me agarra pelo pelo pescoço antes que eu saia da escola. Ele está muito feliz. O Gabriel fica parado está parado na frente do colégio e o Thiago me diz para ficar também.
— Não dá, eu ainda tenho que ir em casa antes de ir pra loja — declaro.
— Fica, pô, você não vai se arrepender.
— Thi... — coço a nuca procurando alguma resposta aceitável para ele me deixar ir, mas não contei que ele tivesse uma bem melhor para me fazer ficar. No final da rua entra um carro preto, ele está buzinando e o rock punk toca tão alto quanto a caixa de som de um show do próprio artista. O Ford preto para de frente com a gente, e no a música que estava chamando atenção do ensino médio é cessada no momento que o motorista desliga o carro. Se bem me lembro o nome do rapaz da pinta no rosto é o Oscavo.
— Ôh, princesa! — a voz doce de Patrícia me chama quando ele coloca o rosto para fora. A maquiagem está forte como de costume. Seus lábios acentuados mostram uma felicidade de dar inveja a qualquer um. — E príncipes! Vão entrar no carro ou tenho que jogar vocês aqui dentro?!
— Acho que você tem que ir lá, Paty — fala Emilli mostrando o rosto do outro lado do banco da protagonista de toda essa algazarra.
— Gente, se eu tiver que ir aí vai ser pior — Paty entra na brincadeira.
Olho para Thiago. Ele começa a sorrir com tanta graça que não consigo me segurar e o acompanho.
— Bora? — chama, indo em direção do Ford.
— Eu não posso, ainda tenho que trabalhar — digo, mas eu iria se não tivesse responsabilidades a tarde.
— A gente te leva no trabalho, princesa — refuta a minha chará. — Eu juro de mindinho. — Emilli mostra o dedo mindinho para mim.
Patrícia nega com a cabeça e revira os olhos como se não tivesse visto isso.
— Que jurar de mindinho o quê? — A garota revira algo no banco e em seguida me mostra um litro de vodka. — Vai ter caipirinha de morango — diz, como se ter caipirinha de morango fosse me convencer a entrar no carro. E convenceria se eu não tivesse que trabalhar. Thiago olha para mim com aquele olhar que consegue me convencer a fazer o que eu não deveria fazer. Claro que eu faço, e me arrependo depois, porém faço. É nesses momentos em que eu penso muito na minha atitude entre fazer o que é certo, ou o que eu quero. E esse olharzinho dele me convence a fazer o que eu quero. Acho que ele me conhece para saber o que eu quero nesse momento, mas responsabilidades estão me puxando para o que é certo.
— Uau, tá tendo festa do circo por aqui? — Nada pode ser perfeito.
Suspiro fundo e me viro de imediato para quem proferiu essas palavras. Alexia está atrás de mim e mostra uma falsa animação. Não sei se consigo decifrar se realmente se essa animação dela é falsa, ela é tão boa em demonstrar expressões que até a sua ironia é autêntica.
— Todos os bobões estão juntos. — ela me olha por cima dos ombros e encara as garotas no carro. — E as vadias maiores! Uau, tô impressionada. Você realmente encontrou a sua turma, Emily!
— Quem diria, não é? — indago com tanta ironia quanto ela. — E fico muito feliz que você não faça parte dela.
— Ah... eu também.
— Eai, Perua, quanto tempo — solta Patrícia. A turma começou a se dispersar logo depois que o Oscavo diminuiu o som. Não deve ser o dia frio que está me fazendo sentir calor. Deve ser a tensão que está tingindo o ar.
— Eai, coisinha horripilante — solta a Alexia para Emilli. — Eai, explode coisas. Explodindo muito no Limeiras? — O riso no rosto de Paty se desfez no mesmo momento. O que antes era chacota no olhar dela, passou a ser algo mais ofensivo, como se estivesse explodindo Alexia com os olhos.
A porta do carro se abre logo de imediato. Emilli tenta segurar Patrícia, mas por muito pouco a garota começa marchar na minha direção... ou na da Alexia. Nesse momento ela me coloca para o lado e para de frente com a Alexia. Acho que a Patrícia tem muito em comum comigo. Temos o pavio curto, e a Alexia é a garota que consegue nos fazer perder a cabeça.
— Vai falar isso na minha cara agora? — pergunta ela com um tom ameaçador e ao mesmo tempo engraçado. Pela primeira vez na minha vida estou vendo a Alexia sem paciência. Comigo ela sempre foi muito irônica e provocadora. Ela sempre esperava eu tomar a atitude de agredir o rostinho maravilhoso dela. Porém, com a Patrícia a coisa é diferente. Ainda está calma, mas ela está nervosa e irritada. Acho que o perua atingiu em algum lugar sensível que eu não conheço... ou a antiga amizade delas define o rolê.
— Então — provoca Alexia.
— Eu deveria meter a mão na tua cara agora em nome dos velhos tempos, Alexia — ameaça Patrícia nervosa e ao mesmo tempo alegre com a situação. — Mas hoje eu tô comemorando. Eu não estragar minhas unhas com um lixo como você.
— Uuuuh — retruca Alexia debochada. — Então eu sou lixo?
— É — Patrícia assente com a cabeça. —, e na boa, você um lixo bem sujo.
Alexia apenas assente enquanto Patrícia toma distância. Ela se vira para mim e ri. Acho que percebeu o quanto eu estava ansiosa para ver a Alexia ganhar uma marca de cinco dedos no rosto, mas acho que hoje não é o dia, e talvez seja a minha função colocar essa marca no rosto dela em algum outro momento.
— Entra no carro princesa — pede indo para o lugar de onde veio. — E vocês também, Gabriel e Thiago.
Se eu tinha algum motivo que me mandava não entrar no carro para cumprir com as minhas responsabilidades, esses se esvaíram agora. Ou não.
Fomos numa lanchonete estranha que a Patrícia gosta no shopping, e comemos algo com muito molho de carne. E dali mesmo eu fui para o trabalho, ainda sim intimada por ela a aparecer na sua casa umas 21h30 para continuarmos a comemorar a sua saída do armário!
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