33 O que a Vida me Roubou
A Igrejinha local não é como eu imaginei. Aquelas coisas de filme antigos. Igrejas brancas com janelas de vidros ilustrados com imagens de Jesus Cristo com um coração maravilhoso que brilha. Ele sempre vem acompanhado de várias outros desenhos que estão sempre prontos a acolher. De toda forma eu não me sinto acolhida. Parece mesmo que uma energia densa me toma todo o corpo no momento em que adentro uma sala em um corredor na lateral da igreja. Não há muitas pessoas, mas as que estão aqui notam minha entrada. Agora é um pouco depois das 19h e de acordo com a Fran este grupo de apoio começa entre esse horário.
— Boa noite — A moça de voz doce me cumprimenta. Acabo me sentindo uma tonta por ficar mais tempo do que devo de pé. — Pode se sentar onde quiser, querida. — diz com um sorriso e brilho acolhedor no castanho dos olhos. — Seja muito bem vinda. — Conclui.
— Hum... muito obrigada. — acabo abaixando a cabeça enquanto desfilo de frente as várias pessoas que podem estar aqui a muito tempo. Me sento o mais longe possível da psicóloga e sem muito barulho para não ter mais atenção que já tenho. O que o meu pai estava pensando quando me intimou a vir a um grupo de apoio? Será que é muito difícil para as pessoas entenderem que alguns traumas não devem ser contados em voz alta? Na boa, eu não quero falar sobre o que houve.
— Gostaria de se apresentar? — a psicóloga pergunta para mim. Outro motivo que odeio por ser novata, é sempre ter uma atenção especial. Troco olhares com ela e levemente nego com a cabeça. — Ok, pode falar quando se sentir a vontade. — Passo a língua nos lábios e apoio meu peso na minha cadeira. O silêncio é constante, e parece que ninguém aqui gosta ou tem intimidade com ninguém. — Alguém quer falar alguma coisa?
Por um tempo ninguém se manifesta, e a nossa psicóloga passa os olhos em cada integrante. Mesmo que não sejam muitos ainda tem uma boa quantidade de pessoas com problemas. Um rapaz gordinho branquelo. Uma garota troncuda com óculos enormes. Outro rapaz que revira os olhos o tempo todo com uma camisa xadrez que me lembra o estilo dos irmãos Erick e Ezequiel. E para completar, outra garota. Cabelos longos e negros e brincos chamativos. Esta levanta a mão primeiro.
— Ele me bateu... outra vez — a garota conta com um tom de tristeza gigante. — Meu marido sempre volta pedindo desculpas, com flores e chocolate, sempre promete que nunca mais vai fazer — ela faz uma pausa enquanto lamenta desviando os olhos da mulher. Uma lágrima brota em seu olhar enquanto solta um suspiro que estava preso. — Sempre parece muito convincente. Sempre faz promessas que não cumpre.
— E quantas já foram com essa, Bárbara? — A mulher doce parece ter desaparecido. O tom dela já não é mais convidativo.
— Sei lá... — Bárbara move os ombros. — Quatro?
— Quatro já é um número alto. — A psicóloga troca a posição das pernas. — Você precisa ver o que é melhor pra você. As pessoas não mudam de um momento para o outro, e as vezes nunca mudam. Eu se... — As portas ruem de forma estrondosa, interrompendo o sermão da profissional. E a pessoa que eu jamais imaginaria ver por aqui caminha como se fosse o maioral. Lucas rouba a atenção de todos e não se importa com isso. Seu desfile dura um tempo, e ele parece gostar da atenção que recebe.
— Lucas... quanta honra em te ver por aqui.
— É, estive meio ocupado. — Lucas se joga ao lado de Bárbara e apoia um boné negro por cima do colo. Nossos olhares se encontraram de imediato. Ele não demonstra uma única emoção, apenas fica ali do outro lado olhando para mim como se eu fosse uma estranha qualquer no grupo. — Foi mau, não queria interromper.
— Galera, este é o Lucas — a psicóloga o apresenta. — Ele é o primeiro membro desse grupo, mas tem andado sumido.
— Ah, valeu, Kátia. Oi, galera — Luke acena enquanto cumprimenta todo mundo, e todo mundo cumprimenta de volta.
— Mas como eu estava dizendo, Bárbara, o processo de mudança nem sempre é fácil, e nós sabemos que ele não pode continuar batendo em você. Se ele não toma uma atitude, você precisa tomar.
— Eu sei, mas eu amo muito ele. — Bárbara seca a lágrima que ameaça escorrer de seu olhar. — Eu não sei se conseguiria abandonar ele.
Kátia arrasta a cadeira para próximo da moça e segura sua mão.
— Escute, querida, não pode deixar que o seu sentimento permita que ele faça com você o que bem entender e fique impune. — Kátia parece tão ligada a ela, como se as duas fossem amigas a muitos anos. — Todos nós temos limites, e ele tá ultrapassando os seus. Ele te machuca? — Bárbara assente assim que termina de secar o rosto. — Não permita isso. O amor não machuca, não dói. O amor cura, o amor alivia.
— Tá dizendo que ele não é meu amor? — Bárbara pergunta com a voz chorosa e entre um soluço e outro.
— Não... não. Eu disse que você precisa se permitir lhe dar seus limites para não ser machucada outras vezes. — A garota assente ainda em um soluço precoce. — Me prometa que vai pensar nisso. — Bárbara faz que sim com a cabeça. — Mesmo?
— Mesmo — refuta a paciente assentindo.
— Fico muito feliz em ouvir isso. — Kátia pega um lenço de papel de uma caixinha próxima dela e a entrega. — Mas alguém gostaria de falar alguma coisa? — O silêncio é total, e sinto um calafrio percorrer minha espinha quando ela me olha. — Não precisa ter medo, querida, aqui você está entre amigos.
— Por enquanto, eu não me sinto a vontade.
— Respira e relaxa.
— Eu — Lucas se manifesta e fico grata por ele tirar a atenção de mim. — Eu posso falar?
— Mas é claro, fique a vontade. — Kátia pega a cadeira e coloca onde estava antes.
— Atualmente eu me livrei de um peso que venho carregando por três anos na minha vida — Luke fala. Eu sei que estou muito brava com ele, mas minha raiva não é motivo para esconder a minha curiosidade sobre seus segredos. — Acho que todos vocês devem ter visto na TV, ou ouvido alguém comentar sobre o cara que se matou a três anos atrás na linha abandonada no bosque. — ele faz uma pausa revirando os olhos. Consigo notar a tristeza em seu olhar mesmo que ele a tente disfarçar. — Pois é, ele era meu irmão mais velho. — Sua respiração fica embargada, e ninguém demonstra surpresa. — Naquele dia ele foi até meu quarto... ele me disse que ia se matar, e eu... — Lucas respira fundo. — eu não fiz nada.
Tentar imaginar o que ele passou pode ser duro, mas acho que nem eu e nem ninguém vai conseguir de verdade saber o que ele passou. Ele nunca me contou que o Bruno havia se aberto com ele sobre o suicídio.
— Pois é... ele me contou que ia embora — continua diante do silêncio. —, e eu não fiz nada.
— Já conversamos sobre o suicídio dele, Lucas. Mas essa parte você não tinha me contado.
— É. — Luke esfrega a mão com um sorriso irônico. — Eu tava com medo. — Ele está tão sincero e transparente que não faz questão alguma de escolher palavras. — Eu... Fiquei com medo do que você iria pensar de mim, ou o que qualquer um iria pensar. Nesses três anos, não teve um único dia que eu não tenha me achado um filho da puta por isso.
Um angústia me toma o peito por imaginar o que ele tenha sentido por todos esses dias. Mesmo que Bruno tenha dito sobre o suicídio, não é culpa dele o que irmão mais velho ocasionou na família. E nesse momento não importa quanta raiva eu sinta por ele, eu nunca vou querer vê-lo triste. Às vezes eu acho que é mais fácil odiar o Lucas quando ele está feliz, porque seu sofrimento amolece meu coração.
— Eu não sabia que tudo que passamos. Que as brigas dos meus pais. A traição e toda aquela merda de bebida fossem destruir meu irmão. — Então essa é a história de vida dele? Ele não perdeu um irmão para a depressão apenas, mas tem uma família com históricos de brigas traição e alcoolismo. — Eu não achei que nossa família fosse ser um peso para ele, sabe?
— Não é nada disso, Lucas. É a vida. — É a vida? É isso que a psicóloga tem para dizer sobre essa declaração dele? — Eu sei que o livre arbítrio às vezes é uma “merda”, perdoem-me o linguajar. Mas a capacidade de fazer escolhas às vezes nós destrói. E sempre que somos destruídos, ou fazemos uma péssima escolha e caímos no meio do caminho. Temos a dádiva do livre arbítrio para escolher se queremos levantar, sacudir a poeira e continuar a caminhada. — sucinto e objetivo. Kátia faz uma pausa e olha para cada um de nós. — Não é apenas com você, Lucas. É com a Bárbara, com Alessandra — profere para a garota alta. — O Roberto e o João... Enfim, para todos nós. A vida é um problema. Mas qual seria a graça de viver se não tivéssemos que nos esforçar para sermos melhores a cada dia. Todos nós temos problemas, e sempre vai haver algo que nos machuque. Profundamente, ou superficialmente. Sempre vai ter um obstáculo que vai nos fazer cair. Mas nós podemos levantar e aprender com ele. Sabemos que seguir em frente vai ser uma escolha nossa.
— O Bruno não seguiu em frente — murmura Lucas com o olhar caído. — O meu pai foi embora, e a minha mãe ficou destruída por muito tempo.
— E você acabou segurando uma barra que não era sua — Kátia responde rapidamente. — O seu irmão achou que aquilo era o fim pra ele. Às vezes a dor da queda pode ser muito dura, e o orgulho torna a solidão mais forte, e as vezes o que sentimos destrói os nossos elos humanos. Mas a vida é sempre importante. Não se culpe pelas brigas na sua infância, ou pela escolha que o Bruno fez. Você não é culpado.
O silêncio toma o ambiente por um momento enquanto Lucas assimila as palavras dela. Nossos olhos tornam a se encontrar outra vez, e tento mostrar a ele um semisorriso de apoio. Kátia está certa em cada palavra dita. Lucas não teve culpa da família dele ser uma família babaca. As brigas dos pais dele não foi culpa dele, o Bruno ter se matado não foi culpa dele. Eu só queria arrancar toda a dor que ele ainda sente por situações que já foram. Querer aquele Lucas de seis meses atrás é pedir muito? Na verdade, é sim quando agora eu sei que aquele garoto ainda sofre por tudo que não pode mudar.
— Obrigado por me ouvirem — ele agradece como forma de dar um ponto final. Lucas se recosta na cadeira e apoia as mãos por cima do colo.
— Sempre sabe que pode contar com a gente. — Ele assente levemente. — Mas alguém gostaria de falar alguma coisa?
Vejo o silêncio tomando o recinto e olho para Lucas que me apoia se eu quiser falar alguma coisa. Depois de ouvir uma pequena parte da história da infância dele estou me sentindo mais segura. Eu não quero falar, mas depois de ouví-lo sinto que devo. Nesse meio pensamento minha mão age por mim e chama atenção no ar.
— Claro, querida — Kátia fala com um tom de orgulho, como se fosse ela o meu motivo de falar. — Diga seu nome primeiro para que possamos conhecê-la.
O calafrio volta a tomar todo meu corpo, e acabo querendo voltar atrás no que acabei de fazer. Mas o Lucas foi corajoso, foi transparente e até muito sincero na minha presença. Será que ele não tem medo de mim? Será que não liga de expor seus sentimentos e momentos? Ele sempre foi muito sincero, mas esse Lucas é um Lucas que eu nunca tinha conhecido. Agora eu entendo mais sobre o apego emocional que ele coloca nas coisas e nas pessoas. Acho que nunca perdi tanto quanto ele na vida.
— Eu sou Emily Oliveira. — Espero até que todos me cumprimentem com “seja bem vinda, Emily”, mas isso não acontece. Elas apenas me olham atentamente. De braços cruzados ou não, todas com tristeza e cansaço estampados no rosto. — E eu fui... estuprada. — Consigo ouví-los respirando e a empatia mascarada de força.
— Pode continuar, não precisa ter medo — Kátia me encoraja.
Minha perna começa a tremer involuntariamente, como se quisesse controlar o que estou sentindo por expor em voz alta o que houve naquela noite e sem nenhum tipo de anestesia.
— No baile da minha escola. — Sempre que lembro sinto Kevin se pressionando em mim outra vez, e outra vez. É como se eu fosse estuprada infinitas vezes apenas por sentir a dor que ele me causou. — Ele se aproximou de mim... — Faço uma pausa enquanto deixo meu olhar cair para o chão. — Eu fui muito burra! Ele já tinha feito coisas ruins outras vezes, mas eu confiei nele. Ele estava sendo legal. — mordo o lábio inferior e sinto meu corpo vibrando numa tentativa de não deixar esse sentimento me afogar outra vez. — Mas eu pensei que ele podia ser uma companhia bacana. Saímos da festa juntos e ficamos sozinhos no campo de futebol. — Esfrego o rosto com as mãos e então me ligo ao Lucas outra vez. — E aconteceu — digo movendo os ombros de forma a tirar esse peso de mim. Mas por incrível que pareça, isso nunca vai embora.
— Eu sinto muito — manifesta ele me olhando do outro lado. — Sinto muito de verdade. Eu queria ter estado lá para te proteger daquele... maldito filho da puta.
— Obrigada. — Enquanto ele fingir que somos dois estranhos se encontrando pela primeira vez, vou fazer o mesmo. — Naquela noite eu quase me matei. Quase... cortei os meus pulsos, mas eu tive forças. — oculto a parte que Fabrício apareceu no banheiro naquele momento. — E agora, eu tenho medo. Tenho medo de tudo. Às vezes eu saio de casa por obrigação, ou às vezes eu tenho que ter companhia para sair. Mas tenho medo de me aproximar de outros caras que eu não conheço. Eu tenho medo.
Um silêncio toma o círculo enquanto espero que alguém diga algo. Kátia está quieta, como se o meu problema fosse maior que os outros. A Bárbara apanha do marido. A Alessandra eu não sei, ela ainda não disse nada. E os outros integrantes também estão vendo os nossos sofrimentos. Mas qualquer um que quisesse dizer algo seria bem vindo.
— Infelizmente, é a realidade do mundo — profere a psicóloga. — Essa é a vida de muitas brasileiras. São abusadas, e as vezes pelas pessoas que elas mais confiam.
— O pior de tudo é que as vezes esses malditos estupradores são de boa família, ou conseguem se livrar da justiça — o grave de Lucas soa de forma ameaçadora ao mencionar a situação de vida do Kevin.
— E as vezes eles dão desculpas esfarrapadas e ridículas — Alessandra completa. Sua voz também é doce, mas com tom melancólico. — “Ela me pediu... Ela estava com uma roupa muito curta, uma maquiagem extravagante, ela estava se oferecendo pra mim”. Dá pra acreditar? — Ela ri com ironia. — Nós sempre somos as culpadas.
— Essas são sempre as desculpas mais usadas. Mas acreditem meninas, nós não somos culpadas. — Kátia me olha no fundo dos olhos. — Você não é culpada. Ele é culpado por te machucar. Ser violada é a pior sensação que uma mulher pode sentir. Você não é culpada, querida, ele se aproveitou.
— Eu sinto muita.... dor — Seco as lágrimas que me sobem aos olhos. — Todos os dias eu sinto que o meu corpo não é mais meu. É como se ele tivesse roubado ele de mim.
— Sim, mas vamos mudar isso. Se ele roubou ele de você, vamos tomá-lo de volta. — de quê forma? Quero perguntar. — Vamos colocar aí dentro do seu coração que esse corpo é seu. Ele te quebrou? É, quebrou. Mas quando superamos isso de alguma forma vai te fazer mais forte. Porque é isso que os traumas fazem. Nunca nos recuperamos dos traumas, e eu estaria mentindo se dissesse que sim, mas enquanto não sentirmos força para encará-los, ele sempre estarão presentes de forma ruim em nossas vidas. — Kátia faz outra pausa para ver se estou entendendo a mensagem que ela quer passar. — Mas assim que o enfrentamos com toda a força que conseguirmos... ainda vai ser um trauma ruim, mas que de certa forma vai contribuir com o nosso crescimento.
Faz sentido.
Eu já tive que crescer de muitas formas. Perder o amor da minha vida, foi o primeiro e o começo dos outros vários que se sucederam. Me apaixonar outra vez e perder prematuramente o outro amor da minha vida por um joguinho psicótico de uma garota que fingia ser minha melhor amiga, também foi um trauma. Ter fotos nuas espalhadas por todas as turmas do ensino médio nem se fala. Sofrer bullying e ter as Marias chuteiras como inimiga. No final das contas todos foram traumas pelo qual nenhuma pessoa deveria passar. Porém, mesmo com medo eu os enfrentei, e já não me sinto insegura se os caras me provocam e se as garotas me odeiam porque o namorado delas me acha gostosa. Se eu não tivesse que enfrentar o bullying eu não teria conhecido o Jônatas, e não teria meus melhores amigos comigo. Contudo, enfrentar o que o Kevin me fez é mais complicado, pois sempre que penso nisso eu o sinto, e revivo a sensação de estar sendo outra vez estuprada.
— Você não precisa ter medo, querida. — Kátia pega minha mão sem pedir. Seu olhar de preocupação é sincero. — Estamos todos aqui para ajudá-la. Vamos superar isso... juntas. Tá?
Pelo resto do tempo Lucas não tirou os olhos de mim, e ouvimos outros conselhos da ótima profissional. Alessandra, a moça de óculos e cabelos castanhos, contou que sofre bullying por ser mais alta que a maioria das garotas da nossa idade. O Roberto tem a auto estima muito baixa, e o João sofre de TDAH e está no grupo em busca de um tratamento para o seu problema.
Fomos dispensados uma hora e meia depois. Todos se despediram muito rápido da psicóloga, e foram embora. Eu saí um pouco depois, pois Kátia queria me dizer que estava orgulhosa por me ver ouvir falar. Ela disse que geralmente no primeiro encontro uma pessoa não consegue dizer nada. Eu não menti quando disse que me senti segura por Lucas ter falado antes. E depois dessa troca de palavras, eu fui dispensada.
— Eu achei que você não ia sair nunca daí?
Por que não me surpreendo?
Dou de encontro com Lucas assim que atravesso a saída da igreja.
— Foram só cinco minutos — respondo e volto a andar.
— Tô orgulhoso de você.
Sinto meus movimentos falharem e então me volto para Lucas. A rua parece tão deserta que conseguimos ouvir o som do vento da noite.
— Eu tenho que dizer obrigada? — pergunto tentando bancar a durona, mas a quem estou querendo enganar? — Eu não fiz aquilo para te dar orgulho.
— E eu também não tô pensando nisso. — Lucas se sente a vontade em se aproximar de mim, mas como faria antes, eu não me afasto. — Posso te levar em casa?
Pode — responde a emoção gritando de felicidade. Ainda bem que o Lucas não consegue ver as versões dos meus sentimentos.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— E por que não? — indaga com um sorriso bobo no rosto.
— Meu pai te odeia, lembra? — Mentira, eu sou estou tentando continuar com minha pose de durona mesmo!
— Eu não ligo se ele quiser arrancar meu pau. — Ele pisca para mim. — Eu só quero estar com você.
— Tá bom, mas eu não vou dizer nada. — até consigo rir das minhas próximas palavras: — E também não vou te ajudar se meu pai arrancar seu pau.
— Por mim tá beleza. — Ele também ri.
Quinze minutos de caminhada com ele, me sentindo uma idiota por ver Lucas se esforçando para estar comigo. Eu quero continuar brava com ele, quero não ser a mesma garota que acaba se entregando facilmente e sofrendo duramente por causa dos meus sentimentos. Mas quando se trata do Lucas os meus limites não existem. Ele é o cara mais intenso que eu já conheci... Depois do Fabrício, claro. Mas por incrível que pareça, a intensidade dele me contagia de uma forma magnífica. Ao lado dele quando amo, sinto coisas que achei que nunca existiria. Quando eu odeio, quero quebrar tudo, principalmente seu lindo rostinho. E quando sofro, acabo encontrando um novo ponto mais fundo no meu poço. Mas eu não posso negar que mesmo querendo, eu nunca consigo ficar brava com ele por muito tempo, pois de alguma forma eu acabo perdoando.
— Você nunca me disse que o Bruno tinha te contado que iria se matar. — quebro a minha própria palavra.
Inicialmente Lucas continua calado. Talvez ele não queira falar sobre isso. Ele caminha com as mãos nos bolsos da jaqueta.
— Ele não disse dessa forma — refuta com um tom angústia. Não era para menos, eu toquei na maior ferida dele. — Ele chegou com um papo de que ia embora, e que eu ia ser o homem da casa depois que ele fosse. Mas nunca disse com todas as palavras que ia pular da ponte.
Então ele não tem culpa.
Eu gostaria de dizer isso, mas sei que ele vai retrucar, pois Lucas é assim. Ele não vai me ouvir, mas acho que tem algo que pode fazê-lo melhor que meras palavras de conforto:
— Eu posso... te abraçar? — por um momento Lucas parece desacreditado que eu esteja oferecendo um abraço. Estou sendo dura demais? Cruel demais? Ele merece? Mas antes que ele possa responder eu o agarro e o prendo dentro dos meus braços. Tudo que espero é que esse gesto possa descongelar essa parte no coração dele, e consiga levar a luz do conforto até lá. Suas mãos se dobram sobre as minha costas enquanto apoia o rosto no meu ombro e respira fundo. E agora, sentindo ele tão mais próximo, o aperto mais contra mim. Fecho os olhos e permito que seu aroma de Malbec penetre meu nariz e também me causa um conforto. E quando seu suspiro toca minha orelha sinto uma vontade de beijá-lo ir me tomando aos poucos. O consolo e sensação de importância, aos poucos dão lugar ao desejo é aqui que solto Lucas.
Desvio o olhar para que ele não note o que estou sentindo.
Ele não vai notar — diz a razão.
— Podemos continuar caminhando? — indago tentando soar o mais normal possível.
Durante o resto do trajeto ele me contou um pouco mais da infância conturbada onde cresceu. Saber que o pai dele se tornou um alcoólatra por causa de uma rejeição é profundo. O Bruno o expulsou de casa, assumindo o título de homem da casa, que alguns anos depois também teve seu peso na vida dele. Mas de acordo com que Lucas me contou, Bruno se matou por causa de mais algo que ele nunca disse. Um sentimento que levou a depressão dele a níveis extremos. Depois de tudo, eu queria poder contar algo de novo sobre o que houve entre mim e Fabrício, mas não há nada que ele não saiba.
Paramos de frente a uma casa antes da minha. Eu não quero correr o risco de meu pai nos ver. Admiro sua beleza a meia luz. O farfalhar de algumas árvores são a única fonte de som entre nós. Lucas me fita com atenção e seus olhos brilham, não apenas com a iluminação da rua, mas especialmente de alguma forma mágica que eu não sei explicar. Amor, talvez?
Ele não vai falar, então acho que essa despedida é por minha conta.
— Obrigada, por me trazer em casa. — me aproximo dele e beijo seu rosto gélido. E ainda aproveito para inspirar mais seu cheiro bom. Mas logo me afasto.
— Que nada, pode contar comigo. Sabe disso.
Me afasto com passos para trás e um sorriso no rosto. Então aceno enquanto tomo distância dele. Lucas mira-me uma piscadela como forma de mais uma despedida. E logo, perco o caminho dos olhos dele, enquanto olho para a minha casa.
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