10 Todos Me Machucaram Da Mesma Maneira
O nervosismo vem subindo pelo meu corpo como um fogo que está ardendo sem que eu possa vê-lo. Eu agradeço que não é literalmente, ou eu estragaria toda a maquiagem feita pela Paty.
Patrícia já atravessou o corredor, mas ainda estou insegura. Mesmo que os outros rapazes não notem minha falta, Biel e o Thi estão lá fora, e eles com certeza vão notar. Eu quero poder voltar para o quarto da Patrícia e me esconder até o final da noite. O que eu estou fazendo aqui? Como eu vim parar aqui? Enquanto um rap que eu não conheço é tocado no lado de fora da casa, vejo duas silhuetas surgirem no final do corredor. Se não fosse pelos cabelos longos, e a altura diferente eu diria que seriam os primos.
— O que você ainda tá fazendo aí, boneca? — a voz doce e feminina da Paty soa pelo corredor. — Tamo te esperando.
— Foi mal. Preciso respirar um pouco. — Me pergunto novamente: o que está acontecendo comigo? Antes daquele baile meu único objetivo era causar. E eu consegui. Causei tanto que aconteceu o que aconteceu. Agora qualquer toque de maquiagem me pergunto se estou legal, e se vou chamar atenção.
— Vem — chama Emili.
— Tá bom. — Finalmente concordo. Agora eu tô realmente parecendo uma criatura estranha. Uma maquiagem para curtir uma noitada, numa garota com roupa de trabalho. Eu tô pagando um mico.
— Isso vai te ajudar. — Minha chará me entrega um copo de setecentos ml com algo que eu não sei o que é, mas tem uma cor agradável. Eu não tenho que aceitar bebida de estranhos, mas aqui só tem amigos. Essas palavras do Thiago me confortam no momento em que encosto o plástico nos meus lábios. Além da cor, a bebida é uma delícia. O gosto do morango é tão forte que faz o sabor do álcool desaparecer por poucos instantes.
— Hum, que delícia — elogio. — O que é?
— Caipirinha de morango — responde prontamente e cheia de orgulho. —, feita especialmente pra você.
— Sério? Muito obrigada então.
— Agradeça ao babaca tarado — com babaca tarado, ela quis dizer Thiago. —, ele disse que você precisava de uma bebida mais leve hoje.
Passo por ela com o copo na mão. Pronta para arrasar eu estou, parecendo um criatura nova no catálogo natural, mas estou.
— Vamos — Emili me agarra pelo braço e me puxa na direção da sua amiga. E nós três atravessamos pela cozinha da casa, e então saímos para o quintal. O vento frio chicoteou meu rosto novamente, e no instante que um dos meninos me olha, e a voz mais bonita do quintal para. Os olhos de Gabriel crescem no rosto, e seu queixo quase vai ao chão. Eu acho que estou diferente do que sou para ele me encarar de cima a baixo. Em um segundo todos nos olham. Como alguns dos rapazes não pararam a música por minha causa, eu agradeço por não estar chamando tanta atenção assim. Mas o Thiago deixa um sorriso gigante colorir seu rosto. É, eu realmente estou me enturmando!
— Eu disse que elas iam gostar de você — sussurra no meu ouvido quando me aproximo dele, e eu não consigo controlar um sorriso.
— Senta, Emily — manda Emili empurrando um cadeira de plástico com o pé. Então eu me coloco no assento entre os garotos. Com o tempo que Paty e eu perdemos dentro do quarto, Emili fez caipirinha de morango para todos. É notável a cor vermelha nos copos ao lado dos rapazes.
— O que vamos ouvir agora? — Leandro pergunta enquanto toma um gole de bebida.
— Já escolhemos músicas demais. Emily? — Paty me chama atenção. — Por que não escolhe algo?
Fico sem jeito com todos me olhando. Qual o meu problema? Eu sempre trabalhei com público, com atenção, e coloca atenção nisso. Mas agora eu só quero ficar escondida e não ter atenção de ninguém. Olho para Thiago em busca de alguma ajuda, e lhe me manda uma piscadela.
— Na verdade, eu não curto muito essa coisa de rap — exclamo. Isso foi a coisa mais idiota que eu já disse na minha vida. O silêncio é tenso e o farfalhar das árvores à nossa volta é único entre nós. Então um sorriso soa, a voz doce da garota de dread. Emili se contagia enquanto os outros a imitam.
— Nós somos uma roda de rap, mas isso não quer dizer que a gente curte sóóóó rap — devolve em resposta. O Thiago não curte só rap, o Biel é o cantor mais eclético que existe, Patrícia é muito rockeira. Os gêmeos parecem gostar mais do pop. Então, eu tô sendo a garota mais idiota do mundo. Cubro o rosto com as mãos, e minha chará se inclina para frente toca minha perna. — Relaxa, garota. Você anda com quem anda, tem que ser estranha.
— Ai, essa me tocou — Thiago rebate com um leve tom de ironia.
— Acho ótimo que tenha mesmo tocado. — Desde que conheci Emili ela está farpando o meu melhor amigo. Não é por nada, mas isso é bem estranho.
— É, eu disse que tocou, mas não disse onde tocou — retruca Thi aos risos. Emili revira os olhos e então ri como boba.
— Fala uma aí, chará. — Se volta novamente para mim.
— Ela só ouve legião urbana — Thiago exclama na brincadeira.
— Uhuuuuuu! — Paty manifesta e começa a fazer uma dancinha cantando faroeste caboclo.
— Você tá mentindo — rebato para Thiago que se conserta na cadeira ficando bem descontraído.
— Aéé? — Thi ri junto com todos o rapazes. — Me mostra que não.
— Desde quando você me desafia? — não posso deixar de achar toda a situação engraçada.
— Desde quando você ficou tão amiga da Emili!
— Então o problema sou eu? — pergunta a outra Emili. — Thiago, me erra.
— Tá bom, gente, eu escolho uma música! — peço puxando toda a atenção para mim. Sério, eu nunca tinha visto o Thiago interessado em alguém, mas isso tá transparecendo e muito.
— Pode ser legião, boneca — acrescenta Patrícia finalmente completando o círculo na noite fria.
— Nada de legião — digo. Legião me faz lembrar o Lucas, e lembrar o Lucas me faz recordar Lara; e recordar Lara me faz memorar todo o assunto que me trouxe aqui hoje. Penso um pouco, e penso...
— Não existe amor em speee... — A voz bonita de Biel me salva ao iniciar uma música. — O labirinto místicooo... Onde os grafites gritam, não dá pra descreveee...
— Uma linda frase, de um postal tão doce. Cuidado com doce, São Paulo é buquêêê... — Paty entra, e as vozes cantam juntas. — Buquês são flores mortas. Num lindo arranjo.
Arranjo lindo feito pra vocêêê — e todos cantam juntos no momento em que Leandro começa a dar a melodia. Acabo me sentindo deslocada no meio dos meus próprios amigos por não saber a letra da música. Com tudo, me sinto um pouco mais animada com a roda.
Bebo um copo, bebo outro, e mais outro enquanto músicas rolam e rolam noite a dentro. Eu já estou bêbada com quatro copos de setecentos com caipirinha. O Biel se esforçou para ficar mais do meu lado, e eu gostei disso. Eu me sinto protegida por ele. Por eles na verdade. E isso é bom. Passamos das uma da madrugada no meu quinto copo de cachaça, e o grupo jogou muita conversa fora. Leandro tem uma carinha de rapaz novo, mas em algumas semanas ele vai completar vinte anos. Os gêmeos são amigos das meninas, e Patrícia é aluna do segundo ano no limeiras. O Ramon é o mais velho no grupo, e o quintal onde está acontecendo toda essa festinha particular pertence a ele, assim como a casa e a irmã bem maquiadora. Durante todo o tempo acabei me sentindo desconfortável com o olhar nada discreto do Oscavo. Acho que ele tem algo contra mim, ou ele gostou muito mais que deveria de mim. Mas eu tenho uma péssima notícia para ele, eu já sou comprometida.
Meus olhos pesam no rosto quando Ramon desaparece para olhar a churrasqueira que decidiu ascender depois da 00h00. E ainda depois das 23h30 a bebida continuou sendo servida, e aparentemente a budoweiser na geladeira, não tem prazo para acabar. Jovens, menores de idade bebendo numa madrugada de sábado. Nada do que nossos pais imaginam que estejamos fazendo... Acho.
As garotas estão correndo pelo quintal cheias de álcool nas veias, e eu acredito que maconha também. Mesmo depois de doidona, eu vi o Gabriel ir até lá, e vi o Thiago ir até lá. Todos os companheiros também foram até uma parte mais escondida do quintal para fumar. Acho que eu e o Ramon somos os únicos que ainda não fomos até lá. O dono da casa é o mais moderado. Ele bebeu um copo de caipirinha a noite toda, e mais duas cervejas. Tá se controlando.
— E então, Emily — profere Emili já sentada e muito relaxada na sua cadeira. Ela apoia os pés por cima de um outro banco. — O que pode nos contar sobre a Emily não maquiada? — Ela tá doidona. E um segundo depois Paty se senta ao lado da amiga.
Fito Thiago. Eu não sei porque estou tão insegura. Ela me fez uma pergunta simples, quem sou eu? Mas aparentemente isso tem sido uma dúvida até para mim. Quem sou eu? Quem é a Emily Oliveira nessa história toda? Será que ela quer a convencional? A garota que entrou pelo portão branco e simplesmente fingiu que está tudo bem a noite toda? Ou a verdadeira Emily?
— Qual das duas? — inquiro como uma pergunta interna.
— Como assim qual das duas? — indaga de volta me olhando quase deitada na cadeira.
Acho que nem o Gabriel e o Thiago me compreenderam. Eu ainda me pergunto: quem é a Emily bêbada que está fingindo que tudo está muito bem?
— Qual você acha que a gente quer? — pergunta uma voz masculina. Não é a voz do Thiago e nem a do seu primo. Imediatamente troco olhares com o rapaz branquelo. Ele não sorri, mas faz um gesto com a boca mostrando que eu posso ser qual eu quiser. E se eu posso ser qual das duas eu escolher, por que não as duas?
— No momento eu sou a Emily que finge estar tudo bem — desabafo com a voz pesando. — fugi de casa com meu pai na cama, e tô rindo e bebendo como se tudo tivesse muito bem.
— Emy... — Thi me repreende sem nenhum tom de grosseiria. Na verdade ele está mais preocupado mesmo. Ele sabe que eu não vou me orgulhar disso amanhã, e vou me matar mil vezes psicologicamente por isso, mas estou bêbada. A Emily bêbada é um perigo para sí própria, e sociedade.
— Tá tudo bem, Thi — digo. Amanhã eu vou encarar o peso disso, e de tudo que vem com isso. — Eu não vou chorar, eu não vou... — me volto ao grupo que está atentamente vidrado em mim.
— Você tá bêbada.
— Eu te prometo que amanhã eu vou lembrar de tudo isso. — essa é a minha resposta para a sua proteção de agora. Eu sei que ele quer me proteger de mim mesma, mas não pode me proteger nas próximas horas. Ele seria o meu herói se pudesse voltar no tempo e quebrar a cara do Kevin lá no baile de outono. Thi assente, e cobre o rosto com as mãos. — No momento eu sou a Emily convencional... E eu não queria que que soubessem que eu fui estuprada no baile do Estevão. — Essa é a primeira vez que consigo assumir isso sem sentir tanta dor. O álcool da caipirinha deve estar sendo a anestesia para o que vem no meu peito apenas de lembrar. Noto que todos ficam imobilizados. Nem os olhos piscam. Eu não sei o que estão pensando de mim agora, mas nada pode ser pior que saber que meu pai está sedado por causa disso tudo. — Eu não queria que ninguém soubesse disso, mas agora o meu pai sabe, e ele precisou de um remédio forte pra poder se acalmar. Eu tô me sentindo culpada e destruída por tudo que começou a acontecer. — eu não vou chorar, não vou chorar, me nego a chorar. — Mas eu fugi de casa, e vim parar aqui. E eu não taria contando nada disso pra vocês se o Thiago não dissessem que aqui só tem amigos.
A quietude ainda completa noite. É possível ouvir uma coruja a distância no meio da reserva atrás da casa. O contorno dos lábios de Patrícia estão em perfeito estado, e as linhas bonitas no rosto de Emili não mostram uma única emoção. E assim como as duas não esboçam reação, todos os outros estão iguais. Gabriel e Thiago são os únicos que parecem respirar no círculo.
— Olha, eu não sei o que falar — Erick é o primeiro a falar.
— Eu sinto muito, talvez? Anta — refuta seu gêmeo.
— É.
— Vocês não tinham como saber — Thi entra na conversa. — Não precisam sentir muito, ou pedir desculpas e se sentirem estranhos. A Emily já aguentou muitos pêsames durante esse mês todo.
— Isso é — completa Emili como se conhecesse toda a minha história. — Vamos animar. Acho que faroeste pode tirar esse climão. Depois você pode me perguntar o que você quiser, chará. — Emili está se sentindo culpada por me perguntar sobre isso. Na verdade eu me senti segura em contar graças ao álcool.
Alguns minutos depois o Ramon colocou sobre o seu banco uma forma com churrasco. O assado está suculento e saboroso, comemos e repetimos e pedimos mais. Cantamos várias outras músicas também, e eu não perguntei nada a Emili, e a nenhum deles. O que aconteceu comigo fez com que eles gostassem mais de mim, agora eles se sentem meus amigos de forma especial, por eu ter aberto meu maior segredo. Na verdade eu não estou sabendo como reagir a tudo que aconteceu hoje... Ontem na verdade. Agora deve ser as três da madrugada. Em algumas horas eu vou ter que ir para casa e enfrentar tudo isso. Posso ir direto para a loja e então voltar para cá, se isso fosse durar. Eu tô pensando mesmo em fugir de casa? E a conversa que tive com a razão mais cedo? Onde foi parar a minha coragem? Se meu pai gritar eu tenho que gritar mais alto. A abusada aqui sou eu e não ele.
— Emily? — a voz de Biel me arranca dos devaneios. Olho para ele. — Tá tudo bem? — Observo que além de nós não há mais ninguém. Onde foi todo mundo? — Foi todo mundo fumar um beck. Eu vou também, você vem?
— Não, Biel, valeu. — meus olhos estão fechando, porém, minha cabeça está trabalhando a mil e um pensamentos. — Eu bebi demais, acho melhor ficar longe do baseado.
— Você quem sabe.
— Você pode ir. Eu vou ficar bem — garanto virando mais um copo desse destilado doce. Gabriel se levanta, e antes de me deixar sozinha com meus pensamentos me deposita um beijo na testa. Então tudo parece calmo. O frio do recém inverno que bate a porta, faz uma fina chuva cair. Pela animação da bebedeira ninguém parece notar, já que Patrícia canta e dança na companhia de Emili. E quando assistia às duas girando de mãos dadas como crianças, tento formular alguma frase que possa ser usada em minha defesa futuramente. Onde está a parte que eu tento me divertir hoje? Deveria continuar fazendo isso, como me entreguei antes das meia noite. Completo outro copo de vodca de maracujá e coloco para dentro sem pensar duas vezes.
Desvio o olhar das garotas quando Thiago atravessa a visão e senta do meu lado. Momentaneamente ignoro sua presença. Eu gosto que ele esteja aqui, eu só não quero encará-lo porque estou muito bêbada, e graças a isso posso acabar falando qualquer merda.
— Você não acha que já bebeu demais? — indaga. Continuo olhando as garotas. Agora a Emili gira Paty por baixo do braço.
— Eu acho — finalmente respondo com a voz arrastada por causa da bebida.
— Eu fico com ela então. — Thiago pega a garrafa de vodca de perto de mim. Com calma eu me volto ao meu melhor amigo. Ele está charmoso com esses anéis enormes nos dedos. Me pergunto por que ele não vai assim para o colégio? — O que aconteceu hoje?
— A Lara contou pra Fran, e consequentemente o meu pai soube — digo. Agora, depois de muitas horas isso não parece ter o mesmo peso de antes. Em alguns momentos eu sinto um grande arrepio, sinto que o mundo vai desabar nas minhas costas assim que o sol nascer, e eu tenho medo disso. Em outros momentos, não sinto nada, nada mesmo em questão a isso.
Thiago perguntou como ela descobriu. Quis saber se o Lucas contou para a mãe, mas eu disse que não. Relato com detalhes a forma que chamei o Lucas de estuprador do caralho, e que ele acabou conversando com a mãe. Dona Lara é mais inteligente do que aparenta ser. Ela é mais atenta aos detalhes das coisas que muitas pessoas. Ela descobriu por si o que houve comigo, e até ontem às 18h, o meu pai não sabia de nada.
— Eu ia pedir pro Lucas me salvar invés de você — exponho com as pálpebras pesando.
— Por que não fez isso? Ele ia adorar — exclama com a voz bem alegre. Não é porque ele foi a minha primeira opção que vai acontecer sempre. O impulso do amor é sempre a primeira opção, até notarmos a atitude estúpida que estamos tomando.
— Depois de tudo... — Me pergunto como ele deve estar nesse momento? Deitado sobre a cama? Deve estar dormindo? Sonhando? O que deve estar fazendo. Me determinei a esquecê-lo na sexta, e domingo ainda estou me perguntando como ele está. Escolho não terminar a frase.
— Por que não fuma um pouco? — eu deveria fumar um pouco, mas acho que já passei dos limites com o álcool. Eu nem sei o que está havendo comigo para estar bebendo. Estar nesse estado me torna fraca, e estaria desesperada se o Biel e o Thi não estivessem comigo. Nego com a cabeça, e espero que ele entenda apenas por isso.
Não conversamos mais então. A noite se arrastou depois que a chuva parou, e o Ramon continuou nós servindo churrasco. Ele surpreendentemente, é a pessoa mais ligada aqui. Bebeu muito pouco, e não fumou nada além de cigarros. Ele deve ter em torno de trinta e sete anos. E bem velho para estar numa festa adolescente, com álcool e maconha a vontade. Não que eu esteja fazendo julgamentos. Aprendi a não julgar as pessoas depois de tudo que me aconteceu.
Depois das quatro da manhã eu já estava praticamente caindo, não só bêbada, mas com muito sono também. Patrícia muito gentilmente me emprestou sua cama cor de rosa, que ela não gosta nenhum pouco, para eu poder descansar. Tive poucas horas de sono tranquilas e renovadoras.
Reviro no colchão, e sinto um aroma leve de violeta me invadir as narinas. Suspiro fundo tocando a cama mais dura que eu achei que seria. Me viro para o teto antes de conseguir abrir os olhos. Quando isso acontece, porém, minha cabeça da sinal de vida, e não falo do meu cérebro em seu estado anormal de funcionamento. Digo fisicamente. O incomodo me completa quando sinto meu estômago revirar. Respiro, e respiro fundo mais uma vez me forçando a dar um fim a ânsia. Pensa em alguma coisa, Emily, qualquer coisa... O Lucas é qualquer coisa? Eu não sei, mas eu usei seus lindos olhos como escape de vomitar no quarto de minha nova amiga. E quando consigo me situar, acabo me perguntando que horas são. O relógio indica que são menos de dez da manhã.
Merda! Preciso ir embora.
Me forço a deixar o colchão bem calmamente me controlando para não ter que vomitar nas meninas que estão dormindo aos pés da cama num colchão. A maquiagem de Paty consiste em volta dos olhos sem nenhum borrão, e os dreads de Emili estão escondidos por baixo de uma touca larga. Atravesso pelo quarto na ponta dos pés e consigo sair sem fazer nenhum barulho. Fecho a porta sem fazer ruídos. Eu agradeço por não ser a única a estar acordada por aqui. Lembro vagamente desse garoto branquelo não parar de me olhar ontem a noite. Oscavo não está sozinho. O Gabriel está com ele.
— Oi — ele me cumprimenta assim que me percebe.
— Oi, cadê todo mundo? — pergunto. Um dos diferenciais entre o espaço particular das garotas e a cozinha, é o bom aroma café forte. Eu preciso muito disso nesse momento.
— Tá todo mundo lá fora. — Não lembro de ter ouvido a voz de Oscavo ontem a noite, mas ela tem um som agradável. Isso pode ser bom, ou ruim. Alexia também tem uma voz agradável. O Kevin e o Lucas nem se fala, mas todos eles me machucaram da mesma maneira.
Me sento com eles na mesa de madeira simples, e me sirvo de café. Gabriel apoia a cabeça por cima da mão, e seus olhos estão pesados. Ele não dormiu nenhum pouco, e isso acaba me preocupando. Ele ainda está drogado e cansado. Me curvo para ficar por baixo de seu rosto. Toco a fina camada de suor causada pelo vapor do café, e assim que ele consegue me distinguir tenta sorrir. Eu amo isso neles, estão sempre tentando me agradar. Acho que está na hora ir. Tomo com um único gole todo o café da minha xícara, e com beijo suave no rosto do Biel, e aceno para o Oscavo, saio para procurar o Thiago. Depois de tudo que aconteceu essa madrugada eu deveria me sentir envergonhada de beber todas e jogar minhas frustrações nos ombros dos amigos dele. Isso foi errado e ridículo, e me sinto farta de mim mesma. O que eu estava pensando enquanto fazia isso? A única coisa que consigo pensar é o quanto falar aquilo foi fácil. Doeu? Doeu sim, mas não doeu tanto quanto dói com a sobriedade. E vai doer mais. Será que eles tem alguma garrafa de uísque perdida por aí? Pode até ser de vodca ou tequila, mas eu não queria ter que encarar meu pai sem anestesia.
Sinto o vento gelado da manhã soprar meus cabelos quando encontro meu outro amigo. Thiago está jogando dardos com outros quatro rapazes, e estão se divertindo tanto que acho que nem notaram que já está de manhã. Acho que o Thiago não está muito apito a me dar uma carona. É melhor eu pegar um ônibus que passa no meu bairro.
O Thiago até se ofereceu para me levar, mas eu disse que eu preferia ir de ônibus. Prefiro não ter que me arriscar de novo. E realmente não quero. O meu maior medo de entrar em um carro com alguém no estado do Thiago, e acabar nos acidentando. Eu não suportaria ver outra pessoa que eu amo morrer na minha frente. Eu tive que suportar uma hora e meia com o corpo do homem que eu mais amei na minha vida presos nas ferragens comigo. Ainda consigo lembrar do sangue correndo sua face, consigo recordar da dor que eu senti quando via seu rosto perder a cor, e o rosa dos seus lábios se tornarem violeta. Fecho os olhos afastando isso da mente. Eu jamais entraria em um carro com outra pessoa bêbada.
— Não deixa ele pegar o carro assim, por favor — peço a Ramon que sei que está sóbrio, e dou de ombros. Como está todo mundo bêbado, saio sem ser percebida, e consigo chegar no ponto mais próximo que encontro. Antes do ônibus aparecer, eu estava implorando para que ele demorasse por horas, e até quem sabe o dia. Eu teria um motivo para não ter que chegar tão cedo em casa. Durante todo o trajeto me desliguei nos pensamentos. Imaginei possíveis respostas para dar ao meu pai. Mas nenhum delas é o suficiente para trazer calma nisso que está martelando dentro de mim.
Eu chamei a pouca atenção que tinha no ônibus. Uma garota despenteada, com uma maquiagem borrada e com roupa do trabalho do dia anterior. Eu não tomei nenhum banho, e meu cheiro não deve ser dos mais agradáveis. Então eu aceito!
Assim que desembarco do ônibus eu já sinto um peso estranho no asfalto das rendondezas da minha moradia. Está frio, e o vento ainda continua brincando com meus cabelos. Caminho devagar até minha casa sem saber como reagir. Achei que não tinha como ser intensificado essa sensação de vazio e nervosismo, mas acabo me decepcionando ao descobrir que ela vai aumentando a cada passo que eu dou. E então paro de frente com minha porta.
Respiro enquanto seguro a maçaneta e então a abro.
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