24_ O beijo
A noite chegou. Todos foram para seus quartos depois de uma longa conversa e boas risadas em meio ao jantar. Tudo ali tinha uma vibe tão boa e gostosa. Aquelas pessoas pareciam tão felizes, mesmo que algo ruim fosse o motivo de estarem todos ali. Parecia mais que estavam celebrando a vida que o homem teve, e não lamentando o falecimento. Achei uma coisa impressionante.
Carson e eu também fomos para o nosso quarto, o que deu uma certa tremedeira nas minhas pernas. Eu já tinha dormido na casa dele, mas foi sem querer e no sofá. Agora dormiriamos no mesmo quarto... Na mesma cama. Isso me deixava fraca só de pensar.
Para evitar que ele notasse de cara o meu desespero, corri para pegar um pijama e anunciei que tomaria outro banho. Eu nem tinha me sujado e faziam poucas horas que eu tinha tomado banho, mas precisava me acalmar. Parecia até que eu tinha me casado com ele e agora seria a noite de núpcias. Por que estou tão nervosa?
Ouvi o som da televisão do quarto ser ligada e me encarei no espelho.
É o Carson, Flor. O seu patrão. O cara que te deu uma casa pra ficar. O rabugento que vive na escuridão. Que te chamou no escritório dele uma vez para te chamar de doida. Que ficou de cara emburrada no meio de desfile super colorido e alegre. Que quase enlouqueceu quando ficou trancado comigo. É só o Carson. Não tem porque ficar tão nervosa.
Tentei ver Carson como o cara que era antes de eu me apaixonar por ele. Que certamente não aguentaria passar uma noite comigo nesse quarto, porque eu o iria enlouquecer.
De certa forma, deu certo. Minhas pernas pararam de tremer e meu coração se acalmou. Voltei minha atenção ao banho que eu precisava tomar e coloquei minhas mãos para trás, para abrir o zíper do vestido. Fiquei assim uns bons minutos, a raiva já tinha me subido e eu até tentei tirar o vestido sem abrir, mas ele estalou e eu pensei que fosse rasgar, então desisti.
ㅡ Eu não vou fazer isso... ㅡ Falei comigo mesma no espelho. Estiquei os braços para trás novamente para tentar abri-los, mas meus ombros doeram de tanto que eu já tinha tentado. ㅡ Droga... ㅡ Resmunguei. ㅡ Carson? ㅡ Falei alto para que ele me escutasse. O som da tv diminuiu e ouvi passos. ㅡ Pode me ajudar?
ㅡ Posso abrir? ㅡ Perguntou do outro lado da porta.
ㅡ Pode. ㅡ Respondi.
A porta se abriu devagar e pelo espelho o vi entrando. Ele me olhou e se aproximou, deixando a porta entre aberta.
ㅡ Não consigo abrir. ㅡ Apontei para o zíper.
Carson assentiu. Com um cuidado fascinante, ele pegou as mechas do meu cabelo e as colocou para o lado, por cima do meu ombro. Seus olhos estavam baixos, focados em minhas costas. Os meus estavam focados no espelho, olhando para ele.
Senti suas mãos em minhas costas. Ele pegou o zíper e o abriu devagar. De repente me senti nervosa novamente. O zíper era grande, abria até a minha cintura. Minhas costas estava completa exposta e eu sentia o seu hálito quente bater na minha nuca, mesmo que ele não estivesse tão perto.
Embora ele já tivesse terminado, permaneceu no mesmo lugar, da mesma forma. Os olhos tão penetrantes focados em mim. Minha pele já estava arrepiada e minha respiração desregulada.
Foi quando ele olhou pelo espelho e me encarou. Olho no meu olho. Meu coração disparou ainda mais e eu pensei que fosse entrar em colapso. Como apenas um olhar poderia me causar tantas coisas?
Carson fechou os olhos. Ele os apertou e se afastou de mim. Me deixando confusa, ele saiu do banheiro e fechou a porta.
Virei para a porta e me escorei na pia atrás de mim, sentindo a fraqueza em minhas pernas. O volume da televisão aumentou e eu passei as mãos no rosto.
É o Carson, Flor. Carson-rabugento-batman.
Reorganizei os meus pensamentos e finalmente fui tomar o banho.
[...]
A televisão passava um programa italiano onde todos falavam em italiano e eu não entendia bulhufas. Carson estava sentado na cama com as costas apoiadas na cabeceira e as pernas esticadas. Os olhos focados no programa, como se estivesse entendo tudo. Eu estava ao seu lado, na mesma posição, só que lendo um livro no celular.
Eu não era muito de ler, tentava as vezes, mas lia no máximo uns cinco livros por ano, e olhe lá. Acabei ficando entediada com o programa italiano e procurei um para ler na internet.
O que estava lendo era daqueles estiloso bem saudável onde o cara sequestra a amada e tudo mais. Me amarro. Não gostaria que acontecesse comigo, porque morro de medo, mas amo ler um assim. Vai ver por isso acho coisas estranhas atraentes, como o dia que Carson ficou irritado.
ㅡ Você já bateu em alguém? ㅡ Perguntei, completamente do nada.
ㅡ Como é que é? ㅡ Me olhou confuso.
ㅡ Já bateu em alguém? Em briga?
ㅡ Já. ㅡ Respondeu ainda parecendo confuso com a minha pergunta repentina.
ㅡ Hm... ㅡ Assenti tentando imaginar.
ㅡ Você está bem? ㅡ Ele me olhou.
ㅡ Estou. Por que você bateria alguém? ㅡ Me deitei de lado, apoiando o cotovelo na cama e segurando a cabeça com a mão.
ㅡ Não sei, ué. Pode ter vários motivos. ㅡ Ele voltou a olhar para a televisão e cruzou os braços.
ㅡ Fala um.
ㅡ Se mexessem com você, por exemplo. ㅡ Mordi o lábio para esconder o sorriso extremamente idiota que brotou no meu rosto.
ㅡ É?
ㅡ É, ué. Se um cara tentasse algo com você, na qual você não deu permissão, não pensaria duas vezes. ㅡ Comprimi os dois lábios para evitar o sorriso. Carson estava falando de algo sério e horrível que era o assédio, e eu, feito uma psicopata, imaginando como ele ficaria atraente batendo em alguém pra me defender.
Eu preciso parar de ler essas coisas.
E fazer terapia.
ㅡ Apesar de que... ㅡ A voz dele diminuiu o tom. ㅡ Teria vontade de brigar com qualquer cara que quisesse algo com você, mesmo que com a sua permissão. ㅡ Ele disse, como se não fosse uma coisa grandiosa a se dizer.
ㅡ Por que?
ㅡ Descobri recentemente que tenho muito ciúmes de você. ㅡ Ele se ajeitou na cama.
ㅡ A-a... ㅡ Me ajeitei também, voltando a ficar sentada e virada para a televisão. Gaguejei de tão nervosa que fiquei. ㅡ é?
ㅡ Não sei muito bem como lidar com isso. ㅡ Carson passou a mão na cabeça, puxando os cabelos para trás. ㅡ Por exemplo, amanhã queria te levar ao centro da cidade. Te mostrar os lugares e tudo mais. Mas, é certo de que os caras vão ficar te olhando, mesmo que eu esteja junto. Italianos tem disso. ㅡ Revirou os olhos. ㅡ E eu não sei como vou fazer para me segurar e não distribuir socos pela cidade. Você não é minha, não é meu direito.
Meu coração estava cheio de novo. Carson estava assumindo seus ciúmes por mim abertamente e eu, como uma psicopata, estava achando muito, mas muito atraente. Quis pular nele ali mesmo e fiz uma careta com o meu pensamento depravado.
ㅡ Bem... ㅡ Esfreguei a nuca. ㅡ Tecnicamente, você é o meu " namorado ". ㅡ Fiz aspas com as mãos. ㅡ Pra todo mundo aqui você é, então... Pra cidade também. ㅡ Expliquei. ㅡ Digo, não to falando pra você distribuir socos, só to dizendo que... Por enquanto... Sou sua, sim.
Carson analisou o meu rosto. Ele estava com um sorriso ladino no rosto. Eu não sabia o que ele estava pensando, mas me senti a pessoa mais bonita do mundo naquele momento.
ㅡ É minha? ㅡ Ele sorriu novamente.
Borboletas. Borboletas. Borboletas.
Eu não consegui responder. O sorriso dele me fez sorrir e quando vi, eu estava rindo. Eu rindo e ele sorrindo por eu estar rindo. Foi algo tão estranho, mas tão bom. Eu gostava tanto dele e isso era leve. Ele deixava leve. Já tive sentimentos por outras pessoas, mas era só sofrimento. Com Carson era leve.
Não tínhamos nada de verdade. Eu não era dele e ele não era meu. Mas, de repente, quis que tudo isso fosse verdade. Quis que aquele cara de braços tatuados na minha frente me beijasse e tornasse tudo real.
O frio na barriga que me atingiu no banheiro quando ele abriu o meu vestido voltou e eu parei de sorrir.
ㅡ Carson... ㅡ Encarei a roupa de cama. ㅡ Talvez eu não... Não queira mais fingir. ㅡ Ergui o olhar para ele. Ele também parou de sorrir. Seu olhar ficou mais intenso quando ele entendeu.
Foi tudo muito rápido. Ao mesmo tempo. Nós dois nos aproximamos com rapidez, ajoelhando na cana e nos unindo num beijo um tanto desesperado. Sua mão puxou a minha nuca, nossos lábios se juntaram e meu coração explodiu de tão cheio.
•••
Continua...
Obs: não ia ter beijo no capítulo de hoje, o beijo ia ser só mais pra frente, mas escrevi ouvindo a música One of the girls do The Weeknd, Jennie e Lily-Rose Depp e não consegui não colocar no cap de hoje.
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