A Herdeira de Tramonto - Parte 1
SEGREDO REVELADO
Thaís voltava para casa, ao lado de Alessandra, sua melhor e inseparável amiga desde a primeira infância, após o último dia de aula do ano, e do ensino médio. Thaís estava feliz por mais uma etapa de sua vida concluída com sucesso, mas por outro lado sabia que sentiria falta daquela rotina, dos amigos, das brincadeiras e até mesmo de alguns professores.
No caminho para casa, como todas as tardes e apesar do frio, as duas garotas passaram na sorveteria do senhor Joaquim, um velhinho simpático que fazia o melhor sorvete do mundo com calda de caramelo. As duas caminhavam sem pressa, conversando animadas sobre o baile, que aconteceria dali uma semana, em homenagem aos alunos concludentes do terceiro ano. Parecia algo clichê, mas Thaís gostava bastante da ideia, inclusive estava trabalhando em um vestido especial para a ocasião.
- Quer ver como está ficando meu vestido? - Thaís perguntou quando chegaram em frente a sua casa.
- Claro - Alê respondeu com um mega sorriso. - Sou um ser muito curioso e você tem feito muito mistério. -Alessandra era realmente uma garota curiosa, mas Thaís não era muito diferente, sempre gostou de estar por dentro de tudo que acontece ao seu redor.
Thaís tirou suas chaves da mochila, colocou na fechadura da porta e girou três vezes, pois, para sua mãe, quanto mais giradas na fechadura, mais seguras estariam. Abriu a porta devagar e, antes de entrar completamente, parou onde estava.
- O que foi? - perguntou Alê logo atrás?
- Tem alguém aqui - sussurrou em resposta.
- Sua mãe, é claro!
- Mas tem alguém com ela - disse Thaís intrigada com o fato. - Estão conversando, fique quieta para eu ouvir o que dizem.
- É feio ouvir a conversa dos outros -repreendeu.
- Shhi!
Thaís apurou os ouvidos, mas pouco conseguiu entender do que era dito, pois estavam na cozinha e ainda por cima falavam muito baixo, como se temessem que alguém os pudesse escutar mesmo estando "sozinhos" em casa. Thaís identificou que a voz desconhecida era masculina, o que deixava a situação ainda mais inusitada.
- Não consigo entender nada, vamos chegar mais perto - disse para a amiga. - Mas seja discreta - advertiu.
Então, as duas foram avançando na sala de estar, vagarosamente, pé ante pé, até chegarem a um lugar onde puderam ouvir com mais clareza o que o casal dizia.
- Não concordo que seja o momento certo - dizia Nara, mãe de Thaís.
- Mas isso não depende de você -falou o estranho.
Ele era bem jovem, não aparentava ter muito mais que vinte anos. Era alto, músculos avantajados e, pelo pouco que Thaís conseguiu ver, tinha uma postura bastante séria.
- Não deveríamos estar fazendo isso.- Alessandra puxou a amiga para longe dali. Parecia nervosa de repente. - Vamos sair daqui, vem comigo.
Antes de alcançar a porta novamente, as vozes na cozinha começaram a se alterar, e mais uma vez Thaís se aproximou, com Alê logo atrás insistindo para que saíssem dali.
- Eu não sei se consigo - choramingou Nara. - O que Thaís vai pensar de mim?
- Ela deve saber, Nara - enfatizou o rapaz.
- O que devo saber? - Thaís irrompeu na cozinha, achando tudo aquilo estranho demais para ficar acompanhando escondida.
O rosto de Nara foi tomado por uma forte expressão de espanto ao ver a filha e nada conseguiu pronunciar. O rapaz, do contrário, não esboçou nenhuma expressão, apenas encarou Thaís de forma fria, e em seguida olhou para Alessandra, que estava logo ao lado.
- Eu tentei impedir que ela atrapalhasse, mas... - desculpou-se Alê.
- Não tem problema - disse o rapaz -, foi bom ela ter chegado.
- Joe, por favor, agora não - Nara implorou, com a voz embargada. - Deixe-me conversar com ela antes.
- Não temos tempo - disse ele.
- Joe, por favor... - Alê interveio.
Thais sentiu-se como se estivesse em um carrossel: tudo acontecendo muito rápido e as coisas não passavam de um borrão. Não fazia ideia do que estava havendo ali, na cozinha de sua casa, com sua mãe na iminência de um choro - o que era raro -, um cara estranho e cheio de marra dando ordens e sua melhor amiga agindo como se soubesse o que estava acontecendo. Os três continuavam a discutir e Thais já estava farta deles nem ao menos se importar que ela estivesse ali.
- Chega! - gritou Thais e todos se calaram de imediato. - Parem de falar de mim em terceira pessoa, eu estou bem aqui. - Cruzou os braços e encarou cada um. - Por acaso ganhei a habilidade de ficar invisível como um shadowhunter*?
- O quê? - perguntou Joe com estranhamento.
- Nada, depois eu te explico - disse Alê a Joe e logo em seguida volta-se para a amiga. - Thais, me escuta...
- Quem precisa de explicações sou - disse já enfurecida. - Alguém pode me dizer o que está acontecendo?
- Eu posso - começou Joe.
- Você não! - rebateu Thais.
- Mas você disse "alguém"...
- Alguém que eu conheça. Eu nem sei quem você é.
- Filha, é um pouco complicado, mas eu vou te explicar tudo - disse Nara, aproximando-se de Thais e a encarando.
Thais fitou-a por um instante. Não conseguia decifrar sua expressão, era um misto de desespero, tristeza e... medo. Repassou em sua mente toda a conversa que ouviu e, como num passe de mágica, tudo se iluminou.
- Ah! Eu já entendi o que está acontecendo - disse ela com um sorriso triunfante.
- Sabe? - disseram todos ao mesmo tempo.
- É claro! - Thais começou a andar pelo cômodo. - Pensei que esse dia nunca fosse chegar, mas ficou feliz por finalmente estar acontecendo. E não se preocupe mamãe, eu não tenho preconceito.
Os outros três se entreolharam, sem compreender o que a garota tentava dizer.
- Filha - Nara começou a falar devagar -, do quê exatamente você está falando?
- Ué! De você e Joe, é claro. - Ela os encarou com certo brilho no olhar. - Ele é seu novo namorado e você está com medo da minha reação, por ele ser bem mais novo. Mas, como eu já disse, não tenho nenhum preconceito em relação a isso, fico feliz por vocês.
A comoção foi generalizada. Nara tentava de forma exasperada, dizer que não era nada daquilo, enquanto Joe perguntava se Thais tinha algum problema mental que não havia sido comunicado a ele. Alessandra, entretanto, se contorcia de rir. Thais revirou os olhos e respirou fundo, pois não aguentava mais tanta algazarra, estava a ponto de enlouquecer.
- Ok, ok! - disse ela, tentando manter a calma. - Se não é isso, o que é?
De repente, o clima ficou silencioso e tenso. Não havia dúvidas, era chegada a hora de Thais saber a verdade. Todos foram até a sala e sentaram-se no sofá. Joe tomou a palavra e explicou, da forma mais clara possível, tudo o que Thais deveria saber e o que estava por vir. Nara estava inconsolável ao lado de Thais, segurando firme sua mão, como forma de apoio, afinal, não sabia como a jovem receberia tanta informação. Alessandra mantinha os olhos no chão, apenas ouvindo a narração de Joe e pedindo, internamente, que a amiga compreendesse que tudo aquilo era para o bem dela.
Logo após ter absorvido toda a história que acabara de ouvir, Thais se manteve em silêncio por alguns minutos, refletindo. Levantou-se do sofá e caminhou até a janela: Já era noite e, como de costume, bastante escuro por causa da espessa névoa que sempre pairava pela cidade.
- Então, deixe-me ver se compreendi direito - falou ainda olhando pela janela. - Existe uma outra dimensão, que depois de uma guerra está sendo controlada por um tirano perigoso que quer me matar por eu ser a legítima herdeira do trono que ele usurpou. E todos vocês foram designados para me proteger. É isso?
- Sim, é isso mesmo - afirmou Joe.
- Isso tudo é... - Thais virou-se bem devagar. - Incrível!
- O quê? - indagou Alê - Está falando sério? Não vai ter um ataque de histeria e acusar todos nós de termos te enganado?
- Tá brincando? Essa é a coisa mais legal que já aconteceu na minha vida!
- É mesmo? - Nara indagou ainda incrédula com a reação de Thais. - Não está chateada por descobrir que eu não sou sua verdadeira mãe?
- Vocês disseram que meus pais biológicos morreram numa batalha, não foi, quando eu ainda era apenas um bebê? - Todos concordaram. - Tenho certeza que, onde quer que eles estejam, estão gratos por tudo que fez por mim. - Abraçou-a e continuou: - E eu também! Você vai ser sempre a melhor mãe do mundo.
- E quanto a mim? - perguntou Alê.
- Você conseguiu guardar bem esse segredo de mim, sua danadinha. - Thais deu um leve empurrãozinho no ombro da amiga. - Eu não poderia ter guardiã melhor!
- Ah! E tem mais um detalhe - disse Alê para a amiga. - Joe é meu irmão.
- Coméqueé?? - Thais ficou perplexa com o que acabara de ouvir. - Esconder de mim minha verdadeira origem eu aceito, mas isso...
- Sinto muito, eu não podia contar, era para sua segurança - respondeu tentando conter o riso.
- Ah, claro! - ironizou. - Só falta você me dizer que também tem um irmão adotivo de cabelos dourados e lindo de morrer.
Alessandra riu e foi de encontro à amiga para dar-lhe um abraço, pois sabia que ela não estava chateada de verdade. Joe observava a tudo aquilo com um olhar diferente: menos cético e com mais esperança. Ele imaginou que seria bastante difícil cumprir sua missão, e não contava com a rápida aceitação da garota.
- Eu tenho tantas perguntas - disse Thais eufórica, livrando-se do abraço de Alê. - Nós temos algum tipo de poder? Usamos armas especiais para matar monstros? Vampiros existem de verdade? E lobisomens? São nossos aliados?
- Do que você está falando, garota? - inquiriu Joe, com a testa repleta de rugas.
- Amiga, não pira - disse Alê com um sorriso amarelo para Joe. - Não estamos em uma história da Cassandra Clare* - e depois sussurrou para Thais: - Mas seria um máximo se fossemos parabatai*.
__________________________
*Referências à série de livros Os Instrumentos Mortais da autora Cassandra Clare.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro