Ele me jogou no chão, com as asquerosas mãos me imobilizou após retirar as minhas roupas.
E violou a minha pureza.
Rasgou-me por dentro, era assim que eu me sentia.
Depois de satisfeito e de ter levado todos os meus pertences, largou-me ali só com a roupa da escola.
A dor me dilacerava por dentro, e eu me sentia como um barco numa tempestade com o mar revolto. Acabei desmaiando e não vi mais nada...

—  Moça, você está bem? - perguntou uma senhora.

   Abri os olhos e percebi que estava em uma casa estranha. Já era outro dia.
Notei que era pequena, as paredes eram brancas, havia um quadro com o salmo 23 escrito pendurado. Avistei um criado mudo de madeira, duas cadeiras de balanço artesanais, e uma televisão em uma estante de madeira bem antiga, dessas que a gente só encontra na casa dos avós.

— Onde eu estou e quem é você?

— Sou Priscila, e meu neto Beto encontrou você desacordada no terreno baldio aqui do lado. Ele te trouxe para cá. Dei um banho em você porque estava toda suja de terra e te vesti com uma roupa de minha neta Maíra.

   Arqueei as sobrancelhas, bem que eu queria que tudo tivesse sido um pesadelo. Mas era verdade. Eu não era mais pura. Pedi tanto para que Deus mandasse alguém pra me ajudar, fiquei tão transtornada que rolei na terra pelo desgosto porque nunca mais seria a mesma.
Tiraram a minha honra de um modo brutal, e isso não se esquece do dia pra noite.

— Obrigada pela sua gentileza. Meu nome é Stephanie. Eu voltava da escola quando fui assaltada e um ordinário destruiu a minha vida. A senhora já deve imaginar o que aconteceu depois.

Priscila tinha os olhos verdes, pele bronzeada, e usava uma saia longa marrom e uma blusa branca. Aparentava ter cinquenta anos. Ela secou as lágrimas dos olhos e me abraçou. Eu me deixei ser abraçada por aquela senhora tão bondosa. E desaguei o rio de lágrimas do meu interior.

— Quer comer alguma coisa, minha filha? Sabe o número dos seus pais para ligarmos pra eles? Devem estar preocupados com você.

—  Eu agradeço, mas não se consigo comer alguma coisa. Sei sim, gostaria de ligar pra eles.

    Ela deu- me o telefone e eu liguei. Inventei que dormi na casa de uma amiga e esqueci de avisar, mas já estava indo pra casa.
Agradeci mais uma vez por tudo que aquelas pessoas que nem me conheciam fizeram.
Despedi-me de Priscila, ela deu-me dinheiro para tomar um ônibus até minha casa. Não devia voltar a pé, no estado em que me encontrava.

   Chegando em casa minha mãe deu-me uma bronca imensa. Disse que chegou a fazer boletim de ocorrência porque eu houvera sumido.

                      ***
Os dias se seguiram e eu me sentia morta por dentro.
Não podia sequer imaginar que outro homem me tocasse, e com certeza nenhum haveria de querer alguém como eu agora.
Não contei a ninguém o que houve. Todas as noites eu sonhava com aquele homem horroroso, alto, negro, e assustador.

Passei a me isolar de todas as pessoas. Meu semblante era sempre triste.
Pedi a minha professora que desse o papel a outra pessoa porque eu não queria mais participar da peça e ela com muita tristeza o fez.

     Pouco tempo depois descobri que estava grávida quando fiz um exame de sangue no hospital para saber porque estava passando tão mal.
Receber essa notícia foi horrível.
Minha vida virou de cabeça para baixo e o que eu faria agora?
Não poderia esconder dos meus pais por muito tempo.
Seria humilhada pelos meus colegas, e pelos vizinhos.

    Minha mãe infelizmente acabou encontrando o exame em minha gaveta algum tempo depois.
Tive de contar tudo a ela que ficou desolada e teve uma queda de pressão por conta do baque.

— Filha, eu conheço uma índia lá na feira que tem ervas que podem ajudar a romper a gravidez. Se você quiser eu compro. Assim vai poder estudar e prosseguir com a sua vida.
Conheço alguns remédios abortivos também.

Nunca imaginei que a minha própria mãe me incentivaria a abortar. E isso me levou a fazer algumas perguntas:

—  Se você conhece é porque já pensou nisso, não é? Então ia abortar a mim?

Ela arregalou os olhos e ficou trêmula.

— Bom, é que eu era muito nova também, e estava muito transtornada, e com medo de o seu pai me deixar. Mas ele me pediu em casamento e assumiu você. Então desisti daquela ideia.

— Provavelmente você faria alguma faculdade e não fez por minha causa. Não quer que eu cometa o seu erro. Afinal, eu fui um acidente, não é?!

—  Calma, não é pra tanto. Eu te amo. Mas sim você mudou toda a minha vida...
Conversaremos quando estiver mais calma. Eu peço que pense nisso, ok? No seu caso ou você faz isso ou dá pra adoção. Não tem condições de criar uma criança ainda mais gerada da forma como foi. Eu quero o melhor pra você. Lembre-se disso.

    Dito isso ela saiu do quarto, e eu fechei a porta com tudo. Abracei meus joelhos e chorei. Era muita coisa para digerir. Minha própria mãe um dia pensou em me abortar.

Lembranças da minha infância e minha adolescência vinham em minha mente com uma rapidez enorme, flashes e mais flashes surgiam.
Eu não conseguia entender como a mulher que eu sempre admirei poderia pensar em fazer aquilo.
Por mais que estivesse sofrendo. Eu jamais teria a coragem de tirar a vida de um inocente. Como um bebê pode se defender?
Que culpa ele tem do que houve? Então por que puní-lo?
Mas precisava decidir se ficaria ou entregaria a criança para alguém cuidar.

   Meu pai quando soube o que houve disse que me apoiaria no que eu decidisse.
Eu faltei por uma semana na escola porque me sentia muito deprimida.

                             ***
    Certo dia, eu caminhava pelo parque quando vi uma roda de jovens ali. Eles cantavam louvores e oravam juntos. Decidi me aproximar. As músicas me tocavam profundamente. E um deles me deu o panfleto da sua igreja.

   Na semana seguinte eu fui até ela. Estava um pouco temerosa, mas adentrei ao local.
Sentei-me na última cadeira.
Usei um vestido que ainda me servia porque a barriga já crescia um pouco.

    E quando o louvor começou a tocar eu me derramei.
Nunca fui religiosa, mas acreditava em Deus de alguma forma.
E agora parecia que ele falava comigo através daquela canção. Tudo naquela noite parecia acalentar o meu coração. Eu acabei levantando a minha mão para aceitar a Cristo como meu senhor e salvador quando fizeram o apelo.

Somente ele poderia me direcionar e me levar a sorrir de novo. Só ele poderia mandar embora a tempestade em minha vida.
Deram-me uma bíblia de presente. E os irmãos iam me visitar, pois eu pedi que fossem em minha casa para fazer cultos lá.
Minha mãe não gostou disso no início, mas acabou aceitando porque sabe que quando meto algo na cabeça é difícil eu mudar de ideia.

    Matheus, Rute e Lídia me ensinavam a palavra de Deus. Eles se tornavam os meus novos amigos. Oravam para que Deus curasse os meus traumas.
E especialmente naquela tarde me ensinavam acerca do fruto do Espírito Santo.

— Fanny, o que você passou não foi fácil. Talvez ache que Deus não viu isso, porém Ele sofreu contigo. Por que Ele permitiu isso é uma coisa que não sabemos, talvez te revele algum dia.
Mas, Ele não quer que você tire essa criança. Como é que você vai sustentá-la é algo que Ele te mostrará.
Mas, tudo tem um propósito e nós te ajudaremos.
A nossa igreja tem setor de obras sociais, e ajudar quem precisa é a nossa função como cristãos também. - disse Lídia enquanto bebericava uma xícara de café. A ruiva era muito sábia.

— Os itens do fruto do Espírito Santo são:
Amor, e esse amor que ele tem por nós é incondicional, e também temos que ter esse amor pelo próximo.
A alegria dele é aquela que não nos abandona quando a tormenta chega em nossas vidas. Ter a alegria do Espírito Santo é conseguir sorrir mesmo quando é pra chorar. Não é uma alegria baseada em circunstâncias favoráveis. É estar feliz no muito ou pouco, e olhar as coisas com mais otimismo também. - disse Matheus.

— É verdade e essa alegria eu estou experimentando agora. É como se toda a escuridão fosse embora, e meus medos também se foram. Quando Jesus ocupa o nosso coração tudo é diferente. - respondi.

— A paz que sentimos em meio a guerra é atributo do Espírito Santo. Isso é descansar em Deus, Fanny. Confiar que ele tem um plano mesmo que não compreendamos nada.
A delicadeza, bondade, fidelidade, controle de nós mesmos são outras coisas que precisamos praticar.
Nem mesmo nós que já temos mais tempo que você no evangelho estamos 100% em todas essas coisas, mas procuramos nos examinar sempre pra que o Senhor possa realmente habitar em nossas vidas. - disse Rute. A morena dos cabelos black como ela mesmo diz, sorria e eu devolvi o sorriso.

   Era incrível como em tão pouco tempo compartilhamos tantas coisas.

   Logo eu completei dois meses de gestação. A essa altura do campeonato muita gente já sabia da minha gravidez, mas meus pais procuraram me preservar de comentários maldosos o quanto puderam.
Eu decidi que só prestaria vestibular quando tivesse alguém para ficar com a criança enquanto estivesse trabalhando.

    Todos os dias eu lia a palavra e mais eu aprendia sobre Deus.
Deus ainda cicatrizaria muitas coisas em minha vida. Mas grandes coisas já estava fazendo.
Eu perdoei minha mãe pelo que ela fez no passado.

Karla e João Lucas também me apoiaram. Os dois se sentiram profundamente culpados pelo que houve. Mas eu lhes disse que foi uma fatalidade.

   Eu fazia o acompanhamento do pré natal, e minha mãe me fez também passar em um psicólogo. Mas eu já havia passado no melhor. Jesus Cristo, aquele que com seu amor passou o bálsamo nas minhas feridas e me deu esperança e alegria.
Não vivo mais eu, mas ele vive em mim.

   A minha viagem para Porto- Seguro é daqui a algumas semanas. E eu decidi ir mesmo assim grávida. Agora não estou sozinha porque aonde eu vou Deus vai comigo.

   Eu aceitei o convite dos meus amigos da igreja, e fomos passar um fim de semana em uma pousada em Ilha bela.
Caminhei pela praia, e me sentei numa grande pedra. As ondas estavam fortes.
Era maravilhoso estar em um lugar assim. Traz uma paz muito grande.
Então abri meus braços, mirei o céu azul e sem núvens naquela tarde de Sábado, e sorri porque o meu Pai cuida de mim.

  Não sei o que me reserva o futuro. Mas Deus me ensinou a amar esse bebê, e eu sei que me tornei mais forte depois do que houve. Me sinto livre porque perdoei o meu algoz também.

  Agora bate em meu peito um novo coração. Está cheio de esperança e alegria.
Alguns sonhos foram engavetados e outros surgiram, pois os sonhos de Deus são maiores que os nossos.
Hoje eu sei o que o hino da harpa quer dizer quando menciona "Então minha alma canta a ti Senhor". Minha alma exulta no altíssimo que cessou meu choro para eu voltar a sorrir porque existe um tempo certo para todas as coisas.

—  Senhor, controle minha vida. Guia-me por onde devo ir. Que teu Espírito habite em mim. Eu renasci por tua causa. Uma nova versão de mim surgiu. O vaso foi refeito nas tuas mãos,tu és o oleiro. Ajude-me a amar e proteger essa criança.
E prepare um homem de Deus que me aceite assim, e ame a mim e ame essa criança também algum dia. Pois ela precisará de um pai. Obrigada por enviar Beto e Priscila para me socorrer. Abençoe eles também. Esteja sempre comigo, eu te amo, em nome de Jesus. Amém!

  Lágrimas desciam por minha face, e meus lábios sorriam. Viver com Deus é outro nível. Ás vezes é como uma montanha- russa dá um frio na barriga nas curvas, mas no fim tudo acaba bem.

   Deus sabe o que faz. E tem o controle de tudo. Eu serei feliz porque um novo tempo vem chegando e mesmo que as coisas fiquem difíceis, verei Jesus no meu barco e não naufragarei.

FIM!