Reidar

Abro os olhos lentamente quando sinto algo contra meu peito, e ao olhar para baixo dou de cara com Jess dormindo tranquilamente.

Estou com muito calor, mas se eu me mexer acabarei fazendo Jess acordar, e eu não quero isso.

Ela já não está mais tremendo de frio como antes, e isso é sinal que ela está melhor, e eu fico aliviado com isso.

Enquanto tentava aquecê-la tive que me segurar para não beijá-la, porque eu não posso brincar com os sentimentos da Jess.

Eu realmente estou bem ferrado, porque eu havia prometido a mim mesmo nunca mais me apaixonar por alguém, mas então apareceu Jess do nada e está me deixando louco.

A cada dia que passo ao seu lado percebo que meu coração antes congelado, começa se derreter aos poucos, e eu já não tenho mais tanta certeza das escolhas que fiz há alguns meses.

Eu gosto do seu sorriso de esperança mesmo estando vivendo um mal momento, gosto de como Jess é forte e decidida, como também gosto da sensação de tê-la em meus braços a qualquer momento.

Eu me conheço bem o suficiente para saber que não estou tentando preencher o vazio que carrego pela perda da minha esposa, porque eu não sou um homem que age por impulso, por isso tenho quase certeza que gosto dessa mulher.

Mesmo eu assumindo esse sentimento a mim mesmo, irei fingir que nada está acontecendo, porque mesmo eu gostando dela, não poderei me envolver com a Jess pelo seu próprio bem.

Eu não me reconheço nesse momento, porque é a primeira vez que me interesso por alguém em tão pouco tempo de convivência, e isso é mais um motivo para ter certeza que estou ficando maluco.

Jess parece se sentir da mesma forma em relação a mim, mas se ela soubesse que sou um assassino, provavelmente iria fugir de mim o mais depressa possível, e é por esse motivo que eu prometi a mim mesmo que jamais irei me relacionar com alguém novamente.

Gostar da Jess não me fará quebrar a minha promessa, e é por esse motivo que tenho que ser forte e manter uma distância segura, porque se eu continuar cedendo aos seus encantos acabarei fazendo algo que possa me arrepender depois.

Jess merece uma boa pessoa, alguém que irá amá-la incondicionalmente, e não um homem desgraçado como eu que matou a própria esposa.

Meu castigo será viver toda a minha vida na solidão, e eu não reclamo disso porque eu sei que mereço isso ou até coisa pior.

Essa é a vida infeliz que escolhi viver como castigo, e nem mesmo Jess será capaz de me fazer mudar de ideia mesmo que eu queira, porque eu nunca quebro uma promessa.

- Estou escutando seus pensamentos daqui. - Jess fala.

- Já está acordada?

- Faz tempo. - Ela ri baixinho.

- Porque não me disse? - Pergunto.

- Porque eu gosto de estar nos seus braços. - Ela assume.

Jess não tem medo de dizer o que pensa, e esse é mais um dos motivos para eu gostar da sua audácia e sinceridade.

- Jess...

- Fique quieto. - Ela me corta. - Não estrague o momento.

- Preciso te contar algo.

- Pode contar. - Ela fala. - Estou ouvindo.

Me calo por alguns segundos, tentando ter certeza absoluta se é uma boa ideia contar meu segredo mais obscuro a ela.

Eu não deveria lhe contar nada, mas eu me sinto tão livre em relação a Jess, que quero lhe falar sobre a minha vida, mesmo que seja algo doloroso.

- Como você já sabe eu também perdi alguém que amava. - Começo a falar. - E tudo aconteceu por minha culpa.

- Por que diz que a culpa é sua? - Ela pergunta.

- Minha esposa e eu estávamos indo visitar seus pais no natal, e como eu havia trabalhado sem muito descanso acabei adormecendo ao volante. - Assumo enfim. - Lara não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo.

Jess se senta na cama de frente para mim, e ao olhá-la já vejo que ela não parece me julgar e culpar pelo que aconteceu.

- Você acha que é o culpado? - Ela pergunta.

- Eu sou o culpado. - Respondo.

- Foi um acidente Reidar. - Jess fala.

- Não...

- Você dormiu de propósito? Dormiu com a intenção de matar sua esposa? - Ela me corta.

- Não. - Nego com a cabeça.

- Então como a culpa pode ser sua? - Jess indaga. - Por mais triste que seja acidentes acontecem.

Nada do que ela disser me fará mudar de ideia, porque eu sei que sou o culpado, pois se eu não tivesse dormido Lara ainda estaria ao meu lado.

- Ela estava grávida. - Meus olhos se enchem de lágrimas. - Matei a mulher que eu amava e nosso filho.

Eu não sabia que Lara estava esperando um filho meu, só descobri após sua morte, e isso fez eu me sentir ainda pior, um verdadeiro lixo.

- Eu sinto muito por sua perda. - Jess fala.

- Eu sinto o mesmo pela sua.

Jess enxuga as próprias lágrimas, em seguida faz o mesmo com as minhas, mas eu não deixo ela se afastar e seguro sua mão contra meu rosto, porque eu me sinto confortado.

- Eu também me culpava pela morte do Rick. - Ela fala. - Eu dizia a mim mesmo que se eu não tivesse desmaiado eu poderia ter o ajudado de alguma forma, mas depois eu percebi que eu não tinha culpa. Foi uma fatalidade o que aconteceu, e o mesmo serve para você.

- Por que você é tão boa? - Questiono. - Você deveria me culpar e querer distância de mim, não me consolar.

- Faço isso porque eu sei que você também foi uma vítima, apenas não aceitou isso ainda. - Ela sorri fraco.

Jess realmente tem um coração enorme, porque eu jurava que ela iria me odiar e me culpar pela tragédia que eu causei, mas aconteceu tudo ao contrário.

Ela está tentando me fazer entender que não sou o culpado, mas eu não penso da mesma forma que ela, mas fico feliz que Jess não pense o pior de mim mesmo eu desejando isso.

Se Jess ficasse com medo de mim iria querer ir embora, e isso iria fazer a minha escolha de manter distância dela ainda mais fácil, porém nada aconteceu como eu imaginava, e ela está tentando me fazer mudar de ideia e me confortar, ao invés de me querer o mais longe possível.

- Obrigado por me consolar. - Agradeço.

- Não precisa agradecer. - Ela sorri lindamente.

Jess se deita ao meu lado, e ficamos calados por um tempo olhando um para o outro, e de repente ela aponta o dedo em minha direção e fala com seriedade:

- E eu não quero mais ouvir nada sobre você ser o culpado.

- Mas...

- Quer mesmo discutir comigo Reidar? - Ela semicerra os olhos.

- Não. - Nego com a cabeça.

- Então fique quieto.

Faço o que ela manda, pois eu sei que seria perca de tempo tentar discutir com essa mulher, porque eu sei que ela não me deixará em paz se eu disser algo contra a sua vontade.

- Está se sentindo melhor? - Pergunto.

- Sim. - Ela confirma com a cabeça.

Coloco a mão em sua testa e percebo que Jess não está mais com febre, e eu fico muito aliviado com isso.

Fiquei desesperado quando vi Jess na varanda da pousada, porque ela correu alguns riscos dormindo lá fora, e fiquei mais desesperado quando vi que ela pegou um resfriado.

- Se voltar a dormir na varanda teremos uma séria conversa mocinha. - Digo seriamente.

- Foi um acidente Reidar. - Ela sorri.

Fico muito aliviado em ver Jess sorrindo feliz, pois eu não quero e não gosto vê-la triste ou chorando, porque isso quebra meu coração em mil pedaços.

Somos duas pessoas feridas pela perda das pessoas que amávamos, mas estamos tentando nos reerguer nem que seja um pouco, e posso afirmar que a presença da Jess tem me ajudado muito.

Eu havia escolhido ficar só, e tenho que assumir que tive muita vontade de mandá-la embora quando Jess apareceu na pousada, mas eu acabei não fazendo isso, e agora eu fico aliviado, ao mesmo tempo que eu sei que se ela não tivesse ficado, eu não estaria sentindo por ela o que estou sentindo.

Jess faz eu ne sentir vivo, faz eu querer ter alguém para cuidar e amar novamente, e apesar de querer muito isso, eu escolhi a solidão, e eu não mudarei isso nem mesmo por ela.

- Por que está me encarando? - Pergunto.

- Estou pensando se faço uma loucura ou não. - Ela responde.

- Que loucura?

Me finjo de desentendido mesmo sabendo sobre o que ela está pensando, e mesmo sabendo que estou brincando com fogo eu quero me queimar um pouco.

- Quer mesmo saber? - Jess questiona.

- Quero. - Pigarreio alto.

Jess aproxima seu rosto do meu, e então toma meus lábios em um beijo lento e apaixonante, e toda aquela história de manter distância some da minha mente no momento em que ela me beija, porque eu retribuo o beijo sem pensar duas vezes.