Capítulo 1
FILIPA
Eu não estava preparada para aquela conversa, mesmo sabendo que alguma hora ela chegaria — e veio mais rápido do que o esperado. Deveria ter feito todo roteiro em minha mente, mas eu não achei que fosse necessário. Pois é, eu errei ao julgar essa opção. Com a minha família, precisava ao menos de 3 rotas de fugas e vários argumentos, a fim de se livrar de uma bronca. Contudo, eu não estava pronta para aquilo.
Ao terceiro toque, eu respiro fundo e atendo a ligação:
— Oi, mãe.
— Demorou para me atender — ela diz, e a impressão que eu tenho dela é que está erguendo o queixo, forma de se mostrar superior aos outros. Isso é uma coisa que ela faria, sem a menor dúvidas, ainda mais com as pessoas que trabalham com elas e não atingem a sua expectativa, ou seja, quase sempre ela mantém aquela postura firme e não a desmonta nem com as próprias filhas.
Eu sei, eu sei, ela parece ser bem rigoroso. Ela é. Mas eu sei que ela nos ama, mesmo que não tenha essa facilidade em demonstrar seus sentimentos.
— Eu... Sinto muito. É... — eu precisava falar, mas não conseguiria dizer logo para a minha mãe sobre a minha situação. Eu via como se precisasse arrancar um curativo, se fizesse rápido, causaria dor, só que logo passaria e tudo ficaria bem. Contudo, nessa minha enrolação a dor aumentava e ia se prolongando. Só pioraria as coisas assim.
— Está hesitando, Filipa? Tem alguma razão para isso?
Ah, droga! Ela já sabe!
Mordo meus lábios e aperto mais o celular em minha mão, tentando não surtar. Na nossa última conversa eu não lhe dei uma resposta sobre ir passar as festas festivas em casa com minha família. Isso porque eu sabia que ela me daria um sermão e suponharia que eu estou me afastando de minha família. Por eu morar hoje longe deles, acabo não participando de muitos eventos e reuniões de família.
— Não, eu... Eu... — coço a cabeça pousando os olhos na foto da minha família ao lado do meu computador.
Aquela foto foi tirada um dia antes de eu anunciar a minha mudança para Gramado, no Rio Grande do Sul. Foi um choque para a minha família, pois eles esperavam que eu continuasse no interior de São Paulo, vivendo a minha vida ali com eles, fazendo a nossa velha e confortável rotina.
Só que não tinha grandes piques de emoção e eu queria traçar a minha vida. Quando eu soube que abririam no Brasil uma filial da minha empresa favorita e a que eu tinha um sonho de trabalhar, Mãos de Artistas, Arquitetura e Paisagismo, eu enlouqueci de vez e me arrisquei a mandar meu currículo. A empresa é mundialmente conhecida, surgindo na Itália e mantendo-se sempre nas primeiras páginas das revistas desde os anos 30.
No primeiro ano, eu não passei na entrevista, queriam alguém com mais experiência no ramo, uma vez que eu só estava cursando a faculdade e trabalhava com meus pais como balconista. Depois daquele não, eu entendi aquilo como um desafio. Eu não era de aceitar derrotas tão facilmente, por isso eu batalhei para conseguir me estagiar em empresas com o ramo de arquitetura.
Aquilo levou mais dois anos, o que foi bom para eu juntar bastante dinheiro em minhas economias para alugar uma casa e ganhar mais experiência no mercado. Não bastava somente sonhar, precisava antes der um chão bem sólido para eu construir meus sonhos.
Não adianta colocar nossos sonhos em nuvens, pois qualquer ventania o levaria embora e você ruiria junto. Precisa construir um alicerce forte para quando as provações chegarem, você não desistir, pois saberá onde construiu sua fé e determinação para alcançar o que tanto almeja.
Foi o que eu fiz: minha força de desejo era tão grande, que eu não enxergava mais nenhum muro me cercando, mesmo todos meus familiares me repreendendo por nem me comunicar antes com eles sobre essa mudança. Ou quando minha mãe parou de falar comigo durante um mês. Ou no dia em que a empresa ligou para mim e disse o seu primeiro não para mim.
Não importa. Sempre haverá um “não”, por isso temos que lutar pelo sim. E não apenas isso, mas provar a todos que merecemos e somos bem capazes de surpreender com nossos talentos.
— Mãe, eu não irei para às festas neste ano — com a mesma calma que eu tive ao contar sobre a minha mudança, eu falo o que estava postergando. — Mas não entenda errado: eu não estou indo por causa do trabalho.
A linha do outro lado fica muda. Antes eu até escutava a respiração dela, furiosa, mas era como se ela nem estivesse mais ali. Ponho a fotografia de volta ao seu lugar e abaixo a minha cabeça, me sentindo culpada por ter feito aquilo.
Para eles, era como se eu não tivesse me esforçado o suficiente. Como se eu preferisse me isolar, já que eu sempre fui mais fechada quando criança, sempre guardando tudo o que eu sentia. E não era verdade aquilo.
— Como assim você não vem? — a voz que sai do outro lado da minha agora é de minha irmã. Pelo visto eu estava no viva voz, anunciando já para todos aquela infelicidade.
— Eu tenho muito trabalho para fazer... Infelizmente a bruxa da minha gerente me deu todo o trabalho até o dia 24 e foi viajar. — respondo jogando a cabeça para trás, frustrada por ser a única trabalhando duro naquele final de ano e todos os meus colegas de folga. Eu não pedi descanso a tempo e agora, estou colhendo os frutos maus plantados.
Era errado eu estar reclamando por uma ação que eu não tomei? Totalmente! Contudo, a minha chefe também não precisava colocar em minhas costas todo o serviço que a equipe adiou à semanas para fazer! Aquilo não era justo!
Só que eu não poderia dizer não à minha chefe, caso contrário, eu seria demitida e eu precisava atualmente daquele emprego, pois ele é o meu carro chefe — ou seja, ele quem paga todas as minhas contas, me faz ter alimentos em minha geladeira e me ajuda a bancar o meu aluguel — e ele é o meu sonho. Não posso agora cuspir no prato em que me sustento. Mas eu posso me queixar da irresponsabilidade dos outros!
— Tem certeza de que não consegue terminar antes e vir para cá? Afinal, será véspera do Natal! Você não pode faltar! — Eu volto para a ligação, após ouvir a voz da minha irmã, mostrando estar indignada também por eu ter que faltar nas festas.
— Queria que fosse possível, Ceci, mas não será.
Nesse momento eu vejo a minha empregada, Marianne, aparecer no escritório e dizer que já tinha limpado tudo em casa. Eu pego a minha bolsa, que estava no canto da mesa, retirando dela a minha carteira e pagando a moça pelo trabalho. Eu poderia e deveria economizar, mas como estou agora trabalhando quase 12 horas consecutivas, não posso parar uma hora para limpar minha casa, por isso eu a contratei para limpar a casa uma vez por semana nas sextas-feiras.
Retorno na ligação:
— Mamãe está muito desapontada? — questiono por não ser do feitio dela não terminar uma conversa.
Ceci demora a responder, o que já revela a minha resposta.
— Ela acha que você se mudou de casa, para tortura-la.
Eu fico indignada com aquela afirmação. Como eu poderia fazer isso propositalmente? Ela é a minha mãe, não quero fazê-la sofrer.
— É injusto ela pensar isso, quando ela sabe muito bem que eu sempre quis fazer arquitetura e trabalhar aqui.
— Ela sabe, Fifi? — sua pergunta me faz travar no lugar. Minha mãe não sabia do meu sonho? Todas as vezes que eu pedia revistas com as notícias de Mãos de Artistas, equipamentos como esquadros, telas maiores e quadriculadas, cursos online... nada disso serviu como prova? — Tudo o que sabemos é que você gostava de desenhar e não quer gostaria de ser a maior arquiteta do Brasil.
Aquilo me faz repassar a mente todos os 23 anos em que eu estive na proteção de meus pais, as conversas que tivemos, os momentos em família. Eu era a mais fechada, a única que tinha que me esforçar em dobro. Nunca foi a “caçula”, como todos acham que tem privilégios. Eu tenho apenas um ano de diferença de minha irmã e todos os sinais que eu recebi da minha família era que eu tinha a mesma responsabilidade, não existia esse diferencial.
Hoje, aos 25, percebi que na verdade, minha irmã quem recebia esses tratamentos que eu não tive como filha mais nova. Pode ser de família, geração a geração, mas nunca fui mimada como a minha irmã foi.
— Olha, Fifi, veja se consegue vir — ela diz com um tom mais adversativo, como se falasse “senão vai frustrar a todos e mostrar que está cada vez mais longe de nós por algum motivo”.
— Está bem — digo e desligo o telefone. Não queria pensar naquilo agora.
Eu deixo o celular sobre a mesa, me levantando e indo procurar a Meg, minha labradora. Essa é uma outra história incrível: quando eu quero economizar para finalmente ter as minhas coisas, surge um canalha que abandona filhotinhos pelas ruas.
Eu a chamo e ela não me responde com seus latidos, nem escuto suas patas pelo chão. Ok, mal sinal. Significava que estava aprontando alguma. Eu a procuro na sala, em cima do sofá, no lugar onde ela acha que é dela e não a encontro. Vou até a cozinha, banheiro, meu quarto e nada de aparecer.
Com o coração mais acelerado e o suor transpirando em mim, eu vou até a área de fora, em nosso pequeno quintal, reparando pela primeira vez que a moça deixou a porta da sala aberta, coisa que não costuma fazer. Ao olhar para a entrada, no portão pequeno, ele estava aberto. O que me faz concluir que Meg fugiu.
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