Natalinos e Inesperados
- Calma, filha, você pode pegar ainda o próximo vôo de hoje para Toronto. O importante é você e o Lui virem em segurança. O Chan Kong-Yin está ansioso por nossa chegada, inclusive do Lui. Ele e a esposa amam animais. - O senhor Müller, ao telefone, tentava acalmar a filha atrasada.
- Mas pai, estava tudo certo, como pode o peso da caixa transportadora mais o peso do Lui terem ultrapassado dos 5kg máximos?! Eu deveria estar neste avião junto com vocês!
- Não se preocupe, querida! - A senhora Bianchi pegou o celular do marido - Nosso Natal será ótimo e não serão os quilinhos a mais do Lui que irão estragar nossa viagem, não é mesmo? - A mulher mantinha-se animada - A Pâmela está com você? - Referiu-se à amiga da filha. - Comprem uma caixa menor para o nosso Lui e esteja no aeroporto a tempo para o próximo vôo. É simples!
A filha, Isabella, resmungou.
Ela havia organizado todos os documentos do seu cãozinho meses antes e pesava com frequência seu pet estando no peso ideal para uma viagem de avião, seguindo as normas da companhia aérea, mas não esperava que, de última hora, o cão mais a caixa estivessem passando 100 gramas do peso máximo para o transporte de animais. Apenas 100 benditas gramas para todo aquele transtorno de atraso e mais gastos de última hora.
Residentes do sul do país, o senhor e a senhora Müller encontravam-se agora em São Paulo, prestes para decolarem e então seguirem para o Canadá, enquanto que a filha, Isabella, teve que ficar para trás, correndo contra o tempo para conseguir levar junto consigo o pet da família.
Os vizinhos mais próximos dos Müller também iriam viajar, assim como a família da melhor amiga da Isabella, a Pâmela. O único jeito seria levar o pequeno spitz alemão. Sorte que os Chan adoravam animais e ficaram animados em pensar em um cãozinho na casa.
Exceto o Chan Hong-Sang, filho do casal Chan; todos brasileiros, descendentes próximos de chineses. Mas, bom, Hong-Sang era a minoria quando o assunto era animal doméstico, então não se tinha muito o que fazer. Iriam receber a senhora Sarah Bianchi Müller, o senhor Adam Müller, a Isabella Bianchi Müller...
... E o peludo Lui.
- Está bem, mãe, faremos isso e nos vemos, então... No Canadá? - Bella inquiriu incerta. Gostaria de poder encontrar com os pais antes de chegarem à casa dos Chan, os anfitriões, amigos de infância dos pais da garota.
- Isto, isto, mas, oh! Filha, tem um probleminha, assim... Pequenininho.
- Ai, meu Deus, mãe, o que foi agora? Não me diga que meu passaporte está na sua bolsa. - Isabella falou sabendo que não era isto, mas só por segurança, revistou agitadamente a própria mochila, deparando-se com o objeto.
- Eu estou?!
- Você está, Sarah?! - O pai de Bella, senhor Adam Müller, perguntou à esposa enquanto mantinha os ouvidos atentos àquela conversa.
- Não! Não está. Mas qual é este probleminha, mãe?
- Os Chan irão nos buscar no Aeroporto Internacional Pearson de Toronto...
- Ah, que ótimo! - Isabella ironizou - Dou um jeito e chego no endereço certo, 'tá bem? Só me mandem a localização que eu pego um táxi.
- Mas não deixem que lhe cobrem muito, Bella! - Adam falou um pouco mais alto a fim de ser ouvido pela filha do outro lado da linha, o que fez a Sarah apontar o aparelho para o marido ao seu lado - Finja que é da cidade, não fale com tanto sotaque, não pareça muito interessada com o caminho, mas mantenha-se atenta e, qualquer coisa, finja estar em alguma ligação! Não, nos ligue de verdade!
Isabella sorriu.
- Tudo bem, pai, não se preocupe.
- Eu fico no aeroporto te esperando. - Ele concluiu.
- Ah, pai, assim iremos estragar tudo sem nem termos chegado! Sigam com os Chan e eu chego depois. Só expliquem do contratempo com a caixinha transportadora do Lui e vai ficar tudo bem, ok?
- Querida! Iremos decolar agora. - Sarah informou ansiosa, com a felicidade estampada na voz - Temos que desligar, tudo bem?
- Tudo bem, mãe, aproveitem a viagem! Serão 11 longas horas. - Bella sorriu, um pouco mais tranquila por ter falado com os pais.
- Tchau, Bella! - Os mais velhos falaram em uníssimo. - Nos vemos em breve, querida! - Sarah exclamou antes de desligar.
- Tchau, mãe. - A chamada foi desligada e Isabella suspirou.
- E então, vamos procurar por uma nova caixa para este cachorrinho guloso aqui? - Pâmela, que havia sido chamada por Isabella para ajudá-la nesta mais nova missão, aguardava enquanto brincava com Lui, por entre as brechas da portinha da caixa transportadora - Sorte que você é pequeno, hein garoto. O problema poderia ser bem pior. - Completou, falando com o pet de pelos cor caramelo.
Isabella olhou-a com os cenhos franzidos ao mesmo tempo que abriu um sorriso, o que a deixou com a expressão entre desesperada e louca.
- Vamos logo encontrar esta caixa! - Bella exclamou - Já não basta eu não ter ido com a cara do filho dos Chan por ele não gostar de animaizinhos tão fofos como meu Lui, e agora isto. Nem acredito que meus pais estão curtindo o vôo enquanto estou aqui, surtando. - O sorriso de Bella agora transformava-se numa careta angustiada, ou melhor dizendo, angustiante de se ver.
Isabella e Pâmela eram melhores amigas e ambas tinham a mesma idade: 20 anos. Isabella era alta como o pai, o senhor Adam, filho de alemães. A jovem puxara também sua tez clara e olhos azuis-escuros. Mas, diferente do mesmo, com fios loiros, Bella tinha os cabelos castanhos como os da sua mãe, assim como o nariz afilado e grande, proporcional com seus olhos e sorriso. Ela tinha o carisma e a agitação da senhora Sarah, filha de italianos, mas também a lógica e coerência do pai. Bella era a mescla perfeita de ambos. Com tranças laterais, que prendiam sua franja para trás logo acima da nuca, Isabella tinha seus cabelos longos e ondulados caindo-lhe sobre as costas. Usava uma calça jeans preta em conjunto com uma blusa cor vinho de mangas compridas e um casaco, aberto, igualmente preto de botões grandes. Tinha botas pretas de cano curto e uma bolsa tiracolo verde neon, além de sua bagagem em diferentes tons de verde, sua cor preferida, diga-se de passagem.
Já Pâmela tinha os cabelos castanhos claros, cacheados e curtos, com uma pequena presilha na lateral moldando um penteado com a franja pequena. Sua pele clara, era um tom a menos se comparada com Isabella. Um pouco mais baixa e de rosto pequeno, tinha o sorriso cativante e longos cílios que destacavam seus olhos igualmente castanhos. Vestia um jeans claro com botas marrons de cano curto. Sua blusa preta tinha a manga comprida, assim como a da amiga, mas usava um sobretudo cinza, acinturado, mantendo alguns dos botões do mesmo fechados.
- Ok, vamos resolver isto de uma vez por todas! - Pâmela respondeu à amiga - Vamos começar procurando o balcão de informações. Seria ótimo encontrarmos a nova caixa do Lui por aqui mesmo.
As duas garotas seguiram arrastando malas e carregando o Lui aeroporto adentro, quando se depararam com o painel de vôos, o que fez Bella sobressaltar-se olhando para o relógio de pulso.
- Não acredito nisso! Só tenho três horas para o próximo vôo de São Paulo para Toronto. Sem contar que ainda tenho 1h30min daqui, Porto Alegre, para São Paulo. Eu preciso de uma caixa para ontem! E Lui, - falou olhando para o pequeno cachorro - você vai entrar de dieta em pleno Natal, hein! - O spitz latiu inocentemente abanando o rabo querendo brincar - E não reclame, olha só o que eu faço por você! - Lui latiu mais uma vez, passando a pequena pata pela portinha da sua caixa transportadora. Ele estava ansioso para se sentir livre novamente.
Pâmela sorriu vendo a cena.
- Olha lá, Bella! Vou perguntar sobre algum pet shop por aqui. - Pâmela correu para o balcão de informações, deixando as malas da amiga para trás e a mesma andou mais alguns passos, parando apreensiva para observá-la a poucos metros de distância.
Pâmela virou-se para trás, após alguns minutos falando com o rapaz do balcão de informações e abriu um largo sorriso levantando o polegar.
- Tem?! Não acredito! Olha só, Lui, achamos uma casinha nova para você viajar com a mamãe. - Bella falou contente com seu pet, fazendo carinho no mesmo por entre as grades da portinha e logo ele retribuiu lambendo sua tutora.
Pâmela voltou para próximo de Isabella e explicou a direção segundo a informação que recebera. Então, Isabella deixou suas malas com a amiga correndo até o lugar indicado, carregando consigo o Lui, e logo encontrou o que tanto precisava: a valiosa caixinha transportadora, de acordo com as regras da companhia aérea que viajaria e, lá mesmo, na loja, com a permissão e ajuda das atendentes, trocou o cãozinho de um compartimento para o outro, um pouco menor, mas ainda o tamanho suficiente para que ele coubesse em pé e ainda pudesse dar uma volta ao redor do próprio corpo, estando, assim, confortável e apto a viajar, finalmente.
Com a caixa paga sendo carregada de um lado, já com seu novo morador bem acomodado, e com a antiga vazia, na outra mão, Bella olhava de relance para seu relógio de pulso e via-se literalmente correndo contra o tempo. Não pensava que seu início de Natal fosse tão turbulento como estava sendo, começando por esta viagem planejada às pressas, depois do convite dos amigos da família, os Chan, na última ligação há um mês. Eles estavam felizes por terem se mudado para uma casa nova e queriam dividir esta conquista com seus melhores amigos. Então, nada melhor do que uma viagem de férias de Natal.
Os Müller nunca haviam ido visitar os acolhedores Chan, mas adoravam viajar e sempre tinham um dinheiro reserva para o maior lazer da família: viagens. Aquela não seria a primeira viajem internacional de Isabella e seus pais, mas a diferença é que aquele fora um convite especial e carinhoso por parte daqueles amigos queridos. Não é todo mundo que convida alguém para passar um Natal em família e os Müller viram esta como uma ótima oportunidade para matarem a saudade daqueles velhos amigos, que mudaram-se há alguns anos para o exterior a trabalho. A mãe de Bella, Sarah, logo animou-se com a ideia e não via a hora de reencontrar com Chan Jiang-Li, sua melhor amiga desde o colégio, e não perdeu tempo em organizar tudo que precisariam para uma viagem segura e tranquila, enquanto Adam, encarregou-se de alguns documentos e orçamentos. Já Bella, encarregou-se das passagens e claro, do Lui.
- Ok. Agora só tenho 2hs para pegar o vôo que sai daqui a alguns minutos para São Paulo e seguir para o Canadá. Só mais 2hs, Isabella, vai dar certo!
Mas nem tudo daria tão certo para Isabella. Não ainda.
Foi olhando para o seu relógio em meio à sua corrida de volta para suas bagagens, com sua amiga, que algo aconteceu numa fração de segundos.
- Ai, meu Deus! - Uma voz masculina gritou e som de líquido contra o chão pôde ser ouvido.
Isabella chocou-se fortemente com um rapaz que cruzava seu caminho naquele exato momento e, ao mesmo tempo em que as caixas transportadoras que segurava foram ao chão, todo o líquido que o rapaz tomava perdera-se no impacto molhando a ambos, agora assustados e chocados o suficiente para absorver o que acabara de acontecer.
- Lui! - Isabella gritou ao ver que a portinha da caixa estava aberta e seu cãozinho analisava o ambiente prestes a se libertar para aquele mundo novo para ele que era o aeroporto - Ai, cadê a Pami agora?!
Pessoas passavam olhando e outras paravam para assistir à cena. Provavelmente estavam com o voo atrasado ou não tinham nada mais interessante para ver, pois, cá entre nós, foi uma barroada desastrosa. Aposto que você também pararia e muito provavelmente pensaria: "Nossa, não queria estar na pele dessa garota!".
Porque nem a própria Isabella queria.
- Olha só o que você fez, garota. - O rapaz olhava para seu grande copo de refrigerante agora vazio e todo o líquido escorrendo pela sua roupa e chão - E eu só bebi um gole. - Lamentou-se - Não olha por onde anda, não?
- Céus, me desculpa! Posso comprar um para você, mas antes me ajuda a pegar meu cachorro que saiu disparado para aquela direção! Lui, volta aqui!
- Era só o que me faltava... - O rapaz resmungou.
- Senhora, por favor, tem que prender seu cachorro ou vai ter que me acompanhar. - Um segurança aproximou-se objetivo, observando todo aquele estardalhaço.
- Não! Não acredito que isto está acontecendo. Pegar o voo para Toronto é agora questão de honra! - Isabella exasperou-se, irritada.
- Toronto?... - O rapaz pensou alto - Espero que não seja o mesmo voo que o meu - Ele suspirou, olhando-a desesperar-se, correndo junto com o segurança atrás do cãozinho que latia feliz. Olhou em volta e lá estavam as duas caixas transportadoras largadas no chão em meio à poça de refrigerante. Ele balançou a cabeça negativamente entortando a boca, passando os dedos por entre seus fios negros e lisos - Não acredito que estou fazendo isto. - Ele abaixou e recolheu as duas caixas transportadoras - Aposto que meus pais não amarão cachorros tanto assim, depois que eu contar esta história - Levantou-se ajustando a alça da sua bolsa de viajem - Ei! Esqueceu isto aqui! - Ele gritou para Isabella ao longe, correndo até ela.
🎄🎄🎄
Lui estava agora de volta à sua caixinha, Pâmela seguia seu caminho de volta para casa depois de ter rido descaradamente do estado da amiga que, inclusive, chamou a atenção de metade do aeroporto, o que não poderia ser diferente.
Ambas já viam nas redes vídeos amadores do acontecimento recente e, como se não bastasse, isso faria com que Bella tivesse agora mil e uma formas de reviver aquela tragicomédia com seu cãozinho Lui, o segurança brutamontes e o rapaz que lhe entregou as caixas transportadoras. Mas, mesmo resmungão, se não fosse este rapaz Isabella, definitivamente, não saberia mais o que fazer, muito menos como sair daquele ciclo de desventuras ou apenas desistiria de tudo e daria meia volta aproveitando a amiga Pami e sua carona.
Pâmela ficara com ela até o momento do embarque para São Paulo e lhe dera a tranquilidade de que precisava. Eis um feito heroico.
Bendita seja Pami.
Agora que tudo parecia ter entrado na órbita normal, Bella estava menos estressada, enquanto Lui, em sua nova caixa, menos feliz. Coitado, mal sentira a liberdade e esta lhe fora tomada, assim como um petisco é tirado da boca de um filhote. A alegria durou pouco.
Ela tinha certeza que antes mesmo de pisarem em Toronto, seus pais saberiam daquele caos no aeroporto, quiçá a família Chan e ainda seria a palhaça do spitz alemão para o filho do casal, aquele que não curte animais, o Chan Hong-Sang. A cereja do bolo seria voltar para casa e todos os seus amigos a receberem de braços abertos, sorrisos largos e placas de memes com seu rosto estampado em seu estado mais enlouquecido.
Isabella conseguira pegar o voo para São Paulo e, chegando lá, checou no painel de voos que o próximo para o Canadá havia sido antecipado. Então, como uma caçadora vai à presa, Isabella desatou-se a correr em mais outro aeroporto, agora o de São Paulo, determinada a alcançar o tão almejado hall de embarque para Toronto, Canadá. Ela, com o casaco já amarrotado entre sua mão e o puxador da mala, tentava equilibrar sua outra bagagem, uma maleta, em cima da maior, a que estava sendo arrastada, além de carregar a caixa com o Lui; o que a tornava um tanto desengonçada para outra corrida como aquela.
Bom, vamos recapitular a parte em que ela corre determinada como uma caçadora vai à presa e vamos deletar os bônus que vêm junto com o conceito de "caçador", pois Isabella estava completamente desprovida de tais bônus: a frieza e a percepção arguta. Lá estava a Bella, mais uma vez, aflita e sem fôlego, correndo em disparada, mirando aquela fila no fim do túnel, ou melhor dizendo, do corredor de embarque, como sua última esperança e, mais uma vez, alguém não muito sortudo, pôs-se em seu caminho, distraído enquanto mordia o final de um recheado e delicioso hambúrguer.
Ao perceber que alguém caminhava na mesma direção em que mirava, pondo-se a sua frente, ao fim da fila, Isabella tentou parar a tempo de não chocar-se com a pessoa, mas já era tarde demais. O jovem levantou a cabeça com os cenhos franzidos olhando para trás, assim que ouviu passos rápidos e rodinhas correrem barulhentamente sobre o chão. Só houve tempo para engolir a seco o pedaço que mastigava do hambúrguer e emitir um grito embargado, pois foi num piscar de olhos e Isabella já estava trombando pela segunda vez com uma pessoa em menos de 2h naquele dia.
Ao chocar-se com o jovem desconhecido, a mala que puxava a toda velocidade chocara-se contra suas pernas, em um desastroso efeito dominó, o que a fez tropeçar jogando-a ainda mais atrapalhada para frente, quase a fazendo largar a caixa com o Lui, mais uma vez. Por impulso, o jovem rapaz a segurou estabilizando-a e, assim, Isabella pôs a perder o último pedaço do hambúrguer do mesmo, esmagando-o entre ambos e sujando suas roupas com o ketchup que antes transbordava apetitoso.
- Os senhores podem se limpar no avião. - A funcionária assegurou em um tom rápido, observando os dois com os olhos arregalados, assim como algumas outras pessoas da fila.
- Tudo bem, obrigado. - O jovem respondeu respirando fundo para não se estressar mais do que já estava naquela manhã e, enquanto aguardava sua vez, tentou limpar-se como pôde afastando pedaços de pão da roupa.
- Me desculpa... - Isabella pronunciou baixo com as bochechas coradas e a cabeça baixa. Lui começou a latir agitado, provavelmente depois de passado mais um susto ou estava apenas pedindo que o libertassem dali. Seria sua chance, ele pôde sentir. Mas ninguém estava preocupado em ver o quão fofo era aquele esperto cãozinho, mas sim em observar aquela constrangedora cena ou em apenas seguir avião adentro e acomodarem-se rumo aos seus destinos.
O jovem não queria ter que encarar a causadora daquela cena lamentável, pela simples mescla de constrangimento e raiva, mas foi o latido do Lui que lhe chamou atenção. Seria coincidência demais. Foi então quando ele resolveu olhá-la finalmente, uma vez que pelos breves segundos anteriores, tudo, para ele, não passou de um grande borrão turbulento.
- Você?! - Ambos exclamaram em uníssono assim que se encararam.
- Eu não estou acreditando nisso! - Ele exasperou-se e desatou a rir, incrédulo. Logo foi sua vez. Ele deu as costas e seguiu sem dizer mais nada.
Isabella apenas apertou os lábios e pensou que nunca mais queria ir para o Canadá. Ela não teria lembranças nada boas. Aquele estava sendo o pior Natal da sua vida e só queria poder sentar de uma vez por todas naquele bendito avião e poder descansar um pouco; tentar esquecer o quão atrapalhada estava sendo e voltar para casa o mais rápido possível.
Era véspera de Natal. Tudo ao redor parecia tranquilo e amável naquele clima natalino e acolhedor, com enfeites por todos os lugares e músicas de Natal em qualquer rádio, fosse nos aeroportos ou nas ruas e agora que Isabella dava-se conta daquilo. Estava tão preocupada em fazer as coisas darem certo que sequer conseguiu relaxar e aproveitar aquele clima que tanto amava.
Suspirou, ergueu a cabeça e seguiu adiante.
Por sorte, o seu assento não foi ao lado do rapaz que barroara nas últimas horas. Não aguentaria mais isso.
Bella vestiu novamente seu casaco, fechando-o, escondendo toda a sujeira da roupa e logo suas pálpebras pesaram. Colocou a caixa com do Lui em baixo do assento dianteiro e lhe deu um pouco d'água; pôs seu brinquedo favorito e o acarinhou. Ele logo lambeu os dedos de sua tutora e distraiu-se com o brinquedo macio. Isabella recostou-se no assento e a última coisa que ouviu foi:
- Senhoras e senhores passageiros, o comandante Howard e sua tripulação apresentam-lhes as boas vindas a bordo da Cia. Air Canada. Este é um voo direto com destino a Toronto, Canadá e o clima parece ótimo! Preparem-se para embarcar na magia do Natal...
🎄🎄🎄
- Chegamos. - Alguém sussurrou - Ei, acorda, nós chegamos.
Isabella acordou um pouco grogue pelas horas seguidas de sono pesado, o que lhe fora quase milagroso, pois sentia-se renovada e leve depois de toda a correria de mais cedo.
- Ah, oi... - Ela falou reticente, observando o rapaz de cabelos pretos e lisos. Encolheu-se no assento pelo susto.
- Olha, eu sei que posso ter parecido rude e mal educado nas duas vezes que nos vimos e--
- Não. - Bella o interrompeu - Você quer dizer das duas vezes que eu esbarrei em você e estraguei todo o seu provável café da manhã. Tudo bem. Eu também ficaria brava.
O rapaz pigarreou coçando a nuca. Isabella pegou o Lui, agora dormindo, e levantou-se. Ambos seguiram corredor do avião afora.
- Bem, eu só quero dizer que também já tive dias ruins. Acho que estava passando por um dia ruim, não é? - Ele olhou-a de relance. Estava calmo, apenas querendo que as coisas ficassem bem com aquela estranha. Afinal, se ela lhe havia deixado uma má impressão pelos descuidos de mais cedo, ele também não havia sido a pessoa mais simpática do mundo e aquele não era ele de verdade. Logo estaria em casa e tudo voltaria ao normal.
- É, estava. - Bella respondeu ainda um tanto desconfortável. O rapaz até horas antes era pura raiva e incredulidade para com ela. Até mesmo rira de forma irônica na frente de todos deixando-a para trás sentindo-se culpada e envergonhada - Me desculpa, está bem? Não tem que vir falar comigo. Sou eu quem deveria estar fazendo isto primeiro...
- Parecia cansada demais para pensar em qualquer outra coisa. - Os dois pararam na esteira aguardando suas bagagens - A vi de longe. Dormiu a viagem inteira e perdeu as refeições. Está tudo bem com você? - Falou rápido, mas ao ver que ela lhe franziu os cenhos, pigarreou mais uma vez - Não quero ser intrometido. Na verdade só quero dizer que está tudo bem, ok? Não estou com raiva de você pelo que aconteceu. - Esboçou um leve sorriso, o que Isabella achou agradável de se observar. Havia sinceridade por trás daqueles olhos escuros e apertados.
Por um segundo Bella perguntou-se se aquela "conversa" estava mesmo acontecendo. Que dia estranho. Mas queria acreditar que tudo correria bem. Precisava acreditar que tudo ficaria bem. Seu Natal começara com o pé esquerdo, mas não precisava ser assim, não é mesmo?
- Ok... Tudo bem. - Ela retribuiu com um leve sorriso e o rapaz lhe estendeu a mão em um cumprimento. Isabella deu-lhe a mão depois de breves segundos ainda sentindo-se retraída.
Assim que as mãos foram tocadas, ele curvou-se sutilmente prestes a apresenta-se dizendo o próprio nome, mas bagagens verdes aproximavam-se, distraindo Isabella que exclamou:
- Oh, lá estão elas! As minhas malas. Acho que tenho que ser rápida agora. Estão me esperando. Me desculpa novamente. Não quis estragar o seu dia.
- Também peço-lhe desculpas. - Curvou-se mais uma vez - Posso chamar um táxi para você.
Isabella observou-o por alguns segundos novamente, entre surpresa e intrigada com tudo. Após o aperto de mãos, seu coração palpitou estranhamente, como um sinal; como uma conexão que ela não saberia definir. Mas apenas ignorou, pensando haver sido por ele ser um tanto... Interessante.
- Hm, obrigada, mas posso me virar sozinha... Na verdade, acho que devo passar em algum shopping antes. - Ela falou mais para si mesma e levantou a caixinha com o Lui, sorrindo para o cãozinho - Precisamos estar minimamente apresentáveis, não é mesmo, Lui?
Os pelos cor de caramelo do pequeno amigo de quatro patas estavam uma bagunça, provavelmente cheios de nós, muito diferente de como saíra de casa e Isabella, por sua vez, estava não apenas com os cabelos despenteados, mas tinha a roupa completamente manchada. Sorte que o casaco cobria maior parte do estrago. Em um shopping, poderia trocar a blusa por uma limpa e ainda levar o Lui em um pet shop para algo rápido.
O jovem rapaz apenas respondeu com um aceno de cabeça e um sorriso de lado. Isabella acenou e se foi, a passos rápidos.
- Espero que ela não saia correndo por aí novamente. - O jovem meneou a cabeça negativamente lamentando por não ter nem ao menos conseguido se apresentar. Ela parecia ser legal, apesar de um pouco atrapalhada. Mas via que isto era engraçado nela. Só estava sempre com pressa.
Observando-a distanciar-se, respirou fundo, relembrando o ardor agradável no peito depois que ela tocou sua mão e pensou que talvez tenha sido por ser um bobo, expert em esconder seu lado todo romântico. Foi com os pensamentos soltos, flutuando por sobre sua cabeça, que sentiu o celular vibrar em sua bolsa de viagem e logo atendeu:
- 你好母亲! (Nǐ hǎo mǔqīn! - Oi, mãe!).
- Hong-Sang? Já chegou, filho?
- Já mãe! Acabei de chegar, estou indo para casa. Vou pegar um táxi e já estarei aí.
- Ótimo, meu amor. Seu pai e eu estamos terminando de preparar a janta e os Müler já chegaram! Estão loucos para ver você! Vem logo, estou com saudades.
- Também estou, mãe. - Sorriu - Está bem. Acho que chego ainda a tempo de fazer aquele molho que a senhora falou que sua amiga Sarah gosta.
- Perfeito! - Chan Jiang-Li estava animada - Só falta a Bella. Ela ainda está a caminho. Ah, preciso desligar. Até daqui a pouco, Hong. 我爱你. (Wǒ ài nǐ - Te amo).
- 我爱你, 妈. (Wŏ ài nĭ, mā - Te amo, mãe).
🎄🎄🎄
Já passara do entardecer e a noite chegava sorrateira, cheia de estrelas, na cidade de Toronto. As luzes da cidade naquele início de noite iluminavam as pontes e o grande lago Ontário, já parte congelado, que resplandecia toda sua beleza com os reflexos coloridos do Natal. Cada parte da cidade parecia ganhar nova vida. Vida esta, desperta pela esperança de dias bons.
A brisa estava agradável e a temperatura de 3ºC (graus celsius) daquele inverno apresentava a estadia da neve frequente para os moradores e visitantes. Carros apressavam-se em suas corridas de volta para casa, com seus porta-malas amarrotados de presentes, e caminhonetes ainda carregavam pinheiros comprados de última hora, assim como enfeites e guirlandas para o dia de Natal.
Tudo fluía em volta daquela magia vinda com o mês de Dezembro e com inverno cortante que empurra anfitriões e amigos para casa, para o pé de suas lareiras quentinhas, em noites acolhedoras regadas de chocolate quente, vinho e cobertores felpudos.
O clima natalino parece cair sobre o mundo suavemente, como aquela neve que derrete nos casacos e cachecóis, chocando-se com a pele quentinha e fazendo-a arrepiar em ginges agradáveis, deixando as pessoas acordadas e atentas para o que realmente importa: o afeto de braços acolhedores; aquele sentimento do estou aqui, este negócio chamado amor. Corações se abrandam e lágrimas vertem em sentimentos gostosos de se ter dentro do peito.
O tempo passara depressa nos minutos que se seguiram após o desembarque dos dois jovens. Chan Hong-Sang apressou-se para voltar para casa, cumprimentar os amigos de seus pais e engajar-se com o novo ritmo da casa, enquanto Isabella corria mais uma vez, agora pelo shopping, em busca de um pet shop para Lui, planejando ainda trocar-se, pegar um táxi e chegar nos Chan o mais rápido possível. Seria ainda mais deselegante chegar depois do jantar, apenas para acomodar-se e dormir. Todos esperavam por ela.
- Pelo menos estou correndo no shopping de Toronto. - Falou consigo mesma entre risos, já havendo se trocado e indo buscar Lui do seu curto momento de beleza. Sentia-se melhor depois do sono no voo e depois de ver as paisagens daquele lugar esplêndido e encantador. Em breve veria seus pais e as coisas retornariam ao ritmo agradável de sempre, sem mais surpresas.
Assim esperava.
🎄🎄🎄
- Ok, então é aqui. - Isabella respirou fundo dentro do táxi parado de frente para uma casa com um pequeno jardim frontal, coberto pela neve e muitas luzes de Natal. Havia uma grande guirlanda na porta branca bem talhada e um pinheiro na entrada, próximo à porta, cheio de enfeites e luzes que piscavam em um ritmo viciante de se olhar.
Ela saiu do táxi, afundando suas botas na neve branquinha e o motorista logo foi tirando sua bagagem do porta-malas. Agradecendo ao homem, Bella pagou pela viagem e encarou a porta mais uma vez. Olhou para si mesma, agora com uma blusa e casaco limpos, somados a um cachecol e luvas. Respirou fundo mais uma vez e esperava que desse tudo certo dali em diante. Ela queria que desse certo.
Bateu à porta.
Vozes agitadas puderam ser ouvidas do lado de dentro e logo uma movimentação, cadeiras sendo arrastadas e passos apressados.
Isabella sentiu um frio no estômago e não foi pelo clima ou pela neve sob seus pés.
- Bella! - A porta abriu-se e duas figuras simpáticas apresentaram-se de braços abertos - Vamos, entre! - Falou a senhora Chan Jiang-Li, seguida do senhor Chan Kong-Yin, que tinha um largo sorriso e pequenos olhos felizes.
Logo atrás, Isabella pôde ver seus pais e seu coração acalmou-se um pouco do nervoso que sentia. Ela entrou sem demora e Kong-Yin fechou a porta atrás de si. Ele era alto, mas alguns centímetros mais baixo que o amigo Adam, pai da Isabella. Tinha os cabelos negros, grossos e longos, na altura dos ombros, com algumas poucas camadas, que estavam presas para trás em uma pequena trouxa despojada. Seus traços asiáticos eram bem definidos, com as maçãs do rosto levemente mais altas, um sorriso largo e carismático e sobrancelhas expressivas. Era um homem de meia-idade bonito e apresentável.
- Você deve estar com frio! - Uma voz vinda de algum cômodo da espaçosa casa, aproximava-se - Fiz este chocolate quente para-- - Mas, ficando frente-a-frente com Isabella, o dono da voz interrompeu-se, deixando que seu queixo caísse, vendo na garota um reflexo fiel de si. Ambos estavam estarrecidos com tamanha surpresa do destino.
Isabella e Hong-Sang encaravam-se pela terceira vez naquele dia.
Todos pararam junto com os dois jovens sem compreender o que poderia estar acontecendo.
- Vocês se conhecem? - Adam inquiriu confuso.
- Mas, como? - Kong-Yin pensou alto, completando a fala do amigo.
- Esta é a garota de que falei, pai. - Hong-Sang falou ainda pasmo, lentamente. Nem ele, nem Isabella tiravam os olhos um do outro, incrédulos.
- Espera, você... - Bella começou reticente.
- É... Contei para eles da garota louca que me atropelou duas vezes e me deixou com fome o dia inteiro. - Ele sorriu sem jeito, passando a mão na nuca.
- Ai, que vergonha! - Ela exclamou, escondendo o rosto com as mãos.
- Querida, está tudo bem. Não precisa se sentir envergonhada. - Jiang-Li aproximou-se abraçando-a de lado - Na verdade, nos divertimos muito com a história toda. - Ela sorriu. Jiang-li tinha a estatura média, de rosto delicado e oval. Seus olhos eram meigos em traços puxados e levemente arrendondados, dando-lhe um ar jovial e curioso. O cabelo preto tinha o corte curto e uma franja cobrindo-lhe a testa. Mexas marrons iluminavam sutilmente aqueles fios espessos.
Isabella olhou para os pais que deram de ombros, rindo igualmente, sem saber o que dizer ou como ajudar a filha. Então, cheia de constrangimento, mas de cabeça erguida, a garota aproximou-se de Hong-Sang e, pegando a caneca de chocolate quente, tomou um gole. Entregou-lhe a caixinha transportadora com o Lui e entrou sem olhar para trás. O jovem aceitou a troca de forma automática e soltou um sorriso tímido, à medida que encarava os pais, o Adam e a Sarah.
- É... Eu acho que nós dois ainda não fomos apresentados devidamente. - Hong soltou as palavras na tentativa de relaxar e acalmar seu coração retumbante, fosse por mais aquele susto do dia ou por qualquer outra coisa que ele preferia não cogitar.
Aquela véspera de Natal estava passando rápido, uma vez que as visitas chegaram naquele mesmo dia, ainda tendo que desarrumar malas e descansar para aproveitarem melhor o dia seguinte com os amigos. Mas, para os dois jovens estava sendo tudo muito estranho, e tudo por causa do Lui com sua problemática caixinha transportadora. Caso contrário, Isabella teria chegado junto com os pais, tranquilamente, em um clima comumente natalino. Mas aquele Natal não estava sendo nada comum.
Então, depois de todo o alvoroço, como num piscar de olhos, Isabella via-se sentada na mesma mesa que o rapaz que fora sua vítima, dramaticamente falando, durante o dia inteiro. Estando, acima de tudo, na casa dele. Não tinha mais cara para olhar para o Hong-Sang e sempre que levantava a vista de seu prato na direção do mesmo, os olhares se cruzavam e ambos pareciam querer falar algo, mas nada saía, ao contrário dos seus pais, ao redor da mesa, que conversavam alegres e à vontade, sendo algumas das vezes, ambos os filhos o assunto principal.
- Mas, filho, quando o Lui fugiu da caixa, você ajudou a Bella, não ajudou? - Jiang-Li inquiriu com os olhos sorridentes em meio ao assunto, mas parecia algum tipo de repreensão caso a resposta do filho fosse negativa.
Hong engasgou lembrando-se que por pouco não desistira de ajudar Isabella. Mas sorriu logo depois quando lembrou-se da mesma correndo junto com o segurança do aeroporto.
- Eu peguei as caixas que estavam largadas no chão, molhadas com o meu refrigerante e apreciei um pouco da cena da Isabella correndo atrás do Lui junto com aquele segurança mal encarado.
Isabella revirou os olhos, mas não evitou em sorrir quando também relembrou.
- Você poderia ter ido assim que o chamei ao invés de ter ficado para trás admirando minha destreza sobre o que não fazer para se resgatar um cão. - Bella entrou na brincadeira tentando esquecer o dia que começara ruim e pelo jeito estava dando certo. Tudo ia bem, agora que podia realmente sentir o Natal.
Todos sorriram e Sarah esfregou as costas da filha, ao seu lado na mesa, entendendo que ela tivera um dia difícil.
Lui latiu em algum canto da casa e parecia finalmente feliz por estar livre, correndo de um lado para outro, traquinas. Mas, de repente, o pequeno peludo pulou no colo de Hong, com algo entre os dentes, assustando-o. Hong evitou tocá-lo, arregalando os olhos e arrastando a cadeira para longe da mesa, ainda sentado na mesma.
- Ai, céus, Lui, desce! Isabella, pega ele! - Hong tinha as feições aflitas, quase chorosas e seus pais levantaram-se sem saber como intervir.
Foi a vez da garota sorrir.
- Calma, - Bella falou para o rapaz levantando-se e indo para próximo do mesmo, enquanto Lui só queria brincar e, apoiado em duas patas, encarava Hong com os olhinhos brilhosos - Vem cá, garoto. Parece que sua fofura não é suficiente para algumas pessoas por aqui, não é mesmo?! - Ela distraiu-se segurando seu pet nos braços e Hong pôde respirar aliviado - Olha só... Tem o meu nome nesse pacotinho! - Isabella pegou o pequeno embrulho que Lui carregava consigo e Hong sentiu-se corar.
- Ele tem medo de coisinhas tão alegres e pequenas como o Lui. - Kong-Yin entregou o filho de forma simplista, segurando o cãozinho nos braços, distraindo-se no mesmo instante.
- Por isso não temos animais de estimação, mas amamos esses peludinhos. - Jiang-Li completou e passou a acariciar o Lui que aquietou-se com o toque da mulher, que sorriu.
- Na verdade, compramos presentes para vocês, assim que meus pais os convidaram e este... é o meu para você. - Hong-Sang levantou-se da mesa recolhendo os pratos.
- Oh, não precisavam se preocupar com isto! - Sarah exclamou - Também trouxemos presentes para vocês. - Ela simulou um falso sussurro para os Chan, que sorriram ainda com o Lui entre os braços.
- Parece que o Lui resolveu mesmo interferir no nosso dia hoje, - Hong deu uma pausa - Bella.
A garota o olhou sentindo que aquele ato de ele chamá-la pelo apelido era mais uma novidade naquele dia louco.
Chan Hong-Sang era a cara do pai: os traços definidos, sobrancelhas expressivas e cabelos cumpridos, com poucas camadas, e uma franja partida ao meio que moldava seu rosto jovem. Mas Hong tinha o sorriso cálido da mãe, assim como o olhar naturalmente meigo. Exceto quando estava com raiva e disso Bella sabia bem. Chegavam a ser intimidadores em conjunto com as sobrancelhas espessas. Ele era um pouco mais alto que Isabella e tinham a mesma idade pela diferença de poucos meses.
- Posso abrir, Hong?... - Bella inquiriu reticente.
- Claro! - Ele exclamou, mas sua expressão era fechada. Logo ele pegou os pratos e seguiu rápido para a cozinha.
Adam e Sarah se entreolharam imaginando se ele era apenas muito tímido, se ainda estava ressentido pelo dia atrapalhado por culpa da filha deles ou se aquilo era o sinal de que alguém ali estava se apaixonando.
Para os Müller, não era fácil de decifrar.
Em contrapartida, os Chan conheciam bem seu filho e sabiam que além de tímido, aquilo era um claro sinal de que ele estaria, provavelmente, gostando daquela garota atrapalhada. Hong não era do que tipo que se apaixonava fácil, mas sabiam que isto acontecendo, seria algo especial. Talvez estivessem errados e precipitados quanto à isso, mas...
- Querida, lembra quando nos vimos pela primeira vez? - Kong-Yin sussurrou para a esposa.
- Eu nunca vou me esquecer daquele dia. - Ela respondeu entre risos - E nosso Hong está parecendo você...
- O Hong é um garoto tímido. Não liguem para isso, logo, logo estará mais à vontade com todos vocês. - Kong-Yin comentou percebendo os amigos se entreolharem e terminou a frase olhando para Isabella que sorriu mínimo para, em seguida, abrir o embrulho encontrando um lindo colar com seu nome e uma pequena pedra branca acima da letra I.
- Como é lindo! Olhem só. - Bella admirava o presente enquanto mostrava-o para os pais.
- Sabíamos que gostaria, Bella! Ele escolheu antes de viajar para o Brasil. Tem para vocês também, hein, de cada um de nós. - Jiang-Li falou.
- Vou agradecê-lo e preciso me desculpar novamente por hoje. - Isabella levantou-se satisfeita, indo na direção que Hong entrara.
Os Chan sorriram entre si e encostaram suas cabeças vendo-se naquele jovem casal e iniciaram em seguida uma nova conversa com os amigos, Sarah e Adam. Estavam ansiosos para mostrar os demais cômodos e acomodar à todos para que se sentissem em casa.
- Hong. - Bella adentrou a cozinha a passos lentos.
- Oi. - Ele respondeu simplista, lavando os pratos da ceia de Natal.
- Eu amei seu presente. - Ela iniciou parando ao lado dele, de frente para a pia dupla.
Ele olhou-a e sorriu com o olhar sincero, voltando-se para os pratos em seguida.
- Fico feliz que tenha gostado. Iríamos abrir os presentes logo depois da ceia...
- Oh, tudo bem! O Lui sempre foi apressado. - Bella brincou.
- Parece que ele não é o único... - Hong provocou respingando água em Isabella propositalmente.
- Hey! - Exclamou - Tudo bem, aceito isto - referiu-se aos respingos em seu rosto - Me desculpa novamente, Hong. Sei o quanto pode ser ruim quando as coisas fogem do nosso plano e acabei te envolvendo no meu dia caótico e completamente inesperado. Eu tinha tudo sob controle e no segundo seguinte...
- Não deveria se preocupar com coisas que não teve a intenção. Por isto fui me desculpar com você. - Hong falava baixo esfregando os pratos e Isabella, enquanto o ouvia, começou a enxaguar as louças - Você se atrapalhou, o que foi engraçado em você, mas não foi por querer. Você não optaria correr se não precisasse ou esbarrar em alguém chamando a atenção de curiosos a ponto de ser filmada e apontada.
Isabella tentava entender onde ele iria chegar. Hong continuou:
- Já eu, senti raiva sim e pensei em não ajudar você. Mas poderia optar por não me importar tanto e apenas ter sido gentil com alguém que precisava de ajuda e de um pouco de calma. Eu tive opção sobre o que me foi apresentado.
- Nossa. - Foi a única coisa que Isabella conseguiu expressar, tamanha era a sua surpresa com aquele pensamento alheio e atitude.
- Então, me desculpa. - Hong falou olhando para Isabella, que apenas o encarava de volta. Então ele desviou o olhar, recolhendo os pratos enxaguados.
- Eu não esperava por esta. Eu ainda me sinto culpada, sabe. - Bella entortou a boca e Hong sorriu ao ver o gesto.
- Esquece isso, Bella. Talvez as coisas devessem ser como foram, não acha? - Ele a olhou novamente, esperando alguma reação.
Isabella suavizou a expressão e o olhou de volta com um sorriso. Neste momento, Lui entrou na cozinha correndo e pulou nas pernas de sua tutora, em seguida contou-a e pulou em Hong, animadamente.
- Está vendo? Acho que o Lui concorda comigo. - Hong sugeriu tranquilo e seus olhos sorriram apertando-se numa linha suave à medida que sua boca apontava para um pequeno sinal em sua bochecha.
Ambos saíram da cozinha, mas o clima agora parecia confortável entre os dois jovens e Hong caminhou até uma larga porta de vidro, entrando num terraço na lateral da casa, onde estavam seus pais e os de Isabella.
O lugar era agradável e também tinham portas de vidro que davam para outra extensão do jardim. Esta saída, por sua vez, estava fechada, tamanho o frio daquela noite. O ambiente estava bem iluminado e enfeitado, assim como toda a casa. Os quatro mais velhos estavam sentados, em uma das pontas do ambiente, em um mimoso conjunto de cadeiras brancas, com espaldares ondulados em ornamentos neoclássicos. Havia uma mesa de vidro ao centro, ao alcance dos quatro e nela estavam dispostas taças de champanhe, algumas frutas e um bolo.
Bella e Hong foram até os pais servindo-se de champanhe.
- Eu não aguentei e quis que sua mãe me entregasse o seu presente para mim, Hong. - Sarah falou assim que ele se aproximou - Muito obrigada, meu querido. - Ela, afetuosamente, esticou a mão levando ao rosto do rapaz, que sorriu - É um lindo conjunto e você escolheu minha fragrância favorita!
Ele e a mãe, Jiang-Li, se entreolharam cúmplices.
- Use bastante, senhora Sarah. Comprei até o mesmo conjunto para mim. - Hong piscou um olho, divertido.
- Ah, verdade! Esse garoto não pode ver umas loções e perfumes. - Kong-Yin comentou e seu tom era de orgulho.
- Acho que ele teve a quem puxar, hein. - Adam bateu no amigo - Você pegava todos os meus perfumes quando estávamos na faculdade.
- Acho que o assunto era o presente de Sarah... - Kong-Yin tentou fugir e todos riram.
- Hong, - Isabella começou curiosa - o que você estava fazendo no Brasil?
- Ah, sim! Pensei que não havia se perguntado sobre isso. - Hong comentou mais para si do que para a própria Isabella, que fez um muxoxo. Hong-Sang sorriu. Ele gostava de ver as caretas daquela garota atrapalhada - Eu precisava resolver algumas documentações pendentes. Coisas de estudo... - Ele gostaria de falar mais, conversar, perguntar do que ela mais gostava de fazer ou por que estava tão apressada no aeroporto; queria saber qual seu prato favorito e se gostava dos Bettles e músicas antigas; queria saber o que estudava e quais eram seus apelidos engraçados da infância; Chan Hong-Sang queria conhecer Isabella. Mas ao mesmo tempo, só queria estar perto dela, naquele seu silêncio tímido, olhando a neve que caía lá fora enquanto ouviam os risos dos mais velhos que se divertiam relembrando os tempos passados.
Eles caminharam para a outra ponta do terraço deixando seus pais à vontade em suas conversas anteriores.
Assim que pararam observando o belo tapete de neve que se formava no jardim, Bella estendeu a mão repentinamente para Hong, como se pudesse ler os pensamentos do rapaz, e isto o sobressaltou.
- Meu nome é Isabella Bianchi Müller e amo torta de maracujá nos verões do Brasil, mas, no inverno, prefiro chocolate quente com um toque de café. Muito prazer. - Ela abriu um sorriso satisfeito e pensava que aquele era, com certeza um Natal nada comum e o mais inesperado de toda sua vida.
Hong retribuiu com sorriso largo que herdara da sua mãe e seus olhos sorriram em conjunto, com um brilho como o das luzes que piscavam naquele Natal.
- Sou Chan Hong-Sang e também amo chocolate quente com um toque de café.
Os dois apertaram suas mãos pela segunda vez naquele mesmo dia. Antes, apenas desconhecidos em meio um caminho caótico e inesperado, agora, conhecidos, hóspede e anfitrião, que dividiam daquele mesmo clima natalino, cheio de surpresas e daquela vontade do vai dar tudo certo, nem que seja no último minuto, sim, vai dar certo; aquela vontade que não depende apenas da magia do Natal, que cai sobre todos como um recomeço de sentimentos, mas também e, principalmente, de nós mesmos.
E, pela segunda vez naquele mesmo dia, Chan Hong-Sang e Isabella Müller sentiram seus corações palpitarem de um jeito diferente e suas almas pareciam se arrepiar reconhecendo uma à outra com aquele simples contato.
Um Natal nada comum.
- Hong, - Bella começou sentindo seu rosto arder - posso fazer uma coisa?
O rapaz meneou a cabeça positivamente enquanto mantinha suas mãos entrelaçadas às da garota e ele parecia sentir o que viria pela frente.
Isabella avançou, aproximando-se e tocou os lábios do Hong com os seus, suavemente, paciente, com cuidado. Ele inflou o peito em uma distinta sensação de conforto e realização por algo que ele não imaginava, tampouco planejara, e retribuiu o beijo com igual cuidado, tomado por um carinho que florescia depressa.
Se separaram um tanto desnorteados e sorrisos tímidos brotaram, quando lembraram que seus pais estavam a alguns poucos metros de distância e como num solavanco foram tirados de suas realidades olhando para a direção dos mesmos, que no mesmo segundo desviaram os olhares e fecharam as bocas, tamanha era a surpresa do que testemunharam.
- Eu não posso ver isso de novo. - Adam falou para a esposa e o casal de amigos - Minha menininha... Kong-Yin, se eu ver minha garota pelos cantos por causa do Hong, você vai se ver comigo, hein.
As mulheres sorriram abertamente enquanto os jovens fingiam não estarem ali, tamanha a vergonha que sentiam.
- Se ver comigo?! Está ouvindo isto, filho? - Kong-Yin falou mais alto obrigando o rapaz a encarar à todos, completamente rubro - Acho bom não magoar a Bellinha!
- Esse é o meu amigo! - Adam sorriu alto batendo sua mão com a de Kong-Yin.
- Assim vão assustar o menino! - Sarah comentou levantando-se preguiçosamente.
- Eu sabia que isto aconteceria. Vi como ele olhava para Bella. - Jiang-Li sussurrou para o marido.
- Eu também sabia, querida. - Kong-Yin sussurrou de volta - Pude ver nós dois novamente, naquele ano que nos conhecemos. - O homem entrelaçou sua mão à da esposa e todos saíram do terraço entrando para perto da lareira, antes de se recolherem.
Assim que saíram, Isabella comentou:
- Em alguns dias, estarei indo embora. E, bom, isto não é inesperado.
- Tem razão... Mas, lembra quando falei sobre documentos que precisei resolver no Brasil? - Isabella concordou - Voltarei a estudar no Brasil no início do próximo ano e aposto que isto foi inesperado.
Ambos sorriram e trocaram um abraço quentinho. Daquele do tipo ficarei aqui.
Lui chegou sorrateiro, choramingando e arranhando sua patinha nas pernas da sua tutora. Logo depois bocejou demoradamente. Isabella o pegou no colo e pôde ver em seu relógio de pulso que em breve os ponteiros se uniriam marcando as 00hs.
- Está vendo, Lui? Você começou bagunçando todo o meu programa de uma viajem tranquila e olha só tudo o que me aconteceu. - Ela sorriu divertida acarinhando seu pet manhoso e Hong aproximou lentamente sua mão do pequeno peludo, tocando seus pelos de forma apreensiva, o que o fez aninhar-se mais nos braços de Isabella, que sorriu com o coração feliz, enquanto o coração de Hong-Sang sorria com as batidas agitas cheias de uma estranha euforia.
- Meia-noite, Bella. - Hong observou o relógio da garota e estendeu sua taça de champanhe - É Natal!
- Um Natal nada comum! - Ambos brindaram cheios de esperança e sorriram ao relembrarem daquela véspera tão inesperada e atrapalhada.
O tilintar das taças despertou o cãozinho que pulou para o chão fazendo Bella distrair-se olhando o animalzinho seguir lentamente para algum outro lugar, então, Hong avançou roubando de Isabella um selo rápido, com um olhar vivaz estampado em seu rosto bonito.
- Sim, um Natal nada comum. - Ele sussurrou em concordância envolvendo-a pela cintura e Isabella beijou-o novamente, entre risos.
FIM.
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