Capítulo 3
Carlos
Eu, definitivamente, estava reconsiderando voltar para Portugal ou procurar um hotel. Morar na casa da cabelo de fogo estava me enlouquecendo. Para ser sincero, as crianças dela estavam me enlouquecendo.
-TIO CALOS TIO CALOS. -grita o pequeno garotinho de cabelos ruivos e olhos castanhos igual a mãe, trazendo consigo a sua coleção de carrinhos. -VAMOS BINCAR.
-Sai do meu pé Noé.
-É NOAH CARLOS, NOAH. -grita Alyssa, pela milésima vez no dia querendo me corrigir.
Já fazem 15 dias que eu estou dizendo a ela que ela deveria manter as suas raízes brasileiras e ter colocado o nome brasileiro no menino, mas não, ela tinha que americanizar o nome. No fundo, realmente Noah era mais bonito, mas eu me divertia em deixar ela arrancando os cabelos toda vez que eu pronunciava errado.
-Tanto faz. Eu não vou brincar com você moleque. -digo e volto a olhar para a revista de moda que tinha chegado de duas estilistas amigas nossas, Anelise e Letícia.
Eu possuía grande consideração pelas duas, mas era óbvio que eu não estava de olho nas roupas que elas desenhavam, e sim nas modelos da revista. Deus abençoe todas essas curvas...
-Mamãe, porque o tio calos não quer bincar comigo? -ouço a voz do moleque no fundo. Mas que garoto dramático!
-Não liga pa esse idiota Noah. -antes que eu levante a cabeça para olhar em direção da voz do outro moleque, sinto o baque de um carrinho sendo lançado na minha barriga.
-AI. Alyssa você não deu educação para os seus filhos não? -digo e olho furioso em direção ao outro garoto que era a personificação do Harper. Ao ver que eu o encarava com raiva, os olhos pretos do menino brilham e ele começa a sorrir. Esse garoto me paga!
-Luke meu filho não jogue seus brinquedos no lixo.
-ALYSSA. -digo indignado e vejo ela cair na gargalhada, parando ao ouvir o som estrondoso da pequena bebê ruivinha no seu colo.
-Me poupe Carlos, são apenas crianças. -ela diz e começa a balançar a garotinha. -Pare de chorar, minha filha, se não sua mãe irá precisar de ouvidos novos.
-Porquê você não contrata uma babá pra cuidar dessas pestes? E onde está o mauricinho arquiteto para te ajudar todo dia nessa algazarra? -pergunto jogando a revista de lado.
-Eu não quero que meus filhos sejam criados por alguém que eu não conheço Carlos, e o Landon está trabalhando. A empresa aqui do Brasil está crescendo, mas faz com que meu marido todo dia apareça com uma ruga a mais de preocupação na testa. Ainda assim, com tudo isso, ele que sempre acorda de madrugada e pega a Sofia quando ela chora.
-Essa vida realmente não é para mim. -bufo e me jogo no sofá, observando o olhar desesperado da ruiva ao olhar para os meus sapatos em seu móvel caro.
-Você que podia muito bem me ajudar, já que está morando de favor aqui em casa. Toma, segura a Sof. -ela diz e coloca a bebê em cima de mim antes que eu pudesse levantar e correr.
-AH NÃO, MAS NÃO VOU MESMO. -digo e levanto, segurando a criança da forma mais desajeitava que eu conseguia afastando seu corpo gordinho ao máximo de distância que eu conseguia e estendendo na direção de Alyssa. A menina volta a chorar.
-Você é um inútil mesmo, Carlos. -ela diz e revira os olhos, soltando a respiração e pegando a garotinha no colo novamente. Escutamos um barulho vindo da cozinha, e em segundos vemos uma mulher aparecer com um enorme sorriso no rosto e avental.
-Deixa eu que eu olho ela para você enquanto descansa, menina. -diz Maria, uma mulher de aparentemente mais de 40 anos de idade me trazendo a frustração ainda presente de Alyssa não ter realmente nenhuma empresa gostosa trabalhando nessa casa.
-Muito obrigada Maria, eu não sei o que faria sem você. Agradeço a mãe de Landon até hoje por ter deixado você vir para o Brasil trabalhar aqui em casa. -diz a ruiva, entregando Sofia e soltando uma respiração cansada. É, realmente a minha amiga parecia precisar de um bom tempo de descanso.
-Não tem de quê, sabe que eu amo trabalhar aqui. -ela diz e começa a grunhir e fazer vozes fofas para a bebê, que agora sorria e batia palmas na maior animação, como se não estivesse berrando como um animal a segundos atrás. -Dona Alyssa, você não tinha a exposição para ir hoje à noite?
-Ah meu Deus! Eu havia esquecido completamente. Obrigada por me lembrar Maria, vou ligar agora para lembrar o Landon. Carlos, você quer ir também?
-O quê que tem eu? -pergunto perdido no assunto.
-Vamos a uma exposição hoje à noite, quer ir?
-Vai ter mulheres bonitas? -pergunto e vejo os olhos de Alyssa franzirem em minha direção. Levanto as mãos em rendição antes que ela me mate com a força do olhar achando que é o Scoot de X-men. -Ok estressadinha, eu vou, faço qualquer coisa para sair um pouco dessa casa. Posso levar o Alex?
-Quem é Alex? -ela pergunta e eu coço a nuca, pensando em como eu ainda estava conseguindo esconder que estava com um emprego fixo por aqui.
-Um amigo que fiz no aeroporto. -minto fazendo a minha melhor expressão convincente.
-Ah tá...pode. -ela diz com uma face desconfiada, e começa a fazer o caminho em direção a escada.
-Ei ei ei, você vai mesmo subir e me deixar aqui junto com essas pequenas criaturas do mal? -digo e olho para a face dos dois garotos.
Noé estava com os olhos brilhando, como se estivesse planejando me obrigar a brincar com ele, e o pequeno projeto de Harper sorria malignamente, provavelmente tramando me matar.
-Se vire, meu amigo. Boa sorte. -ela diz e sobe as escadas com um sorriso maior de satisfação.
Olho em completo desespero para os dois garotos, e começo a suar frio. Deus me ouça nesse exato momento, eu nunca terei filhos!
[...]
Já havia me arrependido de ter aceitado vir a essa galeria com a cabelo de fogo, o mauricinho arquiteto e as pequenas pestes que eles chamavam de filhos.
Desde que chegamos, a garotinha ruiva não parava de chorar, os dois moleques não paravam de correr pela galeria e as pessoas não paravam de olhar em nossa direção.
Olho impaciente no celular pela décima vez. Onde estava o inútil do Alexandre para me tirar dessa e me levar naquela tal boate?
-Carlos, eu acho que eu e o Landon já vamos. A Sof parece estar com cólica, melhor eu levar ela para casa. -diz Alyssa, com um semblante cansado e preocupado. Ser mãe de três crianças realmente deveria estar sendo um desafio para ela.
-Tudo bem, podem ir. Eu vou ficar mais um pouco para esperar aquele meu amigo de que falei e depois eu vou. Pode me dar uma das chaves?
-Toma. -diz Landon, me estendendo uma cópia com o mesmo semblante preocupado. Ele pega a garotinha do colo de Alyssa e a abraça com carinho, tentando fazer com que ela parasse de chorar. -Você já se despediu dela amor? -ele se vira para Alyssa.
-Já sim, ela disse que entende e agradeceu por termos vindo. Depois eu ligo para ela. -a ruiva diz, olhando para o marido e segurando as mãos dos dois meninos para ir embora. -Tchau Carlos, tenha juízo.
-Sempre tenho, cabelo de fogo. -digo e pisca pra ela, que sai me encarando com os olhos semicerrados e me dando um tapa na cabeça.
Ignoro meus pensamentos sobre quem seria o "ela" da conversa dos dois e volto a andar.
Bom, se eu soubesse que teria que andar por tanto tempo assim, eu já teria ido embora.
Se passaram vinte minutos desde que a família do comercial de margarina fora embora e eu estava aqui esperando o meu amigo irresponsável.
Desde o primeiro dia de trabalho, Alexandre tem sido, segundo ele, o meu guia turístico para conhecer as melhores e mais bonitas mulheres que São Paulo tinha para oferecer.
Confesso que estava sendo uma temporada proveitosa, apesar de alguns encontros com algumas mulheres que ele me arranjava terem sido um completo desastre. Tento afastar meus pensamentos da última loira que saí que tinha os olhos separados e bafo de jacaré, e volto a andar estressado pela exposição.
Eu andava a passos largos pela galeria, completamente impaciente. Quem aguentava permanecer em um lugar tão chato e entediante como este?
Os quadros não pareciam fazer sentido algum em minha mente, e eu imaginava que o tal artista estivesse completamente bêbado ao pintá-los. Borrões e mais borrões. Tudo continuava torturantemente maçante ao longo de todo esse tempo, até que eu a vi.
Naquele instante, todo o ar daquele ambiente parecia ter ganhado vida. A minha garganta ficou seca e eu precisei afrouxar um botão da minha camisa para que eu não fosse completamente sufocado.
Aquela sim era, sem dúvidas, a pintura mais bela que eu já tinha visto.
A mulher andava a passos leves e elegantes com uma confiança incrivelmente instigante, como se não estivesse equilibrando todo aquele corpo em um salto daquele tamanho.
Ela usava um vestido preto que conseguia marcar as suas curvas, mas que apenas deixavam espaço para a minha fértil imaginação, já que não havia brecha alguma de decote ou espaço para mais nada em minha visão que não fosse o final das suas pernas.
Seu cabelo em um castanho tão escuro que chegava a parecer preto fora da luz, balançava em ondas contra as suas costas, parando em sua cintura. Imaginei como seria passar as minhas mãos por aqueles fios, e comprovar se eram tão macios quanto aparentavam ser.
Sua pele alva construía um gigante contraste com o tom de seu cabelo e a cor do vestido, e eu quis, naquele segundo, tocá-la desesperadamente. Então, quando eu pensei que a minha admiração por aquela mulher não tivesse como aumentar, ela sorri.
Eu tenho certeza que, naquele momento, quando ela sorriu, o ar do meu peito desapareceu. Que espécie de atração absurda era essa que eu estava sentindo por uma completa desconhecida?
Eu era homem, claro, era mais que acostumado a me encantar pelos dotes femininos, mas aquela mulher? Ah, eu tenho certeza que ela me levaria a completa loucura.
Meu instinto masculino me atiça, e cada parte do meu corpo se movimenta para querer me aproximar dela. Espero o momento ideal para que o grupo de pessoas que conversavam com ela se afastasse, e ajo no exato momento em que ela para na frente de um dos quadros, contemplando-o com um olhar enigmático.
Ela deve estar tão confusa quanto fiquei ao olhar essas porcarias, ao final de contas.
-Não fazem sentido algum, não é mesmo? -digo ao parar ao seu lado, lançando o meu melhor sorriso sedutor. Ela me olha e se contrai, me olhando de forma curiosa.
-Você acha? -ela pergunta, simples e direta. Sua voz se deleita em meu ouvido, me confirmando mais uma vez, que aquela voz tão doce se encaixava perfeitamente com ela.
-Tenho certeza. Posso não ser o melhor amante das artes, mas este com certeza é um dos quadros mais feios que já vi em toda a minha vida. Parece que alguém resolveu desenhar um redemoinho e jogar todas as cores possíveis nele. -digo ainda sorrindo e confirmo que minha opinião a agradou, porque ela sorri de volta espontaneamente mordendo o lábio inferior no processo.
Seria essa uma mania dela, ou apenas uma forma que descobriu para me atiçar de volta? Se for a segunda opção funcionou, porque meu olhar não parou de encarar aqueles lábios com cor de amora. Como eu estava tão encantado com uma mulher dessa forma?
-Interessante perspectiva. -ela diz apenas.
Estava sendo curta com as palavras, o que me deixava cada segundo mais impaciente, porque eu com certeza, gostaria de passar horas ouvindo o som da sua voz. Observo os detalhes do seu rosto e divago na ideia de que os seus traços delicados e tímidos poderiam facilmente fazê-la parecer um anjo.
-Não mais interessante que você. -resolvo ser direto também.
Eu geralmente não precisava permanecer muito tempo em um jogo de sedução, e esperava que meu charme estivesse continuando fazendo o seu trabalho sozinho para convencê-la a levar ela embora daqui.
Por incrível que pareça, neste minuto, eu desejava com todas as forças que ela não fosse tão difícil. Dane-se a droga da minha teoria.
-Essa sua pose autoconfiante costuma dar certo para você levar as mulheres para a cama? -ela diz com o mesmo sorriso que antes eu achava ser atraente, e agora, exalava ironia.
Isso era um início de um fora, ou apenas uma indagação para me provocar?
-Se está tão interessada em conhecer a minha vida íntima, podemos pular todas essas formalidades. -digo me aproximando e vejo sua pose se quebrar um pouco enquanto ela dá um passo para trás.
Cheque mate, suas bochechas ficaram vermelhas. Sorrio com a minha ideia falha de vitória, e sinto meu rosto queimar com o tapa forte que ganhei. Naquele instante, todo o interesse que me mantinha ativo se desfez como pó.
-Você não passa de mais um homem egocêntrico e sem cultura nesse mundo. Faça o favor de nunca mais aparecer na minha frente, idiota. -ela diz e sai, com uma autoconfiança esmagadora.
Uma risada alta atrás de mim me faz bufar de raiva, atiçando ainda mais a minha drástica mudança de humor.
-Cara, cheguei na hora certa, ela te deu um tapa na cara no meio de todo mundo. Isso, definitivamente, foi a cena mais hilária que eu já presenciei em toda a minha vida. Eu preciso dar um prêmio pra essa mulher depois. -diz Alex, ousando apoiar seu braço em mim enquanto se deleitava em sua própria gargalhada.
-Cale a boca ou eu esqueço de que sou seu amigo. Isso são horas de chegar, imbecil? -esmago seus dedos e ouço ele grunhir, retirando rapidamente as mãos de mim.
-Ai! Ei, calma aí cara, eu estava brincando. Desculpa pela demora, sabe como é o trânsito de São Paulo. Por acaso o príncipe das mulheres está com o ego ferido por ter passado vergonha ao vivo?
-Como ela ousou me dar um tapa na cara? Já é o segundo que ganho desde que vim para essa droga de país. -digo e respiro fundo, inflando meus pulmões.
Toda a atração que eu tinha por ela se transformou em ódio. Sua beleza doce e angelical eram apenas um disfarce, e quem bancou o idiota fui eu.
-Ela além de pintar muito bem é corajosa, pelo visto. Talvez você tenha dito algo muito ofensivo pra ela ter agido dessa forma. -ele diz e observamos as luzes se direcionarem para a direção central da galeria.
As pessoas começam a murmurar e uma voz masculina no microfone anuncia a fala do artista e criador das obras da exposição. Ignoro a cena toda e me viro para Alexandre.
-Como assim além de pintar? Quem é aque...
-Boa noite a todos! Estou extremamente grata pela minha estreia ter sido tão bem aceita pela maioria de vocês. É uma honra para mim ter meu trabalho tão bem reconhecido, e por isso, é com grande prazer que inauguro a minha primeira exposição de artes. -todos aplaudem. -Agradeço em primeiro lugar a Deus por ter me dado a capacidade necessária para me expressar através da arte, e em segundo lugar aos meus amigos, que me deram essa oportunidade e cederam essa galeria para mim. Obrigada a todos pela presença, sejam muito bem vindos, um abraço da artista de vocês, Amora.
Eu não podia acreditar. Era ela, ali no palco, me fuzilando com o olhar enquanto falava.
Olho atordoado para o quadro estranho de redemoinho e fixo meus olhos na letra pequena de assinatura do artista. Agora, descubro que era a artista. Amora Dias. Droga.
Este sim, foi o maior vacilo que eu já cometi em toda a minha vida.
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