4 | 8*
No dia seguinte, desperto cedo. Terça-feira. Sete dias para o dia do casamento. Recebi ontem à noite, por e-mail, a tal agenda da semana com todos os compromissos que o Coringa e eu, como noivos, devemos fazer. Se eu achava que essas últimas três semanas tinham sido difíceis, foi porque não imaginava que a quarta semana seria pior.
Não sei o que é mais difícil: ter de fingir que estou muito apaixonada pelo Coringa na frente das pessoas ou fingir para o Coringa que isso não é verdade.
Começo a pensar quantas pessoas vou encarar hoje e durante todos os próximos dias. Cada vez mais está sendo "fácil" bancar o papel de noiva, não porque a pressão diminui, mas porque sinto meus sentimentos aflorando e isso conta na hora de bancar a apaixonada. Inevitavelmente isso está acontecendo, estou me apegando a alguém que não é meu. Tento colocar na cabeça que é tudo uma farsa, um contrato que vai acabar daqui um mês. Quando tudo acabar, cada um vai seguir seu caminho e eu serei a única que sairei machucada. O Coringa nitidamente não gosta de mim, ele disse isso com a própria boca.
– Enfim, faça o que tem que fazer e tudo vai ficar bem. – Falo sozinha, olhando o espelho.
Minha pele está cansada, meus cabelos estão amassados, afinal, acabei de acordar. De repente, começo a me importar com minha aparência. Será que quando me olha, ele me vê bonita? Será que desperto algum interesse nele? Suspiro.
Pego meu celular e confiro mais uma vez a agenda de casamento preparada por Bernard. Felizmente, ou talvez não, hoje só temos o primeiro ensaio de valsa. Será aqui em casa mesmo, o professor de dança foi contratado por Coringa para nos dar aulas particulares. Será que ele tem medo de dançar na frente dos outros porque é um mau dançarino? Sorrio com essa possibilidade.
Tomo coragem e me arrumo para mais um dia. A aula de valsa é só às 15h da tarde, mas passei a noite inquieta e, por isso, levanto foi cedo, não sou mais capaz de ficar na cama. Sigo minha rotina matinal de todos os dias aqui na Mansão Paviole, como GS sempre por perto mantendo o disfarce de segurança, e mato o tempo na sala de estar com livros até o almoço chegar. Às vezes, quero procurar Coringa para saber o que ele está fazendo, mas se eu o encontrar o que vou fazer depois disso? Que explicações vou dar a ele? Não posso simplesmente dizer "Eu só queria te ver".
Contento-me em ler livros quaisquer, a maioria em italiano, numa falsa ideia de que só estou fazendo isso para aumentar meu vocabulário nessa língua. Porém dou a má sorte de escolher para ler justamente um romance de Shakespeare, escrito em italiano, em que uma das frases logo na primeira página é: "Você é a minha vida, amor". Como seria ouvir isso dos lábios do meu noivo?
[...]
– Você está muito quieta hoje. – Gilson diz, quando a hora do almoço chega.
Nós estamos nos dirigindo a sala de refeições, eu na frente e Gilson atrás. Desacelero os passos para que ele comece a caminhar ao meu lado. GS é tão pesado que ouço o pesar de seu andar. Também, ele não para nunca de aumentar esses músculos...
– Só estou pensando. – Respondo, meio evasiva.
– São os preparativos para o casamento?
– Mais ou menos, eu só...
Quase solto minha insatisfação com o contrato. Não posso falar isso para o GS porque seria como jogar um fardo sobre ele. Nós sabemos a razão de eu ter aceitado me casar de mentira com Coringa e o meu primo não se perdoaria por ver que eu estou sofrendo.
– Só minha cabeça que está doendo muito. Você que eu nunca paro de sentir dor de cabeça.
– Mas também, você não se hidrata, não dorme direito e passa o dia todo com a bunda no sofá jogando ou lendo! - Poderia ser uma bronca, mas GS está sorrindo.
Dou um soquinho no seu braço.
– Nada a ver. – Reviro os olhos, sorrindo também.
– A parte do sofá não é tanto assim. – GS diz – Pelo menos uma coisa boa a Itália te fez, agora você treina e largou a vida de sedentária.
– Pensei que ia desconsiderar meus esforços!
– Jamais! – Ele solta uma gargalhada – Se continuar assim, em breve vai me derrotar numa luta corpo a corpo.
Sua piada faz com que nós dois entremos na sala de refeições rindo alto. A família Paviole está aqui e nos olhamos como se fóssemos loucos. Ouvi falar que os gringos sempre acharam os brasileiros barulhentos, mas eu acho que são eles que são chatos de mais.
– Buongiorno. – Cumprimento.
Sento em uma das cadeiras da mesa e GS se acomoda atrás de mim, em pé. O almoço é servido e todos comem calados. Pela primeira vez no dia, desejo falar e sorrir. Eu não sabia que ia sentir tanta falta assim das refeições em família que tinha no Brasil. Será se realmente um dia minha vida volta ao normal?
[...]
Quando o horário da aula de dança se aproxima, corro para o meu quarto a fim de me arrumar antes que o professor chegue. Sou orientada por Bernard a fazer as aulas usando salto, pois na hora do casamento estarei usando um também, então, preciso me acostumar e todas essas besteiras. Por que não posso simplesmente me casar com meu tênis?
Procuro no closet um vestido entre os muitos que Coringa me comprou no dia em que cheguei a Itália, para combinar com o calçado. O único salto que tenho é o que ele me comprou pra o nosso jantar de boas-vindas, então vai ser esse mesmo. Por fim, escolho um vestido branco bem básico. Branco combina com tudo, certo?
Calço os saltos e desço as escadas, com cuidado para não tropeçar, até o andar de baixo da Mansão. Os funcionários da casa prepararam um salão de festas no subterrâneo da Mansão, coisa que eu não sabia. Lá o espaço é melhor para essas aulas, pelo que falaram. Rosy me contou que o patrão, no caso o Coringa, mandou instalaram espelhos também, de acordo com a orientação do professor.
Olho meu celular e são 14h50 ainda. Pelo menos não vou chegar atrasada. Mas, quando entro no salão, Coringa já está lá e o professor também. Faço um sorrisinho amarelo e caminho até o meu noivo. Sinto-me incomodada com o salto. Se não sei nem andar direito com ele, imagina dançar?
– Uai, já está entrando no clima de noiva com esse vestido branco? – Coringa diz, brincalhão – Tá tão desesperada assim pra casar comigo?
– Não enche, Coringa! – Falo zangada.
Mas ele só sorri e segura me cintura, me grudando ao seu corpo; Coringa gosta muito de fazer isso. De certa forma acho bom, porque é um apoio para eu não ficar com as pernas bambas devido o salto.
– Já que a nossa noivinha chegou, vamos começar a aula certo? – O professor de dança fala.
Por que todo mundo fica me chamando de "noivinha"? Odeio isso. Olho-o com uma cara mau humorada, mas ele nem percebe. O professor de dança contratado por Coringa – ou por Bernard, não sei – é alto e magro, mas com um corpo bem definido. Ele é bonito de um jeito diferente, o que o deixa bem atraente. O que mais gostei em seu estilo foi o chapéu, lembra-me vagamente ao Jonny Deep. Se apresenta como Paolo, o melhor professor de dança da Itália.
Logo após a sua apresentação, Paolo começa a nos dar instruções básicas sobre a dança e entra em uma conversa fiada de que a dança é uma forma sensual dos nossos corpos se desejarem e toda essa ladainha. Não presto muito atenção no que ele fala por causa do meu nervosismo, estou a ponto de surtar. Finalmente, chegamos na parte prática, o que significa que já estamos na metade da aula.
– Muito bem, agora fiquem de frente um para o outro. – O professor manda.
Coringa me solta e se posiciona na minha frente. O professor se aproxima de nós e começa a indicar onde as mãos de Coringa devem estar.
– Você irá colocar a mão esquerda na cintura dela e a sua mão direita irá segurar a mão esquerda dela.
Ele demostra para o Coringa, fazendo exatamente isso comigo e deixa que ele pratique.
– Agora, Babi, você irá apoiar sua mão livre no ombro de Victor.
Coloco minha mão onde o professor ordena e encaro o Coringa. Nunca estive tão próxima assim dele, olho no olho, respirações se misturando. Sinto meu coração disparar e querer arrebentar meu peito.
– Cuidado para não pisar no pé um do outro. Mantenham a sincronia de movimentos, conecte-se com o seu parceiro.
O professor continua a dar instruções e eu permaneço calada, envolta nos meus tantos pensamentos nervosos. Vejo o pomo-de-Adão do meu noivo subir e descer três vezes. Ele não parece estar nervoso, mas alguma coisa em seus olhos me diz que ele não consegue se concentrar em Paolo também.
– Agora, vou colocar a música e nesse primeiro momento vocês vão se deixar ser levados pela melodia da música. Não foquem tanto nos passos que eu passei para vocês.
Paolo se afasta para colocar a música. Posso ouvir, então, um som crescer aos poucos no meu ouvido, com uma melodia perfeita de piano e violino. Não costumo ouvir músicas nesse estilo, mas essa eu gosto. Surpreendentemente, estou sendo envolvida pela canção, como o professor de dança acabou de dizer.
– Você ficou bonita nesse vestido. – Coringa diz baixinho, como se estivesse me confidenciando um segredo.
– Obrigada, foi você que comprou para mim. – Eu digo, nervosa.
– Ah, então está explicado. – Ele diz e nós rimos juntos.
– Isso mesmo casal, comecem a se conectar. – Paolo diz – Eu vou dar um tempinho para vocês e volto daqui a pouco.
Sinto-me nervosa. Estarei sozinha aqui com o Coringa, nesse grande salão vazio e espelhado, ao som de uma música clássica. O que pode acontecer?
– Eu acho que nós deveríamos nos movimentar em uma dança certo? – Coringa diz um pouco mais alto que um sussurro, já que Paolo não está mais presente.
Só então percebo que eu estou petrificada no lugar, parada ainda na mesma posição que Paolo havia nos instruído. Deixo Coringa conduzir, assim, a dança. Ele começa com passos lentos, olhando para os meus pés, ainda desengonçados por não saber dançar e por estarem usando salto. Ele tem toda a paciência do mundo até que eu pegue o jeito. Não é uma valsa, propriamente dito, nós só estamos nos movimentando juntos. E isso é muito, muito bom.
Quando estamos mais embalados na dança, Coringa dirige seu olhar para mim de novo. Percebo que ele não quis ir à escola de dança não porque estava com medo de que as pessoas vissem que ele não sabia dançar, afinal ele é um ótimo dançarino. Na verdade, o meu noivo já imaginava que eu sou péssima nessas coisas e quis evitar um constrangimento.
– Você está nervosa, precisa relaxar mais. – Coringa diz, com uma voz arrastada.
– Uhum. – Concordo, ao respirar fundo, soltando um ar que eu não sabia que estava segurando.
– Relaxa, eu não mordo. Quer dizer, só se você pedir.
Coringa esbanja um sorriso safado, aquele pelo qual estou aprendendo a gostar. Sinto Coringa me puxar mais para perto dele e agora estamos com nossos corpos colados. A movimentação da dança diminui e parece que nós paramos no tempo.
– O que está fazendo? – Digo quase sussurrando.
Ele não responde, apenas beija a lateral do meu rosto suavemente, como se estivesse experimentando o gosto da minha pele. Então, ouço passos no salão e as vozes de Paolo e Bernard. Logo em seguida, meu noivo de mentira cochicha em meu ouvido:
– Sorria, mi amore, estamos sendo assistidos.
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Mais capítulos estão saindo do forno! Aguardem😏
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