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Eu sou... apenas uma peça em um jogo de disputa e poder.
Talvez eu tenha outro significado, uma filha, uma prima, uma amiga... Mas nesse momento sou apenas uma fantoche nas mãos do herdeiro da máfia italiana. Apenas uma menina que faz parte de uma mentira arquitetada para garantir que ele conquiste seu tão sonhado cargo de Dom.
Ele disse isso.
Ouvir, me deixou desconfortável. Eu mal comecei com esse contrato e já sinto o peso dele, na verdade, desde o primeiro momento eu já sentia, só não sabia que era um incômodo suporta-lo.
O maior fardo, talvez, seja saber que Coringa é um homem desconhecido. Eu não sei muita coisa além do seu nome e do que ele faz de verdade.
Suspiro.
Termino de me arrumar para a primeira aula de defesa pessoal que Coringa disse que me dará. Sinto um leve frio na barriga, não sei exatamente o que me espera, ele é tão imprevisível. Não só ele, mas tudo que envolve esse contrato é um grande salto no escuro.
Ajeito a calça legue que aperta demais as minhas coxas e aguardo-o vir me buscar.
Logo ouço as batidas.
– Está vestida? – Soa a voz de Coringa, abafada atrás da porta.
– Estou.
Coringa entra sem que eu permita. Ele trocou de blusa e colocou um short parecido com aqueles usado por ciclistas. Vê-lo assim, tão casual, provoca um choque visual em mim, pois foge totalmente dos padrões formais e sofisticados dos seus looks.
– Vamos? Temos muito o que treinar.
Após dizer isso, ele dá meia volta e sai do quarto. Sigo-o em silêncio até o elevador e as portas automáticas se abrem para nós quase que no mesmo instante, nem precisamos esperar muito, felizmente. Até o térreo, andar em que fica a academia, não conversamos nada. Não sei o que falar e ele parece não estar interessado tanto assim em mim, pois checa seu celular a cada minuto e vez ou outra digita algo com seus dedos ligeiros.
Uma voz mecanizada anuncia o andar térreo e saímos para fora. Coringa volta a caminhar e eu o sigo. Passamos por uma placa com indicações de alguns ambientes do hotel, talvez restaurante, bar, salão de festas, é difícil saber quando não se entende nada do idioma. Traduzo "academia" facilmente por ter muita semelhança com o português. No entanto, não seguimos para o caminho que a placa indica a academia, pelo contrário, continuamos a andar até sair para fora do saguão.
Usamos as portas giratórias e ganhamos a rua.
– Não vamos treinar na academia do hotel? – Pergunto, confusa.
Coringa para por um momento e me olha. Seus lábios sobem levemente em um sorriso.
– Vou te levar ao centro de treinamento da máfia Paviole, aqui em Milão.
– Sério que vocês têm isso? Pensei que os mafiosos já nasciam sabendo atirar. – Ironizo.
Um carro de luxo estaciona na calçada e um motorista fardado desce para abrir a porta. Coringa entra e me chama.
O carro percorre o centro de Milão, costurando suas ruas como uma agulha em tecido. Pegamos o que parece ser uma avenida principal e, quando percebo, estamos passando por campos quase se tornando uma floresta silvestre, mas com muitas flores no solo.
Pelo que parece, o centro de treinamento é um pouco afastado da cidade, o que tem um pouco de sentido. As atividades ali praticadas não devem ser permitidas pela lei, então, quanto menos olhares curiosos por perto, mais chances de manter o sigilo.
Ao chegarmos no centro de treinamento, porém, me surpreendo. É um armazém velho, de madeira avermelhada, com um trator na porta, fugindo totalmente do luxo que a máfia sempre esbanja.
– Que belo disfarce vocês arrumaram. – Comento, ainda dentro do carro em movimento, encarando o armazém pela janela – Não tem quem diga que isso é um local de treinamento de mafiosos.
Solto um risinho. Encaro Coringa, porém ele está sério e não ri da minha piada. "Poxa que garoto mal humorado. Ele nunca sorri?"
– Você esperava o que? – Ele pergunta.
– Uma academia de uma última geração super sofisticada.
– Isso chamaria muita atenção. Seria ilógico algo desse nível no meio do campo.
– Eu sei, por isso disse que o armazém é um ótimo disfarce.
O motorista estaciona e abre a porta para que possamos sair. Coringa segura minha mão assim que começamos a caminhar. Embora momentos em que precisamos agir como um casal já tenham aparecido, isso ainda é meio desconfortável para mim.
Caminhamos para o interior do armazém e acabo me surpreendendo. O que a estrutura por fora tem de velho e abandonado, por dentro há um pouco de sofisticação. A cor predominante do saguão de recepção é preta, indo desde o teto ao chão. Há detalhes em branco e na cor creme que quebra o panorama monocromático do lugar. Um balcão de madeira escura está próximo da porta. Vejo um homem, que estava atrás dele, se dirigir a nós.
Ao se aproximar, espero mais uma conversa em italiano da qual eu não entenderei mais que duas palavras, no entanto o homem fala em um português meio enrolado, com Coringa. De imediato eu o reconheço, é Anderson! Ele está muito diferente, vestindo essa calça verde-militar e regata branca, além de esconder o cabelo crespo com um boné alaranjado. O que diabos ele está fazendo aqui?
– Coringa! Que surpresa te ver aqui. – Anderson cumprimenta-o com tapinhas nas costas e depois olha para mim – Ah, você também veio, Bárbara?
– Babi. – Coringa corrige Anderson, fazendo-me olhar para ele.
– Perdão, signora. Babi! É um prazer receber você no meu centro de treinamento.
– Seu centro? – Falo alguma coisa pela primeira vez.
– Está vendo, Anderson? Até minha noiva reconhece sua ousadia ao dizer que esse centro é seu. – Coringa diz, com uma falsa reprovação, e os dois riem.
– Eu sou apenas o gerente daqui. – Ele se explica a mim – Não é à toa que tive de ser o novo sócio dos Paviole, afinal, minha grana tem que ter uma justificativa, se é que me entende.
Anderson me cutuca com o cotovelo e me lança um sorriso cúmplice. Ele parece ser um homem cordial, porém a minha única reação é sorrir amarelo. Uno as mãos na frente do corpo e balanço a cabeça. Logo após isso, os dois ficam conversando, alheios a minha presença, e eu posso apenas observá-los com uma vontade louca de fugir daqui. Eles comentam coisas sobre como Coringa não vem com frequência ao centro de treinamento de Milão e que Crusher vem mais vezes.
Não me importo muito com isso, procuro outro foco da minha atenção, porém, quando tento me afastar, Coringa segura minha cintura e me aproxima rapidamente dele, como se estivesse tentando me dizer que eu não vou escapar tão cedo.
– Vamos acabar logo com esse papo, preciso treinar com minha noiva. – Coringa diz, tirando os olhos de Anderson e me encarando profundamente pela primeira vez hoje.
– Vão treinar tiro, defesa pessoal...? – Anderson indaga.
– Defesa pessoal. – Respondo, desviando minha atenção dos olhos provocativos de Coringa.
– Ótimo! Me acompanhem.
Anderson caminha em direção a uma porta próxima ao balcão de recepção que na verdade dá acesso a um corredor iluminado com leds brancos e azuis. Enquanto o seguimos, passamos por algumas salas com vidros que permitem ver o interior e, então, noto homens e mulheres, todos vestidos de preto, treinando e vez ou outra lutando entre si. Um corredor perpendicular ao que estamos conduz a mais outras infinitas salas das quais vejo de relance mais pessoas, talvez armadas.
Dobramos uma esquina e Anderson para a marcha.
– Tenho essa sala disponível. Se precisarem de algo é só me chamar.
Ele retira de um dos inúmeros bolsos de sua calça um mol de chaves e destrava a porta. Abre-a para que possamos entrar e vai embora, nos deixando a sós.
Observo a sala. O chão quase todo é como um tatame e no canto oposto a entrada há um banco de madeira, toalhas de rosto penduradas num cabideiro, garrafas térmicas e outros objetos em uma prateleira e um bebedouro pequeno com galão de água azul.
– Vamos começar? – Coringa mais ordena do que pergunta.
Ele retira seus sapatos e eu faço o mesmo. Jogo-os ao pé do tatame acolchoado e sigo Coringa.
– Primeiro, nós temos que nos aquecer. – Ele diz.
Depois de uma série de exercícios de aquecimento, Coringa finalmente anuncia que vamos partir para o treino de verdade. Eu já estou ofegante e meu corpo começa a ficar preguiçoso. Bebo um gole de água e volto ao centro do tatame.
– Antes que eu comece a te ensinar golpes de defesa pessoal, preciso saber como está seu condicionamento físico e sua força, porque caso aja a necessidade, vamos treinar isso antes.
Balanço a cabeça confirmando e limpo a testa com o dorso da mão.
– Primeiro eu quero testar o seu ataque.
– Certo, e o que eu tenho que fazer? – Pergunto, meio confusa.
– Vamos simular uma situação de ataque pela frente. Eu te ataco e você se defende como souber.
Coringa se afasta um pouco de mim e aguarda alguns segundos até vir com tudo, com as mãos estendidas como se quisesse me sufocar ou algo do tipo. Meu raciocínio não é rápido o suficiente, não consigo pensar no que fazer, se desvio, se o bato, por isso sou pega por ele. Ele segura a curvatura do meu pescoço firmemente, mas não ao ponto de me estrangular, seus dedos se entrelaçam na minha nuca e nossas respirações se misturam.
– Não tão rápido, ragazza. – Ele diz, estalando a língua.
– O que você esperava? Nunca me importei em aprender me defender.
– Isso é um grande erro, Babi. Você pode passar por qualquer situação, inclusive as que colocam em risco sua vida. Você deveria estar preparada para todas elas.
Não digo nada, porque sei que ele está certo. Nunca imaginei que passaria por situações de risco, mas olha aonde estou. Tão precavida como sou, como não pude me preparar para essas coisas?
Sinto Coringa tirar as mãos do meu pescoço e me afasto dele. O calor do seu corpo já estava me contagiando.
– Quero testar sua defesa agora.
Dessa vez, Coringa se posiciona atrás de mim e simula que está fazendo um mata leão. Ele pede que eu reaja ao ataque no seu sinal e assim faço, mas novamente, não consigo me sair bem no seu teste.
Coringa não aperta meu pescoço com o mata leão, na verdade é mais como se estivesse me abraçando por trás. Sinto-o tirar uma casquinha da situação ao grudar seu corpo no meu. Um arrepio percorre meu corpo e tento desfazer o contato, mas ele me impede, enrijecendo os braços.
– Ainda não acabou. Tente se soltar. – Ele diz.
Tento tirar os seus braços do meu pescoço, porém ele é mais forte que eu. Forço por mais algum tempo até que por fim eu desisto e apenas tento dar um soco no seu abdômen com o cotovelo. Mas ele percebe a minha intenção e consegue desviar sem que antes seja atingido. No fim ele me solta, com um sorriso travesso nos lábios.
– Será muito bom treinar você. – Ele declara, me fazendo revirar os olhos.
– E o meu condicionamento físico? Como vai treinar? – Tento soar indiferente ao comentário dele.
– Flexões e abdominais. Três séries de cada.
Contorço meu rosto com preguiça. Coringa é irredutível e me obriga a deitar no tatame para fazer as flexões. Mas antes que eu pudesse começar a primeira série, Anderson entra na sala.
– Desculpa interromper, Coringa – Ele diz – mas o pessoal sabe que você está aqui. Eles querem sua bênção.
Coringa faz uma cara de tédio e começa a se aproximar de Anderson. Antes de passar pela porta ele anuncia:
– Eu volto daqui a pouco. Faça todas as séries direitinho.
Jogo um "pode deixar" meio fingido e espero ele fechar a porta atrás de si. Caio no tatame com os braços abertos e encaro as luzes da sala até perder a noção do tempo.
[...]
Olá mi amores! Gostaram do capítulo de hoje? Deixem seu votinho.
Eu demorei a postar mas é porque preciso seguir o calendário de postagens de acordo com a outra plataforma que também posto esse livro, como vocês sabem. Mas só pra deixar claro: ESSE MÊS DE JULHO TEREMOS CAPÍTULOS TODO DIA❤
Beijinhos e até amanhã❤
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